KIARA POV

A viagem foi longa e cansativa. Fui sentada ao lado de Kazuki, mas permaneci em silêncio na maior parte do tempo, trocando apenas algumas palavras com o mesmo, cada vez que ele pedia alguma dica de batalha ou demonstrava-se ansioso e preocupado, portanto eu tentava acalmá-lo. Tio Yuki agitava o caminhão inteiro, brincando e fazendo apostas com os outros. Esse era seu maior divertimento. Geralmente eles apostavam em quem conseguiria derrotar o youkai, como seria a derrota e qualquer outro detalhe banal sobre as batalhas. Como cada um de nós usava suas próprias habilidades, armas e poderes havia uma infinidade de combinações possíveis para o jogo. A recompensa do vencedor era o todo o dinheiro apostado por cada um dos participantes. Não sei se era sorte ou talento, mas meu tio geralmente acertava em suas previsões.

Quando chegamos a nosso destino percebi que Kimura na realidade se tratava de uma grande aldeia cujas as casas eram feitas de madeira em sua maioria e pareciam bem antigas, mas mesmo assim preservavam sua elegância. Aparentemente ali vivia um povo simplório que se estagnou no tempo. As ruas estavam praticamente vazias e as poucas pessoas que encontravam-se fora de suas residências nos olhavam amedrontadas ao mesmo tempo suplicando por salvação. Seguimos então diretamente ao encontro com a autoridade local.

— Sejam bem-vindos! Fiquem à vontade. Sou o Governador Matsuoka. Muito obrigado por terem vindo de tão longe até aqui para nos ajudar. Nosso Serviço Militar não deu conta do recado e não sabíamos mais o que fazer para resolver essa situação! Esse monstro vem quase todos os dias aqui, têm nos aterrorizado e ameaçado. Alguém sempre morre, principalmente as crianças, ele ama devorar as crianças. Várias famílias já foram destruídas...

O governador gorducho tagarelava sem parar sobre o terror que a aldeia inteira estava vivendo, emitindo gritos de desespero com sua voz esganiçada. Todo o falatório fez com que os vasos sanguíneos do meu cérebro pulsassem e uma leve dor de cabeça tomasse conta de mim. Apenas desejava que ele calasse a boca o mais depressa possível, mas o homem estendeu a conversa por um bom tempo até o momento em que meu pai conseguiu acalmá-lo.

— Não se preocupe, trataremos de resolver o problema o mais rápido possível e logo vocês voltarão a ter paz. Temos uma hora até o início do anoitecer, não é? – Como sempre meu pai tinha jeito com as palavras e com as pessoas. Ele falava num japonês praticamente perfeito, quem o visse até pensaria que é sua língua natal, mas nós komorebis temos língua própria, embora aprendamos japonês desde que nascemos.

— Ah sim claro! MUITO OBRIGADO! Podem relaxar enquanto isso. Vou mandar os empregados levarem vocês até seus aposentos para que descansem um pouco.

Dito e feito. Um jovem empregado do governador nos acompanhou até uma sala enorme, com poltronas, sofás, camas, televisão e até mesmo uma cozinha. Era como um mini apartamento de luxo. Um cenário totalmente oposto ao exterior das casas da aldeia em que estávamos. A todo o momento o homem não deixava de fixar seus olhos em mim, me incomodando profundamente.

— Bom se precisarem de algo podem me chamar por meio dessa campainha. É só tocar e eu venho. – Disse ele me entregando o pequeno dispositivo que serviria para chamá-lo, ainda sem desgrudar os olhos de mim. O que tanto olhava afinal?

— Algum problema comigo, senhor? – Perguntei na tentativa de deixar claro o meu descontentamento.

— M-Me...me desculpe...– Ele saiu correndo do quarto, fechando a porta de maneira grosseira na minha cara. Ridículo. Fingi que nada aconteceu e me sentei no enorme sofá ao lado de Kazuki.

— Poxa Kiki, aonde quer que você vá sempre acaba chamando a atenção de algum cara né? Eles ficam sempre apaixonados. – Ele me olhou sorrindo como se achasse graça da situação e eu corei, não de vergonha, mas sim de raiva. Por mais que eu odiasse admitir isso é verdade. Não que eu me ache realmente bonita, mas todos me dizem que sou bem parecida com a minha mãe e ela era linda. Temos os mesmos olhos verdes claros, mas meu cabelo é mais parecido com o do meu pai, castanho com um leve tom avermelhado.

— Claro que sim Kazuki! – Meu tio disse em meio a gargalhadas. – Beleza é de família! Lucy era linda, assim como eu! A sua irmã só está fazendo jus à família. Tenho certeza que você também será um galã.

— Tanto quanto você tio Yuki? – Os dois riram juntos.

Conforme o tempo foi passando, começamos a nos arrumar para a batalha. Prendi o meu cabelo com meu lenço cor-de-rosa como sempre fazia antes das lutas e preparei minha katana [1]. Entre tantas armas que nós komorebis utilizávamos eu escolhi lutar com uma espada, pois era simples e fácil de manejá-la e exige um combate corpo a corpo com o adversário, diferente de um arco e flecha, por exemplo. Meu pai também utiliza uma katana como arma principal, e Kazuki uma enorme lança, quase duas vezes o dobro e seu tamanho, enquanto meu tio faz uso de dois facões. Para os demônios mais fracos o uso dessas armas já resolvia o problema e caso não resolvesse apelávamos para nossos poderes. Antes de sairmos resolvi ir atrás de Kazuki apenas para garantir que ele estava realmente bem, já que muitas vezes ele escondia seus sentimentos só para não me preocupar.

— Você tá bem maninho? Está confiante?

— Sim, obrigado Kiki. Não precisa ficar se incomodando com isso.

— Tá bom então. – Me abaixei dando um beijo em seu rosto.

— KIKI! Para com isso! Não faz essas coisas na frente dos outros. Eu não gosto...– Ele disse vermelho, olhando ao redor pra verificar se alguém tinha visto e eu não pude evitar de dar risada.

— Desculpa.

Saímos da mansão do governador e armamos uma armadilha para o monstro. Cinco de nós estavam expostos pela cidade, fingindo ser aldeões, todos perto da avenida principal, onde havia a maior concentração de pessoas e provavelmente ocorreria o ataque. Algumas mulheres corajosas se voluntariaram para servir de isca para o demônio e estavam fazendo parte da encenação, permanecendo vulneráveis no local. Decidi me juntar a elas e fingir que era uma moradora, assim, caso ele me atacasse eu acabaria logo com o problema. Os outros do grupo ficaram escondidos em lugares estratégicos esperando pelo ataque do inimigo. Kazuki estava parado em um beco que se conectava à avenida principal da aldeia. Olhei para ele discretamente, de modo a não levantar suspeitas. Ele acenou e sorriu confirmando que estava tudo bem.

Olhando para o outro lado pude ver de longe o meu pai, camuflado em cima de um telhado. Desviei o olhar e continuei agindo normalmente enquanto o céu se tornava gradativamente mais escuro, sinalizando o início da noite. Eu imaginava que seria muito fácil perceber a chegada do youkai, até porque sua energia demoníaca seria inconfundível em meio a tantos humanos, mas me enganei. Simplesmente de forma inesperada um grito urrante ecoou na cidade indicando que o demônio já estava entre nós...mas como isso era possível?! Eu não tinha percebido nenhum sinal da presença dele e não notei a sua chegada de forma alguma. Foi como se ele tivesse se materializado aqui do nada, sem aviso prévio. Me virei em direção ao som e vi a agitação repentina das pessoas que ali estavam. O demônio já segurava uma jovem com o braço direito. Ela estava sangrando e inconsciente, então sem perder mais tempo meus companheiros e eu então avançamos para cima dele.

Golpes simultâneos acertaram o monstro. Entre eles, dei um forte chute em sua cabeça, que fez com que o youkai acabasse largando a garota que havia sido sequestrada. Antes que ela caísse e sofresse um impacto com o chão, consegui segurá-la. Verificando que ela estava apenas desmaiada, a deixei com os outros aldeões que assistiam assustados e o mais distante possível a batalha. Apesar de parecer uma luta injusta de 10 contra um, não atacávamos sempre todos de uma vez. Nós komorebis temos uma regra, enquanto um luta com o youkai os outros não se intrometem, a menos seja pedida ajuda, dando passagem para o próximo tentar. Mas nesse caso atacamos juntos, pois o inimigo já estava com uma refém.

Enquanto eu salvava a garota, meus companheiros continuaram atacando o demônio. Meu pai utilizou a katana para golpeá-lo diversas vezes, mas não houve muito efeito, pois ele parecia ter uma pele muito resistente, ficando apenas com alguns cortes superficiais. O mesmo fizeram os outros com suas armas, mas também nada adiantou. Até que esse demônio imbecil não era tão medíocre quanto eu pensava e o armamento comum não resolveria o problema. Teríamos que partir para uma nova estratégia.

De maneira sincronizada, em um golpe muito bem ensaiado, seis de meus colegas acorrentaram o youkai, que agora gritava imobilizado e visivelmente irritado. Estava claro que ele tinha bastante força bruta e que essas correntes não o segurariam por muito tempo, então precisávamos agir depressa.

— NÃO VÃO ME SEGURAR SÓ COM ISSO! VOCÊS VÃO PRO INFERNO! – Ele gritou forçando o máximo para quebrar as correntes e se livrar da situação.

— Kazuki, AGORA! – Meu pai exclamou, indicando ao meu irmão que aquele era o momento ideal para testar suas habilidades. Kazuki pareceu um pouco surpreso pela ordem, mas sem hesitar transferiu parte de sua energia espiritual para sua lança, permitindo que seu poder de ataque com ela aumentasse muito. Era o golpe ele estava treinando há tempos, mas ainda não tinha tido a oportunidade de testar.

Kazuki correu na direção do demônio e fincou a lâmina de sua lança o mais fundo possível no peito do youkai, a fim de atingir seu núcleo [2] . Como ela agora estava dotada de energia espiritual, conseguiu perfurar a pele do monstro com sucesso. Nesse momento a criatura exclamou de dor e sangue começou a fugir de seu corpo até que com o tempo ele foi deixando de forçar as correntes para tentar escapar, terminando por ficar completamente imóvel. Parecia ter sido o golpe final e já estávamos comemorando o sucesso da missão, mas nos enganamos e acabamos sendo surpreendidos da pior maneira.

Alguns militares e civis da aldeia começaram a lutar entre si e não demorou muito tempo para que se voltassem contra nós. Mas o que significava isso?! Esse povo enlouqueceu?! Porque estavam nos atacando, se estávamos tentando ajudá-los? Os outros aldeões, que pareciam ter permanecido com sanidade, também gritavam tão assustados e surpresos quanto nós.

Um militar veio pra cima de mim com uma enorme lança parecida com a de Kazuki, porém com uma lâmina bem menor. Consegui defender o golpe com a minha katana e quando olhei em seus olhos pude perceber que algo estava errado: ele parecia fora de si, como se não estivesse agindo por conta própria. Meus colegas de equipe que estavam segurando o youkai pela corrente também tiveram que soltá-lo para defender às investidas dos homens da aldeia. Obviamente estavam sendo controlados, mas por quem?!

Mal tive tempo de raciocinar sobre o que estava acontecendo, quando ouvi uma explosão à esquerda. A casa do governador tinha sido completamente destruída! Eu caí no chão com o impacto e o tremor que a explosão causou. Me levantei, mas aparentemente um bombardeio se iniciou na cidade e várias explosões começaram a ecoar ao meu redor. Os aldeões que pareciam estar agindo normalmente começaram a correr e gritar desesperados. Vários deles foram assassinados e caíram no chão derramando sangue por todos os lados, enquanto aqueles que ainda estavam sendo controlados continuaram nos atacando frenéticamente sem se importar com o que ocorria à sua volta.

Obviamente não podíamos machucá-los, porque eles não estavam fazendo por querer. Nós não matávamos humanos, ainda mais sendo humanos inocentes. Então apenas tentei desviar de seus ataques empurrando-os pra longe, mas não foi o suficiente já que eles possuíam não somente lanças, mas também artilharia. Ouvi um disparo e senti uma bala atingir minha perna esquerda de raspão causando dor suficiente para limitar minha movimentação. Com essa eu não contava, demônios não usavam armas de fogo, então nunca nos preocupamos com itens de defesa para esse tipo de ataque. Como iríamos imaginar que um dia humanos comuns se voltariam contra nós?!

— Eles estão sendo controlados! Não é culpa deles! – Meu pai gritou.

— JÁ PERCEBI! MAS POR QUEM?! – Tio Yuki retrucou incrédulo pela nossa situação.

Em meio às explosões, gritos e disparos parei para raciocinar por um segundo. Quem estava controlando os humanos? Eu olhei a bagunça em minha volta buscando uma resposta e quando me dei conta aquele demônio acorrentado havia sumido. Como assim? Kazuki havia matado ele, não?

— Aonde aquele demônio foi parar?! – Gritei pro meu pai enquanto lutava com um dos militares.

Foi como se a ficha tivesse caído na mente de todos os meus companheiros e juntos ficamos confusos por um instante tentando entender o que diabos estava acontecendo.

— PEGUE A GAROTA!

Uma estranha e demoníaca voz masculina vinda do céu ordenou de repente e seguindo o som ao olhar para o alto encontrei o dono da ordem, o causador das explosões e provavelmente quem estava controlando os homens da aldeia. Flutuando no céu como se fosse a coisa mais simples do mundo, ele tinha uma aparência humana, pele acizentada, cabelos grisalhos que iam até os seus ombros e uma aura sinistra como eu nunca havia visto antes. Seus olhos vermelhos me fitavam semicerrados e por algum motivo aquilo me amedrontou. Congelei. Eu queria me mover, mas não conseguia, estava presa em transe sob o efeito que ele me causava.

— KIARA, CUIDADO! - Meu pai gritou de longe.

Inutilmente paralisada, observei o demônio urso que eu pensei que estava morto surgir correndo em minha direção, prestes a me golpear. Era muito tarde para conseguir desviar do ataque, mas antes que me desse conta alguém me empurrou para fora do seu caminho, recebendo o o golpe em meu lugar.

— KAZUKI!

O que está acontecendo comigo? Eu estou distraída e completamente confusa. Por minha culpa meu irmão estava ferido. Ele foi arremessado para longe, atingindo uma parede de concreto e embora tenha permanecido consciente, estava cuspindo muito sangue. Além disso, parecia ter quebrado alguns ossos, pois tentou se levantar e não conseguiu.

— Pirralho desgraçado, não se meta! Você vai me pagar pelo golpe que me deu mais cedo! – O demônio berrou, pegando a lança de Kazuki que estava caída no chão e avançou para cima dele, pretendendo matá-lo. Tudo o que ocorreu a seguir passou como um flash veloz pelos meus olhos e apesar de ter acontecido em segundos, pareceu durar uma eternidade. Meu pai se colocou na frente da lança para defender Kazuki, de tal forma que seu corpo foi perfurado na altura do estômago.

— NÃO! – Kazuki e eu berramos ao mesmo tempo. Nosso pai estava caído no chão, enquanto seu sangue se espalhava no cimento da rua. Tio Yuki e os outros lutadores que ainda tentavam se livrar dos militares e salvar os aldeões ficaram olhando estupefatos para o que havia acabado de acontecer.

— SEU MALDITO! – Tio Yuki berrou e partiu para cima do inimigo, iniciando uma disputa intensa com o mesmo. Eu nunca havia visto ele dessa forma, usando todas as suas forças e com raiva transbordando dos seus olhos. Estava muito diferente do homem sorridente e sereno que eu estava acostumada.

Corri como uma louca em direção ao meu pai na tentativa de salvá-lo. Ofegando em dores, ele balbuciava com dificuldade.

— Filha...

— Não papai, não fala nada, não se esforça...eu...eu posso te curar – Tentei interrompê-lo, mas sua insistencia falou mais alto ao mesmo tempo em que balançava a cabeça em negação.

— Me... escute...Kiara...seja forte...e...não deixe...Kazuki sozinho...fique...sempre com...ele. – Sua voz foi ficando mais fraca até emudecer completamente e seus olhos se perderem no horizonte.

— PAPAI! Não! Por favor não...de novo não! – Gritei derramando lágrimas sobre seu corpo. Mas já era tarde demais. Ele estava morto. Eu sabia, mas não queria acreditar. Kazuki parecia ter recebido um choque e começou a entrar em desespero, chorando sem parar. Eu senti um ódio profundo dentro de mim e me levantei em busca do assassino do meu pai, que no momento travava uma batalha violenta com todos os meus companheiros, incapazes de aceitar a perda de seu Rei.

Eu senti a energia demoníaca crescendo em mim e sabia que meus olhos já estavam vermelhos. Normalmente eu não gostava que os outros me vissem com essa aparência, mas nessa hora eu nem me importei e pelo visto os outros komorebis também não. Pela primeira vez eu me senti realmente parte do grupo: estávamos unidos pelo mesmo desejo de vingança.

— Chega disso tudo, já me cansei, apenas pegue a garota e me traga ela viva! – Disse novamente a voz do homem que estava flutuando no céu, cuja existência eu tinha esquecido. – Dos outros pode deixar que eu mesmo cuido.

O youkai urso obedeceu seu superior e começou a me atacar furiosamente. Com vontade, eu revidei numa série de golpes usando minha energia demoníaca. Como eu estava muito mais irritada que ele, comecei o atingí-lo sem dar espaço para um contra-ataque.

Quando meus companheiros vinham de encontro a mim para ajudar, o mestre do youkai desceu de onde estava até o chão e em um segundo lançou uma espécie de golpe que explodiu o local onde todos os lutadores se concentravam, com exceção de Kazuki que ainda estava parado ao lado de nosso falecido pai. Com o som da explosão cessei meus ataques ao demônio. Todos meus colegas foram lançados pelos ares e alguns deles morreram instantaneamente, como o senhor Maebara, pai de Daisuke, cujo corpo recebera um impacto tão grande que agora estava destroçado. Tio Yuki também estava estirado no solo com os olhos abertos, mas sem nenhum sinal de vida.

Meu chão caiu. Senti minhas pernas bambas, não acreditava no que estava acontecendo. Estavam mortos...? Foi então que recebi o impacto de um forte soco. Havia me descuidado, e deixei o youkai completamente livre para me atacar. Consegui me equilibrar e não cai, embora a dor excruciante me pedisse o contrário. De qualquer forma, isso era o que menos me importava no momento.

— Ainda está de pé garota? – Resmungou o demônio que parecia um urso. Eu o ignorei observando o seu chefe. Ele havia olhado para Kazuki, levantando seu braço em um sinal de que lançaria o próximo golpe.

— NÃO! – Gritei desesperada, olhando pro demônio urso que insistia em lutar comigo e atrapalhava o meu caminho – SAI DA MINHA FRENTE!

Transferi minha energia demoníaca à minha katana e o ataquei, fazendo um corte profundo que pegou boa parte do seu corpo. Ele foi cambaleando para trás com a mão no ferimento até cair no chão e eu tive certeza que agora ele estava praticamente morto. Eu o teria matado, mas minha prioridade era acabar com estranho e amedrontador homem que queria atingir Kazuki. A distância entre nós me impediria de chegar a tempo e detê-lo, então num impulso coloquei praticamente toda minha energia na espada e a lancei em direção a ele. Nem mesmo saberia explicar o que fiz ao certo, mas antes que ele pudesse atacar meu irmão, a katana o alcançou e o perfurou no peito. Ele me olhou com raiva e a retirou aparentemente desequilibrado. Algo de errado aconteceu com ele, sua energia havia ficado mais fraca e sua aura estava oscilando. Grunhindo de raiva, ele bateu em retirada ao se lançar novamente ao céu e foi se afastando do lugar, até desaparecer completamente de vista.

Kazuki levantou com muita dificuldade e permaneceu em um estado catatônico. Não era pra menos, ele é só uma criança e certamente não estava preparado para encarar todos os fatos que estava vendo. A aldeia Kimura estava destruída e completamente pintada de sangue. Um cenário doentio. Eu estava esgotada, quase desmaiando e quando pensei que o pesadelo havia acabado, num ataque surpresa, Kazuki foi atingido por armas militares, fazendo com que ele caísse no chão mais uma vez. Não é possível, alguns desses humanos idiotas ainda estavam sendo controlados, mesmo depois daquele homem ir embora?! Nunca senti tanta vontade de matar um ser humano como estava naquela hora.

Não aguentava mais. Isso não podia acontecer com Kazuki, ele era tudo que me restava. Corri até ele ao mesmo tempo que os outros aldeões ainda vivos foram atacá-lo. Me joguei sobre seu corpo, caindo em cima dele para receber os ataques em seu lugar. Senti uma dor terrível quando algumas lâminas finas acertaram as minhas costas, além dos tiros de outras armas. Usei minhas últimas forças para ativar o meu poder de cura na tentativa de minimizar o estrago causado pelos ataques que me atingiram. Assim, caída sobre o corpo de Kazuki, minha visão foi escurecendo até que simplesmente eu desmaiei.

KIARA POF

Mais tarde, naquele mesmo dia.

Escondido, ferido e furioso por seus planos não terem dado certo, o homem encapuzado analisava com cuidado seu ferimento, causado pela lâmina de uma espada comum, cujo o estrago foi grande devido a energia absurda que havia sido transferida ao objeto. Ele sabia que se encontrar com a garota traria riscos e agora estava sofrendo com as consequências.

Passos hesitantes de dois de seus servos se aproximaram lentamente e o homem os encarou. O demônio de aparência de urso carregava um corpo humano, mas não era o corpo que o homem gostaria de ver. Era aquele garoto que a princesa komorebi fez questão de salvar atirando sua espada contra ele. Seu ferimento ardeu e latejou mais uma vez.

Aonde está a garota? – Sua voz soou amedrontadora.

Senhor...sinto muito, mas ela morreu, então no lugar dela trouxemos o garoto. Talvez ele sirva.

Morreu?

Sim, eu conferi e...

Idiotas! Imprestáveis! – O homem encarou seus servos friamente com os olhos vermelhos cheios de ódio e rancor. – Ela está viva!

Mas senhor eu mesmo conferi...

Cale-se! Se ela estivesse morta eu saberia! Eu já disse que é dela que eu preciso e não desse garoto inútil!

Um silêncio pairou no ar por alguns instantes.

Senhor vou até lá buscar o corpo da garota e você mesmo verá que ela está mor...

Idiota! Eu já disse que ela está viva!

Eu irei buscá-la.

Pelo bem da sua vida, acho bom que ela não tenha escapado.

Senhor, nos perdoe pelo erro. Se ela escapou então eu colocarei todos os youkais atrás dela até encontrá-la.

O homem não respondeu e apenas continuou a encarar seus serventes com fúria.

E o garoto senhor? Não vale nada mesmo?

O homem pálido segurou o menino desacordado pelo pescoço e sentiu o seu ferimento arder novamente. Por culpa desse humano ele havia sido gravemente ferido. Assim, ficou uns instantes imaginando como deveria matá-lo, mas não o fez, ao contrário, apenas soltou o garoto fazendo com que ele atingisse o chão.

Tenho planos pra ele.


Notas finais:

[1] Katana é um sabre longo japonês, usado em boa parte dos animes com espadachins. (Inclusive é usado por Hiei).

[2] Youkais não tem um coração bombeando sangue para o restante do corpo, no lugar eles tem o que se chama de núcleo.