N/a: Gostaria de agradecer os reviews e feedbacks para o primeiro capítulo, me deixaram extremamente feliz. IASBr mencionou que não encontrou a idade de Lucy, ela teria por volta de 4 anos. Calculo que Elizabeth tenha se casado aos 16 anos, em 1807. Isso a deixa com 21 anos no tempo 'atual' e Darcy com 27.
Capítulo 2 - Caminhadas e histórias
Elizabeth havia acordado cedo para caminhar e agora que voltava para casa para o café da manhã, se sentia revigorada. O campo sempre a fazia se sentir mais viva do que a cidade jamais faria, e ela queria aproveitar cada minuto em Hertfordshire, já que não sabia quando conseguiria retornar.
Estava quase chegando em casa quando cruzou o caminho com seu pai, vindo dos estábulos.
-Vejo que acordou cedo para caminhar. - ele disse, um sorriso saudoso no rosto.
-E o senhor, já está a trabalhar?
-Minha presença foi requerida no estábulo, um problema no telhado encharcou todo o feno armazenado.
-Oh, não! Espero que o prejuízo não tenha sido tão grande.
-Deixe que eu me preocupe com isso, Lizzy. - disse o pai dela, colocando a mão em seu ombro. - A responsabilidade é minha, pode relaxar.
Assim que eles entraram, ouviram os gritos de Mrs. Bennet, que aparentemente não achava alguma peça de roupa no andar superior.
-Ou ao menos tentar relaxar. - ele disse com um sorriso fraco.
Os dois caminharam até a sala de jantar e tiveram uma conversa agradável até que os outros membros da família se juntassem a eles para o café da manhã. Elizabeth estava contando a seu pai sua provável mudança de planos quando sua mãe entrou na sala, ouvindo parte da conversa.
-Visitar Mary? - disse ela em uma voz estridente. - Achei que você ia para Norfolk!
-Eu ia, mamãe. Mas eu recebi uma carta de Mary me convidando para ir até lá, e como nenhum de vocês fez a visita ainda, imaginei que seria bom ver como ela está. Além do que não consegui vir para o casamento, sequer lhe dei um abraço.
-Se você não usar a propriedade em Norfolk, é mais um motivo para Lord Henry tirá-la de você.
-Legalmente ele não pode fazer nada.
-Ele é um homem, Elizabeth. Ah, se você tivesse tido um herdeiro! Você teve cinco anos, o que fez nesse tempo todo?
-Mamãe! - exclamou Jane, horrorizada.
-Tudo bem, eu também não tive um herdeiro. Mas ao menos eu tentei, não é? - disse a Sra. Bennet, fungando. - Em cinco anos eu tinha tido três filhas!
-Não é fácil para todos.
-Oh, Elizabeth! Você sabe que não é difícil!
A isso Elizabeth fechou os olhos, as bochechas vermelhas. Mrs. Bennet olhou para Jane, que a mirava zangada.
-O que foi? Você não tem como entender, Jane. E se não esforçar, nunca terá!
Elizabeth terminou de comer e saiu, certa de que mais um pouco de ar lhe faria bem. A sensação boa que a caminhada matinal havia lhe deixado tinha se dissipado totalmente. Ela foi até o lago, se sentando na margem e se lembrando do dia em que recebera a carta de sua tia dizendo que James iria até sua casa para falar com seu pai. Ela havia se sentado naquele mesmo ponto do lago, imaginando como seria seu futuro.
Pouco tempo depois, na primeira crise de seu casamento, ela não tinha para onde fugir. Londres se tornou asfixiante e ela desejava o interior e suas paisagens naturais. Ficou presa em seu quarto por mais de um mês, chorando até dormir todas as noites. Ela imaginava se sua mãe ficaria feliz em saber que o primeiro bebê que ela perdeu era, de fato, um menino. Poucos momentos depois, olhando para as águas claras do pequeno lago, Elizabeth decidiu que iria sim visitar a irmã em Hunsford, mesmo que fosse apenas para contradizer a mãe.
~X~
-Querida Charlotte! - Elizabeth disse, os braços em torno da amiga. - Senti tanto a sua falta!
-Nos vimos da última vez que fui a Londres! - disse a outra, rindo.
-Isso não conta, nos vimos, você está certa, mas mal tivemos tempo para conversar.
-Não há muito a lhe contar, Lizzy. Ao menos não desde que Netherfield se viu livre de seus residentes. Mas quanto a isso você com certeza teve detalhes por Jane.
-Quanto a isso você pode adicionar suas próprias observações. Aquelas que Jane é educada demais para proferir em voz alta.
-Assim parece que você me considera uma pessoa maldosa!
-Não foi isso que quis dizer e você sabe. Jane é boa demais para com todos, por isso ela tende a amenizar características que mostrem as pessoas sob uma luz não favorável. Já você é uma observadora atenta, e eu confio em seu julgamento.
As duas caminharam lado a lado, de braços dados. O destino, com certeza, era um velho carvalho a alguns metros da estrada, cenário de brincadeiras de infância e confidências de adolescência.
-Você acha que o interesse de Mr. Bingley por minha irmã era genuíno? - perguntou Elizabeth depois de um tempo em que as duas caminharam em silêncio.
-Era claro para todos que ele tinha extremo prazer de estar na companhia dela. Ele me parece o tipo de pessoa que se engaja totalmente em tudo que faz.
-Talvez isso queira dizer que seu humor e interesses também mudem facilmente?
-Sim, talvez você tenha razão. Mas se é esse o caso, nada anunciou sua mudança de ideia. Em um dia ele estava dançando com Jane no baile, como se nada no mundo pudesse lhe fazer mais feliz. No outro, ele havia partido.
As duas se sentaram em um galho da antiga árvore, que quase tocava o chão. Charlotte franziu o cenho.
-Talvez eu fale de algo sem saber a total verdade, Lizzy, mas imagino se os acompanhantes de Bingley não tiveram algo a ver com a partida.
-Por que diz isso?
-Sendo claro para todos que Mr. Bingley se aprazia de frequentar os eventos sociais, era igualmente claro que suas irmãs e seu amigo não compartilhavam de tal prazer. Sua irmã mais nova, Caroline, foi desagradável mais de uma vez, de formas indiretas, é verdade. Quando Jane adoeceu ela manifestou sua profunda preocupação, e ofereceu para que passasse a noite em Netherfield. No entanto, mal ela havia se recuperado, Caroline deu um jeito de mandá-la para casa. Nos jantares e bailes ela só dançava ou conversava com o irmão ou Mr. Darcy. Chegou a mesmo se falar que talvez os dois estivessem prometidos.
-E quanto a ele, Charlotte? Jane me contou que mamãe sonhava em duas uniões, mas mudou de ideia depois que conheceu-o. O que pode tê-la feito mudar de ideia frente a um pretendente tão rico?
-Lizzy, ele parecia em constante desespero. Não o culpo, para todo lugar que ele ia, Caroline ia junto. Mas ainda assim, as poucas palavras que troquei com ele me deixaram com a impressão que ele não nos considerava civilizados o suficiente para levar uma conversa. No primeiro baile ao qual ele compareceu se recusou a dançar, mesmo que o número de mulheres fosse muito superior ao de homens. E quando Mr. Bingley tentou dissuadí-lo, ele disse que detestava dançar, e que não havia nenhuma mulher no salão cuja companhia não se tornasse um sacrifício!
-Quanta presunção!
-Sim. Mas acho que o que realmente fez com que sua mãe ficasse com má impressão dele foi o comentário dele depois de Bingley, que iria dançar com Jane, lhe sugerisse dançar com uma de suas irmãs.
-O que ele disse?
-Que nenhuma delas era bonita o suficiente para sequer tentar-lhe.
-Charlotte! - disse Elizabeth impressionada, imaginando o que teria feito se tivesse ouvido tal frase sendo proferida. - Ele disse isso em voz alta? Como pode ter certeza?
-Ele estava conversando com Bingley a alguns metros de onde Maria e eu nos sentamos para descansar. Ouvimos a conversa. - ela disse, parecendo apenas levemente embaraçada - Mas eles estavam falando em um tom de voz que seria impossível não ouvir.
Elizabeth olhou para a amiga, seu relato dos fatos tão diferente da versão filtrada que recebera de Jane. Mas ela confiava que a amiga não lhe diria inverdades.
-Bom, algo admirável ele conseguiu, sair da mira de mamãe. Ela tinha esperanças de dois vantajosos candidatos quando eles chegaram, para acabar com nenhum.
-E quanto a Jane? Falei com ela uma vez desde que eles partiram, mas trocamos tão poucas palavras.
-Ela me diz que está tudo bem, mas sei que não é verdade. Convidei-a para ir a Kent comigo, talvez uma viagem a distraia.
-Tenho certeza que será agradável para ambas. O que você me traz de notícias, Lizzy? O que está acontecendo em Londres?
-Isso me lembra, você virá comigo para a temporada, não virá, Charlotte?
-Se for de seu desejo, já disse que sim.
-Eu lhe peço que venha. Será a minha primeira temporada sozinha, como viúva de James. E, apesar de eu não estar inclinada a sair à caça de um marido, eu adoraria ter companhia e poder realmente me divertir.
-Nesse caso é uma promessa, Lizzy. Irei para Londres na temporada, e nós iremos nos divertir.
~X~
-Lucy, você já deveria estar na cama.
Elizabeth parou à porta da biblioteca do pai, sorrindo. Ele estava esparramado na sua poltrona favorita, um livro grande de couro vermelho aberto em seu colo. O livro trazia ótimas lembranças da infância de Elizabeth. E, pelo meio sorriso satisfeito no rosto da filha, o mesmo se aplicava a ela.
-Sente-se aqui Lizzy, antes que vocês se deitem temos tempo para uma história. - ele disse, batendo de leve no braço da poltrona.
O sorriso de Lucy se abriu.
-Duas?
Elizabeth rolou os olhos, se sentando ao lado do pai, como ele pediu, e se permitindo ser transportada para a infância pela voz que narrava a história com experiência. Depois de pouco mais de duas páginas Lucy adormeceu, mas Elizabeth pediu que o pai continuasse lendo, querendo que o momento não acabasse. Ele terminou a história curta e olhou para a filha, divertido.
-Já considerou retornar para Longbourn? O clima aqui é ótimo.
Elizabeth riu.
-Você sabe que não posso, tenho minhas responsabilidades.
-Sim, você tem. - ele disse, e ela notou que ele imprimira certo orgulho à voz. - Talvez eu possa me mudar para Londres então.
-E quem iria ouvir as reclamações da mamãe, e se divertir com elas?
-Oh, sim. Me divirto mais a cada dia. Eu que pensei que quando vocês casassem meu entretenimento diminuiria. Mas a verdade é que cada vez que uma de vocês sai por essa porta, a coisa fica pior. Estou considerando trancar Kitty e Lydia na despensa.
-Ela reagiu tão fortemente assim à partida de Mary?
-Ela disse a quem quisesse ouvir que achava que Mary nunca se casaria, e passou muito tempo congratulando-a por ter salvado a família. Desde que Mary partiu, no entanto, que ela se contradiz. Metade do tempo discursa que Jane, Kitty e Lydia têm que se casar. Na outra, que quando elas tiverem partido, irá morrer de solidão e desgosto.
-Fico feliz que ela tenha a você para salvá-la de tão terrível destino. - disse Elizabeth, rindo.
~X~
Os dias em Longbourn passaram lentamente, muitos deles chuvosos. Elizabeth aproveitou para relaxar e apreciar a companhia do pai, da filha e das irmãs. Até mesmo as exaltadas reclamações da mãe faziam seu peito se aquecer com nostalgia.
Ela pensava na visita à Mary com certa ansiedade. A irmã mais nova sempre fora pouco comunicativa, e Elizabeth não conseguira extrair dos pais ou das irmãs se ela estava efetivamente feliz em casar-se com Mr. Collins. Seria bom passar alguns dias com ela e tentar dar-lhe sua atenção total. E o fato de que Jane viajaria com ela tornava tudo mais prazeroso.
-Tem certeza que não querem ficar mais algumas semanas? - perguntou seu pai, Lucy sentada em seu colo, no que se tornara a poltrona dos dois. - Talvez mais alguns meses?
-Eu prometi a Mary que a visitaria em Março. Além do mais, preciso estar de volta a Londres logo. Mas talvez possamos passar a páscoa aqui.
Ele concordou com um meneio e Elizabeth saiu da biblioteca, indo falar com a babá e sua dama de companhia, para garantir que estariam prontos para sair no horário combinado. No dia seguinte ela, Jane e Lucy se postariam à frente da carruagem para as despedidas, logo depois do café da manhã.
-Não sei por que insiste nessa viagem, você deveria ter ido à Londres com seus tios. - disse Mrs. Bennet à Jane, contrafeita. - É lá que Mr. Bingley está.
-Quem é Mr. Bingley? - perguntou Lucy no colo do avô, que se postava ao lado da esposa.
-Um pretendente que adoraria casar com sua tia Jane, se ela não fosse tão teimosa. - respondeu Mrs. Bennet.
Lucy deu longos abraços nos avôs e nas outras tias e logo as três estavam na carruagem, o balanço ritmado e às vezes brusco, com a estrada ainda molhada pela chuva dos dias anteriores.
-Mama? Você acha que o papai me amava?
Elizabeth estava quase caindo no sono quando a pergunta da filha a acordou.
-É claro que ele te amava, Lucy. Por que a pergunta?
A menina deu de ombros, os olhos fixos na boneca de madeira em seu colo.
-Foi seu pai quem lhe deu essa boneca, não foi? - disse Jane gentilmente, se lembrando do natal em que a menina ganhara o presente.
-Foi sim. - ela disse, e escondeu o rosto.
Elizabeth trocou um olhar preocupado com a irmã.
-Lucy? Você está chorando, querida? Venha aqui comigo.
Ela pegou a menina no colo, beijando seus cabelos. Nada do que ela ou a irmã falassem fizeram a menina falar mais nada. Ela por fim adormeceu no colo da mãe, cansada.
-Isso vem acontecendo sempre? - perguntou Jane baixinho, depois de se certificar que a sobrinha dormia.
-Não, e por isso me surpreendi. Ela chorou bastante logo que... logo que aconteceu. Nos últimos tempos ela começou a fazer perguntas a respeito de James, mas não... não como hoje.
-Talvez algo a tenha feito rememorar uma lembrança.
-Sim, pode ser.
