Capítulo Cinco

Horas mais tarde, Elena se revirava de um lado para o outro na cama. As lágrimas finalmente haviam cessado, mas ela não conseguia dormir. Não parava de pensar em Klaus e no que havia acontecido entre eles. Ela ponderava que não fora certo o que fizera com Klaus, mas ela não conseguiu se impedir de aproveitar o momento. Ela estava apaixonada por ele e sonhara com um momento daqueles por meses, até anos. O que ela não esperava era que ele a tratasse como ele fez, ou que dissesse o que ele disse.

Agora ela se sentia culpada, Klaus a fizera se sentir culpada. Sentia-se magoada, ferida por dentro. As lágrimas voltaram a seus olhos quando o telefone de casa tocou. Ela tentou ignorá-lo, porque não importava quem fosse, não estava com vontade de falar com ninguém. Seu celular havia sido abandonado no silencioso desde que saíra de Nova Orleans, e ela não olhara para ele uma única vez.

Elena queria sofrer sozinha, mas depois de alguns minutos, o telefone tocou novamente e Elena o encarou. Um telefonema às 2 horas da manhã poderia ser alguma emergência. Ela era médica na cidade afinal, e foi isso que a fez estender o braço e atender ao chamado. Quando disse alô, estremeceu ao som da própria voz, embargada pelas lágrimas que derramara.

— Elena, eu não queria dizer...

— Não quero falar com você! — interrompeu ela ao ouvir a voz de Klaus.

Aquele sotaque britânico destruiu o frágil controle que ela conseguira sobre as suas emoções e ela começou a chorar intensamente outra vez. Os soluços eram evidentes, apesar dos esforços que fazia para escondê-los.

— Deus, você está chorando! — ele gemeu suavemente.

— Já disse que não quero falar com você! Me deixe em paz!

Klaus de alguma maneira pareceu adivinhar as intenções dela e disse num tom irritado:

— Não desligue o telefone!

Mas Elena desligou assim mesmo. Ela não queria ouvir nada do que ele tinha a dizer, imaginando que seriam mais ofensas ou recriminações. Ela desconectou o telefone da linha e enterrou a cabeça no travesseiro, chorando até seus olhos ficaram secos e ardendo. E quando se cansou, de alternar entre chorar e olhar para o teto, ela decidiu se levantar e escrever.

Pegando seu diário, ela se sentou no banco na janela e começou a relatar o dia que tivera. Escrevera sobre a tensão de ir encontrar Klaus, sobre seus sentimentos por ele, sobre como eles se beijaram e sobre como tudo terminou. Ela estava confusa sobre seus próprios sentimentos, sempre perguntando a si mesma se estava traindo a amiga falecida ou se merecia viver algo com Klaus, caso tivesse oportunidade. Ela estava apaixonada por ele por tanto tempo. Embora ela sentisse culpa, ela sabia que se Klaus a beijasse novamente, ela não o afastaria.

Depois que terminou de escrever ela se deitou, esperando que o sono viesse. Sorte que o dia seguinte era sábado, pois quando ela finalmente dormiu já estava amanhecendo, o que fez Elena dormir até tarde e levantar ainda se sentindo cansada, com as pálpebras pesadas e os movimentos letárgicos.

Depois de um banho rápido, ela se esforçou para fazer algo para comer, e já era fim de tarde quando ela se aninhou no sofá, com um chá morno entre as mãos, exausta demais e sem vontade de fazer qualquer outra coisa.

Nesse momento a campainha tocou e ela se ergueu. Depositando a xícara de chá sobre a mesa de centro, ela atendeu ao chamado sem pensar em nada. Elena sempre imaginava que poderia ser uma emergência, alguém da cidade necessitando de ajuda. Mas assim que abriu a porta e se deparou com a face bonita de Klaus, um sentimento de desespero desabou sobre seus ombros. Ela não queria vê-lo, não queria falar com ele, não queria que ele a visse tão arrasada.

Ela tentou fechar a porta na cara dele, mas Klaus previra seu movimento e segurou a porta.

— Não vai me deixar entrar? — perguntou ele, a voz rouca, diferente do habitual.

Elena não o encarou, e nem respondeu. Não foi capaz. Em vez disso, se afastou e abriu a porta, deixando Klaus passar por ela. Quando ele entrou na sala, ela viu que ele usava um traje bonito, composto por calça jeans preta e um pulôver cinza, que ela sabia serem caros. Ela se deu conta de que não estava bem-vestida, ou no mínimo, arrumada.

Elena tinha os cabelos longos e castanhos caindo livres sobre as costas. O short de moletom que ela usava era velho, frouxo e desbotado, e em conjunto com a blusa solta que vestia, com certeza ela parecia enorme e inadequada naquelas roupas, sem falar que ela estava desprovida de qualquer traço de maquiagem que disfarçasse o inchaço do choro. E quando Klaus passou a inspecioná-la desde os pés até os cabelos, Elena lutou contra o desejo de cruzar os braços sobre o tórax protetoramente.

— Sente-se! — disse ela, finalmente controlando a voz o bastante para falar.

Klaus se sentou no sofá e ela se acomodou em uma imensa poltrona em frente a ele, incapaz de iniciar uma conversa ou encará-lo, apenas esperando que ele falasse para quebrar a tensão, enquanto ela encarava os sapatos que ele usava.

Klaus não percebera qualquer tensão ou prestara atenção nas emoções que Elena exibia. Ele estava focado em analisar o corpo dela. Ficara surpreso demais com a aparência de Elena naquelas roupas confortáveis e caseiras, tanto que estava tendo dificuldade para lidar com aquele aspecto novo e surpreendente do caráter dela. Esperava vê-la vestida com calças, blusas de manga longa e o cabelo preso em um rabo de cavalo, como ela habitualmente fazia todas as vezes em que ia visitá-los em Nova Orleans. Em vez disso, ela parecia bastante jovial, relaxada e atraente naquelas roupas velhas e confortáveis.

Ele julgava que Elena possuía uma graça e resiliência que lhe tornava possível usar qualquer coisa, estar em qualquer ambiente, lidar com qualquer tipo de pessoa, e ainda assim estar bonita e adequada, como se pertencesse ali. Sabia que ela e Caroline eram da mesma idade, logo Elena tinha 33 anos, mas havia um frescor naquela face nua que a fazia aparentar uns 10 anos a menos. Era daquele modo que sempre imaginara vê-la, ou pelo menos com algo diferente. Ela sempre fora séria com ele, embora amigável. Ele sempre imaginara como ela seria antes de amadurecer tanto. Com um olhar de apreciação, examinou-a novamente, demorando-se nas pernas longas.

— Sinto muito por ontem — disse de repente, tentando manter seu olhar no rosto dela. — Pelo menos, sobre o que eu disse. Não me arrependo de tê-la beijado ou por quase ter ido para cama com você.

Elena desviou o olhar, ruborizando, incapaz de encará-lo. Ela não queria falar sobre aquilo, o melhor seria esquecer que acontecera.

— Tudo bem, eu entendo. Ambos estávamos...

— Transtornados. Eu sei. — Seus lábios se curvaram num breve sorriso ao interrompê-la. —- Mas transtornado ou não, eu a beijei a segunda vez porque quis beijá-la. E agora senti vontade de vê-la. Espero que possa me perdoar pelo que eu disse.

Elena umedeceu os lábios. Parte dela desejava se agarrar àquela oportunidade, qualquer oportunidade de passar algum tempo com ele, mas a outra estava cautelosa, com medo de ser ferida outra vez.

— Certo — sussurrou ela.

Ele suspirou, passando as mãos pelos cabelos loiros.

— Ontem, pela primeira vez, consegui estar naquela casa e falar sobre eles. Você os conheceu e entende. Estava tudo preso dentro de mim e com você pude falar. Por favor, Elena, você era amiga de Caroline. Agora seja minha amiga!

Respirando fundo, ela o encarou dolorosamente. Que ironia do destino, o homem que ela amara durante anos vir procurá-la, implorando sua amizade, porque sentia que podia conversar com ela sobre a esposa morta, sua melhor amiga. Pela primeira vez se ressentiu com Caroline, com o laço com que ela envolvera Klaus que não se soltava nem mesmo após a sua morte.

Mas ela não podia pensar aquilo de Caroline, a culpa era dela. Fora ela quem se apaixonara por Klaus quando ele já era casado com sua amiga. Eles eram inocentes de seus sentimentos, ela era a única errada naquela história. Ela amava Caroline, sempre a amaria, assim como Klaus, e por Caroline, faria o melhor para seu marido.

— Não acho que seja uma boa ideia — disse por fim, libertando as palavras presas na garganta seca. — Apesar do que você pensa, Caroline... Caroline sempre estará na minha mente.

Os olhos dele escureceram com a dor que os assaltou.

— E na minha, eu sempre vou amá-la. Mas não posso me deitar e morrer com ela. Tenho que continuar vivendo.

Elena o avaliava. Como podia dizer não a Klaus, quando ele a encarava com as feições contraídas de desespero? Como podia dizer não a qualquer coisa que ele lhe pedisse? A verdade nua e crua é que não conseguia lhe negar coisa alguma. Se ele pedisse qualquer coisa a ela, ela faria, por estar perdida e irrevogavelmente apaixonada por ele.

— Tudo bem.

Klaus a encarava em expectativa, então, as palavras dela penetraram em sua mente e ele fechou os olhos, aliviado. E se ela tivesse recusado? De uma maneira que não podia compreender, se tornara vital para ele que Elena não o repelisse. Era seu último elo com Caroline e, além disso, na noite anterior, finalmente admitira para si mesmo que sentia atração por ela, animando-se por ter conseguido romper o gelo que a cercava, descobrindo que ela não era tão fria como ele pensava, e que ela era suscetível as suas investidas.

Ele tinha certeza de que Elena era o tipo de amante apaixonada, que se entregava por inteiro, e ele queria experimentar isso nela. O simples pensamento de excitá-la mexeu com a sua respiração e fez seus quadris enrijecerem. Para dispersar o desejo crescente, deu uma olhada ao redor da sala e voltou a ficar surpreso. Tudo era aconchegante, com texturas confortáveis e cores relaxantes.

Klaus nunca estivera na casa dela antes, mas sempre imaginara que fosse um lugar sóbrio e neutro. Entretanto, a mobília era toda robusta e repleta de estofados, um convite ao repouso de um corpo cansado, as cores eram claras e convidativas, as paredes decoradas com fotografias dela e de sua família. Tudo parecia assim, calmo e confortável. Era ali que Elena se libertava de sua formalidade e relaxava.

— Gosto desta sala — disse ele, fitando-a.

Elena olhou nervosa ao redor, ciente do quanto de si era revelado pela atmosfera que havia criado para seu retiro particular. Voltara para a antiga casa da família e arrumara o lugar de um modo que lhe proporcionava o calor e a segurança que tivera na infância, e que passara a almejar depois da perda dos pais e do irmão. Crescera em uma casa provida de conforto físico e amor, e sonhava com um ambiente assim novamente.

No tempo em que fora casada com Damon, morara em uma mansão que era lindamente decorada, moderna e rica, porém deixava a desejar no que se referia a amor. O lugar era impecável, decorado por um renomado designer de interiores, mas a frieza que havia entre as paredes a fazia tremer e ela inventava desculpas para escapar lá de dentro, dedicando-se ao trabalho com afinco. A frieza refletia o distanciamento do homem e da mulher que viviam em seu interior.

Ela ainda se perguntava em que havia errado com Damon. Ele lutara tanto para ficar com ela, mas quando se casaram, ele pareceu perder o interesse. Talvez ela fosse para ele como seu precioso carro, apenas algo que ele tinha e podia exibir por aí, como um troféu. Porque, ela pensava, se ele a amasse de verdade, ele jamais a teria traído. Ele teria querido o mesmo que ela, filhos e uma família. Mas ele sempre dissera que não queria ser pai, ironicamente engravidando a amante.

Elena sofrera com o fim do casamento, e isso matou algo dentro dela. Seus sonhos de uma família, de um amor verdadeiro e duradouro foram despedaçados. A única imagem de família que Elena conheceu depois dos pais fora proporcionado por Caroline, no lar que ela construíra ao lado de Klaus. Ela se perguntou diversas vezes se ela sentia inveja da amiga, nunca chegando a uma conclusão lógica. A única certeza que ela tinha era que queria que a amiga fosse feliz, mesmo que ela tivesse se apaixonado pelo marido dela.

Na juventude, Caroline e Bonnie foram como suas irmãs. Caroline sempre fora esfuziante, calorosa e animada, o que atraía as pessoas para ela. Com Caroline e Bonnie, ela rira e brincara e fizera todas as coisas normais que uma menina adolescente faz. Mas agora Bonnie estava longe, e Caroline se fora. Pelo menos, morrera sem saber que sua melhor amiga estava apaixonada pelo marido dela, pensou angustiada.

De repente, ela se recompôs e se ergueu.

— Gostaria de beber algo?

Um whisky ou uma cerveja gelada, pensou Klaus. Mas ele apostaria qualquer coisa que possuía, que Elena não bebia whisky, mas talvez, cerveja. Ele recordava de Caroline ter dito algumas vezes que elas festejaram durante o ensino médio. Ele bem podia imaginá-la, livre, dançando, bebendo, sorrindo.

Elena se remexeu apreensiva, desejando saber por que ele a observava tão atentamente. Então, pôs uma mão na bochecha, pensando na possibilidade de ir até o quarto colocar um pouco de maquiagem. Qualquer coisa seria melhor que nada.

— Suponho que tenha cerveja. — Ele disse suavemente, sem tirar os olhos dela.

Mesmo sem querer, Elena riu. Nunca mais comprara uma cerveja na vida depois da morte dos pais. Elena sempre associou a bebida a esse evento. Ela fora a uma festa e ficara bêbada, motivo pelo qual seus pais saíram na madrugada para buscá-la e acabaram mortos, junto com seu irmão. Depois disso, Elena jurou jamais beber novamente na vida.

— Não. Está sem sorte. Suas opções se limitam a um refrigerante, água, chá ou café.

As sobrancelhas escuras se ergueram.

— Nenhuma bebida alcoólica?

— Não.

Klaus notou a sombra escura em sua feição, deduzindo que havia algo a mais ali, no porquê ela não consumia álcool. Ele não recordava se Caroline havia mencionado algo sobre isso, e decidiu que não era hora de pressioná-la a algo mais.

— Um café, então.

— Boa escolha!

Quando ela sorriu, a face delicada assumiu uma animação que o fez prender a respiração. Klaus se remexeu incomodamente no sofá. Droga! Tudo naquela mulher o fazia pensar em sexo. Ele se perguntou se ela sorriria assim para ele quando ele dissesse a ela o que queria fazer com ela.

— Ou, posso dispensar a bebida, e você pode me convidar para jantar. — Ele insinuou, um sorriso nos lábios.

Elena encarou-o apreensiva. Já era tarde e ela não saíra para comprar mantimentos naquela semana. A refeição mais nutritiva que poderia lhe oferecer seria um sanduíche de presunto e queijo, e Klaus não parecia ser um homem de apreciar esse tipo de coisa.

O que ele gostaria de comer? Desesperada, tentou se lembrar das refeições que Caroline preparava. Mas a amiga era um desastre total na cozinha, tanto que seus esforços se limitavam a coisas simples, que pudesse preparar sem muito risco e que suprisse apenas a necessidade e não a preferência de alguém.

Elena era diferente da amiga, gostava de cozinhar, era uma excelente cozinheira, sempre fazia algo diferente para as crianças de Caroline comerem quando ela os visitava. Mas agora ela não tinha o necessário para oferecer uma refeição de qualidade, como ela pensava que Klaus merecia. Por fim, virou as palmas para cima, impotente.

— Meus armários não estão vazios, mas falta pouco para isso. Posso convidá-lo para jantar, mas a comida sairá bem tarde, porque terei que ir fazer compras, primeiro.

Sua sinceridade o deleitou e Klaus sorriu, um sorriso genuíno que fez os olhos claros brilharem com intensidade. Ele gostou de ela ter sido verdadeira ao invés de arrumar uma desculpa. E Elena prendeu a respiração. Ele era muito bonito, e quando sorria, as covinhas se destacavam em seu rosto, dando um ar inocente e ao mesmo tempo sedutor a ele.

— Não é melhor eu levá-la para jantar, em vez disso? — ofereceu, ele de repente.

Elena se perguntou se ele havia planejado aquilo desde o início. Klaus era um homem que sabia o que queria e ia atrás disso. Ele podia ter planejado tudo, mas a deixou pensar que fora uma ideia espontânea.

— Certo — aceitou ela suavemente. — O que tem em mente?

— Carne, alguma refeição com carne. Eu não almocei, não quis parar na estrada enquanto vinha para cá. — Confessou.

Elena assentiu e considerando que ele viera de tão longe para lhe pedir desculpas, pediu que ele aguardasse, enquanto ela subia até seu quarto para se trocar.