YUSUKE POV

Impotente diante da youkai, lentamente levantei do chão e permaneci parado enquanto ela se preparava para atacar. Após vasculhar cada parte de minha mente, Asuka me libertou do transe, mas mesmo assim eu não conseguia me mover. Ou melhor...não podia. Fugir de uma luta não era o meu feitio, ainda que eu estivesse em completa desvantagem e sem chances de revidar. Por mais que minha mente dissesse para eu sair correndo dali e salvasse minha vida, meu corpo não me obedecia.

Ainda aprisionado pela barreira refletora, só me restava esperar pelo seu próximo golpe.

— Morra! – Levantando o braço, ela direcionou as enormes garras para mim e automaticamente suspirei fundo, me preparando para sentir a dor que viria a seguir. No entanto, antes que seu golpe pudesse me alcançar, um impacto forte com algo me fez ser desviado da mira de Asuka. Confuso e sem saber o que me atingiu, fui arremessado para longe dela.

Alarmado, assim que caí o chão, tratei de me colocar de pé procurando entender o que havia acontecido. Algo na verdade era alguém: Hiei estava parado entre nós, me olhando de soslaio de forma repeendedora. De prontidão, pude entender o que ele havia feito. A barreira refletora ao seu redor impedia que ele me tirasse da mira de Asuka de maneira convencional, mas não podia impedí-lo de correr em alta velocidade. Assim, trombou comigo fazendo com que o choque provocado pelo impacto de ambas as barreiras me arremessasse para longe da youkai.

— Yusuke, o que você pensa estava fazendo parado enquanto essa imbecil te atacava?

— Bom...é que eu... – uma onda crescente de vergonha se aprofundou dentro de mim me causando um enjôo repentino. Afinal, no que eu estava pensando? Desde quando observo o inimigo me atacar? – Quer saber? Esquece! Escuta Hiei, sei que fez isso supostamente pra me salvar, mas você não me engana. Aposto que até gostou de me bater depois de como falei com você lá na prisão né? Tá querendo encrenca comigo desde então ou acha que não percebi?

Provoquei, ignorando completamente Asuka, que feito estátua, nos observava com ódio sem nem ao menos piscar.

— Não seja idiota. Se eu tiver intenções de te atacar, farei isso quando você não estiver indefeso.

— Imbecis, calem a boca! Se esqueceram que eu estou aqui? – Ela nos interrompeu irritada por ter sido completamente deixada de lado.

— Tá brincando?! Depois de ver essa sua cara feia tão de perto, pode ter certeza que não vou me esquecer tão cedo! – Sorri em satisfação ao vê-la ficar ainda mais incomodada com as minhas palavras.

— Vou fazer com que você nunca mais abra essa boca! Eu vou matar vocês dois e... – Lentamente, a confiança em suas palavras foi se dissipando conforme uma expressão de pavor emergia em seu rosto. Só depois de vê-la hesitante, me dei conta do que havia acontecido: como num passe de mágica, as barreiras refletoras que envolviam Hiei e a mim haviam se desfeito completamente. Seja lá o que tivesse feito, Kurama obteve sucesso. Estávamos finalmente livres!

Um tanto surpresos, Hiei e eu nos entreolhamos e, apesar de sério, pude vê-lo sorrindo com os olhos em uma sede de sangue que ambos estavámos precisando saciar. Ao mesmo tempo voltamos a encarar a youkai, que agora recuava discretamente. No final das contas, só era corajosa na hora de proferir ameaças.

— O que você estava dizendo sobre nos matar? – Perguntei ansioso ao sentir todo meu poder fluindo livremente pelo meu corpo. Assim, percebendo enorme desvantagem que se encontrava, sem perder tempo, Asuka alçoou voo na tentativa de fugir. Rápida, voava na direção contrária à nossa percorrendo os inúmeros corredores do prédio, enquanto Hiei e eu a perseguíamos pelas costas.

Era veloz, mas não o suficiente. Ao chegar no saguão amplo daquele andar, olhou para trás apreensiva, levando um susto ao se deparar somente comigo. Quando notou que Hiei já havia a alcançado, era tarde demais. Sem tempo para reagir ou desviar, ela foi golpeada, colidindo com a parede como consequência. Com a pernas bambas, tentou se recompor ao se levantar utilizando os destroços do concreto como apoio.

Sentindo a raiva acumulada dentro de mim, não hesitei ao atacá-la em seguida para impedir a fuga. Mirei o dedo indicador em sua direção, planejando atingí-la com o mais forte Leigan que conseguisse disparar, ainda que fosse um gasto desnecessário de energia.

— LEIGAN!

O tiro saiu grande o suficiente para não deixar espaço para que ela desviasse e, na sequência, o clarão vindo da explosão iluminou todo o lugar, abrindo um enorme rombo na lateral do prédio. O som proveniente da destruição me impediu de escutar os últimos gritos de Asuka, fazendo com que eu ficasse ainda mais satisfeito. Tendo em vista que até mesmo a voz daquela criatura era horrível, não precisar escutá-la era um tremendo alívio.

Me aproximei do buraco após a poeira abaixar, sondando rapidamente o local destruído em busca do cadáver da youkai, mas não o encontrei. Claramente havia sido completamente engolida pela montanha de escombros que restou ali. Não havia nem sequer mais rastros da sua existência, pois sua energia havia desaparecido por completo.

— Essa aí já era, foi direto pro inferno. – Eu disse conforme Hiei se aproximava para examinar o local, a fim de confirmar minhas suspeitas – E pelo visto você também não encontrou a tal Kiara, não é Hiei?

— Não. Tive que interromper a busca por sua culpa.

— Pelo menos o Kurama conseguiu cumprir a parte dele no plano, pra nossa sorte. Mas quer saber? É óbvio que aquela garota já se mandou daqui. Considerando que estão atrás dela, e que ela já está fugindo há meses, não faria sentido permanecer nesse lugar. Vamos encontrar Kurama e os outros. Se sairmos rápido daqui, talvez ainda consigamos alcançar Kiara.

De prontidão, Hiei concordou e assim, aliviados por estarmos livres das barreiras refletoras e convencidos de que continuar a busca por Kiara dentro do prédio não faria sentido, corremos de encontro aos outros, em princípio indo à procura de Kurama.

Percorrendo euforicamente os inúmeros lances de escada, me sentia mais leve do que nunca. O peso que carregava na consciência pelo estado alarmante de Kuwabara não existia mais. Era certo que se Kurama libertou Hiei e a mim das barreiras, significava que os outros também estavam livres e que com certeza Yukina já estaria providenciando a cura para o ferimento de Kazuma. Aparentemente, não havia mais com o que me preocupar.

No entanto, ao chegarmos no último andar do edifício, estava claro que havia me preciptado em minha conclusão.

Espantado, perdi o fôlego ao me deparar com um cenário digno de uma história de horror. Dilacerados, uma enorme quantidade de cadáveres estavam espalhados pelo chão, todos eles humanos. Pelas vestes logo reconheci que eram os mesmos homens que haviam nos capturado: os funcionários da tropa de captura de youkais de Yamazaki. Com cuidado para não pisar nos mortos, adentrei ao local em passos curtos e cuidadosamente selecionados.

— Yusuke! Hiei! Estão bem? – Automaticamente nos voltamos para trás para nos depararmos com Kurama. Com filetes de sangue no braço, caminhava calmamente em nossa direção.

— O que aconteceu com você? – Ele me encarou pensativo sem entender o motivo da pergunta, até se dar conta ao que eu estava me referindo. Com desdém, examinou a ferida antes de responder.

— Isso não é nada demais. Apenas fui atingido de raspão enquanto tentava pegar isso. – ele retirou do bolso o pequeno dispositivo que foi capaz de desfazer as barreiras em que estávamos aprisionados – E vocês, estão bem?

— Sim, mas não encontramos a Kiara. O que diabos tá acontecendo aqui? Quem matou toda essa gente?

Sem responder, Kurama desviou o olhar por cima de meus ombros, distante e frio. Procurando entender o que ele encarava, me virei novamente para receber a resposta para minha pergunta. Saindo de uma sala lateral, Ryou caminhava até nós. Com o corpo marcado por arranhões e outras feridas superficiais, arrastava pelas vestes o mafioso Yamazaki, aparentemente descacordado depois de ter levado uma surra.

Pacientemente o esperei se aproximar, analisando cada gesto que faria a seguir.

— Você disse Kiara? Foi ela que libertou vocês? Onde ela está?!

— Mas que saco! Já é a segunda vez que me perguntam isso hoje, primeiro a sua amiga e agora você. Já tô perdendo a paciência!

— Amiga?

— Aquela coisa horrível que tava lá em baixo não era sua amiga? Desculpa, receio ter acabado com ela. – Desinteressado pelo fim que teve a sua companheira, ele apenas ignorou a minha provocação dando continuidade à conversa.

— Se vocês não sabem onde está a garota, não tem utilidade nenhuma pra mim. Saiam do meu caminho, só me interesso por encontrar aquela humana.

— Como você é burro. A essa hora ela já deve estar bem longe daqui! Então se quiser procurar por ela, vai ter que passar por mim antes! – Certo de que receberia a luta que tanto ansiava por ter, me posicionei para um ataque, mas não obtive a resposta desejada pelo youkai. De maneira irritante, ele apenas gargalhou com deboche.

— É aí que se engana, garoto! Ela ainda está aqui e não vai embora sem esse idiota! – Como se fosse um prêmio, levantou Yamazaki pela gola da camisa, o olhando com desprezo e nojo – Ela precisa dele! Embora eu ache que esse humano imprestável não tenha ficado em condições de dizer muita coisa...

— Filho da puta. Se vangloriar por atacar e matar humanos é no mínimo patético. Por que não me enfrenta se é tão valentão?!

— Moleque idiota. Acha que porque venceu Asuka pode me vencer também? Ela era muito fraca! Saiam da minha frente, não tenho tempo a perder com vocês!

— Se quiser que eu saia, vai ter que me tirar à força!

— Obedece ele! – A ordem fez com que automaticamente eu desfizesse a postura de ataque e, incrédulo, me virasse em direção à voz feminina. – Essa briga é minha, não quero que se intrometam.

Parada diante de nós, era como se Kiara simplesmente tivesse se materializado ali. Certamente havia aprendido a esconder muito bem sua aura, porque eu nem ao menos havia notado sua presença se aproximando...ou melhor, nenhum de nós havia notado. Mas como era possível que continuasse aqui mesmo sendo caçada por Ryou?!

Entorpecido e sem saber o que responder, permaneci mudo por alguns instantes. Rapidamente a estudei procurando qualquer vestígio de energia que indicasse que ela poderia derrotar Ryou sozinha, no entanto, falhei ao encontrar. Comparada ao youkai, ela era só uma humana fraca. A discrepante diferença de força entre eles me fez estremecer ao imaginar qual seria o resultado da luta e, de imediato, soube que precisava intervir com urgência antes que as coisas se complicassem.

Sem conter a animação, Ryou arremessou Yamazaki em um canto qualquer, de forma que o som do corpo do mafioso se estelando no chão fosse abafado pelos cadáveres das outras pessoas que jaziam mortas no local. Com a tensão pairando no ar, mal me dei conta de que Hiei sorrateiramente se aproximava de Yamazaki, gesto que Ryou pareceu nem dar importância. Estava completamente vidrado em Kiara e, naquele momento, nada mais seria digno de receber sua atenção. Após um último vislumbre de Hiei retirando a faixa que cobria o Jagan, me atentei para a iminente batalha que estava para acontecer e, convencido de que Kiara perderia a luta, planejei uma aproximação amistosa.

— Escuta, a gente pode te ajud...

— Cuida da sua vida! – Abruptamente, ela me interrompeu antes que eu pudesse concluir o pensamento.

— Você é suicida ou só burra mesmo? Não percebe que não tem chances de vencer?! – Impaciente, retruquei irritado sem medir as palavras e, me ignorando, a garota partiu em passos firmes em direção à Ryou.

Consumido pelo súbito sentimento de raiva que ela me provocou, eu estava pronto para detê-la à força, sem me importar com as consequências, porém, ao perceber minhas intenções, Kurama se colocou na minha frente a fim de impedir minha passagem. Logo pude entender o que ele queria dizer com aquela atitude, quase como se pudesse ouvir sua voz.

"Deixe ela ir".

— Ela vai morrer! A gente vai ficar aqui olhando?!

— Ela quer assim, Yusuke. Vamos intervir se necessário. – Contrariado e cheio de desgosto, acatei a sugestão, me forçando a entrar na posição de um mero expectador. No entanto, meus punhos cerrados com força deixavam claro que estava preparado para tomar uma atitude a qualquer momento, convicto de que se caso eu decidisse interceder, ninguém poderia me impedir.

— Então, você me enganou todo esse tempo se passando por outra pessoa, quando na verdade era quem estávamos procurando? Eu devia ter percebido o porquê não tinha ido com a sua cara desde que a primeira vez que te vi. – Despreocupado, Ryou provocou a garota.

— O que você quer comigo? Por que você e outros youkais estão atrás de mim?

— Ora...não precisa ser tão apressada, afinal, nós pretendemos te explicar tudo com calma. Pra isso, você só precisa vir comigo. Vou te levar até o chefe – A naturalidade de suas palavras pegou a todos de surpresa. Eu escutei mal ou ele realmente estava tentando evitar o confronto? Estava propondo que, sem resistência, Kiara simplesmente fosse embora daqui junto dele?!

— Ir com você? Por que eu faria isso?

— Porque temos algo que você quer e nós precisamos de você. Que tal uma troca, você por ele? – Visivelmente perturbada, ela analisava com cuidado as palavras de Ryou, enquanto ele pacientemente esperava pela resposta. Sem entender ao que os dois estavam se referindo, mentalmente torci para que ela recusasse a proposta por conta própria, caso contrário precisaríamos nos opor à sua decisão. Nesse momento, ao invés de aliados, nos tornaríamos seus inimigos.

— Ei, Yusuke! – Ofegante, Kuwabara chegava repentinamente até nós, acompanhando pelas garotas em seguida. No lugar da enorme ferida que havia em seu tórax, restava apenas uma cicatriz rosada feita às pressas, visível em sua pele graças ao rasgo que provocou em sua roupa após seu próprio golpe.

— Kuwabara! Você tá bem?

— Claro! Tô novinho em folha! As mãos milagrosas da Yukina me curaram! – Aliviado, suspirei profundamente ao ver que todos estavam a salvo. Sentia como se tivesse passado uma eternidade desde que os deixamos escondidos.

— Que bagunça é essa que tá acontecendo aqui? Não me diz que a garota pretende lutar com esse cara? – Kazuma perguntou aos sussurros e eu apenas assenti com a cabeça.

— É melhor eu avisar o senhor Koenma que nós a encontramos! – Atropelando as palavras de tão nervosa e atrapalhada, Botan disse já se dirigindo para fora do prédio, de forma que quando eu a procurei para apoiar a ideia, já era tarde demais. Rápida como eu nunca havia visto antes, ela já havia sumido de vista. Assim, voltei minha atenção para Kiara que, pensativa, encarava o chão, evitando olhar diretamente para qualquer um de nós.

Imersos naquela quietude ensurdecedora, o tempo parecia não avançar e o ar havia se tornado pesado demais para respirarmos normalmente. Pelo meu rosto, eu podia sentir as gotas de suor se formando e escorrendo devagar, até cairem no piso, onde acabavam se misturando com o sangue das vítimas de Ryou.

— Você tá mentido. – por fim, Kiara rompeu o silêncio – Sei que não farão troca alguma, por isso não vou te acompanhar pra lugar nenhum, imbecil!

Resignado, Ryou riu como se já esperasse por aquela resposta.

— O que pretende me enfrentando? Vingar aqueles humanos idiotas do seu clã? Que ideia estúpida! A morte foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com eles. Aliás, me lembro bem que, antes de matá-los, suas feições eram de súplica! Queriam que eu os poupasse de tanto sofrimento e eu, obviamente, atendi ao desejo daqueles infelizes.

— Você estava lá? Participou diretamente do massacre?

— Claro que sim. Por acaso achou que eu fosse ficar olhando de fora? A verdade é que eu gosto muito de ver o medo e o desespero refletido nos olhos dos meus inimigos e a forma como aqueles komorebis me encaravam chegava a ser prazerosa.

Enfurecida com a revelação, Kiara que até então escondia sua energia, se tranformava instantaneamente. A aura ao seu redor crescia de maneira gradativa e, ainda que Koenma já tivesse nos alertado sobre a particularidade do Clã Komorebi, a surpresa foi inevitavel ao notar as ondas de youki que emanavam dela. Se não soubesse que era humana, a confundiria com um youkai. Mas como isso era possível...? Simplesmente desafiava a lógica.

Porém, sua energia não era a única coisa que havia sido alterada. Em seus olhos, a cor verde transitava lentamente para um tom de vermelho, vibrante como o sangue fresco daqueles humanos destroçados aos nossos pés. Em resposta, Ryou rosnou confiante, evidentemente animado pelo que estava acontecendo.

— Que bom que está mostrando quem realmente é, já devia estar cansada de se esconder! Mas saiba que pro seu azar, fui liberado pra pegar pesado com você.

Sem perder mais tempo, ele avançou com os punhos para cima de Kiara, porém, com um salto veloz para o lado, ela desviou antes que o youkai pudesse alcançá-la. O soco de dimensão destrutiva fez com que o local atingido fosse obliterado por completo, indicando que se o golpe a acertasse, quebraria com facilidade todos os ossos de seu corpo. Intuitivamente avancei um passo em direção a eles, temendo que, com um resultado indesejado, a luta fosse terminar mais cedo do que imaginávamos. No entanto, resisti à vontade de intervir, pois algo dentro de mim dizia que ainda não era o momento.

Sem dar chances para um contra-ataque, Ryou iniciou uma sequência furiosa de golpes contra Kiara, que por sua vez, desviava com certa facilidade das investidas do youkai. Em uma estratégia óbvia, ela se aproveitava da falta de agilidade de Ryou, saltando de um lado para o outro na tentativa de se afastar dele. Claramente, estava tentando criar uma distância entre os dois para que pudesse então revidar. Ryou também já tinha percebido e por isso a atacava sem pausas, não dando oportunidade alguma para a garota concluir seu plano.

Mantendo esse ritmo, era certo que seria apenas questão de tempo até que Kiara ficasse cansada e acabasse cometendo um deslize.

— Vai ficar fugindo?! Sua covarde! – Incomodada com as palavras do youkai, Kiara pareceu mudar de estratégia. Ao vê-lo desferir um último golpe, ela não fez menção de desviar, do contrário, permaneceu imóvel para receber o ataque enquanto ele avançava. Porém, assim que Ryou se aproximou o suficiente, parada no mesmo lugar, ela se esquivou ao se abaixar até o chão. Apoiada com as mãos no piso, levantou a perna desferindo um chute na altura de seu tórax.

Apesar de nem ao menos ter sido derrubado, com o impacto, ele terminou sendo repelido na direção oposta à dela e, notando que finalmente havia conseguido a distância que tanto desejava, Kiara se preparou para atacar. No entanto, o espanto emergiu em seu rosto quando percebeu que o espaço que havia criado entre os dois não era uma vantagem somente sua.

Mais irritado que antes, Ryou fazia com que uma imensa energia começasse a se expandir do seu corpo, como se estivesse pronto para explodir a si mesmo e levar todos nós juntos pro espaço. Os pilares e paredes do edifício que ainda se mantinham intactos começaram a rachar, ao mesmo tempo em que o chão tremia aos meus pés.

— Que merda! Ele vai destruir todo o prédio! Precisamos sair daqui, Yusuke! – Kuwabara gritou desesperado. Por um lado sabia que ele tinha razão, mas por outro não poderíamos abandonar a garota nessa situação. Assim, incapazes de tomar uma decisão, não fomos rápidos o suficiente para pensarmos numa solução e evitarmos o desastre que estava prestes a acontecer.

Mantendo a distância que estava de Kiara, Ryou socou o piso abaixo de si próprio. Daquele ponto, inúmeras rachaduras se abriram e se alastraram até o local onde a garota se encontrava, fazendo com que ela quase caísse ao perder o equilíbrio. Tendo sua atenção desviada para a destruição do cenário a sua volta, ela quase não teve tempo de notar a onda de energia maligna que avançava velozmente em sua direção.

Como lâminas afiadas, o youki de Ryou saía das rachaduras do piso, percorrendo todo o caminho criado até ela, onde ao final se uniriam numa enorme onda destrutiva que a atingiria em cheio.

— Cuidado! – Gritei com a máxima força dos pulmões a fim de alertá-la, mas foi tarde demais. Pude ter um último visão da garota sendo engolida pelo ataque do inimigo, antes de agarrar Keiko para protegê-la da explosão que veio em seguida.

Nos joguei no chão e, com Keiko encolhida em meus braços, pacientemente esperei alguns segundos até que a poeira levantada começasse a abaixar.

Conforme o meu campo de visão foi se tornando mais claro, identifiquei rapidamente Kuwabara e os outros ao meu lado, todos a salvo. A alguns metros de distância de nós, Ryou se encontrava parado com um sorriso cínico no canto dos lábios, porém não haviam sinais de Kiara. Estaria...morta? Não demorei para notar que a sua energia havia desaparecido completamente, indicando que minhas suspeitas pareciam estar corretas.

— Acho que eu nem precisava de tudo isso, acabei exagerando... – conversando com sua própria consciência em voz alta, Ryou gargalhava sozinho. – ...mas a culpa foi dela, quem mandou me provocar?!

— Desgraçado... – Irritado, levantei num pulo decidido a dar de uma vez por todas um fim à vida do imbecil.

— Espere. Ainda não acabou. – Rápido, Hiei me deteve antes que eu pudesse agir e, confuso, não entendi de imediato o que ele quis dizer. Apenas após esperar alguns instantes me dei conta ao que estava se referindo: conforme a cortina de poeira continuava se dissipando, uma figura pequena se tornava visível, fazendo com que o sorriso de Ryou desaparecesse de seu rosto no mesmo instante. Inacreditavelmente Kiara estava ali, intacta e sem nenhum arranhão, exatamente igual a como estava antes de receber o impacto daquele golpe, com excessão dos olhos que haviam se convertido em azuis.

Um pouco atrasado, demorei para entender o porquê não conseguia sentir mais sua energia: o imponente youki de antes havia se transformado em energia espiritual. Sua amplitude nem se comparava ao de sua energia demoníaca, mas com atenção, agora se tornava perceptível.

— Isso foi o seu melhor? – desafiadoramente ela perguntou ao demônio, mas não recebeu resposta. Incrédulo por Kiara ter escapado do seu ataque sem perder uma gota de sangue sequer, Ryou a encarava com os músculos da face congelados. – Então agora eu vou te mostrar o meu.

Quando os olhos dela se tonaram vermelhos novamente, parecia estar fora de si. Concentrando sua energia demoníaca, fez com que duas pequenas esferas negras se formassem, uma em cada mão. Em seguida, de maneira gradativa, ambas começaram a aumentar de tamanho, enquanto Ryou permanecia estupefato, apenas aguardando o próximo movimento de sua inimiga.

Sem compreender aquela atitude, eu me perguntava o porquê o youkai não reagia. Por que ele não tirava proveito da vulnerabilidade de Kiara, que havia abaixado completamente a guarda enquanto se preparava para o ataque? Buscando uma resposta, após observá-lo com atenção pude notar que o Ryou tremia como se estivesse lutando para sair lugar, mas obviamente não obtinha sucesso. Era como se estivesse...paralisado?

Por algum motivo, o pavor refletido nas expressões faciais do demônio fez com que um calafrio percorresse todo o meu corpo. Foi então que, ao perceber que as esferas atingiram um tamanho mediano, Kiara enfim as lançou em direção ao youkai. Finalmente desperto e de volta à realidade, Ryou buscou uma forma de escapar do golpe, mas no meio do caminho as duas esferas se fundiram resultando numa enorme explosão de energia demoníaca que se expandia com rapidez, atingindo a todos que estivessem no caminho.

Assim, correndo para nos afastarmos do perigo, pude ouvir o urro de dor de Ryou se tornando cada vez mais distante.

Ao chegarmos a um local seguro, me virei a tempo de ver o youkai caído no chão, completamente derrotado. De longe, só conseguia enxergar uma crescente poça de sangue à sua volta, embora sua aura fraca indicasse que ainda estava vivo. Lentamente Kiara se aproximou dele, desembainhando sua katana. Desacreditado pela reviravolta da situação, a observei proferir algo que minha audição não foi capaz de captar devido ao nosso distanciamento.

No entanto, não era difícil adivinhar o que ela faria a seguir.

YUSUKE POF

KIARA POV

— Eu vou te dar uma última chance. Se você responder minhas perguntas, eu te deixo viver. Aonde está meu irmão? O que querem comigo? – Caído no chão com uma enorme quantidade de lacerações pelo corpo, Ryou me encarava com os olhos descrentes e amedrontados.

— V-você não é normal...volta pro inferno...demônio! – Ofegante, respondeu com dificuldade, enquanto seu corpo sangrava sem parar num ritmo que logo faria com que ele estivesse morto. Pisquei algumas vezes estupefata pela ironia da situação. Tinha mesmo sido chamada de demônio por um demônio? Ao perceber o quão inútil seria tenta dar continuidade àquela conversa, me rendi ao ímpeto de acabar com a sua vida.

— Sabe de uma coisa? Você tinha razão...é realmente bom ver o desespero e o medo nos olhos do inimigo. A gente se encontra no inferno qualquer dia. – Num golpe rápido e certeiro, a katana atravessou seu peito, fazendo com que ele emitisse um último gemido de dor. Quando seu olhar se perdeu no horizonte sem nenhum sinal de vida, eu soube que estava acabado.

Internamente, um vazio se apossou de mim. Não me sentia feliz ou satisfeita, afinal, Ryou estava morto, mas Kazuki continuava desaparecido e eu nem ao menos tinha uma pista de onde ele poderia estar. Frustrada em meu próprio mundo, nem havia reparado em como o prédio estava destruído. O teto, que começava a desabar a minha frente, me fez despertar do estupor ao notar a gravidade da situação. Sabia que precisava sair dali com urgência antes que acabasse sendo soterrada.

Me levantei depressa, embainhando a katana. Desesperada, corri até Yamazaki na tentativa de levantá-lo e tirá-lo dali, de forma que mal pude registrar o fato de que minha visão estava escurecendo. Foi então que me dei conta da fraqueza que se apossava de mim. Desequilibrada, notei que ficar em pé parecia exigir mais esforço do que eu seria capaz de aguentar.

Ignorando a tontura, tentei levantar Yamazaki do chão, no entanto, ele estava praticamente desacordado e não tinha forças para andar por conta própria. Ao perceber que sozinha eu não conseguiria sustentar o seu peso, aquele jovem youkai chamado Yusuke se aproximou, me ajudando com a tarefa de carregar Mikio para fora dali. Assim, junta aos prisioneiros, saí apressada pela saída emergência do local, onde a salvo pudemos assistir aquele lugar desabar por completo, se transformando enfim em ruínas.

— L-Lucy...– perdendo o apoio sobre mim, Yamazaki resmungou escorregando até o chão – ...você...me enganou?

Inevitavelmente revirei os olhos e o ignorei. Não devia explicações pra esse imbecil.

— P-por favor, cuida da Sayu por mim? – De súbito, senti como se estivesse recebendo um soco no estômago e instantaneamente perdi o fôlego. Estava tão focada em sequestrar esse homem que nem havia me dado conta de como estava sendo egoísta. Sayu ficaria orfã. Conhecendo perfeitamente a sensação de ficar sem ninguém no mundo, não poderia desejar isso a uma criança inocente. Sabia que por ter tido uma péssima conduta, Yamazaki não merecia ajuda ou misericórdia, mas ainda assim era um bom pai pra sua filha e a única pessoa que havia lhe restado na vida.

— Não. – respondi ríspida, fazendo com que uma expressão de súplica surgisse em seu rosto. Vendo que ele estava prestes a implorar, concluí o pensamento – Aquela garota ainda precisa do pai.

Ajoelhei na sua frente e, com minha energia espiritual, usei os últimos resquícios de força que me restavam para curá-lo. Assim, cicatrizei as suas feridas o suficiente para que o seu próprio organismo terminasse o serviço restante.

— Quero que você abandone seu emprego nojento e dê uma nova vida à Sayu. Se eu souber que você continua nesse negócio eu mesma volto aqui pra acabar com você, entendeu?

Assustado e exausto ele assentiu, desmaiando em seguida pelo cansaço. Não muito diferente dele, eu me sentia esgotada depois de usar tanta energia ao mesmo tempo. E agora estava perdida. Yamazaki era minha esperança para encontrar Kazuki, sem ele havia voltado à estaca zero. O que eu faria a seguir? Talvez aquela tal de Asuka ainda estivesse por aqui...com Ryou morto, ela era a única que havia sobrado para que eu conseguisse a informação que tanto precisava. No entando, como poderia lutar com ela? Eu já havia me desgastado por completo. Não aguentaria outra briga como essa.

— Então, você é mesmo a Kiara? – olhei para trás automaticamente, observando o garoto se aproximar com um sorriso discreto e simpático. Atrás dele, os seus companheiros me analisavam com cuidado. – Nós ainda não nos apresentamos direito. Sou Yusuke Urameshi, prazer.


Curiosidades:

Quando crio um novo personagem, raramente escolho um nome aleatório pra ele. Gosto de procurar algo que seja compatível com o personagem, mas nem sempre consigo fazer isso.

"Ryou" foi um nome que escolhi por simplesmente gostar de como soava forte. Dependendo de como é escrito (em kanjis japoneses) pode significar refrescante, distante ou realidade. Nada a ver com o Ryou da história. xD

Já "Asuka" eu escolhi pelo significado. Dependendo de como é escrito, seria algo como "pássaro voador". Apesar da Asuka da história não ser um pássaro, achei que por ela voar, já serviria haha.