Capítulo 2 – Carona
A estação está quase vazia. Coloco a mala no chão e forço o joelho mecânico, me preparando para a longa caminhada até a aldeia dos vitoriosos quando vejo Thom, um antigo morador do distrito, que já havia me ajudado anteriormente, carregando um inconsciente Gale aos pedaços para a casa dela, em uma outra vida.
- Peeta?
Thom estava amedrontado, chegou a olhar em volta procurando testemunhas, ou talvez vigilantes.
- Olá Thom.
Ele chegou mais perto e me olhou nos olhos. Decidiu que eu não iria atacá-lo e sorriu, um sorriso honesto.
- Sabia que eu não como pão há dois anos? - ele começou, jocoso.
- O quê? – estava surpreso com a mudança de assunto.
-Não dava para chamar de pão aquela massa que serviam no 13.
Eu não saberia dizer, não me lembro da comida de lá. É tudo um grande borrão colorido. Ele suspirou e olhou para minhas malas
- Veio para ficar então?
- Aqui é minha casa – disse baixinho.
Peguei a mala e dei dois passos para o lado. Devolvi, finalmente, o sorriso honesto que tinha recebido.
-Venha, eu te levo até sua casa.
Thom me guiou até uma carroça velha, cheia de detritos e muito suja.
-Desculpe, esse é o único meio de locomoção disponível. – Ele fez um carinho no burro, cochichando algo em seu ouvido. - Mas é melhor que cansar os pés.
-Pé – corrigi alegremente enquanto me sentava e ajeitava a mala em meu colo. Levantei a barra da calça e o mostrei minha prótese mecânica
-É mesmo – ele coçou a cabeça e riu – ah coitado do Peeta, só tem um pé pra coçar as frieiras.
Rindo, ele estalou o chicote e o burro atrelado começou a se mover. Não pude evitar senão rir também.
Minha casa estava escura. Notei que era a única na vila que parecia desabitada. A minha e a dela, mas eu sabia que ela estava lá.
- Nós ocupamos aqui enquanto reconstruímos nossas casas – disse Thom à guisa de desculpa- ali -ele apontou a casa em frente – funciona como um refeitório. Servimos todas as refeições, de graça, a todos que chegam. Todo o trabalho é voluntário, ainda temos muito a fazer. Aquela outra – ele apontou para a casa mais afastada- é uma enfermaria e antes dela é uma escola – ele mexeu as mãos e os ombros – ou uma creche, não sei. – ele riu novamente – o povo continua fazendo filho em meio a guerra, revoluções, bombardeios
-A vida acha um jeito – disse. Aquilo me alegrou. Era verdade, a vida continuava.
Desci da carroça com dificuldade, ainda não estava acostumado com essa nova perna. Enquanto fazia mais graças e me explicava a rotina do lugar, Thom ia me acompanhando até a porta de casa.
Sem se deixar enganar, ele captou o rápido olhar que dei a casa dela.
-Estamos cuidando dela -ele disse, sério. -Mas ela não está bem. Não sei qual é a natureza da relação de vocês agora, mas fico feliz que você esteja aqui, por que aquele – ele olhou para a porta da casa de Haymitch – não é de muita valia.
-Eu aprendi a não julgar o que os outros fazem para suportar o passado – disse, girando a chave na porta – pense em quantas crianças aquele homem não conseguiu salvar, vendo – as morrer ano após ano, não deve ser nada fácil.
Os ombros de Thom caíram, ele me ergueu um olhar humilde e bufou.
-Está vendo? Até um burro velho como eu tem muito a aprender- ele olhou para o animal que estava atrelado a sua carroça – sem querer ofender princesa. – Limpando as mãos nos quadris, ele me estendeu uma palma aberta, num gesto cordial – bem-vindo.
Apertei sua mão com vontade e entrei na casa vazia e escura, meio desejando ainda estar de volta no trem.
