PENETRANDO NA LUZ


FAN FICTION

ESCRITA POR: Bellefleur X

E-MAIL: bellefleur_x@hotmail.com - Feedbacks (positivos ou
negativos) serão bem vindos. Ao menos vou saber que alguém
leu...

DISCLAIMER: Os personagens desta estória pertencem a seus
criadores. (Embora eu creia que, no caso específico de X-
Files, os criadores é que passaram a pertencer a seus
personagens!)

CLASSIFICAÇÃO : Shipper (ma non troppo)

SPOILER: Requiem

SINOPSE: O destino de Mulder após a abdução em Requiem. Se
disser mais, conto o final da estória...



PENETRANDO NA LUZ



Lembro-me de estar com Skinner naquela floresta, no Oregon,
onde Ritchie disse ter avistado algo estranho. Seguindo o
feixe dos apontadores laser, cheguei a um lugar onde a luz
sofria uma estranha deflexão, como se houvesse algo ali.
Tentei tocar essa "coisa" e ela pareceu engolir minha mão ao
mesmo tempo em que a fazia movimentar-se assustadoramente
rápido, provocando uma estranha sensação, como cócegas. Não
pude deixar de pensar em como seria essa sensação se aplicada
em meu rosto, barriga, pernas. Especialmente, em como a
sentiria em meu nariz (quem tem nariz grande sabe do que
estou falando). Como que compelido por uma infantil
curiosidade, dei um passo à frente e mergulhei naquele campo
de força.

Do outro lado, reunidas sob um cone de luz muito branca,
estavam todas as pessoas desaparecidas nos últimos dias:
Theresa, Ray, Billy... Caminhei lentamente até eles,
imaginando vagamente como faria para tirá-los a todos dali,
quando vi o Caçador de Recompensas entrando, também, no
círculo de luz. Nesse instante, percebi que não havia como
escapar. Outra abdução em massa estava acontecendo naquele
lugar, naquele instante, comigo! Flashes dos testes, da dor,
de todo o sofrimento vivido durante a abdução anterior vieram
à minha mente. Não, eu não queria passar por tudo aquilo
outra vez!

Então, vi seu rosto, Scully, com uma estranha palidez, como
quando a recolhi do chão, ali mesmo naquela floresta havia
apenas alguns dias. E o terror que eu sentia foi substituído
por uma solidão pungente, um gelado punhal cravado em meu
peito. O medo de nunca mais vê-la me tomou de assalto, o medo
mais forte que eu jamais sentira em toda a minha vida. Senti
meus olhos encherem-se de lágrimas, minhas pernas fraquejarem
querendo dobrar-se. Foi quando a luz se fez mais intensa.

A última coisa de que me lembro é a luz forte, branca,
envolvendo a mim e aos outros quase como se fosse feita de
matéria, densa e pulsante. Depois, aquela sensação de leveza,
como se voasse. Os pés não mais tocavam o chão, o corpo
etéreo, dissolvendo-se em um milhão de partículas a flutuar
na luz. E aquela voz encheu minha cabeça. Retumbante e, ao
mesmo tempo, suave, ela me envolveu como uma carícia, dizendo
que eu me mantivesse tranquilo, que todos os meus temores
eram infundados. E foi falando, falando. E aquela cantilena
monótona foi se transformando aos poucos em um coro de anjos.
Finalmente, uma paz imensa tomou conta de mim, como nunca
antes eu havia experimentado antes e eu tive certeza,
finalmente, que o seu Deus, Scully, existe! E estava me
levando para ele...


DESPERTAR

A próxima coisa de que me lembro é acordar aqui. Onde ou o
quê é "aqui" não saberia definir. Estou em algum lugar no
Universo, é tudo o que posso dizer. Embora às vezes eu duvide
de que o conceito de universo que se aplica aqui é o mesmo
que eu tinha antes.

Uma nova colônia é o diz a voz em minha cabeça. Sim, voz em
minha cabeça. Esquizofrenia, psiquiatricamente falando. Mas
eu acredito não ter enlouquecido. Ainda não. A voz, a mesma
que me confortou durante a abdução, me diz que estamos
vivendo a fundação de uma nova colônia, tal qual já aconteceu
em outros planetas pelo Universo centenas de vezes antes. Um
embrião populacional é transportado para um planeta
desabitado para dar origem a mais uma civilização. Fico me
perguntando se não assisti Star Trek demais e quando o Doutor
Spock e o Capitão Kirk surgirão com a Enterprise e sua
tripulação para me libertar. A voz ri e complacente me
explica que quando for chegado o momento eu tudo entenderei.
E eu vou aguardando, às vezes pacificamente, às vezes nem
tanto, por esse momento. Ou pelo fim, sei lá!


A COLÔNIA

Esse lugar é o que se poderia chamar de paraíso. O ar é
claro, limpo. O céu é tão azul quanto seus olhos coroado, por
um único sol amarelo e quente como o nosso velho conhecido. A
vegetação é viçosa, verdejante, exuberante. Nada de plantas
exóticas em cores púrpureas e aspecto de plástico ou isopor
como nos filmes de ficção. Há rios cristalinos correndo por
entre as pedras e, dizem os que já ousaram expedições mais
longas, até um belíssimo mar de águas verde-esmeralda cujas
ondas quebram suavemente em praias de areias brancas. Um
paraíso, na acepção terráquea da palavra, onde eu poderia
passar o resto de minha vida, se não fosse por essa saudade
imensa que me consome os dias.

Ah, essa saudade! Jamais pensei que pudesse sentir algo
assim. É como um vazio que me preenche todo. Contradição...
Tento usar minha capcidade investigativa para inventar meios
de escapar daqui, mas vem a voz em minha cabeça e diz que
desista dessas idéias que não me levarão a nada e aguarde os
acontecimentos.

Às vezes, escuto sua voz, Scully, como uma transmissão de
rádio muito distante. O sinal chega fraco, entrecortado,
quase inaudível. Mas sei que é você falando comigo. Ouço seus
pensamentos, angustiados, enquanto suas buscas por mim se
revelam sempre infrutíferas. Tenho vontade de gritar: estou
aqui! Mas você não ouviria. Então penso com toda a força que
posso em tudo o que você representa para mim, na esperança de
que você possa ouvir meus pensamentos assim como eu ouço os
seus. E a idéia de que isso é possível me consola e me anima.


SOLIDÃO

Os dias vão se passando em atividades de construção da nova
colônia. No princípio, não há nada que eu queira fazer.
Nenhuma das atividades me interessa ou combina com minhas
aptidões. Que tipo de aplicação poderia haver para um agente
do FBI, psicólogo, especialista em traçar perfis de
assassinos seriais? Um tipo estranho como Spooky Mulder só
faz sentido em um mundo louco e paranóico como o que há na
Terra. Onde poderia eu me encaixar em um paraíso como este,
na construção de uma nova sociedade, uma civilização sem
vícios? No entanto, como a ociosidade me deixa nervoso,
especialmente em um mundo onde não há televisão, aos poucos,
começo a me dedicar a atividades braçais, repetitivas o
suficiente para me permitir não pensar. Acabo por ser o
responsável pela horta que abastece a colônia. Quem diria!?

Mas ainda existem momentos em que não há nada o que fazer. À
tardinha, ao por do sol, quando o céu se tinge de tons que
vão do laranja ao vermelho, o vazio, a falta de você se faz
mais forte. Sete anos de convivência quase que diária,
compartilhando nossas alegrias e apreensões, deixaram marcas
indeléveis em mim. Como se isso não bastasse, os últimos
meses que passamos juntos, realmente juntos, após a morte de
Daniel, seriam suficientemente intensos para constituir uma
história de nós dois. Lembro do desespero que senti quando
aquela estranha Jinni fez você desaparecer junto com o
restante da população da Terra. E se esse desaparecimento
fosse irreversível, o que seria de mim? Admitir que amo você
tanto quanto amo agora, tão tardiamente, me parece insensato.
Por que nunca pude dizê-lo pessoalmente? Poderei algum dia?

À noite, enquanto os outros se reunem em grupos para
conversar ou contar estórias, fico sentado ao relento,
contemplando as estrelas. Que estórias teria eu a contar a
eles? Sobre um louco como Eugene Tooms que acorda a cada 30
anos para satisfazer seu apetite com fígados humanos? Ou
sobre os mortos-vivos do grupo Millenium? Quem sabe, ainda,
alguma fantasia paranóica sobre conspirações do governo e
sobre como inocentes plantações de milho escondem gigantescas
colméias de abelhas contaminadas com o vírus da varíola? Não,
definitivamente não! Creio que o que tenho para contar não
lhes interessaria. Com isso, contemplo as estrelas e procuro
por você entre elas, tentando ouvir sua voz, captar seus
pensamentos ou, simplesmente, recordar os fugazes momentos de
ternura dessa nossa existência em comum.


INTERFERÊNCIA

Hoje, algo estranho me aconteceu quando estava cuidando do
canteiro de tomates. Pensei ter ouvido sua voz, Scully, seus
pensamentos, como num rádio muito mal sintonizado. Tentei,
então, me concentrar na esperança de "melhorar a sintonia".
Foi quando percebi, Scully, que, misturada aos seus
pensamentos, havia outra coisa, outra voz que não era a sua,
mas que, ao mesmo tempo, fazia parte de você. Uma voz que não
se exprimia com palavras, mas com sensações, ora doces, ora
angustiadas. Esforcei-me por compreender sua mensagem, mas
não pude. Estará você também enlouquecendo?


BIG BANG

Já nem sei mais há quanto tempo estou aqui. As medidas de
tempo normais não me fazem mais sentido. Acho que estou
enlouquecendo. Não sei se devo me desesperar ou dar graças
por isso. A loucura me traria um doce esquecimento, um alívio
para minhas penas. Mas mesmo isso me é negado pela voz em
minha cabeça. Ela não me deixa fugir à razão, me instigando
com a promessa da revelação de toda A VERDADE.

"Que verdade?", pergunto eu. "Não existe essa pretensa
verdade pela qual busquei por tanto tempo. A verdade é
relativa a quem nela acredita. Não está lá fora, como sempre
acreditei, mas dentro de cada um de nós".

"Muito bem.", replica a voz. "Parece-me que você já
compreendeu essa parte do mistério. Mas não é sobre essa
verdade que gostaria de lhe contar. É sobre o que sou, o que
fazemos aqui. Acredito que você já esteja preparado para
sabê-lo.", continua a voz com gravidade. Fossem outros os
tempos, creio que uma gargalhada teria sido minha reação
àquele tom melodramático de ator de segunda categoria. Mas
não rio, curioso que estou com o rumo dessa conversa.

E a voz recomeça: "Há alguns bilhões de anos atrás, minha
raça era exatamente como a sua: de carne e osso, altaneira e
orgulhosa. Julgávamo-nos capazes de qualquer coisa, de
superar qualquer desafio. Acreditávamos deter todo o
conhecimento do Universo. Foi quando algo nos pegou de
surpresa. O evento que seus físicos denominaram de Big Bang
despedaçou nosso Universo em um sem número de fragmentos, os
espalhando em todas as direções. Sim, o que vocês chamam de
"singularidade de alta densidade" era, na realizade, nosso
tempo-espaço, nosso Universo."

"E assim como a matéria que constituía as estrelas daquele
universo, nossos corpos físicos também se fragmentaram. Mas,
estranhamente, por um fenômeno para o qual ainda não existem
termos em sua física para explicar, os corpos astrais de
alguns de nós, nossas almas não se desintegraram. Assim,
passamos a coexistir com o novo universo que aos poucos foi
se formando imaterialmente, na forma de uma energia que está
presente por todo ele. O que seus físicos chamam de radiação
latente e usam como prova para a ocorrência do Big Bang, na
verdade, somos nós."


EXPERIÊNCIAS

"Bonita a sua estória. Mas não explica o que fazemos aqui e
qual a sua relação conosco", atalho eu. Ao que a voz
continua: "Calma! Você sabe que eu vou chegar lá, que temos
toda a eternidade, se for preciso, para chegarmos a essa
explicação." "Espero sinceramente que isto não leve uma
eternidade, pois já é quase hora do almoço e o trabalho na
horta me deixou com uma fome de leão.", respondo com
sarcasmo.

Ignorando meu comentário mal humorado, a voz prossegue: "No
início, logo após a explosão, ficamos desorientados. Não é
fácil acostumar-se a ser imaterial! Porém, à medida em que as
partículas foram se resfriando e reduzindo sua velocidade de
afastamento, meio que por acaso, tomamos consciência de nosso
recém adquirido poder: apenas pensando, concentrando nossa
energia sobre um grupo de partículas, um de nós conseguiu
criar um asteróide. Como um bando de crianças brincando de
fazer bolinhos de lama, fomos reunindo partículas, criando
estrelas, planetas, galáxias inteiras. E ficamos entretidos
com isso durante muito tempo, até que o brinquedo começou a
perder a graça. De que adiantavam todos aqueles planetas e
galáxias com seus belos sóis resplandescentes, se não havia
formas de vida para desfrutá-los?"

"Começamos, então, a fazer experiências em alguns desses
planetas com o objetivo de criar vida sobre eles. Não é
preciso dizer que, mesmo com todo o conhecimento científico
de que dispúnhamos, as primeiras tentativas foram
fracassadas. Não se tratava apenas de aplicar ciência
combinando os elementos certos com as condições de pressão e
temperatura exatas como em um laboratório, mas de saber
controlar e aplicar corretamente nosso poder ao fazê-lo.
Basicamente, enxertar-lhes corretamente um 'sopro de vida'
que lhes equiparia também com uma alma. Foram muitas
tentativas, algumas resultaram em nada, outras cujo produto
foram seres exóticos, mal formados, verdadeiras aberrações,
até conseguirmos um caso de sucesso. Conseguimos criar uma
forma de vida à nossa imagem e semelhança, como éramos antes
do Big Bang. Isso se deu em um pequeno planeta azul, no meio
do que depois se denominaria Via Láctea. Sim, essa
experiência bem sucedida ocorreu na Terra e seu produto foi a
raça humana."

Imagino se essa voz não quererá me dizer que somos apenas um
protótipo do que poderia se tornar posteriormente uma
produção em série. Ou seja, quer me fazer crer que há
milhares de planetas espalhados por aí com seres iguais a
nós. Não que eu tenha a pretensão de supor que somos os
únicos do Universo. Mas daí a pensar que somos apenas
protótipos de uma imensa linha de produção... Fere um pouco
meu ego.

Mas a voz como que responde a meus pensamentos, explicando
que, por alguma razão inexplicável, os seus nunca foram
capazes de repetir o feito de nossa criação. Por essa razão
estarmos sendo abduzidos e distribuídos pelo Universo para
fundar novas colônias. Fico pensativo, em silêncio por um
longo tempo, tentando digerir essas informações.


A VERDADE

"A evolução de sua raça foi lenta.", continua a voz. "Embora
muito cedo tenhamos nos manifestado para seus ancestrais,
fomos mal compreendidos. O medo do desconhecido os induzia ao
misticismo. Não nos compreenderam quando tentamos nos mostrar
a eles e explicar-lhes, como pais orgulhosos, qual fora sua
origem, de onde haviam vindo. Nos consideraram sobrenaturais
e, por isso, nos temeram como se fôramos capazes de lhes
fazer algum mal. Creio que foi nossa a culpa por esse medo
que lhes infundimos. Não fomos pacientes, não esperamos o
suficiente para que nossas crianças amadurecessem antes de
lhes revelar as verdades da existência."

O teor das revelações da voz me deixa pasmo. Sinto-me como um
homem de Neanderthal vendo o fogo pela primeira vez,
fascinado ainda que incapaz de compreendê-lo. "Você já
compreendeu. Sou o que a humanidade chama de Deus. Sou seu
Deus, Fox! No passado, já fui igual a você, assim como você,
tenho certeza, um dia será igual a mim."

Estou confuso, surpreso, desorientado. As revelações feitas
pela voz ainda ecoam em minha cabeça. Ainda que sem querer,
acho que sempre acreditei que houvesse um Deus, uma força
superior que, de alguma forma, comandasse nossos destinos.
Então subitamente, querem me fazer acreditar que essa
entidade que sempre imaginei sobrenatural é um dos
alienígenas cuja existência procurei provar por tanto
tempo... Difícil de aceitar.


LOUCURA

O tempo passa e a saudade é mais forte que qualquer
questionamento filosófico. Já há vários dias que não ouço
você, Scully, e começo a temer pelo pior. Que algo de ruim
tenha lhe acontecido em sua busca. Por que você não desiste
de mim? Não valho seu sacrifício. Eu, que por pura
curiosidade penetrei no campo de força naquela floresta do
Oregon, não sou digno do seu sacrifício. Me repreendo todos
os dias por abandonar você desa forma. Como pude ser tão
egoísta a ponto de me deixar levar pela curiosidade, sem
medir as conseqüências de meus atos?

Tenho trabalhado como um louco nessa horta, como se houvesse
um milhão de pessoas a serem alimentadas. Tenho trabalhado
como um louco nessa horta na tentativa de abafar um milhão de
pensamentos tristes que insitem em rondar minha cabeça, para
tentar preencher com terra e sementes esse vazio que a
saudade deixa em meu coração. Por que fui tão cego, tão
covarde que não pude confessar o que sentia mais cedo? Por
que todas as vezes que eu quis dizer "amo você" um nó em
minha garganta estrangulou minha voz? Queria estar junto de
você agora, Scully, e gritar para o mundo esse sentimento...

Sinto seu perfume, pressinto seus movimentos. Poderia jurar
que você está aqui. É isso! Enlouqueço, finalmente.


O REENCONTRO

É fim de tarde na colônia. Mulder trabalha na horta agachado
ao lado dos tomateiros. A impressão de um leve toque em seu
ombro faz com que ele levante-se em sobressalto. Mudo, quase
que catatônico, ele permanece imóvel enquanto Scully se
aproxima caminhando lentamente por entre os canteiros de
hortaliças. O tom avermelhado de seus cabelos acentua ainda
mais a palidez de sua pele. Nos olhos azuis muito abertos,
uma furtiva lágrima teima em se alojar. Nos braços,
embrulhada cuidadosamente em uma manta branca, traz uma
pequenina criança de pele rosada e cabelos ruivos a qual,
quando examinada mais de perto, revela grandes olhos azuis
cheios de curiosidade.

O sol, vermelho como uma grande bola em brasas, se põe
lentamente no horizonte, enquanto Mulder e Scully de mãos
dadas contemplam o espetáculo que a natureza lhes propicia.
Juntos finalmente! Para sempre.




F I M