KIARA POV
O relógio sobre a escrivaninha ao lado da cama anunciava que eram quatro da manhã. Me olhei no espelho uma última vez observando com certa estranheza a cor natural dos meus olhos...já fazia um bom tempo que não me via assim. De agora em diante poderia dispensar as lentes de contato coloridas que usava diariamente. Elas não seriam mais necessárias.
Não havia dormido ou descansado nem por um segundo sequer. Após o encontro com Yamazaki, apenas me concentrei em buscar uma solução para meu problema, chegando rapidamente à conclusão de que estava realmente enrascada dessa vez. O encontro da tal youkai chamada Asuka com Yamazaki fará com que ela e Ryou associem a aparência de Lucy à minha. Pode ser que até acusem Mikio de traição e o matem. Eu nem ao menos podia cogitar a possibilidade de enfrentá-los, afinal como poderia vencer os dois ao mesmo tempo?
A única forma de evitar essa situação seria fazer com que Mikio nunca mais se encontrasse com Ryou ou Asuka. Isso me direcionava para a única solução que consegui pensar: cometer um crime. Sequestrar Yamazaki.
Ser uma criminosa no Ningenkai não me preocupava. De qualquer forma, eu já havia me tornado uma a partir do momento que falsifiquei uma quantidade enorme de documentos pra me tornar "Lucy". O que realmente me atormentava era não saber se o plano daria certo. Mikio está sempre acompanhado de seus homens e chegar até ele não seria fácil. Mesmo assim, eu estava disposta a correr o risco. Sequestraria Yamazaki e o obrigaria a me dizer onde é o esconderijo daqueles youkais no Mundo dos Humanos. Kazuki deve estar lá!
Mas havia outro problema...ou melhor, outros. Não podia me esquecer do real motivo que fez com que Asuka viesse para Kurushimi: os prisioneiros. Aqueles idiotas também me viram e a memória deles revelaria o mesmo que a de Yamazaki. Além disso, ontem eu nem havia me atentado a um detalhe em particular...eles estão realmente à minha procura! Quando eu menti para Ryou ao dizer que eles estavam atrás de mim, um deles confirmou o meu blefe e até citou o meu nome.
Mas eu não conseguia entender...por quê? Sei que há meses venho sendo caçada por vários youkais, mas esse grupo é diferente. Os que estavam atrás de mim eram uns imbecis e juravam que seriam recompensados em troca da minha vida. Por outro lado, esses prisioneiros são o oposto: fortes e inteligentes. Não parecem o tipo de gente que corre atrás de uma recompensa. Então, o que querem comigo? Além disso, Ryou estava certo em desconfiar deles. Afinal, por que estão me procurando justamente aqui em Kurushimi? Não podem saber a minha localização...podem?!
De maneira alarmante, a dúvida crescia dentro de mim e me atormentava muito mais do que eu gostaria. Dessa foma, dentre tanta insegurança, a única certeza que eu tinha era a de que não podia deixar que Asuka descubrisse qualquer vestígio sobre mim em Kurushimi. Isso significava que ela não podia encontrar nem os prisioneiros, nem Yamazaki.
Ao sair apressada do hotel, fui recebida por uma onda de ar gélido que me fez estremecer no mesmo instante. O céu escuro e o baixo movimento das ruas anunciavam que a enorme cidade ainda estava adormecida, com exceção de alguns estabelecimentos ou locais específicos.
Apertando o passo, cheguei à Central de Captura de Youkais de Yamazaki um tanto quanto ofegante depois da longa caminhada entre as turtosas ruas de Kurushimi. Por um tempo rondei o enorme prédio à uma distância segura o suficiente para não ser vista, analisando com cuidado cada possível entrada. De súbito, a frustração tomou conta de mim ao notar que nem mesmo durante a madrugada a vigilância deixava espaço para invasões: câmeras e seguranças estavam espalhados por todo lugar e o movimento frenético de funcionários saindo e entrando do edifício tendia a aumentar conforme o tempo passava.
Estava certa de que nem mesmo a escuridão da noite me daria vantagens de passar despercebida. Assim, as esperanças de conseguir cumprir meu objetivo se despedaçavam aos poucos e, após um tempo, fui tomada pelo desespero. Conhecendo a rotina de Yamazaki, sabia que em poucas horas ele chegaria para trabalhar. Asuka também logo estaria aqui. Portanto, se eu demorasse mais um pouco, acabaria comprometendo todo o meu planejamento.
Frustrada, eu estava prestes a sair dali, decidida a mudar de planos e realizar apenas o sequestro de Yamazaki, no entanto, congelei no mesmo lugar ao ver de relance um veículo estacionar em frente à entrada. De dentro do automóvel a tropa de funcionários armados de Yamazaki saiu. Alguns deles rapidamente entraram no prédio e outros, menos apressados, ficaram conversando na entrada do local.
Estavam uniformizados e quipados para o trabalho, carregando armas enormes e com os rostos ocultos pelos capacetes protetores que completavam o restante da vestimenta.
Alguns deles retiraram o acessório da cabeça, expondo suas fisionomias. Entre eles, um conhecido entre a multidão chamou a minha atenção: Haruo. O jovem funcionário de Yamazaki, que acompanhou Sayu e a mim até o parque ontem, passava pelas catracas da recepção até desaparecer completamente da minha vista.
De prontidão uma ideia brotou na minha mente, mas não havia garantias de que funcionaria. Com as mãos um tanto trêmulas por conta do frio e da adrenalina percorrendo o meu corpo, peguei o celular do bolso e procurei o número de Haruo entre os contatos. Yamazaki havia me passado para caso eu precisasse de ajuda. Aproximei o aparelho do ouvido e esperei o chamado ser atendido. Três toques foram o suficiente.
— Alô?
— Haruo?
— Quem fala?
— Lucy...cuidadora da Sayu. Se lembra de mim?
— Claro. Posso ajudar em alguma coisa?
— Na verdade pode sim...eu estou com um problema. Sayu está em perigo!
— O quê?! Como?
— Eu não tenho tempo pra explicar. Você pode me encontrar agora mesmo?!
Teminei a conversa fornecendo a ele o endereço de uma ruela estreita e sem saída afastada da Central de Captura de Youkais. Era um lugar deserto e ideal para que ninguém pudesse nos encontrar. Após terminar a ligação, corri até a rua o mais rápido que consegui esperando que Haruo chegasse em seguida.
De longe, pude ver sua silhueta surgindo no horizonte ao mesmo tempo em que o céu começava a clarear pelo nascer do sol. Enquanto Haruo corria em minha direção, eu criava coragem e concentrava toda força que tinha no punho direito.
— Lucy...o que...aconteceu? – Na tentativa de recuperar o fôlego, a sua fala saiu ofegante e com longas pausas entre as palavras – Onde...está...a Sayu?
— Ela tá bem.
Mentalmente confuso, ele me encarou frente a frente esperando uma explicação.
— Mas você disse que ela estava em peri...
Não dei tempo para que concluísse o pensamento e com um único golpe preciso na cabeça, Haruo caiu desmaiado aos meus pés. Vasculhei seus bolsos até encontrar o crachá eletrônico que lhe dava acesso livre para passar pelas catracas da recepção da Central de Captura de Demônios. Sabendo que não podia ser vista enquanto estivesse lá, tratei de tirar seu uniforme e vestí-lo por cima de tudo que eu usava. Ficou um pouco largo devido à diferença de estatura, mas serviria pra enganar. Por fim, escondi meu rosto ao colocar o capacete protetor que carregava consigo, deixando apenas meus olhos à mostra.
Sem tempo a perder, corri de volta para a entrada do prédio pronta para colocar o plano em prática. Agindo naturalmente me dirigi às catracas e aproximei o crachá do leitor, evitando olhar diretamente para os recepcionistas e seguranças que estavam ali. Uma luz verde piscou no visor da máquina, me dando passagem para prosseguir.
Andei o mais rápido que pude em direção à prisão, tentando não levantar suspeitas pelas pessoas que eu passava, embora tivesse sentido alguns olhares duvidosos sobre mim. Não era pra menos, ninguém escondia o rosto dentro desse lugar, mas eu nem me importava com esse detalhe. Estava travando uma corrida contra o tempo e definitivamente precisava ganhar.
Desci rapidamente as escadas que levavam ao subsolo e cheguei ao longo corredor com as salas de prisioneiros. Pra minha sorte, estava praticamente vazio e me apressei em entrar na sala correta antes que alguém me abordasse.
— Quem é você? Se identifique. – Mal havia terminado de fechar a porta quando a voz do servo de Ryou ordenou por trás de mim, descontente pela forma abrupta com que cheguei – Yamazaki te mandou para buscar os prisioneiros?
Ignorando aquela pergunta sem sentido, o nocauteei em seguida com um único chute que o fez ser arremessado contra a parede oposta da sala, onde ele caiu quase desacordado. Caminhei até ele apressada e peguei as chaves das celas que guardava consigo, abrindo ambas em seguida.
Os prisioneiros me olhavam atônitos e estáticos, sem entender o que estava acontecendo.
— Vocês precisam sair daqui agora! No fim do corredor existe uma saída de emergência e por ali poderão ir embora sem que ninguém os veja. – Algo naquele equipamento que usava para cobrir o rosto alterava o tom da minha voz e, ainda que a ordem tenha soado mais firme do que deveria, ninguém me obedeceu.
Lentamente o garoto ruivo se aproximou. Intrigado, me analisava de cima a baixo com os olhos esmeralda.
— Acho que não era essa a ajuda que você estava esperando, Kurama. Pelo visto seu plano falhou. – O protetor da koorime zombou por trás dele.
— De fato Hiei, não era essa ajuda que eu estava esperando. Mas toda ajuda é bem-vinda. Quem é você? – Ele perguntou ao se direcionar a mim. Pensei em mentir, mas algo no seu olhar me dizia que ele já conhecia a resposta e, de alguma forma, isso me encorajou. Assim, tirei o capacete protetor revelando minha identidade.
— V-vo-vo-você?! – Em um grito esganiçado, atrás de mim o servo de Ryou se remexia no piso com dificuldade, me olhando como se estivesse diante de uma assombração.
— Qual é a sua, heim? Primeiro faz isso com elas...– Em um tom nada amigável, o outro demônio de aparência humana gesticulou em direção às garotas ainda ensanguentadas após a falsa sessão de tortura – ...e agora vem com essa de querer nos libertar?! Você vai ver sua...
Ameaçadoramente ele avançou um passo na minha direção e, ainda que estivesse preso e impotente dentro da barreira refletora, fez com que meu coração se sobressaltasse num espasmo de medo.
— Espera Yusuke! Ela não fez nada com a gente, estamos bem! Ela só fingiu nos torturar.
O garoto interrompeu o passo e olhou desconfiado para a humana que o chamou.
— Tá falando sério Keiko? – Ela confirmou balançando timidamente a cabeça e, franzindo o cenho, ele me analisou esperando uma explicação. Sem pretensões de satisfazer sua curiosidade, voltei minha atenção ao plano inicial.
— Vocês precisam dar o fora daqui sem serem vistos por ninguém! Depressa! Como eu estava dizendo, nos fundos tem uma saída de emergência. Eu darei cobertura pra vocês e...
— Espera aí garota! – ele me interrompeu – Como é que a gente se livra dessas barreiras? Não dá pra gente simplesmente ir embora assim.
Cansada de perder tempo, suspirei profundamente irritada enquanto tentava acalmar os meus nervos. Caminhei até o servo de Ryou, que se mantinha caído no chão, mas consciente.
— Ryou...Ryou vai saber disso... – Ele resmungou amedrontado conforme eu me aproximava. Ajoelhei em sua frente, e ameacei desembainhar a katana.
— É lógico que vai, eu faço questão que ele saiba. Agora por que não me conta como eles podem se livrar das barreiras refletoras?
— E-eu não...sei...só o comandante das tropas de Yamazaki tem o controle que remove ela. P-por favor...não me mate!
Que criatura patética. Pelo jeito que implorava por sua vida, estava falando a verdade. Sem ver motivos para insistir no assunto, me voltei para os prisioneiros e encarei suas expressões descontentes ao preverem o que eu diria a seguir.
— Vocês ouviram, não é? Não vai ter jeito de pegar, melhor irem embora assim mesmo e depois procurarem outra forma de se livrarem dessas barreiras.
— Como assim? Que forma?! – Num tom manhoso, a garota de cabelos azulados perguntou indignada.
— Isso é com vocês. Eu fiz a minha parte e agora tenho assuntos pra resolver, então caiam fora daqui de uma vez!
Antes que qualquer um deles tivesse chance de protestar novamente, um estrondoso som explosivo vindo de algum lugar dos andares superiores interrompeu a discussão. Gritos abafados de medo ecoavam distantes, enquanto um tremor percorria as paredes do cômodo. Nos entreolhamos confusos procurando uma explicação para o que estava acontecendo.
— O que foi isso? – O garoto ruivo me perguntou – O que tá acontecendo lá em cima?
Sem saber a resposta, de súbido me assustei com a única possibilidade que surgiu em minha mente. Corri em disparada até o servo de Ryou caído no chão e, quando dei por mim, já o segurava pelo pescoço, fazendo com que suas pernas ficassem suspensas pelo ar. No mesmo instante seus olhos se arregalaram mais que o normal, enquanto tentava inutilmente se livrar de minhas mãos em busca de ar.
— Você me perguntou se Yamazaki havia mandado eu vir buscar os prisioneiros. Por quê?!
— P-porque ele disse que faria isso.
— Tá querendo dizer que ele já ta aqui?! – Arrocheado, o youkai respondia com dificuldades enquanto eu o prensava ainda mais contra a parede.
— S-sim. E-ele chegou minutos antes de você. Ryou d-disse que a reunião seria antecipada! A-Asuka chegou mais cedo e...
Nem ao menos o esperei concluir a frase. Sem acreditar no que estava acontecendo, larguei aquela critura estúpida aos meus pés para em seguida ouvir o som do seu corpo atingindo o chão. Não podia acreditar...Yamazaki veio pra cá antes do que eu havia previsto e eu nem ao menos notei sua chegada? Obviamente ele só podia ter entrado no prédio na hora que eu estava com Haruo, sem vigiar a entrada.
Sendo assim, toda essa agitação só podia significar uma coisa: Asuka já havia visto as memórias de Yamazaki e tanto ela quanto Ryou já sabem toda a verdade...já sabem sobre mim. Desesperada, internamente apenas implorava para que nenhum dos dois tivesse matado Yamazaki, pois somente ele poderia me dar a informação necessária para encontrar Kazuki!
— Ei garota, você tá bem? – A voz da humana chamada Keiko me libertou do estupor em que estava. No entanto, ao encará-la me lembrei do que viria em seguida: era só questão de tempo pra que Asuka viesse verificar os prisioneiros!
— Precisam sair daqui logo, vamos! – Ordenei mais uma vez a eles sem nem sequer tentar esconder o evidente desespero em minha voz.
— Já disse que não dá pra gente ir embora com essas barreiras! – O tal Yusuke retrucou mais uma vez e assim, cansada de discutir, me dei por vencida.
— Então façam o que quiserem! – Com raiva, saí correndo da prisão em direção ao térreo na tentativa de procurar Yamazaki e encontrá-lo ainda com vida. Uma pontada de culpa atravessou o meu peito ao deixar os prisioneiros para trás, mas mesmo assim não pensei em voltar para ajudá-los. O meu plano já havia dado errado, então salvá-los não tinha mais sentido.
O que eles fariam a partir de agora já não era mais problema meu.
KIARA POF
KURAMA POV
— Espera! – O grito de Yusuke soou firme e autoritário, mas já era tarde demais. Lucy atravessava a porta do cômodo, desaparecendo do nosso campo de visão. Mais uma vez um tremor percorreu as paredes do prédio ao mesmo tempo em que os sons de disparos distantes ecoaram.
— O que será que tá acontecendo lá em cima? – Botan perguntou franzindo a testa, preocupada. No entanto, ninguém soube responder e, dessa forma, os segundos seguintes foram marcados apenas pelos ruídos vindo dos andares superiores. Analisando a situação, decidi ser o primeiro a romper o silêncio que pairava entre nós.
— Precisamos ir atrás daquela garota.
— Tá maluco Kurama? – Yusuke repreendeu incrédulo a minha sugestão – Temos que ir atrás do cretino que pode nos livrar dessas barreiras!
— Não, Yusuke. Você não percebe? Ela é a garota que procuramos...se a perdermos agora, podemos não encontrar mais.
— O quê?! De onde foi que tirou essa ideia?
— Ela tentou proteger todos nós. Mentiu sobre Yukina não ser uma mulher do gelo e sobre o que nós viemos fazer aqui, embora sem saber que disse a verdade.
— Isso não prova nada, só que ela traiu o próprio chefe!
— Não é só isso, Yusuke...aparência também é a certa. E hoje a cor dos seus olhos está diferente de ontem. Provavelmente usava lentes de contato e estava fingindo ser outra pessoa. Isso está óbvio.
— Não pode deduzir que é ela só com base na aparência. Você mesmo disse antes de vir pra cá: "quantas no Mundo não devem ser assim?". Além disso, eu não senti energia alguma vinda dela. É uma humana comum.
— Você não sentiu por falta de atenção. – Hiei interrompeu e Yusuke retribuiu com um olhar furtivo, antes que eu retomasse a conversa.
— Ela disfarça bem, mas ontem, por questão de segundos, sua energia ficou perceptível. Era fraca...quase inexistente.
— É verdade, ela não é uma humana comum – Yukina sussurrou baixo me dando suporte – É a garota que Hiei e eu encontramos assim que chegamos na cidade. Naquela hora ela acabou ferida e agora não tem mais nenhum arranhão. Um simples humano não se cura tão rápido.
Mais uma vez ficamos em silêncio, enquanto os tremores nas paredes faziam com que fragmentos minúsculos do teto caíssem sobre nós, empoeirando toda a prisão. Por fim, Yusuke relaxou os ombros convencido, embora continuasse balançando a cabeça em negação.
— Escutem...não importa se ela é a garota! Antes de qualquer coisa temos que nos livrar dessas merdas de barreiras! Só assim Yukina pode curar Kuwabara. Não percebem que ele não tá nem se aguentando em pé?!
— Cala a boca Urameshi! Não fala pelos outros! – Kuwabara protestou, abraçando a si mesmo na tentativa de conter a dor da ferida. Sua postura curva e a roupa ensopada de sangue deixavam claro que Yusuke tinha razão. Apesar de Kazuma ser resistente, receber seu próprio golpe foi mais impactante do que ele poderia imaginar. Ele perdeu muito sangue...quanto tempo mais poderia aguentar?
— Seu idiota, por acaso eu falei alguma mentira?!
— Calma Yusuke, se desesperar não vai resolver a situação.
— Como você quer que eu me acalme Kurama? Estamos presos há horas...desde ontem! E não tem nada que eu consiga fazer pra nos tirar daqui! – Inutilmente, mais uma vez ele golpeou com força a barreira ao seu redor, recebendo de volta o impacto do seu ataque.
— Idiota. Só vai se ferir assim. – As palavras de Hiei despertavam ainda mais a ira de Yusuke, que levantava do chão exibindo um olhar diabólico, prestes a explodir.
— Não enche o saco Hiei, pelo menos eu tô tentando fazer alguma coisa!
— Parem com isso e me escutem! – Ordenei dando fim ao que parecia ser o início de uma discussão – Vamos sair todos daqui e nos separar. Hiei e Yusuke devem ir atrás da garota e eu vou dar um jeito de nos livrar das barreiras. Botan, Yukina e Keiko, vocês devem ficar escondidas com Kuwabara em algum lugar. Assim que for possível, Yukina poderá ajudar Kazuma a se recuperar. Entenderam?
— Mas Kurama, como pretende encontrar aquele cara? Esse prédio é enorme, ele pode estar em qualquer lugar. – Ingênuo e sem ter conhecimento do meu plano, Kuwabara perguntou.
— Não tem problema, eu sei exatamente onde ele está. Não temos tempo pra que eu explique agora, mas eu já tinha me preparado pra essa possibilidade. – Hiei me olhava de soslaio com desconfiança – Estava errado sobre meu plano Hiei, ele deu certo. Enquanto você e Yusuke procuram Kiara, pode deixar que eu resolvo esse problema.
Em resposta ele deu de ombros como não se importasse.
— Espera Kurama...está pensando em ir sozinho? Pode ser perigoso. – Yusuke me analisava com calma. O espectro de raiva que carregava nos olhos há um segundo atrás já havia desaparecido por completo. Era como se tivesse voltado a ser o mesmo Yusuke de sempre, preocupado com os amigos.
— É perigoso pra todos nós. Estamos todos vulneráveis. Mas confia em mim Yusuke, vai ficar tudo bem. – Ele me estudou por um segundo antes de balançar a cabeça em concordância. No fundo Yusuke estava certo e sabia disso, mas não tínhamos outra opção. Eu mesmo tinha que ir atrás daquele homem, até porque foi o que planejei desde o início.
Estando todos de acordo, saímos apressados da prisão. Yusuke, Hiei e eu deixamos Botan, Yukina e Keiko para trás, escondidas e cuidando de Kuwabara. Por fim, nós três nos separamos conforme o combinado.
Ao sair do subsolo corri em direção à escadaria do prédio, a fim de chegar ao último andar, onde eu tinha certeza que encontraria o meu alvo. As sementes da Parasita Silenciosa que eu injetei nele não eram somente uma forma de controlá-lo, mas sim um radar para encontrá-lo. Ao embebê-las em meu sangue para acelerar a quebra da dormência, fiz com que elas germinassem usando parte da minha energia malígna. Assim, ainda podia sentir meu youki sendo emanado por elas e me guiando com exatidão para onde eu precisava ir.
Conforme subia os inúmeros lances de escada, os rastros de sangue pelo chão aumentavam, assim como a quantidade de pessoas mortas caídas sobre ele. Estava claro que o foco de toda essa confusão era jutamente na parte mais alta do edifício e qualquer descuido meu poderia ser fatal.
Chegando ao topo da escadaria me deparei com parte da tropa de soldados de Yamazaki, cujas armas estavam apontadas para Ryou, parado a metros de distância deles. Ao perceber o que aconteceria a seguir, me afastei a tempo na tentativa de me proteger. Um único golpe que Ryou lançou obliterou o local em que os homens se encontravam, que sem escapatória ou chance de reagir, caíram mortos no chão após a explosão. Por pouco eu desviei, apenas cambaleando um pouco para trás por conta da força impactante daquele ataque. Caso contrário, poderia ter tido o mesmo fim que eles.
Aproveitei a poeira levantada e os destroços do prédio para passar correndo pelo local sem ser visto, indo para a direção oposta de Ryou. Eu estaria em apuros se ele me encontrasse.
Sendo guiado pelo rastro do meu youki que se fortalecia cada vez mais, corri até o fim do corredor, onde encontrei uma porta de acesso para a saída de emergência do prédio. Um local isolado e perfeito para um líder covarde ficar escondido enquanto mandava seus homens para uma morte certa. Sem perder tempo, adentrei ao local e o encontrei convenientemente ferido e sozinho. Parece que isso seria mais fácil do que eu havia planejado.
— V-você?! O que faz aqui? Era para estar preso! – Estava sentado no chão, com sangue escorrendo da testa para todo o rosto. Ao me ver levou um susto e num único salto se colocou de pé, alarmado.
— Não quero te machucar, apenas me dê o dispositivo que desfaz as barreiras refletoras.
— Não vou te dar nada, não percebe que você está completamente indefeso contra mim? O que pretende fazer garoto? Qualquer ataque que tentar me dar, vai se voltar contra você mesmo! – ele riu com excitação pela vantagem – Já eu posso te acertar facilmente e você não pode fazer nada pra se defender.
Carregava uma arma de fogo, daquelas que realmente serviam para matar e não apenas aprisionar alguém com uma barreira. Ele a apontou em minha direção e sem hesitar apertou o gatilho. Se eu não tivesse sido o suficientemente ágil, a bala teria me atingido na altura do peito e eu estaria com problemas sérios. Mas ele era lento e estava ferido. Assim, facilmente desviei para o lado, fazendo com que o tiro apenas me atingisse de raspão no braço. Uma gota de sangue escorria pelo ferimento, mas não me incomodava. Nem ao menos servia para me causar dor.
— Você deu sorte, mas vamos ver quanto tempo você aguenta ficar desviando! – Mais uma vez ele estendeu o braço e mirou a arma em mim – Morra!
Sem me mover, apenas o observei tentar pressionar o gatilho em vão. No entanto, o largo sorriso que havia aberto antes se desfez num segundo ao perceber que seu corpo não o obedecia. Sua mão se abriu involuntariamente, derrubando o objeto no chão e seu corpo espasmou, deixando suas pernas bambas o suficiente para fazê-lo desabar.
— O-o que está acontecendo? – Ele tremia ajoelhado no piso, travando uma batalha interna consigo mesmo para se libertar do controle da Parasita Silenciosa.
— Você não é mais o dono dos seus movimentos.
— C-como? O que você fez? N-não é possível...– Falava com dificuldade e os olhos arregalados revelavam o profundo medo que sentia, enquanto tentava sem sucesso se movimentar. – V-você está dentro da barreira...não pode me atacar!
— Eu não te ataquei...não agora. Implantei no seu corpo uma semente de uma planta do Mundo dos Demônios quando ainda não estava preso na barreira, a Parasita Silenciosa. Ela está dentro de você desde o momento em que nos capturou ontem. Essa planta que está no seu corpo é uma parasita capaz de invadir o Sistema Nervoso do hospedeiro e torná-lo seu escravo com a intenção de disseminar suas sementes. É considerada uma verdadeira praga no Makai. Nem adianta você tentar se mover, porque seus movimentos não estão mais sob seu controle, mas sim sobre o da Parasita Silenciosa. E pro seu azar, ela obedece a mim.
— Q-que tipo de monstro você é?!
— Você é muito ingênuo se pensou que eu deixaria que me capturasse sem ter nenhum plano em mente.
Ele balbuciava enquanto permanecia me olhando espantado, porém mais nenhuma palavra saía de sua boca. Estava amedrontado imaginando o que eu faria a seguir.
— É bom que saiba que não me interesso por controlar pessoas, ainda mais sendo um canalha como você. Mas eu sinto muito...uma vez que essa planta se instala no cérebro do hospedeiro, é impossível fazer com que ela se solte por métodos convencionais. Então, você terá de conviver com ela pelo resto de sua vida. Eu não vou usá-la pra te controlar, mas ela mesma o fará por conta própria. A boa notícia é que ela não vai te matar, então pode ficar mais tranquilo. Agora, por que não me dá o dispositivo que livra a mim e meus amigos dessas barreiras e me explica tudo o que está acontecendo por aqui?
KURAMA POF
YUSUKE POV
Cercado por uma multidão de pessoas que corriam desesperadamente de um lado para o outro, eu estava confuso sem saber para onde ir. Homens feridos e ensanguentados passavam por mim, outros jaziam mortos caídos ao chão. Sem entender o motivo de toda essa zona eu procurava em vão por Kiara, Lucy ou seja lá quem fosse aquela garota!
Na tentativa de otimizar nossa busca, Hiei e eu nos separamos. Rapidamente vasculhei cada centímetro dos lugares que percorria, no entanto, não tive sorte...ela não estava em lugar algum!
Cansado de correr sem rumo, parei em um corredor longo e largo tentando pensar em alguma solução, mas a imagem de Kazuma ferido não saía da minha mente e me impossibilitava de raciocinar com calma. Sentia como se estivesse sendo dominado por uma mistura de desespero e raiva e, assim, a única esperança que me restava era que Hiei e Kurama tivessem mais sucesso que eu.
— Você é um dos prisioneiros, não é? – Demorei um tempo para perceber que a voz rouca falava comigo. Atrasado, me virei para encarar a dona do chamado – Como foi que fugiu?
Sua silhueta impressionantemente esguia e magra, quase que cadavérica, combinada à pele esverdeada e asas cheias de penas, me fez reagir com uma careta de nojo. Ela estreitou os olhos, desaprovando minha reação.
— Quem é você?
— Me chamo Asuka. Fui até a prisão te procurar e você não estava mais lá. Quem te ajudou a fugir?
— Isso não é da sua conta, filhote de cruz credo.
— Você é muito mal educado pra alguém que está completamente indefeso. – Num piscar de olhos ela desapareceu de vista, e em alta velocidade, se materializou a centímetros de mim, me golpeando com as garras afiadas. Num reflexo, tentei proteger o rosto e acabei sendo ferido nos braços, ao mesmo tempo em que caía no chão sem chances de revidar. Porcaria de barreira!
— Agora deixa eu ver o que você se recusa a me contar. – Antes que pudesse me colocar de pé, ela se aproximou. Achei que me atacaria mais uma vez, mas parou a centímetros do meu rosto, fazendo com que eu a encarasse nos olhos inevitavelmente. Um brilho azulado começou a ser emitido de suas orbes acizentadas e, no mesmo instante, senti como se estivesse perdendo o chão conforme minha mente se esvaziava em uma dor de cabeça lancinante.
Imobilizado, não conseguia me mover.
— Eu posso ver...foi aquela garota imbecil que te deixou fugir. Aonde é que ela está? Não tente mentir, porque eu vou saber a verdade de qualquer forma.
A dor aumentou ao se espalhar da minha cabeça para todo o meu corpo. Senti um nó se formar na minha garganta e tentei gritar em vão, enquanto cada parte de mim era estimulada a sofrer.
— Hum...entendo. Vocês não são aliados, mas vejo que você e seus companheiros também estão atrás da komorebi. Afinal, quem é você? – A luz cintilante se intensificou ainda mais e a dor se tornou tão forte a ponto de fazer meu corpo inteiro formigar. Quando se deu por satisfeita, ela se afastou surpresa e me libertou do transe.
Meu corpo permaneceu imóvel no chão, ofegante e ainda se recuperando da dormência causada pela tortura. Lentamente abri os olhos mais uma vez, me concentrando na expressão da youkai parada à minha frente.
Sorria animada como uma criança que havia acabado de ganhar um brinquedo novo e ansiava por destruí-lo.
— Você é o filho de Raizen? Para mim será uma honra te matar.
