KIARA POV

Permaneci em estado de alerta enquanto Shura me observava com um ar de tédio. Eu já estava preparada para o pior. Ele não me achou por coincidência. Estava atrás de mim? E o ataque? Obviamente o responsável por tudo daquilo sabia que estaríamos vulneráveis. Yomi poderia estar por trás de tudo, não poderia? Não seria uma novidade, até porque nunca o vi como alguém de confiança. Não depois de tudo o que soube sobre ele.

— Por que está com medo de mim? — Shura perguntou, se aproximando.

Me coloquei de pé rapidamente, recuperando o punhal que tinha jogado diretamente no rosto do outro youkai, cujo corpo decapitado fora deixado de lado por nós dois. Tomei cuidado para não deixar que Shura se aproximasse demais.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei. Seria inútil tentar esconder a minha desconfiança.

— Que falta de educação. Acabei de salvar a sua vida, sabia?

— Você nunca apareceu aqui antes. Por que veio justo hoje?

— Não é óbvio? Eu apareci porque vocês estavam precisando de mim. Meu pai me pediu pra ficar à espreita, mas só me revelar se fosse necessário.

— Vai me dizer então que não teve nada a ver com isso tudo?

Ele riu, compreendendo aonde eu queria chegar.

— Acha que fui eu que comecei toda essa confusão? Que imbecil. Não quero sequestrar você. Você não me interessa em nada e eu não me importo com qualquer que seja o motivo pra estarem atrás de você. Se vim aqui ajudar foi só porque o meu pai pediu, então vê se não me irrita. Senão eu te largo aqui pra morrer.

Ele parecia estar dizendo a verdade. Aquele garoto irritante era sincero até demais pro meu gosto. Mas o que realmente me preocupava era descobrir quem estava por trás disso tudo. Yomi era a minha aposta certa, mas jamais deixaria o próprio filho fora de seus planos. Não faria nenhum sentido.

— Vai ficar aí parada até quando? Ficou com tanto medo de mim que nem consegue mais se mexer? — ele se virou em direção ao buraco que havia aberto na fortaleza com aquele golpe violento — Como pode ver, já criei a nossa própria saída. Vou te levar pra Gandara. Lá sim temos segurança de verdade. A melhor que existe nesse mundo.

— Não — ele me encarou surpreso e indignado — Antes preciso achar os meus amigos.

Saí de lá, o deixando totalmente confuso com aquela decisão. Mas não me importei com o que ele estava pensando, e nem sequer olhei para trás enquanto me afastava. Eu tinha pressa para resgatar Kuwabara.

Me dei conta de que Shura me seguia somente quando interceptou o meu caminho.

— Você é burra ou suicida? Vamos embora logo!

— Já disse que não vou pra lugar nenhum sem antes encontrar os meus amigos.

— Tá falando daquela mulher do gelo? — ao prever a minha próxima pergunta, ele se antecipou — Ela está bem. Eu a vi com aquele tal de Hokushin.

— É sério?

— Óbvio. Acha que eu mentiria? — preferi não responder, porém, ele ignorou a minha incerteza — Viu só? Pode ficar tranquila. Eu te levo até ela, se quiser. Mas vamos logo.

— Não é só dela que estou falando. Meu amigo também está aqui e precisa da minha ajuda. Não vou embora sem ele.

— Vai sim! — ele segurou o meu braço, me prendendo à força no mesmo lugar — Me mandaram ficar de olho em você, então pouco me interessa esses outros idiotas. Você vem comigo!

Shura certamente não esperava que eu tivesse coragem de confrontá-lo, pois quando o empurrei, ele perdeu totalmente o equilíbrio, quase caindo no chão ao cambalear para trás. Pego de surpresa, me olhava furioso, prestes a revidar. Mas, por algum motivo, ele se deteve.

— Eu agradeço por ter me ajudado naquela hora, mas não precisa mais me acompanhar. Eu não sou sua responsabilidade, nem de ninguém. Posso me virar daqui em diante.

Antes que tentasse me impedir novamente, segui em frente, acelerando o passo até desaparecer totalmente de seu campo de visão. Sabia que se aquele moleque decidisse usar a força, eu não teria como vencê-lo, mas nem por isso eu cederia à sua vontade tão facilmente.

Focada em achar Kuwabara, me deparei com uma área completamente envolta por chamas. Seria impossível entrar ali sem sair queimada da cabeça aos pés. Por isso, fui obrigada a forçar um desvio por outro caminho desconhecido, que nem sequer sabia para onde me levaria. Ao chegar a um saguão enorme, fui recepcionada por um ogro imenso. Quando os seus olhos caíram sobre mim, o ataque veio com violência. No entanto, nem sequer precisei fazer nada. Um disparo de fogo o engoliu, pulverizando todo o seu corpo num instante. O youkai — causador de todo daquele incêndio — tinha o aspecto mais demoníaco que já tinha visto em minha vida.

Os dentes inferiores proeminentes e pontiagudos se projetavam para fora da boca e o seu olhar severo e obscuro recaía sobre mim com um aspecto furioso. Sua pele avermelhada contrastava com o tom negro dos chifres em sua cabeça, que se retorciam como os galhos secos de uma árvore, ornando todo o conjunto.

— Eu é que vou levar os créditos por capturar você — sua voz, ainda mais diabólica do que sua aparência, vibrou ameaçadora.

Ele cuspiu fogo em seguida, me forçando a correr para desviar do golpe. No entanto, quando me dei conta, já não tinha mais para onde ir. A sala estava totalmente tomada pelas chamas. Encurralada, decidi me antecipar ao contra-atacá-lo. Lançando projéteis de energia sobre ele, consegui fazer com que se atrapalhasse, tropeçando em seus próprios pés. Porém, não foi o suficiente. Ele se preparava para devolver o golpe com outro tiro de fogo, mas não teve tempo de executar o plano.

Shura não precisou de mais do que um dedo para perfurá-lo no peito, mirando diretamente em seu núcleo. O garoto foi rápido ao me puxar para longe dali, usando o próprio youki como escudo para nos proteger do incêndio.

— É assim que você se vira sozinha? Nunca vi nada tão ridículo!

— Por que continua me seguindo?

— Porque se alguma coisa acontecer com você, eu é que vou ouvir!

— Então você não passa de uma criança com medo dos sermões do seu pai?

— O QUÊ?! — ele me soltou num movimento brusco, praticamente me jogando no chão — Eu nem sou criança e nem tenho medo de nada. Se falar isso de novo, eu te mato!

— Mata. Quero ver se tem coragem — esbocei um sorriso irônico que o deixou completamente furioso.

Seu corpo inteiro tremia, mas ele não ousou sair do lugar. No fundo, eu sabia que não estava errada e que aquela ameaça era da boca pra fora. Jamais Yomi deixaria que o filho me matasse. Se essa fosse a vontade dele, tenho certeza de que o próprio já teria feito o serviço. Shura respirou fundo, rangendo os dentes de raiva.

— Me diz logo onde é que aquele outro idiota está. Eu vou tirar vocês dois daqui.

— Mudou de ideia?

— Você é muito fraca, então não vai conseguir fazer nada sozinha. Eu já disse que se acontecer alguma coisa, ainda vai sobrar pra mim. E eu não tenho que aguentar nada por sua culpa.

— Kuwabara estava lá pra trás, do lado em que o fogo estava vindo.

— Então, a essa altura do campeonato ele já deve ter virado churrasco. Mas se quiser mesmo conferir…

O deixei falando sozinho, dispensando aquele pessimismo. Ele me seguiu, fazendo questão de tomar a dianteira, enquanto tentávamos retornar naquele andar, procurando uma nova rota de acesso ao local em que Kazuma e eu tínhamos nos separado.

— Você é mesmo mal-educada. Nem sequer termina de me ouvir antes de sair andando.

Respirei fundo, tentando não me deixar levar por aquela provocação. Sabia que ele só queria atormentar. Pelo visto, tinha um enorme prazer em ser insuportável.

— Se vai ficar falando besteira, é melhor que eu não escute mesmo.

— Deveria me respeitar. Sou o futuro Rei do Makai, sabia? Vou ganhar o próximo torneio.

Revirei os olhos. Era inacreditável que em meio àquele caos, tudo o que ele conseguia pensar era no próximo torneio do Makai. Será que ele não percebia que esse evento talvez nem sequer chegasse a acontecer?

— Você não tem nem idade pra isso.

— E daí? Pra ganhar o torneio eu não preciso ter idade, mas sim de força. Isso eu tenho de sobra. A primeira coisa que vou fazer vai ser liberar a caça aos humanos. O que acha?

Ele me lançou um olhar malígno, testando a minha reação. Mas eu não lhe daria o que estava querendo.

— Acho que primeiro você tem que ganhar o torneio. Depois a gente conversa.

Ele fechou a cara, nervoso por não ter atingido o objetivo. Duvidei que ele desistiria tão fácil, mas antes que dissesse qualquer coisa, um rugido ensurdecedor nos fez congelar no mesmo lugar. Ao atravessarmos um corredor, nos deparamos com um enorme youkai de um aspecto mórbido e inconfundível. Ainda que da última vez que apareceu eu estivesse desmaiada, as descrições de Yusuke e Kuwabara foram precisas o suficientes para não restar nenhuma dúvida. Era o mesmo demônio que nos atacou em Nozomi.

De costas para nós, ele simplesmente rasgava ao meio um outro youkai, separando o tronco do restante do corpo. Ao notar que Shura já se preparava para atacá-lo, me apressei em impedi-lo de cometer um erro, agarrando-o por trás para, em seguida, arrastá-lo até uma reentrância existente na pilastra mais próxima de nós. Ali, numa reação natural, segurei Shura com força, imobilizando-o num abraço e tapando a sua boca com a mão livre para garantir que não fizesse nenhum barulho. Na esperança de que, se ficássemos escondidos, o demônio não nos encontraria.

Shura protestou, se debatendo para se livrar do meu abraço forçado. Ignorando-o, tentei deter os meus pensamentos, porém, a lembrança foi inevitável. Anos atrás eu passava pela mesma situação, mas com Kazuki. Enquanto o mantinha calado, ele tremia sob os meus braços, assistindo de camarote o ataque que culminou na morte de nossa mãe. Mas apesar da semelhança de idade, Kazuki e Shura eram muito diferentes. Dessa vez, quando o demônio voltou a aparecer em nosso campo de visão, Shura — muito mais forte do que meu irmão — conseguiu se libertar de mim, esperneando com toda a sua força. Sem medo, me deixou para trás e avançou em direção ao monstro que, por sua vez, reagiu no instante em que o viu.

Foi tudo tão rápido e violento que eu nem sequer saberia explicar o que aconteceu. Quando me dei conta, Shura estava em pé, de costas para mim, enquanto o demônio havia sido feito em mil pedaços que agora estavam espalhados por todo o chão. O garoto se virou para me olhar, mais mal-humorado que antes. Possesso, na verdade. A mão decepada daquele demônio ainda estava preso em seu corpo, perfurando-lhe no ombro com as garras pontiagudas. Ele a arrancou, descartando-a em seguida.

— Por que me segurou? Quem você pensa que é? Nunca mais faz isso, sua estúpida!

— Você está bem? — perguntei confusa, sem realmente assimilar a ofensa. Se Piu quase tinha morrido após receber um simples arranhão daquele monstro, como Shura ainda se mantinha de pé?

— Mas é claro que sim. O que você acha que eu…

Ele paralisou de repente. Caindo de joelhos no chão, agonizava com a dor da ferida. Quando me ajoelhei diante dele, com o intuito de ajudá-lo, ele então me afastou.

— Eu não preciso de você!

Ele tentou se levantar, mas caiu no chão em seguida.

— Não seja tão idiota. Esse youkai tem uma espécie de veneno ou algo assim. Não vai conseguir sair dessa sozinho.

Ele fez um esforço para tentar se recompor, me olhando diretamente nos olhos. Sua respiração estava acelerada e o suor escorria pelo seu rosto.

— Como pode ter certeza?

— Porque já vi isso acontecer, e você acredite ou não, fui a única que conseguiu resolver o problema. Então deixa de teimosia! Quanto mais o tempo passa, pior vai ficar essa ferida e mais difícil vai ser de te curar.

— Eu não preciso de ninguém! — sua voz soou arrastada, no limite do indecifrável.

— Que idiota. Prefere morrer, então?

Ele examinou o próprio braço, observando que realmente o machucado já parecia pior do que há poucos instantes. A gangrena se alastrava rapidamente, como se estivesse impregnada em sua pele. O hematoma ao redor da perfuração em seu músculo crescia em alta velocidade, e pela cara que ele fazia, parecia sentir latejantes contrações de dor.

— Tá bom, então. Se é o que prefere, o problema é seu... — eu disse, me afastando dele como se estivesse prestes a ir embora.

— Espera! — ele gritou.

Me encarando num misto de desespero e súplica, Shura estendeu o braço para que eu fizesse o que fosse preciso para liberta-lo daquela tortura. Usei o reiki em seguida, concentrando-o ao máximo para eliminar todo e qualquer traço do suposto veneno existente em seu corpo. Assim como da última vez, a tarefa não foi fácil, porém, por ter agido o quanto antes, precisei de menos esforço do que com Piu.

Quando terminei, Shura relaxou a expressão, aliviado.

— A dor passou... — ainda caído no chão, ele ficou encarando admirado o local onde estava a ferida — Nunca tinha sentido nada assim antes.

— Precisa tomar mais cuidado. Você é mesmo muito forte. Aliás, eu fiquei impressionada em ver como destruiu essa coisa de uma só vez. Mas a sua imprudência pode te matar um dia, por mais poderoso que você seja, sabia? Vê se aprende a confiar nos outros. Naquela hora, te segurei pro seu próprio bem. Por que você é tão orgulhoso?

Achei que ele me xingaria, mas me enganei. Pelo contrário, ele nem mesmo recusou a ajuda que ofereci para se levantar do chão. Na verdade, aceitou cabisbaixo e em silêncio.

— Era pra você me odiar. Por que tentou me proteger? — ele franziu a testa, frustrado.

— É o que você quer? Que eu te odeie? Precisa ser muito mais do que irritante pra conseguir isso.

— Achei que o seu povo odiasse youkais.

— Não é bem assim. Alguns odiavam, mas eu não. Acho que é você que odeia os humanos.

Ele voltou tornou a ficar quieto, evitando me olhar diretamente. Ainda estava cabisbaixo quando me respondeu.

— Também não é bem assim…

A aproximação repentina pegou a nós dois de surpresa, mas Shura não se intimidou quando um outro youkai nos encontrou. Ele, porém, ele não nos atacou. Apenas revezando o olhar entre nós dois, deixou evidente o seu incômodo.

— O que faz aqui? — perguntou então a Shura — Você não tem permissão para invadir a fortaleza de Mukuro. Não deveria ter saído de Gandara.

— Invadir? Ainda não percebeu que um monte de youkais entraram sem permissão? Esse lugar já era!

— Quem é você? — perguntei a ele.

— Me chamo Karasuma. Sou do exército de Mukuro. Vim te tirar daqui.

— Não me lembro de você. Não deve nem ter importância nesse exército de quinta — Shura disparou.

— De exército de quinta você deve entender bem, né moleque?

— Como é que é?! — Shura avançou alguns passos em direção ao outro, prestes a atacá-lo.

— Parem, vocês dois! — eu o impedi, me colocando em seu caminho — Vocês estão do mesmo lado, não estão?

— É claro que não. Esse pirralho não é de confiança. Talvez seja até culpado por tudo que está acontecendo. É pra isso que estou aqui — Karasuma retrucou — Vou te tirar desse lugar em segurança.

— Ela não vou deixar! — Shura foi mais rápido, me puxando pelo braço para me afastar ainda mais do subordinado de Mukuro. Com o impulso daquele tranco, quase caí no chão.

— Chega! Se forem ficar com essa babaquice, prefiro ficar sozinha! Eu não tenho tempo pra perder com vocês. Estamos no meio de um ataque e eu preciso achar o Kuwabara!

— O garoto está bem — Karasuma me respondeu — O deixei aos cuidados de Shigure agora há pouco. É você que está em perigo. A prioridade agora é te tirar daqui. Depois eles nos alcançam.

— Você é cego ou o quê? Ela já está segura comigo! — Shura rebateu, possesso.

— Se manda daqui, pirralho nojento. Esse não é o seu território.

Tentei abstrair o que diziam, exausta daquela discussão. As suas vozes já estavam bem distantes de mim quando tudo começou a tremer. Perdi o equilíbrio de repente ao ver o chão rachar ao meus pés. Ocupados em brigar entre si, Shura e Karasuma não foram rápidos o suficiente para notar o que acontecia e, quando se deram conta que todos nós desmoronávamos em queda livre até o térreo da fortaleza, já era tarde demais. Fechei então os olhos, antecipando o choque violento com o solo. No entanto, o embalo da trajetória sendo desviada me despertou com uma sensação gelada de frio na barriga. Quando notei, mais rápido do que esperava, já havia aterrissado no chão em segurança, amparada por um outro youkai.

— Kiara, você tá bem?

Por trás de nós dois, a voz de Kuwabara soou como música para os meus ouvidos. Mas estava tão trêmula com tudo o que tinha acabado de acontecer que nem sequer consegui respondê-lo. Assenti em silêncio, ao passo em que ele se ajoelhava diante de mim. Era nítido que estava desnorteada, sem entender como nos encontraram tão depressa, mas aquilo não tinha importância. Porém, o alívio que senti ao reencontrá-lo se perdeu no instante em que pousei os olhos sobre o ferimento em sua perna. Como conseguia andar daquele jeito? Ao perceber a minha preocupação, ele tentou me tranquilizar.

— Isso não é nada. Eu tô bem — ele sussurrou.

— O que pensa que estava fazendo? — o youkai que há pouco me salvou então se dirigiu ao outro, chamado Karasuma — Deveria prestar atenção no que está acontecendo a sua volta. Se eu não aparecesse, ela teria morrido.

Ele semicerrou os olhos, descontente com a advertência, mas não revidou.

— Não esperava reencontrá-lo tão cedo, Shigure. Achei que ficaria cuidando do garoto por um tempo.

— Ele não quis. E o que o clone de Yomi faz aqui? — ele encarou Shura desconfiado.

Antes que o garoto o respondesse e provocasse uma nova briga, decidi intervir.

— Ele veio ajudar. Sei que vocês não se dão bem, mas ele salvou a minha vida. Deixem ele em paz, não é pra isso que fizeram uma aliança? — os dois subordinados de Mukuro me encararam com desdém, enquanto Shura não escondia a surpresa por eu ter me manifestado em sua defesa.

— Que seja. Não tenho objeções quanto à presença dele, desde que não faça nenhuma bobagem — o youkai que acompanhava Kazuma respondeu então, encerrando o assunto.

— Temos que ir embora logo. Aquele youkai esquisito que nos atacou em Nozomi também está aqui! Se ele nos encontrar, ferrou! — Kuwabara me alertou, preocupado demais para se importar com a rivalidade histórica existente entre aqueles demônios.

— Não. Shura já acabou com ele, há alguns minutos.

Ele desviou o olhar para o garoto, assustado. Shura então estufou o peito, orgulhoso e contente pelo reconhecimento.

— Esse pivete acabou sozinho com aquela coisa? Impossível.

— Me chamou de quê? — irritado, Shura perguntou a ele, forçando Kazuma a entrar em um estado catatônico.

— Aonde exatamente o matou? — Shigure perguntou ao garoto antes de se voltar em minha direção — O youkai a qual o seu amigo se refere estava nos andares superiores da fortaleza.

— Matei no andar que acabou de desmoronar — Shura respondeu.

— Isso quer dizer que pode ter mais de um? — perguntei, mesmo já sabendo a resposta.

Que ótimo.

De repente, escapar dali parecia ainda mais urgente do que antes. Assim, tendo a cobertura dos três youkais, Kuwabara e eu prosseguimos até a saída da fortaleza, podendo eliminar com mais facilidade os inimigos que cruzavam o nosso caminho. Como se competissem entre si para ver quem conseguia eliminar mais adversários, Shura e Karasuma foram ágeis em derrotá-los, liberando a nossa passagem. No entanto, somente quando estávamos prestes a sair, me dei conta de que ainda havia restado algo para fazer ali.

— Você tá de brincadeira, Kiara?! — ao me ver parar subitamente, Kuwabara me sacudiu com força, tentando em seguida me arrastar pra fora da fortaleza — Vamos logo!

Me desvencilhei dele com um empurrão, impedindo que me levasse contra a minha vontade.

— Chiharu ainda deve estar lá. No laboratório!

Kuwabara arregalou os olhos, espantado.

— Sem chance! Não dá pra salvar ela!

— Não podemos deixar ela aqui! Ela é a minha única chance de encontrar o Kazuki!

— Deixa de ser idiota e vamos logo! A sua única chance de encontrar o seu irmão é sobreviver! — ele elevou ainda mais o tom de voz, desesperado para nos tirar dali.

— Não posso.

Ele estava certo, é claro. Mas seria uma enorme estupidez deixá-la para trás. Se quiséssemos mesmo encontrar os responsáveis por toda essa confusão, não podíamos nos dar ao luxo de abdicar da única pista que tínhamos conseguido até então.

— Pode deixar que eu pego ela — Shura se aproximou de nós — Vocês podem ir na frente, enquanto eu recupero a menina. Ela realmente é muito valiosa.

— Mas é arriscado ir sozinho, principalmente se houver outro daquele youkai andando por aí.

— Tá, tá...eu sei. Dessa vez vou tomar mais cuidado — ele esboçou um sorriso confiante — Vou recuperar a garota e levá-la pra Gandara em segurança. Vocês devem ir pra lá também, porque o nosso sistema anti-invasão é praticamente infalível. Logo logo a gente se encontra!

Ele nem esperou por uma resposta. Quando me dei conta, Shura já retornava para a fortaleza, desaparecendo entre os escombros que se acumulavam por ali.

— O que vocês estão esperando?! — Shigure gritou — Venham logo!

Dessa vez, não resisti quando Kuwabara me puxou, dando continuidade à fuga. Fora daquele lugar, tudo estava um caos. Explosões e ataques vinham de todos os lados numa confusão generalizada. Desviar era impossível, mas ao menos a ajuda de Karasuma e Shigure eram suficientes para contornar a situação. Com eles lutando ao nosso lado, nem sequer precisávamos nos preocupar com a defesa, uma vez que os subordinados de Mukuro por si só davam conta de nos proteger.

A torre de Raizen também tinha sofrido sérios danos em sua estrutura, mas os youkais-monge já haviam saído de dentro dela, tentando ao máximo minimizar os danos no Reino. Nos juntamos a eles e nos misturamos completamente na multidão. Distante de nós, um deles gesticulou para que o seguíssemos e, ao nos conduzir por um terreno arenoso e escorregadio, nos embrenhamos pelas reentrâncias das formações rochosas em que o reino de Raizen se encontrava. Quando o youkai monge, Shigure e Karasuma entraram em uma fenda estreita localizada entre duas rochas imensas, Kuwabara e eu nos entreolhamos preocupados.

— Pra onde é que estão nos levando, hein? — ele perguntou — Precisamos encontrar Yukina! Acho melhor eu voltar e...

— Não seja tolo — Shigure o repreendeu — Ela já está aqui.

Na penumbra formada pela mudança brusca do cenário, encontramos a koorime, que, aflita, rapidamente veio de encontro a nós.

— Eu estava tão preocupada com vocês!

Kuwabara retribuiu a preocupação, esbaforido e exaltado. Mas eu não pude prestar atenção no que ele dizia a ela. Eu estava completamente focada no lugar em que nos encontrávamos. Uma espécie de caverna longa e extensa se encontrava mais adiante. Aquele evidentemente não era um esconderijo encontrado ao acaso, mas sim um local secreto, projetado pelos próprios monges, talvez?

— No passado, usávamos túneis para perambular pelo Makai. Era uma forma de irmos de um lado a outro sem que ninguém soubesse — o youkai-monge disse, como se adivinhasse o que eu estava pensando — Deixamos de usá-los conforme os conflitos diretos entre os reinos foram diminuindo. Eles praticamente perderam a utilidade para nós. Quer dizer, até hoje.

— Quer que a gente fuja por aqui?

— Eu vou guiar vocês, é claro. Não vão conseguir se virar sozinhos nesse labirinto. Existem muitas bifurcações. Mas é seguro, não se preocupem. Somente nós, os aliados de Raizen, conhecemos a entrada e a direção de cada túnel. A propósito, me chamo Chizu.

— Eu vou ficar aqui de guarda, só para garantir que ninguém irá segui-los — Shigure complementou, se virando para o colega de equipe em seguida — Karasuma vai esperar vocês na saída indicada por Chizu e escoltá-los até Gandara.

— Quando foi que combinaram tudo isso? — Kuwabara perguntou.

— É algo que Mukuro já estava acordando com Hokushin, Yusuke e Yomi há um tempo. Combinamos de usar esses túneis em casos de emergência — Shigure o respondeu — É melhor irem depressa. Não há tempo a perder aqui.

Kuwabara, Yukina e eu concordamos, deixando os subordinados de Mukuro para trás. A despedida foi rápida, sem enrolação. Saímos dali apressados, seguindo o youkai-monge sem hesitar. Senti o meu estômago se embrulhar, e pela primeira vez parei para pensar em tudo que tinha acontecido. A ideia de que alguém tinha vazado informações sobre a nossa rotina continuava a martelar na minha cabeça.

Só podia ser isso, não tinha outra explicação.

Mas quem?