HIEI POV

A busca teria que ser minuciosa, por isso mandei Kiara de volta para a torre de Raizen. Aquela sem noção queria vir junto, como se já não tivesse causado problema suficiente. Até sugeriu que poderia ser perigoso eu ir sozinho. Francamente, com quem ela achava que estava falando? Ainda era difícil acreditar que toda essa história não era só uma estúpida invenção pra zombar da minha cara. Uma humana na fortaleza de Mukuro? Só podia ser brincadeira, mas, pelo visto, não era.

Subi pelas escadarias, pra tentar ser mais rápido. Comecei do andar dos dormitórios, embora já imaginasse que não me encontraria com nenhuma intrusa vagando por ali. Tampouco estava nas áreas de acesso comum, como o saguão. Tinham mais de 10 dormitórios perto de onde Kiara estava, mas invadir os quartos obviamente estava fora de cogitação. Por mais que fosse superior aos outros na hierarquia, isso seria totalmente contra as normas, até mesmo pra mim. De qualquer maneira, por mais que me concentrasse, não tinha nenhuma presença humana naquele andar, ou melhor, na fortaleza inteira. Os humanos mais próximos de mim eram Kuwabara e Kiara, ambos na torre de Raizen.

Dei algumas voltas naquele andar na esperança de encontrá-la. Estava quase desistindo de ficar ali quando Karasuma saiu de seu dormitório, diante dos meus olhos. Deslizei o olhar pela porta entreaberta atrás dele, vislumbrando uma parte do quarto que, obviamente, estava vazio. Disfarcei em seguida. O que eu estava esperando encontrar, afinal?

— Está tudo bem, Hiei? — ele estranhou o meu comportamento.

— Sim.

— Posso te ajudar? Está procurando alguma coisa?

— Não — me apressei na resposta, dispensando companhia — Só quero saber se viu algum estranho por aqui.

Ele arqueou as sobrancelhas, desconcertado com a pergunta. Em seguida, sorriu, divertindo-se com as possibilidades.

— Além daqueles idiotas que Mukuro andou recrutando? Sinceramente, acho que o nível do exército tem caído bastante. Não sei qual é a dela.

— Você está certo, mas não me refiro a eles.

— Então não estou entendendo. Tá falando de quem? Não vai me dizer que Zakuro(1) andou trazendo gente às escondidas de novo? Dessa vez, Mukuro vai matá-lo.

— Não. Também não é isso. Esquece...— respondi, já cansado de perder tempo. Ele claramente não sabia de nada.

Curioso, ele franziu o cenho, mas não insistiu em arrancar respostas de mim. Sem direcionamento, decidi então procurar de andar em andar, porém, aquilo também foi inútil. Não havia sinais da humana que Kiara relatou, nem mesmo nos lugares mais escondidos da fortaleza. Agora, a única mulher presente era Mukuro, que tinha acabado de retornar da sua ronda. Achei até que ela diria alguma coisa após me ver correndo por ali sem rumo específico, mas me ignorou completamente. Era melhor assim. Eu não pretendia dizer a verdade, de qualquer forma. Isso geraria um alarde desnecessário.

Seja lá quem fosse a tal humana encontrada por Kiara, sabia se esconder muito bem. Pensando nisso, fui atrás das últimas alternativas que me restavam: aqueles idiotas que a tinham encurralado.

Karasuma estava certo ao dizer que Mukuro estava recrutando gente demais. Não que ela se importasse com as aparências, mas o nível do exército estava despencando. Yamori era a prova viva disso. Aquele imbecil se uniu a outros novatos como se fosse um líder supremo. Era uma tentativa falha de se sentir minimamente superior a alguém. Evidentemente, ganhar poder era o que ele mais almejava na vida e, como não era forte o bastante para superar a maioria dos membros antigos, apelou para os que já eram mais fracos, se impondo como o verdadeiro imbecil que é. Sobraria para mim colocá-lo em seu lugar.

No entanto, o primeiro a cruzar o meu caminho foi Akai, andando despreocupado pela área de treino. Ele não tinha ideia do que eu planejava fazer.

Atravessei o seu campo de visão numa velocidade absurda. Ele congelou, girando o corpo para trás assustado. Aproveitei a chance e não perdi tempo ao colocá-lo contra a parede, empurrando-o de costas no concreto. Ameaça e violência eram a única língua que esses idiotas entendiam.

— H-Hiei? Qual o problema?!

— Aquela hora em que os encontrei — ele arregalou os olhos automaticamente, entrando em pânico — Quero saber se...

— Eu disse pra Yamori não fazer nada com a garota! Mais de uma vez, inclusive. Mas ele me ignorou totalmente!

— Fique quieto. Não é disso que vim falar.

Ele piscou confuso, tentando se recompor.

— Então?

— Naquela hora, você viu alguma outra humana? Ou pelo menos sentiu mais algum reiki aqui na fortaleza?

— Outra? Que não fosse aquela que encontramos?

Assenti, deixando-o raciocinar. Fui discreto ao acionar o Jagan. Estava aprendendo a usá-lo à distância, mesmo coberto sobre a faixa branca. Não era tão fácil e nem sequer dava pra fazer grande coisa com isso, mas pelo menos servia quase como um detector de mentiras, me permitindo acesso às memórias mais recentes. Era rápido e prático e, de modo geral, ninguém notava quando eu o utilizava.

— Não — ele respondeu por fim, me deixando analisar a veracidade da resposta — A única humana que vi foi aquela sua amiga.

Pude ver com clareza que não era mentira. Me afastei então, ignorando a idiotice que ele tinha acabado de dizer. Se Akai não a tinha visto, precisava ir atrás dos outros.

Não disse nada e saí de lá do mesmo jeito que cheguei, sem sequer me anunciar. Encontrei Yuzu e Amane em seguida. Com eles usei a força física, mas o resultado foi o mesmo. Nem quando estavam caídos ao chão, totalmente submissos, deixavam de me olhar como se eu fosse louco. Não podia culpá-los. Até eu mesmo admitia que a minha pergunta era insana. Se encontrar uma humana na fortaleza já era improvável, o que dirá duas?

Verifiquei Denki em seguida, arrancando à força máscara que cobria o seu rosto e me impedia de usar o Jagan como deveria. Mais uma vez, o resultado foi negativo, me restando somente Yamori. Com aquele idiota eu teria que ser bem mais rígido, ainda mais considerando a ameaça que tinha me feito há pouco.

Ele estava disposto a fazer qualquer coisa pra que eu fosse rebaixado. Como se ninguém tivesse percebido a obsessão que tinha por Mukuro, se é que eu poderia chamar assim. Pelo que soube, praticamente implorou para que ela o aceitasse na equipe e, apesar de integrá-lo a nós, Mukuro nem ao menos lhe dava a atenção que tanto almejava. Agia como se ele nem sequer existisse.

De alguma forma, Yamori me culpava por isso. Ele queria o meu lugar, mas estava muito longe de conseguir. Mukuro e eu compartilhávamos uma confiança que ele jamais entenderia. Uma confiança conquistada porque ela mesma me abriu espaço para uma aproximação. Não foi porque eu quis. Então, ainda que ele consiga superar todos os integrantes do exército, ela nunca o trataria igual a mim. Mas o idiota não parece ser capaz de perceber que o problema não sou eu.

A mim restava apenas a satisfação de vê-lo em desespero e, por isso, o provocava por puro entretenimento. O que ele faria se soubesse que, na realidade, eu nem me importo realmente com o meu status? O que pra ele vale ouro, pra mim não passa de uma vaidade sem significado.

Quando apareci diante dele, tentando encurralá-lo como tinha feito com os demais, ele resistiu, tentando rebater a investida com um golpe físico. Diferente dos outros, Yamori notou a minha brusca chegada. Não por ser mais inteligente, mas sim por já esperar que o procurasse. Afinal, tínhamos um assunto pendente para resolver.

Desviei do ataque, criando espaço entre nós.

— Decidiu me dar o prazer de te esmurrar até que implore pela sua vida?

— Cala essa boca — retruquei, sem interesse naquela ladainha.

Ele ergueu o facão que trazia consigo, mas o golpe não me atingiu. A lâmina cortou o ar, rápida o suficiente para tilintar. Eu não lhe daria o gosto de admitir em voz alta, mas apesar de todo o seu jeito escandaloso, até que não lutava tão mal. Dentre os novos recrutas de Mukuro, era o melhor. Porém, apesar de ágil e preciso, não era bom o suficiente para me derrotar. Seu jeito impulsivo o impedia de raciocinar antes de agir, sem traçar uma estratégia sequer. Talvez, se o adversário fosse outro, ele até tivesse uma chance.

— Maldito! Para de fugir! — ele protestou, enquanto eu apenas desviava de suas investidas impensadas.

Tudo bem, já estava mesmo na hora de acabar com aquilo. A arma dele emanou uma luz dourada, que, ao ser manejada, veio cortante em minha direção. Não me movi, deixando que me atingisse. Sem que Yamori soubesse, as chamas negras me protegeram, anulando o golpe como um bloqueio. Deixei que ele acreditasse que a explosão realmente tinha me ferido. Comemorando a vitória, ele estava iludido quando apareci em suas costas, desarmando-o de surpresa. O facão voou longe e o segurei pelos braços. Tecendo-os para trás, o empurrei mais uma vez, fazendo-o chocar o rosto contra a parede, enquanto o prendia firmemente. Cravei então o pé em sua coluna, segurando os seus pulsos com força, de modo a garantir que não escapasse.

— Me solta, imbecil!

— E por que não se livra sozinho? Achei que fosse me fazer implorar pela minha vida.

Ele xingou, se contorcendo ainda mais ao tentar libertar os braços. Convencido de que não conseguiria, parou de se mexer, cansado de toda aquela agitação desnecessária.

— Não tenho tempo pra perder — voltei a dizer — Preciso saber uma coisa. Viu alguma humana por aqui? Além daquela que encontrou mais cedo?

Ele parecia fora do ar. Nem sequer tinha prestado atenção na pergunta. Só queria um jeito de se libertar dali para continuar aquela luta estúpida.

— Responde logo! — ordenei, já perdendo a paciência.

— Que tipo de pergunta é essa? E se tiver outra, qual o problema? Acha que você é o único que pode trazer uma mulher pra cá?

O empurrei ainda mais, friccionando o seu rosto na parede. Quase o sufocando.

— Sabe que posso dar um jeito de arrancar essa informação de você.

Ele gargalhou numa voz abafada, com dificuldade. Por algum motivo estava se divertindo com a situação. Rindo sozinho como um louco.

— Está perdendo as estribeiras? Sei que só usa esse terceiro olho quando está desesperado.

Eu o soltei, não porque o deixaria em paz, mas sim para descontar a raiva. Não esperei que reagisse ao se virar para mim, e o atingi no tórax sem controlar a força. O som de algo se partindo violentamente me provocou uma satisfação cruel. Em seguida, ele pigarreou sangue, caindo de joelhos no chão sem conseguir respirar. O agarrei pela camisa, forçando-o a olhar para cima, enquanto vasculhava as suas memórias sem cerimônias.

Ele tentou resistir, mas não conseguiu. Porém, não tinha sinais de uma humana que não fosse Kiara em suas lembranças. O soltei então, deixando que se recuperasse.

— Satisfeito? — ele se levantou, recolhendo o facão que tinha perdido há pouco — A única humana que vi foi aquela metidinha imunda. E a propósito, da próxima vez que a encontrar por aí, eu vou retaliar ela bem na sua frente. E depois, você será o próximo. Eu ainda vou te matar!

O analisei de cima a baixo. O seu estado, tanto físico, quanto mental, era de dar pena. Por que ele simplesmente não calava a droga da boca? Aquilo não valia o meu tempo.

— Antes de proferir ameaças vazias, trate de melhorar a sua técnica. Acho que se eu não tivesse interferido naquela hora, até mesmo ela teria te derrotado.

Ele se enfureceu ainda mais e, quando me virei, tentou me atacar de novo. Muito previsível. Rebati a investida com um chute, fazendo-o voar para longe. Insistente, ele já tentava se levantar de novo quando me aproximei. Pisei em suas costas, forçando-o a permanecer de cara no chão. Quando a mão que empunhava o facão ameaçou agir, finquei a lâmina da espada em sua carne, perfurando-a de uma extremidade a outra. Ele não teve outra alternativa a não ser soltar a sua arma, impedido de contra-atacar. Ao ver a sua palma ensanguentada, o libertei da katana, guardando-a novamente em seguida. Somente então o deixei pra trás, ainda deitado no piso, enquanto murmurava alguma coisa. O ignorei. Aquele imprestável não levantaria dali tão cedo.

Voltando à busca inicial, me dei conta de que já havia examinado todos os lugares e não tinha encontrado vestígio algum da existência da humana desconhecida. Aquilo era um péssimo sinal. Não fazia sentido algum uma mulher ter conseguido invadir a fortaleza sem que ninguém percebesse. Qualquer youkai do exercício de Mukuro teria notado. Pensando bem, seria impossível isso realmente ter acontecido.

Sendo assim, as evidências me levavam a cogitar duas hipóteses. A primeira era que, se a humana existia, teve ajuda para entrar e ir embora antes que alguém percebesse. No entanto, eu estava mais inclinado a acreditar na segunda alternativa e, para confirmá-la, precisaria confrontar Kiara.

Sai dali, seguindo para a torre de Raizen. Ainda de longe, a avistei na varanda do quarto que ficava bem de frente para a fortaleza móvel. Pela cara de preocupação, esperava notícias minhas. Cheguei saltando, sem que precisasse entrar de maneira convencional. Aflita e impaciente, ela caminhava de um lado para outro e, sem notar a minha aproximação, deu um pulo ao ouvir a minha voz.

— Eu não a encontrei.

Ela quase gritou, virando-se apressada. O pulso disparou de repente, e ela arregalou os olhos ao colocar a mão na altura do coração, como se pudesse freá-lo à força.

— De onde foi que você veio?! Quase me mata de susto!

— Ouviu o que eu disse?

Ela assentiu, evidentemente decepcionada.

— Procurou em todos os lugares?

— Sim. Em cada canto da fortaleza.

— Não é possível que ela tenha conseguido escapar tão rápido! Tentou falar com aqueles caras? Algum deles deve ter visto ela.

— Nenhum deles sabia de nada. Você foi a única que alegou a existência dessa humana.

— Eu não entendo. Será que alguém a está escondendo? Ela entrou num dos quartos, sei lá...

Desorientada, ela parecia em conflito consigo mesma, buscando explicar o inexplicável. Tendo em vista o empenho que fazia para criar uma solução plausível para si própria acreditar, logo soube que não gostaria de ouvir o que eu diria a seguir.

— Você tem participado de muitas buscas, não é?

— O quê? — ela estranhou a pergunta, sem entender a mudança brusca de assunto.

— Pelo seu irmão. Está fazendo isso todos os dias, pelo que disseram.

— Sim, e daí?

Por algum motivo, detive o impulso de responder sem ter a devida cautela. No fundo, acho que tentava evitar um conflito desnecessário. Já estava farto daquilo.

— Deve estar exausta.

O meu esforço foi inútil. Ao compreender a linha de raciocínio, ela arquejou chocada. Numa reação até pior do que pensei que seria.

— Você não pode tá sugerindo o que eu acho que está.

Não respondi, deixando-a processar a informação. Pensei que, talvez, se refletisse sozinha, ficaria mais calma. Mas me enganei.

— Eu tenho certeza do que vi. Por acaso acha que eu estou imaginando coisas?

— Não seja ridícula. Estou dizendo que a sua mente deve ter te pregado uma peça. Não seria algo incomum.

— E não dá no mesmo? Essa ideia é que é ridícula!

Ela desviou o olhar, inconformada. Só então notei que estava mais lívida que o normal. Num tom quase enfermo.

— Então, pode me explicar o porquê só você, dentre todos os outros que estavam naquela fortaleza, viu a humana? Por que nenhum deles sentiu a presença dela? Por que não há nem um rastro sequer da existência dessa mulher? E como foi que uma simples humana conseguiu chegar até aqui sozinha e driblar a segurança de Mukuro? Estamos no meio do Makai, num lugar inóspito. Consegue me explicar tudo isso?

Ela perdeu a fala por um instante, balançando a cabeça em negação. Cabisbaixa, cruzou os braços como se procurasse abrigo em si mesma.

— Não...— a sua voz tremulou um pouco — Mas você tá errado. Deve ter alguma explicação lógica pra tudo isso.

— Acabei de te dar uma. Não deveria ficar tão ofendida.

Seu olhar era puro rancor, num misto de mágoa e incredibilidade.

— Como sabe que aqueles youkais não mentiram? Podem ter dito que não a viram, mas quem vai saber se estão mesmo falando a verdade?

— Vasculhei as memórias. Tenho certeza que não mentiram.

— E o que eu tenho que fazer pra que acredite que ela é real? Quer fazer isso em mim também? Vá em frente, então! Faço questão de esfregar na sua cara o quão errado você está.

Percebi que ela perdia completamente o controle de si própria. Os olhos já marejados mostravam que, apesar de tentar manter a compostura, não demoraria para desmoronar por completo. Ironia pensar que, no fim das contas, até que tinha algo em comum com Yamori.

— Eu já dei a minha opinião. Se quiser conversar com alguém que te diga somente o que você quer ouvir, achou a pessoa errada. Conte ao Koenma o que houve e...

— O Koenma? Não! Ele vai pensar igual a você. E nem pense em dizer nada pra ninguém! Não preciso de várias pessoas me chamando de louca, uma é o suficiente.

— Louca? É você que está dizendo isso. A culpa não é minha se você mesma pensa que está mal da cabeça, mas não quer admitir pra si própria. Eu só disse que você está exausta.

Ela travou antes de conseguir retrucar. Inspirou fundo então, distanciando o olhar pra qualquer ponto no horizonte.

Eu conhecia aquela reação. Sabia que tinha atingido um ponto fraco. Certamente ela mesma reconhecia que eu estava certo. A exaustão era visível desde o seu jeito irritadiço até o seu semblante abatido. Todos já tinham notado isso, por mais que tentasse esconder. O que eu não sabia era que ela estava prestes a chegar ao limite. Quando uma lágrima escapou, escorrendo silenciosa pelo seu rosto, me dei conta do estrago em seu psicológico. Rapidamente ela esfregou o rosto, com tanta raiva a ponto de deixar um rastro vermelho resultante do atrito em sua própria pele. Por fim, virou de costas, tentando se esconder.

— Vai embora daqui. Quero ficar sozinha.

Nem precisava pedir de novo. Sai apressado de lá, até agradecido de certa forma. Demonstração de fraqueza era justamente o tipo de coisa que eu detestava ter que assistir. Aquilo me irritava. Como se chorar daquele jeito fosse resolver a situação. Totalmente ridículo! Pensando na última hipótese que tinha sobrado daquele mistério sem nexo, rastreei então Kurama no extremo oposto da torre. Sozinho, ele folheava um livro qualquer, distraído em seu próprio mundo.

Ótimo. Eu precisava testar uma coisa.

Anulei a minha presença o máximo que consegui, reprimindo o meu próprio youki. Rápido, deslizei passos silenciosos pelo parapeito do edifício, avançando quieto em sua direção, enquanto me escondia pela escuridão da noite. Ao me aproximar pelas suas costas, porém, ele fechou o livro e eu estanquei os passos no lugar.

— O que está fazendo, Hiei? — ele perguntou antes mesmo de se virar pra trás. Só então se levantou, me encarando de frente.

Eu não tinha ideia de como ele conseguia fazer aquilo, mas realmente ninguém passava despercebido por esse maldito kitsune. O problema não era a minha técnica, mas sim ele. No que dizia respeito a habilidade de se esconder ou de revelar uma presença oculta, Kurama era um verdadeiro monstro. Ninguém podia enganá-lo.

Sorri satisfeito.

— Por que está tentando se esconder?

— Isso é problema meu.

— Quando você chega por trás de mim com jeito de quem planeja me matar, acho que passa a ser problema meu também.

Apesar de sua tranquilidade aparente, senti que tinha algo de errado com o seu semblante. Parecia meio...inquieto? Com certeza alguma coisa estava acontecendo. E pelo visto, era algo sério. Kurama não se deixaria abalar por qualquer coisa.

— O que aconteceu? — não pude conter a curiosidade — Por que está assim?

— Eu é que pergunto o que aconteceu com você. Desde quando se preocupa com os seus amigos?

— Não fala besteira.

— Se não é isso, então o que quer aqui? Precisa de mim pra alguma coisa?

— Por que está propositalmente desviando do assunto e se esquivando da minha pergunta? Parece até que está escondendo alguma coisa.

Dessa vez, o seu riso soou um pouco cansado. Ele não negou a minha afirmação.

— Pelo visto, não sou o único.

Logo percebi que não estava disposto a ceder. Eu teria que me justificar, se quisesse arrancar alguma informação dele.

— Quero saber se você notou alguma presença desconhecida por aqui na última hora.

Ela franziu o cenho, confuso.

— Que tipo de presença?

— Já disse. Qualquer uma desconhecida.

— Espera aí...foi por isso que chegou de fininho? Estava me testando? Pra ver se eu conseguiria perceber mesmo a mais escondida das energias?

Confirmei dando de ombros e o deixei prosseguir.

— Não. Não senti nada de estranho. Todos os youkais que estão aqui eu reconheço, mesmo que não sejamos tão próximos.

— Mas e se não estivermos falando de um youkai? Se eu estiver me referindo um humano? Sem ser os que você conhece, é óbvio.

A sua expressão mudou instantaneamente. Se antes estava tranquilo, agora mostrava-se totalmente tenso.

— Minha resposta seria a mesma — disse por fim, com um tom descontente.

Afundei as mãos no bolso, um tanto nervoso. Era a resposta que eu esperava, mas não a que eu queria ouvir. Ainda queria estar errado com relação a Kiara, mas claramente não estava. Se nem mesmo Kurama sentiu a presença da suposta humana, significa que ela nunca existiu.

— Por que acha que eu sentiria o reiki de alguém por aqui?

O avaliei com calma. Algo naquele profundo interesse pelo assunto me fez pensar que o seu segredo podia não ser tão diferente do meu. Até porque a sua entonação não era de surpresa.

— Boatos de que uma mulher foi vista fortaleza de Mukuro — evitei ser transparente ao lembrar de Kiara se negando a lhes contar o que houve, em meio àquele choro irritante que agora estava gravado na minha memória.

— Deve ter sido a Kiara. Ela vai pra lá todos os dias. Alguém deve tê-la visto e…

— Não. Não é dela que estou falando.

— Como sabe? Verificou as memórias do seu informante pra ter certeza? — preferi ficar calado, embora a resposta fosse mais do que óbvia. Ele sorriu ao compreender a situação — Já entendi. Você tem certeza que não se trata de Kiara, porque foi justamente ela que te contou, não é isso?

Que intrometido irritante. Por que sempre tinha que querer saber de tudo?

— Isso não importa. Pelo visto, não passou de um alarme falso.

— Alarme falso? Será mesmo?

— Algo te faz pensar o contrário? Kurama, você obviamente está sabendo de algo que eu não sei. Por que não conta de uma vez? Você sabe que não tenho paciência pra essa enrolação.

— Tudo bem — ele enfim se deu por vencido — Hoje quase peguei o humano que foi avistado pelas redondezas de Gandara. Não cheguei a vê-lo, mas estava ferido. Tinha rastros de sangue por lá.

— E por que não conseguiu pegá-lo?

— É que ele simplesmente sumiu, num piscar de olhos. Num instante estava lá, num outro não mais. Desconfio que exista alguma fenda dimensional clandestina por ali e que essa pessoa esteja atravessando livremente entre os dois mundos.

— Deixou que aquela criança humana te enganasse? Você já foi muito melhor, Kurama.

— Aí é que está o problema. Não acho que a pessoa em questão seja o irmão de Kiara.

— O quê?! — indaguei um tanto surpreso.

Aquilo sim era inesperado. Se não se tratava dele, quem mais seria? A troco de quê um humano viria ao Makai deliberadamente?

— É estranho, não é? Humanos no Makai? Antes isso só acontecia ao acaso, quando eles vinham parar aqui sem querer. Não sei você, mas pensar que existem humanos vindo pra cá com alguma motivação, me deixa completamente confuso. Quem seriam essas pessoas, afinal? O que querem aqui?

— Realmente não faz sentido algum.

— Sim, ainda mais se considerar o que você acabou de me contar. Uma humana bem aqui, debaixo dos nossos olhos? E outro perto de Gandara? Coincidência demais, Hiei.

— Concordo, mas tem uma diferença. O humano de Gandara deixou rastros. Já o da fortaleza de Mukuro, parece só uma lenda. Simplesmente não passou de um engano.

— De fato, é muito esquisito eu não ter sentido nada. Posso te garantir que eu com certeza perceberia a existência dela. A não ser que não seja uma humana comum, ou tenha um poder que está além dos meus limites. Mesmo assim, algo me diz que você não deveria ser tão cético. Ultimamente temos conseguido mais perguntas do que respostas, mas pra tudo existe uma explicação.

— Encontrou alguma pro humano que você estava perseguindo?

—Sim. Eu acho que...

Kurama interrompeu a fala, sem precisar justificar o porquê. Eu também já tinha sentido a aproximação repentina pelos corredores da torre. Era Kuwabara, exasperado por algum motivo, como sempre. Como eles ainda o suportavam? A julgar pela forma como estava correndo, e pela sua respiração irregular, parecia desesperado. Kurama se adiantou, indo de encontro a ele, enquanto me limitei apenas a segui-lo, bem menos interessado no que estava acontecendo.

— Kuwabara! — Kurama o chamou de longe, ao vê-lo passar pelo corredor diante de nossos olhos. O idiota deu meia volta, nos procurando completamente perdido.

— Kurama, ainda bem que te encontrei! Onde é que Hokushin está, você sabe?

— Acho que o dormitório dele fica do outro lado, por quê?

— Yusuke pediu pra eu ir atrás dele. Precisamos de primeiro socorros!

— Yusuke está bem?

— Sim, com ele tá tudo bem. Mas Kiara desmaiou!

Arqueei as sobrancelhas, surpreso. Aquela idiota...eu tinha acabado de deixá-la sozinha. Tinha percebido que estava mal, mas não a ponto de desmaiar. Por que diabos não falou?

Observei Kuwabara mais uma vez. O suor escorria pelo seu rosto e suas mãos tremiam sem razão alguma. Patético.

Suspirei cansado. Estava realmente começando a ficar farto de todos esses humanos no meio do meu caminho.


(1) Zakuro é um dos poucos membros do exército da Mukuro que nos foram apresentados no mangá/anime. Além dele, conhecemos também o Kirin, o o Shigure e o próprio Hiei. Mas como o exército é bem gigante, resolvi abusar desse recurso na história, criando quantos mais eu quiser. É isso.