Meu nome é Lucy
Asukahiime
.
Não julgue alguém pela aparência no primeiro encontro, pois não percebemos as qualidades da alma logo de cara.
Júlio César
.
.
O céu ganhava um tom alaranjado enquanto o sol sumia ao horizonte indicando o iniciar da noite trazendo consigo um vento gélido que desalinhava seu cabelo. Poder ver o por dor sol pelo caminho de ronda* de seu castelo era um de seus prazeres pessoais, o ar puro enchendo-lhe os pulmões ali em cima era revigorante, fazia o esquecer brevemente como era sentir o cheiro pútrido e sangrento que a meses atrás ainda exalava nos campos de batalha.
Ficar parado cuidando de um ducado estava longe de ser algo que desejava, após lutar lado a lado com o novo rei sempre acreditou que ganharia o posto de líder de suas tropas, mas para a surpresa de todo o reino e incluindo a sua, Zeref fez questão de lhe dar o título mais importante de toda realeza, contrariando até o fato de que pertencia a plebe. Agora, por culpa da Vossa Alteza, ele tinha diversas questões burocráticas para resolver, além de continuar liderando suas próprias tropas afim de defender seu território que durante a guerra foi destruído por saqueadores oportunistas que deixaram um rastro de miséria extrema para o povo que ainda vivia em seu ducado.
Aquelas terras que um dia já foram prosperas e felizes agora tinha pessoas morrendo de fome e enfermidades, coisa que não se percebia quando estava dentro dos muros do próprio castelo, pois o duque anterior, agora morto, fizera questão de negligenciar o povo enquanto continuava vivendo com o bom e do melhor mesmo durante a guerra. Cerrou os punhos sentindo raiva, quando pensava o quanto a desigualdade ainda afetava o reino e o tempo que isso demoraria para ser resolvido, desejava poder arrancar a cabeça do antigo rei novamente.
Com os olhos semicerrados avistou alguém se aproximando ao longe, respirou fundo e desejou mentalmente que aquela carruagem elegante sendo puxada por dois corcéis negros desaparecesse ou mudasse de direção, mas para a sua infelicidade isso não aconteceu. Bufou exausto e começou a descer os lances de escada em busca de um servo.
Não acreditava que a filha do visconde Dreyar viria, não depois de escutar os rumores que a bela Jenny se encontrava enferma de cama, o que claro era fácil para qualquer um concluir, ser uma desculpa para tentar fugir da ordem do rei.
- Meu senhor! – uma criada que quase derrubara ao esbarrar descendo o último lance de escada se curvou em sua frente o saudando.
- Prepare uma bacia para o banho no quarto da futura senhora– ordenou.
Sem olhar em seus olhos ou perguntar algo, ela saiu às pressas para preparar o quarto enquanto ele seguiu rumo aos seus aposentos, quando chegou ao enorme quarto tudo estava implacavelmente organizado e limpo, incluindo o monte de papeis sobre sua escrivaninha. A pequena risada que deixou escapar de seus lábios era incrédula, além de todos os seus problemas e obrigações agora teria que se preocupar com uma noiva que não desejava por ordem do rei, teria sido melhor que ela continuasse doente ou recusasse o pedido, principalmente porque Natsu sabia que nenhuma nobre gostaria de ser vista com um marido antes plebeu. Pelo menos eles já tinham algo em comum, pensou, nenhum dos dois queriam estar cumprindo as ordens que lhe foram designadas.
Caminhou até a janela do seu aposento, a carruagem ainda estava ao longe do horizonte e tinha um longo caminho para percorrer. Trocou a túnica que usava por uma completamente negra que se encontrava limpa e passou a mão entre os cabelos, com certeza que ela não gostaria do que veria, puxou um sorriso de lado pensando na situação, nesse caso ele se certificaria de que ela continuasse a não gostar. Saiu do quarto arrumando as mangas da túnica se dirigindo até o portão para recebe-la.
.
Uma semana antes
.
- Não é possível que seja tão burra! – Jenny que segura um chicote mais uma vez desferiu o golpe sobre a mão de sua criada.
Lucy, a criada, estava sentada a mesa, usava um de seus vestidos simples e a sua frente encontrava uma refeição requintada e uma grande variedade de talheres de prata. Quando o chicote lhe acertou a mão sentiu a pele arder e já via mais um vergão que se formava sobre a pele alva, puxou a mão já machucada de outras chicotadas para o peito e trincou os dentes com dor e raiva.
- Quantas vezes eu já lhe disse que não deve derrubar a comida do prato quando estiver cortando-a! – Jenny tinha os olhos azuis furiosos enquanto batia com a mãos sobre a mesa encarando-a – Seria mais fácil ensinar os porcos do chiqueiro terem mais modos do que você!
- Desculpe-me, milady... – sussurrou.
- Escute aqui, criadinha inútil – com o rosto tão próximo do seu, Lucy nem percebera quando prendeu a respiração enquanto a outra falava e não ousava sequer piscar – A única que está correndo perigo aqui é você, não eu! Faça o seu melhor e quem sabe o seu noivo resolve não a cortar em pedaços. Se você quer sobreviver é melhor que se esforce mais... Tente novamente!
Jenny voltou a observá-la cruzando os braços com um sorriso no rosto enquanto segurava apertado o chicote. Lucy respirou fundo e pegou os talheres de forma perfeita, sua mão ainda doía um pouco devido as diversas marcas feitas pelo objeto de punição de Jenny, mas dessa vez não tremeu, faria perfeito, pois sobreviver era a única coisa que fez direito durante toda a sua vida, e não seria agora que falharia. Levou a comida até a boca comportando-se como uma dama, e Jenny bateu palmas como incentivo.
- Sabe, apesar dele ser um plebeu agora tem um título de duque – a loira continuou a falar enquanto acertava a posição dos ombros da outra para que ficasse reta enquanto mastigava - Você sairá ganhando se não for descoberta – sem avisos, Jenny puxou o vestido da loira para que pudesse ver suas costas e fez uma careta cobrindo-a novamente – Talvez o duque não lhe trate tão mal, e desse modo você não vai precisar se preocupar em ter novas marcas tentando fugir dos soldados durante a noite...
Lucy abriu a boca para responde-la, mas depois fechou, lhe dar uma resposta só faria com que ganhasse mais chicotadas, respirou fundo e engoliu em seco, de toda forma viver ali como uma criada era igual estar no inferno, talvez aquela fosse sua única oportunidade de sair dali, mesmo que no final tivesse que enfrentar um novo inferno. Voltou a se endireitar sobre a cadeira e praticar a etiqueta sair dali se tornara sua prioridade.
Jenny sorriu orgulhosamente ao perceber que a criada finalmente parecia ter entendido sua situação, com uma semana de ensinamentos percebera que quando pressionada Lucy aprendia rápido, por mais que fosse desgastante ter que ficar repetindo diversas vezes até que a inútil conseguisse.
Sentindo seu corpo cansado, já que estava desde manhã dando as aulas, sentou-se sobre a poltrona do quarto e chamou outra criada para servi-lhe algum aperitivo.
Graças a Lucy, não precisaria se casar com o duque e certamente uma simples criada era o suficientemente justo para alguém que tinha o sangue de plebeu correndo pelas veias. Aliais tinha certeza que o rei só a mandara casar com o duque pois o mesmo nunca a conheceu pessoalmente, se ele tivesse a visto apenas uma vez teria certeza que Jenny não era mulher para o duque, mas sim a mulher perfeita para se tornar sua rainha.
Sorriu ao pensar na possibilidade e depois fitou Lucy que antes nada mais que uma mera criada agora parecia uma nobre dama na mesa comendo. Se seu plano e o do seu pai desse certo, talvez o trono não tivesse tão distante.
.
Atualmente
.
- Minha dama, chegamos! – avisou o cocheiro assim que a carruagem parou. Lucy surpresa arregalou os olhos e fitou pela janela, em sua frente estava o enorme castelo do duque.
- Mas já... Quis dizer...Muito obrigada!
Distraída com seus pensamentos sobre as possíveis coisas que poderiam acontecer quando tivesse de frente para o duque, não se deu conta de que já havia atravessado as muralhas que circulavam o castelo até o momento em que a carruagem enfim parou. Quando estava prestes a abrir a porta para sair, conteve-se, a voz estridente de Jenny surgiu em sua mente "Não é educado pôr os pés fora da carruagem sem uma escolta! Fique dentro e aguarde calada até alguém aparecer!". Tirou a mão de perto da porta, teria que esperar o duque, respirou fundo e arrumou o véu que estava sobre o seu rosto. Se tudo desse certo se casaria e tiraria aquele véu apenas depois da cerimônia, com isso se o duque nunca houvesse conhecido Jenny, poderia sustentar a farsa até estar casada e conseguir fugir.
Ainda espiando pela janela ela viu quando ele atravessou a grande porta da entrada, tentou ser discreta, mas acabou deixando escapar um suspiro de surpresa que provavelmente o cocheiro escutou, sentando-se reta novamente, ficou paralisada enquanto esperava que a tirasse dali. Seus sentimentos estavam em conflitos, uma completa bagunça, sentia-se nervosa porque a partir daquele instante poderia ser morta a qualquer momento, e ao mesmo tempo surpresa porque não esperava que o duque tivesse aquela aparência.
Quando pensava no cavaleiro sem coração associava sua imagem a um homem mais velho com barba e cabelos grisalhos e cheio de cicatrizes, mas aquilo estava longe de ser verdade. O duque aparentava ser bem mais jovem do que imaginava, não tinha nenhuma cicatriz aparente e seu rosto másculo lhe dava um ar de superioridade. Os olhos negros pareciam frios e calculistas e o cabelo que tinha um tom rosado que nunca vira antes moldava seu rosto perfeitamente bem lhe dando um aspecto rebelde. Engoliu em seco ao lembrar que em pouco minutos aquele poderia ser o rosto de seu assassino.
Natsu observou a carruagem estacionada a sua frente, com certeza o visconde Dreya mandara a melhor para trazer sua filha, pois além de grande era feita de madeira nobre e sua cor preta envernizada fazia refletir em sua superfície os últimos raios de sol daquele entardecer, tinha ainda delicadamente talhado na porta o símbolo da família em cor vermelha, os corcéis negros eram grandes e pareciam bem tratados o que significava que a época de guerra não passara dos muros do visconde também.
Inquieto, esperou mais um pouco que a noiva saísse da carruagem, mas nada aconteceu, então puxou um sorriso de lado quando entendeu o que estava acontecendo, é claro que ela iria querer que ele tivesse o trabalho de escolta-la, não podia esquecer de que se tratava de uma nobre cheia de privilégios, então em passos largos e nada feliz, caminhou até a carruagem e abriu a porta.
Quando fitou a mulher dentro da carruagem não se surpreendeu com nada, ela usava um belo vestido de casamento e tinha um véu cobrindo o rosto que lhe caia até os ombros. Sem dizer nada, ergueu a mão para ajudá-la a descer, ela pegou de forma firme saindo da carruagem sem dificuldade e mantendo a pose elegante, suas mãos eram ásperas apesar de ser uma dama o que estranhou, porém exalava um perfume doce, que lhe agradou.
Então apenas quando ela parou em sua frente sentiu um breve estranhamento, lembrava-se de conhecer lady Jenny no baile de coroação de Zeref e ela parecia um pouco mais baixa, não que estivesse muito alta agora, pois ali encarando-a de frente a mulher não chegava nem em seu queixo, porém ainda assim parecia diferente. Ignorou os pensamentos e se pôs aí seu lado lhe oferecendo o braço para conduzi-la para dentro do castelo, devia ser algo sobre o sapato, e, sinceramente não se importava com tamanho dela.
Atravessaram o grande hall da entrada e continuaram sem pausa durante um longo percurso na parte de dentro do castelo em pleno silêncio, incomodada com a falta de conversa, agora em um corredor Lucy direcionou o olhar discretamente para o duque, ele parecia confortável em permanecer calado.
- Uma breve cerimônia de casamento ocorrerá amanhã – a voz grave a surpreendeu e fez com que quase tropeçou no carpete vermelho do corredor – Deve estar cansada por isso pedi que preparassem um banho em seus aposentos.
- Um banho?
- Sim. – O duque apontou para uma grande porta e parou o passo – Este é o seu aposento, pode fazer o que quiser – o duque puxou seu braço sem nenhuma delicadeza e saiu pelo corredor.
Lucy abriu a boca para poder agradecer o duque, mas desistiu, ele parecia estar mais descontente com o casamento do que ela mesma. Respirando fundo caminhou para onde deveria ser o novo aposento de Jenny, nada naquele cômodo gerou surpresa quando entrou, tudo muito caro, muito amplo e de qualidade, fora da sua realidade e até mesmo fora da de Lady Jenny, duques geralmente dispunham de uma boa quantidade de dinheiro, não importava sua origem, ali não era diferente. Quando encontrou a bacia cheia de e pétalas de rosas perto da lareira deixou escapar um sorriso, seu último banho com água quente foi a muito tempo atrás, para estar ali mesmo tomara um banho de água fria enquanto riam dela, então se banhar de forma descente, nem que se fosse pela última vez a deixava feliz.
(...)
Natsu percorreu o corredor até seus aposentos e fechou a porta, a fragrância doce do perfume de Jenny parecia ter impregnado em sua roupa pelo curto momento que caminharam. Se sentiu inquieto novamente, depois de três anos nos campos de batalha apenas sentindo o cheiro de sangue, fazia com que aquele perfume que ao mesmo tempo era desagradável também lhe despertasse pensamentos estranhos. Qual fora mesmo a última vez que pode sentir o prazer de ter uma mulher em seus braços? Ele não era capaz de recordar.
Balançou a cabeça tentando não pensar naquilo, no fundo nem queria aquela mulher como esposa, ele mal a conhecia e ter qualquer tipo de vontade de saciar seu desejo com ela parecia ridículo e irracional, contudo, independentemente do que ele queria ou achava certo os dois estavam presos a essa ordem do rei que não podia ser revogada. E mesmo sendo ela nada mais que uma nobre mimada teria obrigação de se tornar sua esposa, então tê-la em seus braços agora ou depois da cerimônia parecia indiferente.
Saindo com passos firmes pelo corredor chegou em frente à porta dos aposentos de Jenny e a abriu sem nem se dar ao trabalho de bater ou anunciar a sua chegada. A mulher que ainda usava o vestido de noiva e o véu estava debruçada sobre a bacia e parecia estar conferindo a temperatura da água, quando o duque trancou a porta atrás de si fazendo barulho para ser notado, ela se virou em sua direção assustada, mas Natsu não expressou nenhuma emoção, nem quando trancou a porta para não ser interrompido ou quando cruzou os braços e começou a fita-la cheio de desejo sem dizer nada.
