YUSUKE POV
Os raios solares matinais estavam quase que completamente encobertos pelas nuvens cinzas que anunciavam a chegada de um temporal. Sem ter nenhuma noção de tempo após ficar horas enclausurado, observei o meu entorno imaginando que outros companheiros de Ryou poderiam aparecer a qualquer momento para nos causar problemas. Preocupado que isso realmente pudesse acontecer, sabia que precisávamos retornar o mais depressa possível para o templo da mestra Genkai, levando Kiara conosco.
— Então, você é mesmo a Kiara? Nós ainda não nos apresentamos direito. Sou Yusuke Urameshi, prazer. – Tentei dizer da maneira mais amistosa e natural possível ao me aproximar da garota. No entanto, ainda ajoelhada diante daquele mafioso, ela olhou para trás desconfiada e com desdém. Claramente não estava interessada em iniciar uma conversa comigo ou com qualquer um de nós.
— E daí? – Se levantando do piso após curar Yamazaki, me respondeu ríspida, evidenciando o seu desinteresse.
— A gente tava te procurando.
— Me procurando? Pra quê? – Franzindo o cenho em uma mistura de nervosismo com irritação, ela alternava o olhar entre mim e os demais, por vezes encarando a montanha de ruínas que a Central de Captura de Youkais havia se tornado .
— É arriscado conversarmos aqui. Por que você não vem com a gente pra um outro lugar e aí nós te explicamos tudo?
Ela relaxou os ombros como se desacreditasse no que havia escutado e, impaciente, tratou de responder sem esconder a ironia no tom de voz.
— É um convite tentador, mas terei que recusar.
— É sério, é perigoso continuar aqui. Vários youkais estão atrás de você!
— Nossa...muito obrigada por me avisar. Acho que se você não tivesse dito, eu nunca teria notado!
Sem paciência para aguentar aquela acidez no seu tom, eu a fulminei com os olhos, pensando seriamente em deixar as formalidades de lado e resolver as coisas à minha maneira. Percebendo o efeito que sua atitude estava tendo sobre mim, ela amarrou a cara. Evidentemente estava com receio de ter que nos enfrentar, no entanto, não parecia inclinada a ceder tão fácil.
— Se sabe tão bem que está em perigo, não faz sentido continuar aqui. – Kurama a respondeu antes que eu o fizesse.
— E quem disse que pretendo ficar nesse lugar? É óbvio que vou cair fora daqui, só que não será na companhia de vocês. Mas confesso que fiquei curiosa...no que vocês diferem em relação aos youkais que estão me caçando? Ao meu ver, estou sendo perseguida dos dois lados, então pra mim são exatamente iguais.
— Não estamos com eles. – Tendo total consciência de que minha resposta não havia sido nenhum pouco convincente, ainda assim não fui capaz de dizer algo melhor. Estava mais irritado do que era capaz de imaginar.
Nem um pouco satisfeita com as minhas palavras, ela revirou os olhos, fazendo com que meu sangue borbulhasse de raiva mais uma vez.
— Vocês terão que me desculpar, mas tenho coisas mais importantes pra fazer do que acompanhar um bando de desconhecidos sabe-se lá pra onde. – Com deboche, ela sorriu dando meia volta e, em seguida, partiu em passos largos na direção oposta à nossa.
— Pra onde pensa em ir, se nem ao menos sabe aonde é o esconderijo dos youkais que tanto procura? – Kiara não havia se afastado mais do que alguns centímetros antes que a pergunta de Hiei fizesse com que ela interrompesse abruptamente a caminhada. Intrigada, se voltou para nos encarar e, como se estivesse tentando ganhar tempo para pensar numa boa resposta, por alguns instantes o fitou desafiadoramente.
— Você me pergunta isso como se soubesse.
— E eu sei. – Uma pontada de inveja atravessou meu peito ao notar o toque de diversão na voz de Hiei. Ao menos um de nós parecia estar curtindo toda a situação, no entanto, era lamentável saber que essa pessoa não era eu. Kiara, que lentamente retornava o caminho após a provocação, o encarava exalando ódio em cada linha de expressão de seu rosto.
— Impossível. Você só saberia se fizesse parte do grupo de Ryou e segundo seu amigo aí...– ela apontou raivosamente na minha direção – ...vocês não fazem!
— Eu sei porque aquele imbecil me disse. – Hiei olhou de relance para Yamazaki, desmaiado no duro concreto do chão – A mente dos humanos é muito fácil de ser manipulada. Bastou alguns minutos para que eu coletasse todas as informações que precisava.
Um estalo ecoou na minha mente ao juntar os fatos. Quase havia me esquecido de que, quando Ryou largou Yamazaki para lutar com Kiara, Hiei se aproveitou da situação para utilizar a hipnose do Jagan naquele homem. Seja lá o que tivesse descoberto, era óbvio que precisaríamos usar a nosso favor.
Indignada, Kiara o encarava boquiaberta, desacreditada pelo rumo que aquela conversa estava seguindo.
— Tá querendo dizer que manipulou a mente de Yamazaki pra que ele te contasse? – ela esperou pela resposta, porém não demorou mais do que alguns segundos para notar que Hiei não tinha pretensões em dar – Quer saber? Não acredito em você.
— Se fosse mentira, como eu saberia que você tentou persuadí-lo a te contar e acabou fracassando? Se quiser posso te lembrar de cada detalhe do momento em que tentou arrancar a informação desse idiota, mas não me faça perder o meu tempo. Você sabe melhor do que eu o quão patética foi toda a situação, portanto, poupe a si mesma de vivenciá-la mais uma vez.
Furiosa, Kiara rangia os dentes de raiva, como se Hiei tivesse ousado ultrapassar o seu limite de tolerância e invadido um campo minado, sujeito a explodir no próximo passo em falso.
— Não me venha com esses joguinhos estúpidos, porque estou prestes a matar o primeiro infeliz que se meter no meu caminho. Então, se você realmente sabe de alguma coisa, é bom me dizer agora mesmo! – Seus olhos transitaram novamente para o vermelho, deixando transparecer a real ameaça por trás daquelas palavras e, embora nenhum de nós acreditasse que a garota fosse realmente capaz de nos vencer num combate, sabíamos que nada a impediria de tentar.
— Não seja tão burra mulher, você está sem força alguma. – Calmo e despreocupado, Hiei retrucou deixando-a ainda mais enfurecida ao se sentir subestimada. Porém, todos sabíamos que ele estava certo. A palidez anormal no rosto de Kiara indicava que ela sofria para se manter em pé e, por mais que tentasse demonstrar o contrário, estava esgotada pela forma como havia lutado com Ryou. Portanto, jamais teria chances contra qualquer um de nós.
— Você é muito arrogante! – Aborrecida, num movimento veloz Kiara partiu para cima de Hiei a fim de golpeá-lo, porém, automaticamente me coloquei entre os dois impedindo-a de cumprir seu objetivo. Ao tentar passar por mim, com a força necessária imobilizei os seus punhos e em seguida a empurrei para trás, evitando machucá-la no processo. Com facilidade, consegui afastá-la de nós e aproveitei a oportunidade para retomar a conversa civilizada.
— Calma Kiara, não estamos jogando com você! Nós vamos te contar o que você quer saber, mas em troca queremos sua colaboração. Precisamos que nos conte tudo o que você sabe. Queremos conversar com você, te ajud...
— Se quisessem mesmo me ajudar, não esconderiam nenhuma informação! – Ela me interrompeu, dando fim à minha tentativa de uma aproximação amistosa.
— Cacete, que garota mais chata! – Nervoso, Kuwabara exclamou impaciente ao meu lado, aumentando ainda mais a tensão que pairava entre nós.
Reprimindo a enorme vontade de concordar com Kuwabara, suspirei fundo e tentei maneirar minha irritação, surpreendendo a mim mesmo com meu auto-controle. Não saberia dizer desde quando havia me tornado tão sensato, mas rapidamente deduzi que seria por conta da convivência diária com a Keiko. Assim, ainda que aos poucos estivesse perdendo a paciência, tentei me manter o mais equilibrado possível, dando continuidade à conversa.
— Escuta aqui minha filha, você é surda ou o quê? Eu já disse que nós temos total intenção de contar a você o que sabemos, mas queremos que você também nos conte o que sabe em troca!
— O que eu sei? – Ela meneou a cabeça confusa, sem entender ao que eu estava me referindo.
— Coisas estranhas tem acontecido e de alguma forma você parece estar relacionada a elas. Precisamos saber o porquê esses youkais estão atrás de você.
— Se querem tanto saber, por que não mandam ele manipular a mente de todo mundo até descobrirem?! – De forma certeira a provocação atingiu Hiei que, sentindo-se desafiado, semicerrou os olhos ameaçadoramente.
— É uma ótima ideia, inclusive, acho que começarei por você. – Ele respondeu avaçando um passo em direção a garota.
Em um reflexo de defesa, Kiara pousou a mão sobre sua katana prestes a desembainhá-la e eu engoli em seco ao ver a situação fora de controle. Se por um lado eu sabia que os meus métodos para fazer a garota nos acompanhar à força seriam ruins, por outro tinha certeza que os de Hiei seriam muito piores.
— Isso não será necessário, Hiei. – Kurama interveio na tentativa de apaziguar a situação – Essa discussão é pura perda de tempo. Kiara, você decide se quer nos acompanhar ou não, não te obrigaremos a nada.
— Como é que é? Por que isso agora? – Ela perguntou a Kurama e, desconfiada, largou a bainha do sabre hesitante. Confuso, eu também o encarei tentando decifrar o que queria dizer, afinal, não era uma questão de escolha, nós precisávamos levá-la conosco a todo custo e Kurama sabia disso! Mesmo sem entender o que ele planejava, o deixei assumir o controle da situação, confiante de que saberia melhor do que ninguém como persuadi-la a nos acompanhar.
— Você está nos interpretando mal. Não viemos com o intuito de lutar com você.
— Não entendo. Afinal, o que vocês querem comigo? Eu não aguento mais ser caçada por todos os lados. – Abatida e exausta, ela fechou os olhos como se estivesse a ponto de desmaiar.
— Nós não estamos te caçando e não vamos te obrigar a nos acompanhar pra lugar nenhum, mas obviamente você não pode ficar mais nessa cidade e também não tem pra onde ir. Então, por que você não vem com a gente pra um lugar seguro? Ninguém vai saber que você estará lá e aí te explicaremos tudo com calma, inclusive o porquê viemos atrás de você.
Ainda de olhos fechados, ela analisou a sugestão de Kurama, de forma que quando os abriu novamente já haviam voltado à sua coloração normal. Entendendo aquilo como um bom sinal, aos poucos relaxei os músculos do meu corpo que teimavam em permanecer tensos.
— Eu salvei vocês, o mínimo que poderiam fazer é retribuir o favor à minha maneira, sob as minhas condições.
— Nós vamos retribuir. Vem com a gente e você vai ver. – Kurama respondeu amigavelmente.
— E se eu não for?
— Eu já disse que não vamos te obrigar, mas aí você também não vai ter a informação que precisa. E pelo que parece, você precisa muito.
— Como se vocês fossem os únicos no mundo que pudessem me dar essa informação.
— Bom... – intervi no diálogo, fazendo com que ela voltasse sua atenção para mim – ...que eu saiba, as suas únicas fontes eram o seu ex-chefe, aquele cara que você matou ou a outra youkai que eu derrotei. Parece que agora somos sua última alternativa.
— Como é que é? Você fez o quê?! Matou ela? Matou Asuka?!
Eu dei de ombros confirmando com simplicidade o que havia acabado de dizer e, descrente, ela balançou a cabeça em negação como se estivesse diante do maior criminoso do país.
— Você é idiota? Por que fez isso?! Eu ainda podia forçá-la a me dizer!
— Ela tentou me matar, você queria que eu fizesse o quê? A convidasse pro chá da tarde?!
— Não deve demorar até que os outros membros do grupo que você tanto procura apareçam por aqui, Kiara. Até porque, eles estranharão o sumiço de Ryou e Asuka. – Kurama retomou a palavra – Sendo assim, suas únicas opções são: ficar aqui em Kurushimi e esperar seu ex-chefe acordar, correndo o risco de ser encontrada pelos outros demônios que virão te caçar, ou ir com a gente pra um local seguro onde poderemos te contar o que você tanto quer saber. O que você prefere?
Pensativa, por alguns instantes Kiara ponderou as duas alternativas, até que por fim, nos olhando com cansaço e conformismo, tomou sua decisão.
— E como é que vamos pra esse lugar seguro? – Ela perguntou, proferindo a última palavra como se fosse um palavrão.
Em resposta, apontei para o céu. Já havia notado a crescente sombra de Piu sobre nós que, ao lado de Botan, se aproximava do chão em alta velocidade. Resistindo a tentação de não rir da expressão que emergiu no rosto de Kiara após olhar para a direção apontada, tratei de me acomodar na criatura espiritual assim que aterrissou. Afetuoso, Piu esfregava o bico em minha mão solicitando carinho e eu retribuía o deixando satisfeito.
— O senhor Koenma está nos esperando no templo da mestra Genkai. – Botan avisou enquanto todos se preparavam para voar mais uma vez.
— Então vamos logo, não aguento ficar mais nem um minuto sequer nesse lugar – respondi com mais sinceridade do que gostaria. Da mesma forma que na vinda para Kurushimi, segurei Keiko a fim de lhe proporcionar segurança durante o vôo. Muda após presenciar tantas mortes, sabia que estava arrependida por ter me acompanhado até aqui, mas não era o momento para discutirmos isso, assim, discretamente tentei abraçá-la da maneira mais reconfortante que consegui.
Mantendo uma distância segura de nós, de os braços cruzados Kiara ainda encarava Piu estupefata e apreensiva.
— Vem Kiara, é seguro. Se quiser posso te ajudar subir nele. – Ao perceber a insegurança na postura da garota, Kurama sugeriu lhe estendendo a mão. Porém, ela logo desfez o olhar assustado e balançou a cabeça em negação.
— Não precisa. – recusando a ajuda de Kurama, se recompôs e sozinha conseguiu se acomodar sobre o dorso de Piu, ainda que de maneira desajeitada. Em seguida, alçamos vôo e partimos com a velocidade máxima até o templo da mestra Genkai.
Talvez fosse pela incômoda situação de ter uma desconhecida conosco ou talvez fosse pelo cansaço mental em que nos encontrávamos, mas durante o percurso nenhum de nós ousou dizer uma única palavra. Horas depois, assim que Piu pousou no terreno do templo, rapidamente saltei até o chão e, junto a Kuwabara, Hiei e Kurama, deixei as garotas para trás na companhia de Kiara. Ansioso, Koenma nos aguardava em frente a entrada do local, andando freneticamente de um lado para outro. Ao perceber que nos aproximávamos, arregalou os olhos surpreso e correu em nosso encontro.
— Como vocês estão? Como foi lá? Botan disse que a encontraram!
— Que bela enrascada que você nos meteu, Koenma. A gente se deu bem mal dessa vez! – Kuwabara respondeu antes que eu o fizesse e me olhou em seguida pedindo apoio. No entanto, apesar de estar com uma imensa vontade de me juntar a Kazuma e gritar o máximo de xingamentos que pudesse contra o líder espiritual, não o fiz. Intrigado, ao olhar para baixo me fixei nas suas mãos, onde inúmeras feridas recém formadas e em carne viva preenchiam as suas palmas quase que por completo.
— Ei Koenma, o que aconteceu? Como se machucou desse jeito?
Um tanto desesperado, ele fechou as mãos tentando esconder os machucados e se esquivou da pergunta, dando continuidade ao assunto.
— Isso não tem importância! Onde tá a garota?
— Fica frio, a gente trouxe ela. Tá bem ali atrás com Keiko e as outras.
Olhando por cima do meu ombro para confirmar o que havia escutado, ele procurou por Kiara, que de longe vinha acompanhada de Keiko, Botan e Yukina. Em seguida, relaxou completamente as feições do rosto, aliviado ao vê-la com os seus próprios olhos.
— Vamos entrar de uma vez pra que vocês me expliquem tudo o que aconteceu. Não pensei que demorariam tanto em Kurushimi. Tiveram algum problema no caminho?
Obedecendo a Koenma, entramos no templo e resumidamente lhe contamos tudo que havia nos acontecido desde a hora que saímos em missão. Kiara, que permanecia em pé recostada no batente da porta, se recusou a avançar mais do que alguns centímetros para dentro da grande casa, como se estivesse preparada para fugir no instante em que julgasse necessário.
Keiko e Yukina haviam se retirado da sala com o intuito de preparar algo para comermos, pois havia sido uma viagem exaustiva para todos, embora na realidade elas fossem as mais afetadas com as condições extremas que havíamos enfrentado. Já Botan, permanecia conosco na tentativa de ser amigável com Kiara, como se, de alguma forma, sua presença pudesse reconfortá-la.
Assim, logo após Koenma ouvir atentamente a narrativa de Kurama sobre nossa desagradável estadia em Kurushimi, partiu diretamente ao assunto que lhe interessava.
— Não fomos apresentados ainda, Kiara. Eu sou Enma Dai-Oh Junior, líder do Mundo espiritual. – Ele se aproximou dela calmamente, com uma postura firme e séria, pretendendo causar uma boa impressão.
— Você é o líder do Reikai? – Com descrença, ela o examinou da cabeça aos pés, o fazendo corar de vergonha.
— Sou. Eu que solicitei que todos fossem atrás de você, pois precisava perguntar algumas coisas sobre...
— Nem pensar. – de prontidão ela o interrompeu – Quem vai começar fazendo as perguntas aqui, sou eu. Me digam, por que estavam atrás de mim?
— Certo. Então eu começo explicando tudo. – Durante um tempo, exatamente já havia feito conosco, Koenma contou pra Kiara os motivos que o levou a pedir que a buscássemos, incluindo a possível guerra no Mundo dos Deuses e a estranha energia maligna vinda do Makai. Atentamente, ela o escutou suspirando de cansaço do início ao fim do monólogo.
— Então, mandou eles irem atrás de mim porque acha que eu tenho a ver com isso?
— Sim...quer dizer, pelo menos indiretamente. Pra ser bem sincero, toda essa história ainda é muito confusa...até mesmo pra mim! Não entendo o que está acontecendo e por isso resolvi procurar por você. Essa era a minha única esperança pra conseguir decifrar o mistério.
— Se me chamaram aqui pra isso, vou ter que desapontá-los. Eu nem ao menos sei o porquê os youkais estão atrás de mim.
— Então, o que você sabe? – Koenma indagou.
— Só que esses youkais querem me capturar e que atacaram meu clã porque estavam procurando algum objeto. Em ambos os casos eles não obtiveram sucesso.
— Um objeto? Que tipo de objeto? – perguntei curioso.
— Não faço ideia, só sei que eles não acharam. Desde então, eu tenho feito algumas visitas ao antigo território do meu clã para ver se encontro algo de valor, mas foi inútil. A propósito... – pensativa, ela interrompeu a si própria –...como foi que souberam que me encontrariam em Kurushimi?
— B-bom... – Koenma gaguejou receoso em contar a verdade.
— Nós estivemos no seu clã e encontramos os Fujita. Eles nos contaram. – Completou Kurama com simplicidade.
— Aqueles velhos...não dá pra confiar mais em ninguém mesmo! – Ela vociferou para si mesma, indignada pela indiscrição do casal de idosos.
— Não precisa ficar brava com eles, nós os pressionamos. Além disso, eles estavam bem preocupados com você, só queriam te ajudar. – Kurama explicou tentando acalmá-la.
— Acho que já estou me cansando de pessoas querendo me ajudar! – irritada, ela retrucou ao varrer o olhar por todos nós – Bom...é isso! Já contei tudo que sei, será que agora dá pra vocês me contarem o que eu preciso saber? Aonde é o esconderijo aqueles youkais? – Por fim, se concentrou em Hiei, que ainda mantinha em segredo a informação que tanto desejava receber.
— Espera aí Kiara, não dá pra entender. Por que quer ir até o esconderijo dos youkais que estão tentando capturar você? Não deveria ser o contrário? Seu desejo de vingança é tão grande que pretende ir de encontro aos seus inimigos? Você pode morrer! – Indignado, Kuwabara perguntou gesticulando exageradamente em protesto.
— Não me importa! Agora me digam logo aonde é que eles estão. Eu não tenho tempo a perder!
— Como é que é? Tá pensando em ir pra lá agora mesmo? Tá maluca? E por acaso acha que vamos deixar você ir sozinha? – respondi quase rindo com a possibilidade, fazendo com que ela me fitasse entediada – Olha, eu entendo que você queira vingança, mas por que não espera um pouco? Deveria descansar pelo resto do dia, assim, amanhã podemos ir com você e...
— Esse não era o combinado! Vocês prometeram me dar a informação se os acompanhasse até aqui, mas não falaram nada sobre ficar me seguindo pra onde quer que eu fosse. Por acaso mentiram pra mim?
— Mas é claro que não! Só estamos dizendo que você obviamente não pode ir até lá agora! Seria suicídio, considerando o seu estado... – ao notar ao que me referia, a expressão enfurecida emergiu mais uma vez em seu rosto e me apressei em terminar a frase antes que ela ousasse me interromper mais uma vez –...e nem adianta negar, porque você sabe que é verdade! Depois da luta com aquele tal de Ryou, você ficou esgotada! Por que não vamos todos amanhã, juntos?
— Vocês não estão entendendo, eu não quero companhia.
— Yusuke tem razão! O que pensa que vai conseguir fazer sozinha? Você tá sem força nenhuma! – Kuwabara retrucou me dando apoio.
— Considerando que foram feitos prisioneiros no último dia inteiro, eu diria que vou me sair muito melhor sozinha do que acompanhada!
— Ora sua...você bem que podia ser um pouco menos mal-agradecida, né? Tentamos te ajudar e é assim que nos trata? – Kazuma questionou visivelmente ofendido, enquanto Kiara bufava de raiva evitando olhar diretamente para qualquer um de nós.
— Escuta Kiara, querendo ou não, nós vamos pro mesmo lugar que você. Só estamos propondo irmos todos juntos, ao mesmo tempo. Quando quiser pode nos abandonar, se achar necessário, mas pelo menos vamos esperar até amanhã. Não faz sentido você ir agora sabendo que está sem energia alguma e que se tornaria um alvo fácil pra qualquer inimigo. Além disso, não fará diferença alguma irmos agora ou amanhã, porque eles não fazem ideia de que você descobriu onde é o esconderijo, então serão pegos de surpresa de qualquer forma. Entende? – De maneira racional, Kurama tentou convencê-la.
— Eu não posso esperar! Preciso ir agora!
Por alguns instantes, o silêncio pairou entre nós e somente os ruídos distantes de Keiko e Yukina na cozinha puderam ser ouvidos. Com cuidado, Kurama a analisou em meio a uma troca desconfiada de olhares com Koenma, até que por fim decidisse romper com a quietude do local.
— Já entendi qual o problema. – curiosos, todos nós o encaramos diretamente tentando decifrar o que queria dizer – Me diz uma coisa...toda essa sua pressa não é só por vingança, não é? Lembro de Ryou ter comentado algo sobre um garoto komorebi. Aonde tá o seu irmão, Kiara? Ele também sobreviveu ao ataque de meses atrás, não?
Ainda que tenha feito uma pergunta, Kurama transparecia já saber a resposta e, pacientemente apenas aguardava pela confirmação. Ao entender o que ele estava sugerindo, arquejei espantado e sem controlar a raiva e o ressentimento, a garota o respondeu em seguida, constatando nossas suspeitas.
— Eles o levaram. Kazuki foi capturado, por isso eu não tenho tempo pra ficar perdendo. Eu preciso salvá-lo! – Aos poucos sua voz foi se desvanecendo, de modo que, mal havia terminado de responder quando seu corpo decidiu ceder ao cansaço. Botan, que se encontrava ao seu lado, a amparou antes que caísse no chão, permitindo que a garota se mantivesse em pé.
— O que aconteceu? Está ferida? – Botan perguntou preocupada, enquanto tentava reerguê-la.
— Não. – ela respondeu ríspida. – Estou bem.
— Você percebe o que queremos dizer, Kiara? Por mais que negue, sabe que não está em condições de ir atrás daqueles youkais agora. Entendemos sua pressa de resgatar seu irmão, mas esse não é o momento. Você precisa descansar, senão não terá chances contra eles. Se decidir ir agora, estará facilitando o serviço do inimigo e com certeza será capturada também.
— Kurama tem razão. No atual estado, você será um peso morto pra nós. – Hiei completou sem rodeios, fazendo com que ela lhe direcionasse um olhar mortal.
— Vou pra lá sozinha. Não quero a ajuda de vocês! – Se desvencilhando dos braços de Botan com certa agressividade, ela respondeu mantendo-se de pé ao se apoiar na parede do templo.
— Mas o seu pai queria – Koenma retrucou, deixando-a confusa.
— O que quer dizer?
— Quando seu pai morreu, o encontrei no Mundo Espiritual. Foi ele quem me contou sobre sua sobrevivência e pediu para que te ajudássemos.
— Falou com meu pai?
— Claro. Falei com várias pessoas do seu clã. – Koenma suspirou pensativo – Eu não devia contar isso, porque a informação é sigilosa, mas considerando toda a situação, é o mínimo que posso fazer por você. Acho que vai gostar de saber que todas as pessoas do seu clã tiveram suas almas enviadas ao paraíso e descansam em paz. Eles estão bem, inclusive, não poderiam estar em um lugar melhor depois de terem morrido.
Calada, ela permaneceu estática apenas encarando o chão por alguns instantes, com um olhar perdido e vazio, cansada demais até mesmo para pensar numa boa resposta para dar a Koenma.
— Kiara, seu pai não gostaria de te ver sozinha nessa situação. Deixa a gente te ajudar? Não somos seus inimigos, na verdade nós temos exatamente o mesmo objetivo. Queremos que aqueles youkais que destruiram seu clã paguem pelo que fizeram...pode apostar que não os deixaremos impunes! – Koenma disse com seriedade, no entanto, não obteve uma resposta imediata da garota. Vacilante e pálida, ela se manteve muda por alguns minutos, apenas ponderando as suas possibilidades, até que, se dando por vencida, maneou a cabeça positivamente.
— E onde é que vamos amanhã, afinal? – Ela perguntou por fim, com um leve tom de súplica na voz.
Automaticamente, todos os olhares se converteram em direção a Hiei que, com um semblante frio e distante, respondeu instantaneamente como se aguardasse ansioso por aquele momento.
— Ilha Nozomi, é aonde eles ficam. É aonde você vai encontrar seu irmão.
