HIEI POV

Que o Makai é muito mais vasto do que todos imaginam, não é nenhuma novidade. Mas se embrenhar por dentre as suas camadas mais profundas é algo que absolutamente ninguém cogita fazer. Fosse por medo ou indiferença, em toda a minha vida não havia conhecido um demônio sequer que tivesse tentado desbravá-lo de tal maneira e, mesmo se houvesse, provavelmente ele não teria voltado para contar a história. Os boatos diziam que tais camadas seriam o habitat de seres tão cruéis e poderosos que fariam até mesmo os mais temidos youkais da superfície tremerem. Se os contos eram verdadeiros ou não, isso era outra história. De qualquer maneira, ninguém parecia interessado em descobrir a verdade. Pelo menos não até agora.

Incapaz de conter a curiosidade, eu estava ali, seguindo os rastros que me levavam diretamente para aquele abismo, distanciando-me cada vez mais da superfície do Mundo das Trevas. Com a aposta de que aqueles que se declararam nossos inimigos poderiam se esconder no local, Mukuro ordenou que Shigure, Kirin e Zakuro me acompanhassem na investigação. Irritado, os despistei dando-lhes pistas falsas sobre o que descobria ao vasculhar a mente dos youkais que atravessavam o meu caminho. Não precisava da ajuda deles, e gente demais só servia para me atrapalhar. Sozinho, decidi procurar pelo paradeiro dos demônios que enfrentamos naquela ilha e, ao que tudo indicava, eu parecia estar no caminho certo. A energia maligna que pairava sobre a atmosfera do Makai aumentava nesse mórbido lugar, e o solo árido e sem vida, em conjunto ao seu denso e escasso ar, me fazia imaginar que tipo de criatura sobreviveria a esse ambiente tão inóspito.

Em busca de algo que nem eu mesmo sabia o que era, a minha tarefa tornava-se muito mais difícil e demorada. A jornada que já se estendia há três dias sem descanso, estava exaurindo tanto as minhas forças, quanto a minha paciência. Desde que havia saído da fortaleza, os mais diversos adversários me confrontaram. Dos mais fracos até os mais poderosos, perdi a conta de quantos foram ao todo. Ferimentos alarmantes já tomavam forma em meu corpo, restringindo alguns de meus movimentos. Sabia que, se quisesse permanecer vivo, logo teria que recuar. Ainda assim, decidi que iria até o meu limite, ou até mesmo o ultrapassaria, se fosse necessário.

Cauteloso enquanto caminhava, interrompi os passos ao avistar uma enorme ossada, com pelo menos quatro vezes o meu tamanho. Ao me aproximar, notei que alguns restos de tendões e músculos ainda a envolvia, como se tivessem sido arrancados às pressas e sem nenhum cuidado. Seja lá de quem fosse aquele esqueleto, a morte obviamente era recente, mas não acidental. Aquela criatura havia sido literalmente devorada por outra muito maior e mais forte. As marcas das mordidas na pouca carne que ali restava tornava isso inquestionável.

O cheiro pútrido que impregnava em meu olfato, porém, não era exalado por aquele espécime, mas sim de algo vindo dentro de um túnel mais adiante. Segui o rastro, afastando-me ainda mais da saída ao chegar no que parecia ser uma verdadeira necrópole. Reunidos em um só espaço, diversos cadáveres de youkais encontravam-se em diferentes estágios de decomposição, alguns mais avançados do que outros. Ao lado deles, uma pilha de ossos antigos e restos mortais dilacerados se estendiam pelo terreno. Aquilo parecia ser o covil de alguma criatura cuja fome era insaciável, e eu havia invadido o seu território sem nenhuma cerimônia.

Sabia que seria estupidez continuar ali, porém, paralisei diante de um rosto familiar em meio àquela pilha de corpos. No entanto, um rosnar vindo detrás de mim bastou para que eu despertasse do estupor, virando-me depressa em direção ao som. Olhos cintilantes como faróis escarlates surgiam das sombras, caminhando lentamente até mim numa postura curvada. O gigante quadrúpede rosnava, furioso pela minha presença e, ao mesmo tempo, salivava ao perceber que poderia conseguir uma nova refeição. A pelagem branca eriçava em tom de ameaça, ao passo em que exibia os enormes caninos em sua boca.

Se minha intuição estava correta, tratava-se de um inugami(1), o espirito de um cão que morreu por inanição, renascendo como um demônio. Pelo menos era isso que diziam. Achei que não passavam de uma lenda, mas se as histórias eram verdadeiras, esse youkai voraz jamais perdia o apetite, e tampouco raciocinava muito. Pedir que fizesse distinções entre as suas presas seria demais. Raivoso, ele rosnou mais alto, emendando aquele som em uma espécie de uivo. Em resposta, ameacei desembainhar a espada, mas voltei atrás quando me dei conta do que estava fazendo. Ao meu redor, outros iguais a ele me cercavam sorrateiros, atendendo o chamado de seu líder. Sem saber de que lado da matilha viria o primeiro ataque, me antecipei tomando a iniciativa.

Com o punho envolto pelas chamas negras avancei até o mais próximo, fraturando-lhe a mandíbula. No mesmo instante, os demais reagiram ao atacarem em sincronia. Apesar de desviar dos primeiros golpes, logo percebi que subestimei a capacidade de trabalharem em conjunto. Ao tentar escapar de um ataque, fui arremessado contra a pilha de ossos do covil. De repente, incapaz de enxergar qualquer um daqueles cães, fiquei imóvel ao perceber que a minha visão estava completamente embaralhada, como se tivessem usado uma espécie de truque para me confundir. Desorientado com tantos sons ao meu redor, somente a inesperada dor lancinante em meu braço esquerdo me despertou daquela ilusão. Quando me dei conta, um daqueles youkais já cravava as suas presas em mim, retaliando a minha pele numa tentativa de me esquartejar.

Rapidamente, com a mão livre ergui o sabre, fincando-o em seu crânio de modo a fazer com que a lâmina o atravessasse transversalmente, perfurando o seu cérebro. Me livrei então da mordida, jogando o demônio para cima de outro que avançava em minha direção. Antes que me confundissem de novo com aquele truque barato, retirei a faixa do braço direito, exibindo o dragão negro ali presente para, em seguida, liberá-lo. Ao vê-lo engolir aqueles inugamis, deixei-os agonizando aonde estavam, e rapidamente recolhi o corpo que havia me chamado a atenção na pilha de cadáveres. Esgotado, sai de lá saltando em direção à superfície, mesmo sabendo que nem todos os cães estavam mortos. E ainda que a sensação de insucesso gritasse dentro de mim, retornar à fortaleza de Mukuro era a prioridade. Não por mim, mas sim pelo corpo gélido e sem vida que agora eu carregava. Apressei o passo, certo de que os cuidados médicos precisavam ser dados o quanto antes e, portanto, não podia me dar ao luxo de perder mais tempo.

Se aquilo funcionasse como eu planejava, ao menos teríamos um norte a seguir.

HIEI POF

KIARA POV

Sentada de frente para mim na varanda do templo de Genkai, Yukina estendeu a mão aberta em minha direção. Nela, um profundo corte sangrava ao escorrer em filetes pelas laterais de sua palma. Em seguida, ela largou a faca suja com o seu próprio sangue no piso, voltando-se a mim com um olhar incerto.

— Posso?

— Quando você quiser — respondi, ameaçando apertar o cronômetro assim que a koorime me desse o sinal positivo.

Concentrando-se no ferimento, Yukina então fechou os olhos e, no mesmo instante, pressionei o botão do dispositivo. O corte recém-aberto em sua pele gradativamente começou a se fechar, impedindo que o sangue extravasasse ao deixar para trás uma fina camada de células regeneradas, que logo se confundiriam às já existentes naquele região.

— Você conseguiu! — pausei a contagem quando o ferimento desapareceu por completo — Cinquenta e três segundos!

Desacreditada, ela sorriu ao conferir o cronômetro.

— Não acredito que finalmente consegui em menos de um minuto! E dessa vez não ficou nenhuma falha — ela virou a mão em minha direção, deixando que eu verificasse a perfeição de sua técnica.

— Sem dúvidas você melhorou muito, Yukina. O corte, apesar de não ser muito grande, estava bem profundo, o que o torna bem mais difícil de se regenerar corretamente. É só continuar treinando assim que logo você vai estar ajudando as pessoas em estado grave.

Contente pela sua performance, o seu rosto se iluminou ainda mais.

— Estou realmente cansada de ficar só olhando vocês lutarem sem poder fazer nada. Nesse ritmo, poderei ser útil de alguma forma, não é?

— Sei como se sente. É muito chata essa sensação de impotência. Mas não me entenda mal...— ela franziu o cenho, confusa —...confesso que estou torcendo pra que você não precise ser útil pra ninguém. Pelo menos não desse jeito.

— É verdade — aliviando o semblante, ela riu inocentemente, agradecendo-me em seguida por ajudá-la a aperfeiçoar as suas habilidades de cura.

— Acho que já deu desse treino — cansado de ficar apenas observando, Kawabara se aproximou, lançando-me um olhar de reprovação antes de se voltar para Yukina — Não gosto que você fique se machucando dessa forma.

— Não seja tão dramático. São só uns cortes, Kuwabara. Ela não está morrendo — retruquei.

— Você não percebe que Yukina já está exausta? Vocês estão nisso há horas!

— Não se preocupe, Kazuma. Eu estou bem.

— Viu só? Ela está bem — provoquei, fazendo-o inflar as narinas de raiva.

— Mesmo assim, não gosto da ideia de te ver machucada, Yukina. Pelo menos faz esses testes em mim! Assim você não se machuca. Sabe que pode me cortar a vontade!

Ela hesitou, sem saber como recusar aquela estranha proposta.

— Não posso fazer isso, Kazuma. Não posso e nem quero.

— Isso foi bem esquisito — rebati tentando quebrar a tensão que Kuwabara havia criado — Mas acho que ele está certo, Yukina. Chega de treinar por hoje. Curar consome muita energia. Vai por mim, eu sei bem como é.

— Se você acha melhor, então tudo bem. Mas continuamos amanhã, certo? — ela perguntou esperançosa.

— Claro.

Yukina se levantou e, decidida a preparar algo para almoçarmos, nos deixou a sós na varanda.

— Tem algo que não consigo entender, Kuwabara — ao me colocar de pé, caminhei até ele — Você é babá da Yukina ou algo assim?

— Não diga besteiras!

— Então não me dê motivos! Você a trata como se ela fosse uma criança.

— E você a trata como se ela fosse...— pensativo, ele me olhou de cima a baixo —...igual a você!

— Você fala como se isso fosse ruim.

— E é!

— Está tentando me insultar?

— Não é nada disso! É que não tem por que a Yukina ficar treinando com você. Ela não precisa ficar se ferindo. Ela nem é esse tipo de mulher que vai sair por aí se metendo em batalhas. Não faz sentido!

— Mas eu não a forcei a nada. Ela quer fazer isso e é adulta o suficiente pra tomar as próprias decisões. Além disso, Yukina pode parecer frágil, mas é uma youkai de raça superior. Talvez seja até mais resistente do que nós dois juntos. Então, deixa ela em paz! Você fica por aí perseguindo ela...Isso é estranho, sabia? Aliás, aproveitando que toquei nesse assunto...— não consegui esconder a irritação no tom de voz — Não sei o porquê você decidiu ficar com a gente no templo. Era pra ser só nós duas. Sabe que não precisa ficar aqui de vigia o tempo inteiro, né? Eu já disse pro Koenma que não vou fugir.

— O mundo não gira ao seu redor não, minha filha! Não estou aqui pra ficar de olho em você.

— Então por que diabos você...— espantada, interrompi a pergunta ao enfim compreender a situação — Ah mas é claro! Que idiota que eu sou! Como não percebi antes? — questionei a mim mesma, recolhendo a faca que Yukina havia deixado no chão.

Confuso, Kuwabara me encarou sem entender o que eu queria dizer.

— Que tipo de imbecil sacrificaria a si mesmo só pra deixar outra pessoa feliz? Você está aqui por ela. Você tá completamente apaixonado pela Yuki...

Ao antecipar o que viria a seguir, Kuwabara repentinamente se aproximou, impedindo que eu concluísse a fala ao cobrir a minha boca com a mão numa tentativa de me silenciar.

— Fica quieta! — ele sussurrou furioso, soltando-me em seguida — Sim, eu gosto dela, tá bom? Por isso estou aqui! Não vou deixar a Yukina sozinha com você, porque se alguém vier te atacar, ela vai acabar se ferrando também! Eu não vou permitir que isso aconteça!

— Que graça — sorri, fazendo com que o tom saísse debochado mesmo sem querer.

— Pode zombar o quanto quiser, eu não ligo!

— Eu não to zombando — tentei tranquilizá-lo — Mas por que não conta isso pra ela de uma vez? Vai parecer bem menos estranho do que essa obsessão por estar sempre a rodeando, não vai?

— Não! Isso nunca. A Yukina não me vê da mesma forma.

— Como é que você sabe, se nunca nem sequer perguntou?

— Eu simplesmente sei. Acho que ela gosta de outro — ele respondeu cabisbaixo.

— Outro? Quem?

— Isso não importa. Mas não suportaria ouvir ela admitir. Portanto, você não ouse contar o que sinto a ela. Não quero que ela saiba a verdade. Isso não pode acontecer.

— Relaxa. Eu não pretendo dizer nada. Mas tenho que te avisar que você está deixando um pouco óbvio demais. Só sendo muito burro pra não perceber.

— Sério? Mas você não tinha percebido até agora.

Semicerrei os olhos, apontando a faca em sua direção.

— Sabe de uma coisa? Da próxima vez, vou sugerir à Yukina que ela aceite usar você como cobaia. Tenho certeza que conseguirei convencê-la de que treinar em você fará com que ela evolua muito mais rápido.

Kuwabara recuou, engolindo em seco. Em seguida, deu de ombros como se não se importasse.

— Ficarei feliz em ajudar a Yukina no que ela precisar.

— Mas que idiota! Você escuta o que diz? — ele não respondeu — De qualquer forma, só tente não sufocá-la com todo esse amor, senão vai acabar afastando ela de você. Vê se dá um espaço pra garota respirar e tente entender os sentimentos dela. Você a ouviu dizer que quer ser útil de alguma forma, né?

Ele revirou os olhos, incomodado com o conselho. Antes que pudesse retrucar, porém, se voltou a mim com um semblante preocupado.

— Para de papo furado. Você está sentindo isso?

Isso o quê?

— Essa energia se aproximando.

De imediato não consegui entender a que ele se referia. Somente alguns instantes depois, olhei em direção ao céu, buscando a origem do reiki que se aproximava de nós tão abruptamente.

— Será que é um inimigo? — alarmado, ele se colocou na minha frente como uma barreira — Depressa! Vai pra dentro, encontre a Yukina e se escondam!

— Não, não é um inimigo. Essa força é do...

Rápido como um relâmpago, um vulto rasgou o as nuvens do céu, caindo em queda livre até o solo, apenas a alguns metros de distância do templo.

— Piu! — dissemos ao mesmo tempo, assustados com o que havia acabado de acontecer.

Sem pensar duas vezes, corremos até a ave espiritual para acudi-la. Suas penugens falhas e sem vida, junto à sua respiração irregular, denunciava o estado grave em que se encontrava.

— Meu Deus. O que aconteceu com ele? — Kuwabara perguntou boquiaberto.

— Não sei, mas...— Kazuma me olhou temeroso —...ele está morrendo!

Piu grunhiu tentando se levantar em vão. Incapaz de sustentar o peso do próprio corpo, fechou os olhos com força, como se estivesse gemendo de dor. Observei que as feridas abertas em seu corpo se alastravam enegrecidas, tanto superficialmente, quanto em profundidade.

— Isso não faz sentido. Achei que Koenma estivesse cuidando dos ferimentos dele. O que aconteceu? O que ele está fazendo aqui? Será que veio atrás de Yusuke? O que vamos fazer? E se ele morrer?! — exasperado, Kuwabara questionou sem pausas, emendando uma pergunta na outra.

— Não sei! Mas temos que fazer alguma coisa!

Incerta, aproximei a mão da lateral de seu corpo, porém, o ínfimo contato com a sua pele o fez contrair de dor.

— Cuidado pra não machucá-lo!

— Machucado ele já está! Vou tentar curá-lo com o meu reiki. Não podemos deixá-lo assim.

— Enquanto isso, vou tentar contactar o Koenma!

Hesitante, observei Kazuma entrar no templo antes de me voltar para a abatida criatura à minha frente. Novamente tentei encostar a mão em seu corpo, mas ele recuou em desespero, debatendo-se para me afastar dali. Me esquivando de seu pseudo-ataque, pressionei o ferimento, concentrando-me ao manipular a minha energia. Piu praticamente gritou com o contato, como se implorasse para que eu parasse.

— Me perdoa! Prometo que vai ser rápido!

O arrependimento pela promessa veio em seguida. Ao tentar reverter os danos existentes no corpo da fênix espiritual, notei que a minha força não estava tendo o efeito esperado. Senti então como se algo realmente maligno estivesse impregnado em suas veias, percorrendo freneticamente o seu corpo ao contaminar seus órgãos internos. Pressionei ainda mais as mãos no machucado e Piu exclamou mais uma vez, tentando resistir ao meu toque.

Tão forte estava a nossa conexão, que quase pude sentir o seu sofrimento. Gotículas de suor tomaram forma em meu rosto quando aumentei a força, usando todo o reiki que consegui reunir para neutralizar o que quer que o estivesse machucando. No instante em que minhas mãos começaram a tremer sobre o tecido necrosado, soube que o meu limite se aproximava. Quando pensei que não conseguiria mais aguentar, porém, Piu enfim reagiu. Sem desviar o foco da habilidade de cura, notei que a coloração da região afetada pelo ataque do inimigo já voltava ao normal. Aos poucos as feridas cicatrizavam, fechando-se por completo como se nunca sequer tivessem existido.

Piu relaxou os músculos, e ao perceber que o trabalho estava completo, cai de joelhos sobre o chão. Ofegante, percebi que suava incessantemente, sem me dar conta de que ao meu redor havia uma inesperada plateia. Apreensivos, Kuwabara, Kurama e Koenma me observavam. Yusuke, por sua vez, visivelmente preocupado, abraçava a ave espiritual, que agora repousava a cabeça sobre o seu colo, tão exausta quanto eu. Há quanto tempo estavam ali? Estava tão concentrada que nem notei quando chegaram.

— Como? — Koenma se aproximou espantado — Como foi que você conseguiu fazer isso?

Ao erguer o pescoço, notei que o líder do Reikai tinha hematomas no rosto, assim como um braço imobilizado numa tipóia. Curiosa, quis perguntar a ele o que houve, mas, esgotada, nem sequer consegui respondê-lo, dando espaço para que Yusuke o fizesse.

— E isso importa? O importante é que Piu está bem!

— Importa. Fizemos de tudo no Reikai e não conseguimos curá-lo. Temos a melhor tecnologia desse mundo e os melhores especialistas. Como Kiara conseguiu?

— Já disse a vocês que minha habilidade de cura sempre foi muito boa. Não houve uma vez sequer que ela tenha falhado — respondi por fim, inspirando ao tomar fôlego — Mas confesso que dessa vez não foi fácil. Geralmente não tenho problemas pra fazer isso, mas parecia que Piu estava infectado por alguma coisa. Algo que o estava corroendo por dentro.

Desconfiado, Koenma olhou de soslaio para Kurama, como se quisesse lhe dizer alguma coisa.

— Já sei o que estão pensando — me adiantei resignada — Vocês também acham que os caras que estão atrás de mim querem usar essa minha habilidade, não é?

— Como assim "também"? Quem te disse isso? — Kurama perguntou.

— Hiei. Ele sugeriu isso, e pelo visto vocês pensam igual.

— Não. Quer dizer, não sei. Talvez...— o líder espiritual ponderou totalmente perdido, atirando para todos os lados — É possível.

— Eu acho que não é isso — Kurama disse em seguida — Mas também não arrisco outro palpite no momento.

— Eu já nem sei o que pensar — Yusuke retrucou mal-humorado.

— Foi aquele monstro. Aquele youkai estranho que nos atacou fez isso com o Piu na hora em que ele protegeu Yusuke. Eu disse que aquilo não era normal! — Kuwabara praticamente gritou, fazendo com que Yukina saísse assustada do templo, correndo em nossa direção para descobrir o que havia acontecido.

— Sim. Aparentemente ele era venenoso, ou algo esse tipo. Ele deve ter injetado algo em Piu quando o feriu. Algum veneno letal — Koenma arriscou — Yusuke tem muito que agradecer por Piu tê-lo salvo, pois se tivesse se tornado o alvo, possivelmente já estaria morto.

Incomodado, Yusuke desviou o olhar, o ignorando propositalmente. Achei estranho, mas não me atrevi a questionar a sua atitude na frente de todos. Decidi então mudar de assunto.

— Como foi que vocês chegaram aqui tão rápido? Kuwabara disse há poucos minutos que os chamaria.

Tentei levantar, mas uma repentina tontura me fez cambalear no mesmo lugar. Kurama me sustentou, antes que eu caísse novamente.

— Você está bem?

— Sim. Só fiquei um pouco zonza.

— Já estávamos vindo pra cá — Koenma retomou a explicação — Estávamos no Reikai quando Yusuke pressentiu que Piu não estava bem. Já te contaram, não é? Os dois estão conectados — ele gesticulou sinalizando a união espiritual de ambos — Bem nessa hora, um funcionário veio nos comunicar que Piu havia fugido para o Ningenkai. Desde então, nós já o estávamos seguindo. Kuwabara nem precisou fazer nada.

— Estavam no Reikai? Fazendo o quê? — Kazuma então questionou sem esconder a chateação no tom de voz, ofendido por não ter sido convidado para a reunião — E o que aconteceu com você, Koenma?

Dessa vez foi Koenma quem desviou o olhar, querendo esquivar-se da resposta.

— Nada de relevante — ele se limitou a dizer.

— Estávamos planejando nossos próximos passos — Kurama se virou em minha direção — O que faremos agora que voltamos à estaca zero.

— Ótimo! O que vocês têm em mente? — perguntei já impaciente com tanta espera. Se por um lado aqueles dias no templo estavam sendo bons para descansar, por outro já não suportava mais ficar ali sem fazer absolutamente nada.

— Fazer alianças. Precisamos encontrar o seu irmão, então quanto mais gente ajudar a procurar, melhor.

— Pode funcionar. Mas não conheço muitos candidatos pra formarmos uma aliança, tanto que fiquei sozinha desde o incidente com o meu clã. Já pensaram por onde ou por quem devemos começar?

— Sim, e acho melhor você se preparar. Talvez não goste de saber por onde começaremos.

— Por quê? — desconfiada, perguntei a ele. Seguindo a sua linha de raciocínio, porém, os meus batimentos cardíacos se aceleraram ao antecipar a resposta.

— Porque você vai para o Makai.