KIARA POV
Há tempos que não me sentia tão mal. A última vez havia sido no dia em que acordei na casa dos Fujita, após me resgatarem na aldeia Kimura. Exausta depois de tudo o que passamos ontem, em algum momento da madrugada desmaiei por completo, quando minha mente enfim cedeu ao cansaço. No entanto, agora, ao me levantar, sentia como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Enquanto a minha cabeça latejava de dor, o restante do meu corpo protestava toda vez que eu tentava movimentar qualquer um de meus músculos.
Instintivamente levei as mãos ao abdômen ao sentir a ferida ali presente arder. Ao menos o machucado causado pelo golpe de Kazuki já havia parado de sangrar. As ervas que Kurama usou eram realmente muito poderosas e ajudaram a facilitar a cicatrização. Observando o resto do meu corpo, percebi que, tirando esse ferimento, não tinha adquirido nenhuma outra ferida preocupante. Apenas alguns hematomas nos braços, onde aqueles youkais animalescos me agarraram, alguns arranhões nos joelhos e uma torção no pulso esquerdo, de quando Hiei me desarmou.
Não demoraria para que me recuperasse fisicamente, embora a dor emocional continuasse a me destruir por dentro.
Tentando me recompor, lavei o rosto e retirei a camisa imunda que estava usando, para permanecer apenas com o cropped que utilizava por debaixo daquele trapo. O templo estava silencioso, mas sabia que não tinham me deixado ali sozinha. Era apenas questão de tempo para que alguém viesse me procurar.
Do lado de fora da casa, o sol brilhava intensamente, embora a brisa do inverno recém-chegado me fizesse estremecer de frio. Com o intuito de respirar um pouco de ar puro, ignorei os arrepios sobre minha pele e saí da residência escondida. Sozinha, procurei um local para me acomodar, tentando me distanciar de tudo. Não queria ver ninguém, não ainda. Não estava preparada encontrá-los, pois sabia que me lançariam olhares de pena. Os mesmos olhares com que era vista no meu já extinto Clã. Ainda assim, mesmo preferindo ficar a sós, contraditoriamente me flagrei imaginando onde Yusuke e os outros estariam, e forcei um meio-sorriso ao me dar conta de que estava preocupada com eles. Mas isso, é claro, não passava de culpa, afinal, entraram naquela enrascada por minha causa.
Ao sentir o vento gelado atingir a minha pele, estremeci ao me curvar para abraçar os joelhos numa tentativa de espantar o frio. Com aquele movimento, a ferida no abdômen latejou, fazendo com que, num reflexo, eu voltasse para a posição anterior.
— Maldição! — vociferei irritada.
Tentando disfarçar a dor, enquanto me forçava a acreditar que ela era apenas psicológica, levei um susto ao sentir um peso adicional cair sobre os meus ombros. De imediato, me virei para trás, deparando-me com Yukina, que depositava cuidadosamente uma grossa coberta ao meu redor com o intuito de proteger os meus braços nus daquele ar gélido.
— Olá, Kiara — ela disse ajoelhando-se ao meu lado — Não devia ficar aqui fora. Está muito frio hoje. Você pode acabar ficando doente.
— Obrigada — simulei um sorriso ao indicar a coberta — Não precisava se incomodar.
— Eu fiquei preocupada quando não a vi no templo.
— Achou que eu tivesse fugido?
— N-não! — temendo um mal entendido, ela negou veemente com a cabeça — Não foi isso que eu quis dizer!
— Eu sei. Eu estava brincando.
— Ah...— ela suspirou aliviada — E como você está?
— Bem. O ferimento ainda dói um pouco, mas está quase curado.
— Isso é ótimo! — ela sorriu — Mas na verdade eu estava me referindo a outra coisa. Kazuma me contou o que aconteceu com o seu irmão. Como está se sentindo?
Inevitavelmente, flashes da noite anterior invadiram os meus pensamentos. Quando me dei conta, já não conseguia desfazer a imagem dos olhos apáticos de Kazuki presos aos meus, enquanto desesperadamente procurava uma forma de salvá-lo. Mas e se isso não fosse mais possível...?
Angustiada, desviei o olhar para o lado oposto, ignorando a koorime.
— Perdão por tocar no assunto. Eu não queria te deixar ainda pior... — mesmo sem encara-la, percebi que havia recuado arrependida ao meu lado.
— Não tem problema...— menti — A verdade é que eu me sinto péssima. Estive tão perto de resgatar o meu irmão, mas mesmo assim não consegui. Eu fui tão inútil...
Nervosa, agarrei a coberta com força, a puxando mais para perto de mim.
— É por isso que você gritava durante a noite? Isso está te atormentando muito, não é?
Arregalei os olhos ao congelar de repente. Aquilo era um desastre. Tudo o que menos desejava era que alguém tomasse conhecimento sobre os pesadelos que diariamente me perturbavam, mas pelo visto já era tarde demais. Envergonhada, permaneci compenetrada na direção oposta, evitando-a qualquer custo.
— Digamos que dormir não tem sido lá muito fácil.
— Tem algo que eu possa fazer para te ajudar?
Surpreendida pela pergunta, de imediato me voltei a ela, tentando decifrar se realmente estava falando sério. Afinal, era mesmo tão ingênua a ponto de acreditar ser capaz de me ajudar com aquilo? No entanto, ao perceber que suas intenções eram verdadeiras e que, diferente do que eu imaginava, não havia sinal algum de pena em seu semblante, relaxei antes de responder.
— Duvido muito. A não ser que você tenha aí algum entorpecente que me faça esquecer de todos os meus problemas.
— Entorpecente...? Como assim?
— Esquece — sorri pela sua ingenuidade, deixando-a ainda mais desorientada — Eu não tava falando sério.
Durante alguns instantes, ela permaneceu me observando com um ar inocente, até que, de súbito, o seu rosto se iluminou.
— Já sei!
— O quê? — confusa, a observei retirar a corrente pendurada em seu próprio pescoço, a estendendo em seguida em minha direção.
— Pegue!
Sem compreender, encarei a hiruiseki anexada à corrente, incapaz de obedecê-la.
— Não entendi. O que está fazendo?
— Quero que fique com ela por algum tempo. Essa joia possui um poder misterioso, capaz proporcionar uma estranha sensação de paz para qualquer um. Não é à toa que é tão cobiçada por pessoas de todo o mundo — ela olhou para a pedra de maneira afetuosa — Tenho certeza que vai ajudá-la com os seus pesadelos.
De imediato me lembrei de Mikio Yamazaki, e logo imaginei que aquele mafioso daria de tudo para poder estar em meu lugar.
— Mas Yukina, é a última lembrança que tem da sua mãe. É muito importante pra você! Não pode deixá-la comigo.
— Não tem problema. Você está precisando mais do que eu — contra a minha vontade, ela depositou a corrente sobre minhas mãos — Quando estiver melhor, você me devolve.
— Mas...
— Confia em mim — sua voz soou como uma súplica — Isso vai te ajudar.
Sem disposição para discutir, mesmo que incerta sobre aquilo, me dei por vencida e agradeci a preocupação, guardando em seguida a pedra em meu bolso. A examinaria com cuidado mais tarde.
— Onde estão os outros, Yukina?
— Foram pra casa. Parece que tinham assuntos para resolver, mas logo estarão de volta. Keiko me disse que eles pretendiam contactar o senhor Koenma para que ele viesse aqui ainda essa noite.
— Entendi.
— Mas se estiver precisando de alguma coisa, posso chamá-los agora mesmo. Tenho certeza que vão entender e virão pra cá imediatamente.
Alarmada, ela fez menção de se levantar para voltar ao templo.
— Não, não precisa! — recusei — Eu só queria saber se estavam bem.
Surpresa, ela aliviou o semblante angustiado.
— Ah...está preocupada? — um súbito calor preencheu o meu rosto e, desconcertada, corei com a pergunta — Fique tranquila. Estão todos bem sim. Quer dizer, só Kazuma estava muito ferido quando chegou, mas ele é muito forte e me garantiu que irá se recuperar logo.
— Ainda bem...
— Enquanto eles não chegam, vou retornar ao templo para providenciar o Susuharai do fim de ano(1).
— Susuharai? Mas não é muito cedo, Yukina? Ainda não estamos em dezembro.
— É sim, mas o templo é muito grande e eu farei o trabalho sozinha. Então é melhor me adiantar, senão pode não dar tempo de terminar até o Ano Novo. É que sou um pouco lenta — ela lamentou ao se colocar de pé — Antes de morrer, Genkai me disse que esse ritual era muito importante e confiou em mim para que o fizesse. Não posso falhar com ela.
— Nesse caso, eu te ajudo com a limpeza — me levantei com o intuito de acompanhá-la.
— Não precisa! É muito trabalho e, além disso, você precisa descansar. Lembre-se que está ferida.
— Não estou tão mal quanto pensa, Yukina. E querendo ou não, sou hóspede do templo. Nada mais justo do que oferecer algo em troca, certo?
Ao perceber que eu não cederia, ela agradeceu e aceitou a proposta para que, juntas, iniciássemos a limpeza do templo. A koorime havia se encarregado de cuidar do lado de dentro da casa, enquanto eu decidi permanecer ao lado de fora. Tentando me esquivar de qualquer pensamento referente ao meu irmão, me mantinha o mais ocupada possível, retirando o máximo de poeira e fuligem do piso, telhas e paredes. No passado, costumava gostar do Susuharai. Por ser um momento de permanecer em casa apenas com os membros de minha família, não precisava encontrar os demais moradores do Clã e, como ninguém naquele lugar gostava muito mim, era um alívio não precisar aturá-los como nos outros dias do ano.
Distraída, me deixei levar pelo embalo das tarefas. Quando percebi, o sol já se punha, escurecendo o céu gradativamente. Cansada, de repente senti os efeitos do dia anterior pesarem sobre o meu corpo. Perdendo o fôlego num mal-estar repentino, escorreguei direto ao piso da varanda, completamente zonza.
— Ainda não está recuperada.
A voz grave soou abafada, me forçando a levantar num sobressalto. Pela força do hábito, levei a mão à cintura em busca de minha katana, me esquecendo por completo de que a havia perdido durante a batalha. Me acalmei em seguida ao notar que se tratava apenas de Hiei, e conforme recuperava a audição, me dei conta de que aquilo não havia sido uma pergunta, mas sim uma afirmação.
— Na verdade, eu já estou bem.
— É mesmo? Não foi o que pareceu.
— Eu só estava descansando um pouco...
Descrente, seu semblante quase se transformou em deboche. A mentira havia sido tão mal contada que pude vê-lo sorrir com os olhos, embora ainda mantivesse uma expressão impassível.
— Apesar da minha energia ter se esgotado, meu ferimento já está muito melhor, se é o que quer saber — eu disse por fim, indicando o corte recém cicatrizado no abdômen.
— Então Kurama tinha razão sobre você — franzi o cenho confusa — Você tem mesmo uma recuperação fora do padrão de um humano comum.
— Mas isso é óbvio, não? Não venho de uma linhagem de humanos comuns.
Irritado com o meu tom, ele crispou os lábios.
— E por acaso todos da sua linhagem possuíam a mesma capacidade que você?
— Não. Quer dizer...sim. Nós aprendíamos a nos curar usando reiki, mas não é uma habilidade tão simples de ser dominada. Muitos não conseguiam.
— Você faz parecer bem fácil.
— Eu nunca tive dificuldade — dei de ombros — Por que isso é importante, afinal?
— Porque essa é uma habilidade que nem mesmo a maioria dos youkais possui. É estranho que uma humana qualquer a domine desde que nasceu sem precisar fazer esforço algum para aprendê-la. Use a cabeça — ele avançou um passo em minha direção — Estão atrás de você por algum motivo.
— E você acha que esse é o motivo? — desdenhei — Duvido muito.
— Pelo jeito com que aquela mulher falou, parecia segura de que você os ajudaria em alguma coisa — ele retrucou como se constatasse o óbvio.
Meus batimentos se aceleraram de súbito com a lembrança das enigmáticas palavras de Asuka, e congelei a respiração ao ver Hiei semicerrar os olhos em minha direção, desconfiado.
— Ok. Acho que quem precisa usar a cabeça aqui não sou eu. Obviamente eles não teriam todo esse trabalho só pra capturar uma curandeira, por mais poderosa que ela fosse. Poderiam facilmente encontrar outro tão bom quanto! E não se esqueça que além de estarem atrás de mim, também estão procurando por algo, portanto, o seu palpite não faz muito sentido. E só pra que fique sabendo, eu nunca os ajudaria em absolutamente nada!
— Eu não teria tanta certeza.
De maneira intimidadora, o seu olhar perscrutador se fixava em mim de forma invasiva, como se quisesse extrair da minha mente todos os meus pensamentos. Ao me dar conta do que estava fazendo, me virei em sua direção ofendida.
— Por acaso acha que estou escondendo algo de vocês? Se for isso, melhor que vá direto ao ponto.
De repente, Hiei relaxou o semblante severo, assumindo um ar de neutralidade.
— Estou falando de te usarem contra a sua própria vontade. Foi isso que aquela mulher quis dizer. Não importa se você não quer ajudá-los. Você vai ajudá-los!
Engoli em seco imaginando as diversas maneiras de me obrigarem a fazer algo que eu não quisesse, e estremeci de angústia ao perceber que todas elas envolviam Kazuki.
— Tem algo de errado com você — ele voltou a dizer.
Pisquei confusa. Aquela observação não tinha um tom ofensivo. Ele apenas me sondava, estudando cada uma das minhas reações.
— Tipo o quê?
— Por que não consegue dominar o seu reiki?
— C-como sabe disso? — balbuciei vacilante.
A pergunta me desconcertou totalmente. Pra mim, aquele era um assunto tão delicado que nem mesmo os membros do Clã tinham coragem de me perguntar diretamente. Na verdade, justamente esse era o maior motivo do desprezo que sentiam por mim. Apesar de nós komorebis nascermos com a capacidade de usar ambas as formas de energia vitais existentes na natureza, todos os meus companheiros davam preferência ao uso da energia espiritual. Youki nunca foi bem-visto pelo meu povo, pois, para eles, tudo que vinha do Makai era potencialmente perigoso. No entanto, eu dominava a energia demoníaca muito mais do que o energia espiritual, me tornando o maior alvo de preconceito dentro do meu próprio povo.
Impaciente, Hiei revirou os olhos antes de responder.
— Não se faça de idiota. Você mesma nos disse quando estávamos a caminho daquela ilha — me sentindo totalmente estúpida, arqueei as sobrancelhas ao me lembrar — Por que não consegue usar o seu reiki?!
— Porque...— hesitei em busca de uma explicação —...não é que eu não consiga usar. Eu consigo, mas só pra me curar. E qual o problema disso?!
— Se realmente não sabe, então é mais tola do que imaginei.
Arquejei irritada ensaiando uma má resposta. No entanto, me contive ao recordar que havia tentado matá-lo na noite anterior, e que toda aquela fúria não me levaria a lugar algum. Além disso, pelo pouco que pude perceber, essa era a forma com que ele tratava a todos.
— Tudo bem. Eu sei que não é normal, mas o que posso fazer? Tento entender o motivo de ser diferente dos outros desde que nasci, só que nunca encontrei nenhuma explicação. Talvez não exista uma, afinal — sugeri ao dar de ombros.
Cético, ele inspirou fundo antes de responder.
— O que não existe é o acaso — por fim, se virou fazendo menção de ir embora dali.
— Espere, Hiei! — o impedi, fazendo com que voltasse a sua atenção a mim — Eu queria...
— Queria o quê? — impaciente, ele perguntou.
Travei de repente, buscando a melhor maneira de me expressar.
— Queria te agradecer por ontem. Por me ajudar a sair daquela situação...— fixei o olhar nos meus sapatos, num misto de vergonha pela minha atitude e desconcerto por ter que admitir o erro.
— Já disse que não diz aquilo por você, mas sim porque você estava me irritando.
— Querendo ou não, você me ajudou. Depois do que aconteceu ontem, eu só conseguia pensar em desistir de tudo, inclusive de salvar Kazuki. Eu não estava raciocinando direito. Então, obrigada por me ajudar a abrir os olhos.
— Não foi um favor.
— Será que é tão difícil assim pra você aceitar um agradecimento? — revirei os olhos — Sei que não tenho sido muito simpática desde que nos conhecemos, mas não precisa agir dessa forma o tempo inteiro!
— Pra alguém que não está se aguentando em pé, você fala demais.
— O quê?! — vociferei indignada ao elevar a voz — Só pra te lembrar, quem começou a falar comigo foi você. Eu estava quieta no meu canto.
— Se eu soubesse que você começaria com esse sentimentalismo barato, eu nunca teria te dado atenção.
Atônita, o observei sumir diante dos meus olhos numa velocidade subumana, e ao me ver completamente só, irritada, voltei ao templo com o intuito de tomar um banho quente antes que Koenma e os demais chegassem. A noite esfriava violentamente, assim, vesti um moletom emprestado por Yukina e, em seguida, retornei para a sala de estar no momento em que Yusuke e Keiko chegavam, junto a um entusiasmado Kuwabara, que alegremente iniciava uma conversa com a koorime. Apesar de estar enfaixado por ataduras e outros curativos, aparentemente tentava se vangloriar da forma como havia nos salvado. Eu também precisaria agradecê-lo por isso.
Koenma chegou em seguida, ao lado de Botan. Apesar de conhecê-lo há pouco tempo, parecia mais abatido do que da última vez que nos encontramos. Faixas cobriam as suas mãos quase por completo, deixando apenas um vislumbre descuidado do que parecia ser uma ferida exposta em sua pele. Apesar da curiosidade, achei melhor não questionar o que havia acontecido. Assim, me aproximei de Botan na esperança que deixasse escapar alguma informação.
Agradeci a preocupação da guia espiritual quando, afobada, veio me questionar como eu estava. Atentos, Yusuke e Keiko se voltaram para nós, aflitos por uma resposta. Tentando tranquiliza-los, não hesitei ao dizer que já estava melhor, embora ainda precisasse recuperar minhas energias.
— Koenma está bem, Botan? — aproveitei a deixa, perguntando em seguida — Ele parece estar tão...estranho.
— É mesmo — Keiko endossou ao sussurrar — Tá com uma cara péssima, além de estar bem mais quieto do que o normal. O que aconteceu?
Botan franziu a testa cabisbaixa, direcionando o olhar para as próprias mãos, que brincavam com o tecido de seu kimono. A expressão de tristeza em seu rosto contrastava completamente com a sua aura habitualmente alegre.
— É que ele tem tido muito trabalho no mundo espiritual. Reuniões, problemas e essas coisas todas! — ela se voltou para nós com um falso sorriso no rosto.
Notando o seu desconforto ao responder de maneira evasiva, preferi não insistir, deixando de lado aquele assunto. Aguardamos então a chegada de Kurama e Hiei para que pudéssemos conversar sobre o que de fato havia motivado aquele encontro. Uma vez que estávamos todos reunidos ali, Koenma solicitou que contássemos a ele exatamente tudo o que havia acontecido na ilha. Instintivamente, após nos entreolharmos, todos fixaram-se em Kurama, o obrigando a tomar a palavra. Com calma, o kitsune relatou cada passagem de nossa ida a Nozomi, sem se perder na sequência dos fatos ou deixar passar algum detalhe em branco.
— Então, Asuka os convidou a ficarem do lado deles? — tenso, Koenma questionou — Por que fariam isso?
— Não temos ideia. Aquela filhote de cruz credo ficou falando qualquer besteira sobre reescrever a história do Mundo, ou algo do tipo... — Yusuke acrescentou — Mas isso não é nada perto daquela coisa que nos atacou depois! Quer saber Koenma? Eu tô muito confuso com isso tudo! Toda essa ladainha sobre o povo de Kiara escondendo algo dado pelos Deuses, o que isso significa? Afinal, quem são esses tais Deuses?!
— Por favor, Koenma...— Kurama retomou a palavra —...se você sabe de algo que não sabemos, nos conte. Tenho a impressão que estamos dando tiros no escuro. Precisamos saber exatamente o que estamos enfrentando, senão não chegaremos a lugar algum.
Koenma suspirou, sentando-se na cadeira mais próxima.
— Não pensem que estou escondendo algo de vocês. Também estou confuso com tudo o que está acontecendo — a sinceridade sobressaiu em seu tom de voz.
— Mas há coisas que não nos contou propositalmente, não é? — Kurama perguntou, elevando a tensão preexistente no ar.
— Não. Há coisas que eu não tenho permissão para contar. É diferente — ele retrucou incomodado — Mas vocês têm razão. Está na hora de dizer-lhes tudo o que sei, porque essa situação já está passando dos limites.
Atentos, todos fixaram-se no líder espiritual, ansiosos pelo que ele diria a seguir.
— Kiara, você já conhece a história da Deusa Kana, certo? Conhecida também como Deusa da Justiça.
— Sim. É a Deusa que forneceu energia vital para todos os seres vivos, seja reiki para os seres do Ningenkai ou youki para os seres do Makai. Para nós komorebis ela forneceu os dois tipos.
— Exatamente. Reiki e youki são duas formas opostas de energia vital, mas com a mesma finalidade de manter uma criatura viva. Você sabe como elas surgiram?
— Sei somente o pouco que me contaram — o respondi com franqueza — Com certeza você saberá explicar melhor do que eu.
— Muito bem — Koenma tomou fôlego — Por onde eu começo?
xxxx
Ao retornarem para o Makai, e se refugiarem do monstro que eles próprios haviam libertado no Mundo dos humanos, Shinzou, Hadog e Chiharu temiam a punição que receberiam por novamente fracassarem em sua missão. Preocupados com as consequências, os três já estavam decididos a implorar por suas vidas, sem nem imaginar o que lhes aconteceria em seguida.
— Imprestáveis!
Trêmula, Chiharu tentava segurar as lágrimas que insistiam em escapar de seu controle, evitando encarar diretamente aquela criatura tão imponente diante de si. Seus olhos escarlates e severos eram ressaltados pela pele cinzenta, e a sua postura de superioridade intimidaria até mesmo o mais poderoso dos youkais. Atrás dela, os seus semelhantes assistiam a repreensão, ansiosos pelo sofrimento dos três demônios fracassados.
Num sinal de respeito, Shinzou e Hodag se curvaram diante de sua superior. No entanto, paralisada pelo medo, Chiharu foi incapaz de imitá-los, rangendo os dentes de pavor.
— Por favor, Ikari, eu peço que nos dê outra oportunidade... — Shinzou implorou.
— Outra? Já lhe demos muitas oportunidades!
— Mas não sabíamos que os aliados da garota eram tão poderosos. Asuka e Bakugou morre...
— Talvez vocês é que sejam muito fracos! — ela o interrompeu.
Chiharu estremeceu ao vê-la se aproximar.
— E eu não suporto gente fraca...
Com apenas um gesto, a mulher fez com que Shinzou caísse ao chão ajoelhado, contorcendo-se de dor. Assustada, a criança levou aos mãos a boca, abafando um grito. Com os olhos se revirando em suas órbitas, o youkai regurgitava o próprio sangue incessantemente, formando uma poça enegrecida de coágulos abaixo de si.
— P-por favor...— sufocado, ele implorou por sua vida.
A mulher então o liberou da tortura, permitindo que, no limite entre a vida e a morte, o demônio recuperasse o ar que havia perdido.
— A sorte de vocês é que nós ainda não podemos agir, senão os mataria agora mesmo! — ela relanceou o restante de seus companheiros, que assistiam aquela cena com a esperança de que a ameaça fosse cumprida — Se os Deuses perceberem a nossa movimentação, nossos planos estarão perdidos. É evidente que eles ainda não sabem da garota.
— Não falharemos mais. Faremos o que for preciso para capturá-la... — Shinzou respondeu.
— Acho bom. Será a última chance que lhes darei. Se não conseguirem...— ela se aproximou dos dois youkais mais velhos, aparentando ser bem maior do que realmente era —...esse será o destino de vocês.
Os poucos instantes em que Shinzou e Hadog se reerguiam para encara-la foram o suficiente para que presenciassem o inesperado golpe atingir o seu alvo. Perplexos, ambos observaram o corpo perfurado de Chiharu cair no chão, inerte e ensanguentado.
As últimas lágrimas de medo presas nos olhos da menina escorreram pelo seu rosto pálido, porém um grito de desespero permaneceu contido em sua garganta.
(1) Susuharai é um ritual de limpeza e purificação de castelos, templos e santuários, realizado no Japão durante o fim de ano, cujo caráter é religioso e espiritual. Geralmente se inicia dia 13 de dezembro.
Gente, o próximo capítulo é MEGA importante, porque é em torno dele que gira toda a minha história hahaha
Eu já estou louca de ansiedade pra postar *-*. Espero que tenham gostado da leitura e continuem me acompanhando! Sei que demoro muuuuuito para publicar um novo capítulo, mas é que a história exige uma enorme dedicação da minha parte e quero fazer com que tudo saia perfeito
