Parte 2: Um Sonho Antes Impossível
[Apartamento de Misato Katsuragi]
- Pen?
- Como?
- Honto? Ele vai embora?
- É isso mesmo que vocês ouviram. - falou Kaji, levando as caixas com os pertences de Shinji para o corredor do conjunto de apartamentos. - Caso fiquem com saudades dele, não se preocupem. A família Ikari se mudou para um apartamento neste conjunto mesmo, no andar de cima.
- EU É QUE _NÃO_ VOU SENTIR SAUDADES _DELE_!!! - gritou Asuka, levando seu braço esquerdo na direção do quarto que Shinji ocupava, quase acertando o olho do garoto, que estava saindo com suas malas.
Shinji parou com os olhos arregalados a uns poucos centímetros de tê-los furados pelas unhas de Asuka, sentindo como se o inferno houvesse chegado para lhe dizer 'adeus'. Com algumas gotas de suor frio escorrendo pelo rosto, o garoto engoliu em seco e esboçou algo que poderia ser um sorriso.
- ... com licença...? - gaguejou Shinji, ainda olhando para a unha, ou melhor, o dedo que estava próximo demais do seu olho esquerdo. - Desculpe se estou incomodando com a minha mudança...
- Sempre se desculpando, sempre se desculpando! Por que não tenta falar outra coisa só para variar um pouco?! - gritou Asuka, virando-se e andando com passos firmes e pesados na direção de seu quarto.
- Eu... - ele ia gaguejar algo novamente, mas foi impedido quando viu uma mulher parada na porta, desviando-se de Kaji, que continuava a carregar as poucas caixas de Shinji para seu novo lar.
Misato olhou para a porta e viu a mesma mulher que havia sido retirada do EVA-01 na semana anterior. Ela estava de blusa violeta, saia e sapatos pretos; sua fisionomia realmente lembrava MUITO Rei Ayanami, exceto pelos cabelos castanhos e o sorriso doce e terno que dificilmente seria visto na Primeira Criança.
- Com licença? - ela falou, ainda na porta. - Posso entrar?
- Ahn? Ah sim, claro, por favor. - falou Misato, um pouco atrapalhada.
- Eu vim buscar o Shinji e agradecer por ter cuidado dele durante todo esse tempo, Katsuragi-san. - e Asuka abriu a porta do quarto para ver quem estava falando com Misato, não conseguindo abafar um pequeno grito de espanto ao ver como ela era parecida, ao mesmo tempo, com Rei e com Shinji.
- Não precisava ter esse incômodo, Ikari-san. - respondeu Misato, olhando para Shinji, que já estava ao lado da mãe. - Ele é um bom garoto.
- Yui. Por favor, não precisa ser tão formal comigo, Katsuragi-san. - ela pediu, curvando-se levemente. - Mais uma vez, muito obrigada. Vamos, Shinji?
- Yo, Katsuragi! - gritou Kaji, carregando as últimas caixas. - Depois eu ligo pra gente ir tomar um sake juntos!
E um sapato voou na direção da cabeça de Kaji Ryoji.
Misato sentou-se à mesa da cozinha, de onde podia ver o quarto vazio que Shinji havia deixado. Deitando a cabeça na mesa, ela pensava em como havia se acostumado a ter companhia todas os dias, como havia aprendido a se preocupar com ele como uma mãe faria. Enfim, já não era necessário que ela desempenhasse esse papel. Pelo menos, não para Shinji Ikari; mas havia ainda outra pessoa que talvez necessitasse disso, embora jamais reconhecesse isso.
Era hora de cuidar de Asuka.
- Ei, Misato.
- Hn? O que foi, Asuka?
- Aquela era a mãe do Shinji? - ela perguntou, puxando uma cadeira para se sentar.
- Hai.
- Eu pensei que a mãe dele tivesse morrido. - Asuka comentou, apoiando-se na mesa.
- Isso foi o que foi divulgado para a imprensa, a dez anos atrás. - respondeu Misato, esticando o braço para pegar uma cerveja na geladeira. - Na verdade, Yui Ikari foi encontrada em estado de coma e ficou internada durante todos esses anos. - ela continuou, contando uma mentira que desejava que fosse verdade. - Para protegê-la, o Comandante Ikari manteve sua existência em segredo e enviou Shinji para ser criado longe da NERV, tudo para manter a ilusão de que a Dra. Ikari havia falecido em um acidente com o Evangelion Shogoki.
- Nem o Shinji podia saber disso? - exclamou Asuka.
- Nem o Shinji. Uma criança dificilmente guarda segredos por muito tempo.
- Baka Shinji.
Shinji parou por alguns instantes na frente do apartamento em cuja porta havia uma placa com os dizeres 'Família Ikari'. Sua mão direita abria e fechava repetidamente; ele ainda não conseguia acreditar que estava prestes a entrar no que chamaria de 'lar', com uma família verdadeira. Era engraçado... havia sonhado tantos anos por um momento como aquele e, quando finalmente via que seu sonho estava se tornando realidade, não conseguia enxergar esse fato como algo concreto. Ele ainda tinha medo... muito medo de que tudo não passasse de uma ilusão.
Mas ela estava lá, ao lado dele. Seu toque não era irreal. Seu carinho, seu cheiro, tudo era igual ao que ele se lembrava de quando era criança. Aquilo tinha que ser real.
- Vamos entrar, Shinji? - Yui perguntou, tirando-o de seus pensamentos. - Ainda temos que almoçar antes de ir para o GeoFront.
- De... ir para o GeoFront?
- Sim, temos trabalho a fazer. - ela respondeu, abrindo a porta. - Uma semana de folga já foi o suficiente para mim.
Shinji deu alguns passos para dentro do apartamento e abaixou-se para tirar seus sapatos. Em seguida, pegou sua mala e caminhou na direção da cozinha.
- Shinji, onde está indo? - perguntou Yui, terminando de tirar os sapatos. - O seu quarto é do outro lado, querido.
- ... eu... eu ia...
- Troque de roupa enquanto eu faço o almoço. Logo o seu pai virá nos buscar. - ela continuou, levando Shinji para o quarto. - Quando voltarmos, vamos arrumar as suas coisas, certo?
- Ha... hai. - ele respondeu, ainda achando difícil acreditar em tudo que estava acontecendo. Em um passe de mágica, toda sua vida estava sendo transformada. Ele tinha uma família. Inteira. Verdadeira.
Sorrindo levemente, Shinji olhou ao redor, vendo o quarto que havia sido reservado para si. Era claro, bem iluminado pela luz do sol que entrava pela janela. Era quase igual ao que tinha no apartamento de Misato, com uma cama, o armário para guardar suas roupas, uma escrivaninha onde poderia estudar com privacidade... sobre a qual havia um porta-retratos vazio, esperando por uma foto.
O cheiro que começou a vir da cozinha aumentou ainda mais a sensação de 'lar' para Shinji. Seria a primeira vez desde que chegara a Tokyo-3 que iria ter uma refeição feita por outra pessoa que não fosse ele mesmo ou Misato. Seria um pouco difícil se acostumar com essa nova vida.
- 'Kaasan! - chamou Shinji, depois de trocar de roupa. - Precisa de ajud...
E a porta se abriu, revelando uma pessoa que Shinji jamais imaginou que veria com uma expressão mais... amena.
- Tadaima.
- Okaerinasai, querido. - respondeu Yui, saindo da cozinha com uma bandeja nas mãos. - O almoço está pronto.
-------------------------------
NEON GENESIS: EVANGELION
TRUE HEART
Parte 2: Ele é um homem gentil,
o problema é que as pessoas não
conseguem enxergar esse lado
dele.
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[Central Dogma]
Mais uma reunião a portas fechadas, sem qualquer registro para que ninguém pudesse um dia saber o que se passara dentro da sala do Comandante Ikari. Três pessoas estavam lá dentro, a respiração de todos pesada, como se apenas esperassem por um movimento, uma ação, para quebrar o silêncio que lá se instalara.
Ritsuko Akagi olhava para o casal que estava a sua frente. Observava a cientista que um dia invejara e admirara e, que agora, havia retornado como um fantasma vingativo para retomar o que era seu por direito... esposo e filho. Observava também a expressão inabalável do Comandante Ikari, cujo rosto permanecia tão frio como antes. Era como se nada tivesse mudado com a volta de sua esposa. Entretanto, muitas coisas haviam mudado.
E nada voltaria a ser como antes.
- Então...? - ela começou, tentando iniciar o que poderia se chamar de 'diálogo'.
- Toda a documentação oficial já foi preparada e modificada. - falou Yui Ikari, de pé ao lado do marido, as mãos nos bolsos de seu jaleco branco. - Não há com o que se preocupar, Dra. Akagi.
- Como...?! - Ritsuko se espantou, sem conseguir reconhecer nos olhos vermelhos de Yui Ikari a mulher bondosa da qual as pessoas falavam.
- Oficialmente, Yui Ikari sofreu sérios abalos mentais no acidente com a Unidade Evangelion 01 e entrou em estado de coma profundo durante 10 anos. - continuou Gendou Ikari, ainda com os dedos das mãos cruzados. - Para evitar que Shinji ficasse mais traumatizado do que já estava, por ter presenciado o acidente da mãe, foi divulgado que ela estava morta, quando, na realidade, esteve internada em um quarto especial durante esses anos, sendo o acesso permitido a Shinji somente quando seus sinais vitais voltaram à normalidade.
Ritsuko engoliu em seco quando ouviu o que, a partir daquele momento, seria a 'verdade' para todas as pessoas que trabalhavam na NERV. Porém, nada a preparara para a visão do rosto da mãe de Shinji. Sempre com um sorriso em seus lábios, que, desta vez, parecia mais um sorriso irônico do que o gentil e amável que todas as fotos que já vira mostravam.
- E o Shinji?
- Qual o problema com o meu filho?
- Ele a viu surgir no Entry Plug da Unidade Shogoki, no lugar de Rei Ayanami.
- Não há problema nenhum nisso. Ayanami e eu somos muito parecidas fisicamente e... - Yui respirou fundo, um gesto que Ritsuko interpretou, erroneamente, de conseguir coragem para continuar sua frase. - Shinji Ikari, piloto exclusivo da Unidade Evangelion 01, possui um histórico de sérios abalos mentais e psicológicos, causados pela 'morte' da mãe e pela separação do pai, sendo criado afastado de uma família que, teoricamente, deveria ser normal. Uma alucinação com a mãe não seria nada mais do que o esperado em um ambiente cheio de tensões a que ele estava sendo submetido. Um laudo psiquiátrico confirmará todas essas hipóteses.
Os olhos de Ritsuko se arregalaram de surpresa e decepção quando ouviu a voz da cientista proferindo tais palavras. Não era exatamente o que ela esperava de uma mulher que havia sido idealizada tanto por pai, como por filho. Ao invés de uma mulher que seria o completo oposto de Gendou Ikari, o que ela conseguia ver era seu complemento, uma frieza refletida no brilho vermelho de seus olhos. Um brilho... vermelho. Como sangue.
- O Shinji vai querer saber a verdade. - Ritsuko continuou, já desistindo de qualquer argumentação.
- ESTA é a verdade. - respondeu Gendou, apoiando os braços em sua escrivaninha. - Não há outra que ele possa querer ouvir.
- E a Rei? O que vão fazer com ela?
- Isso já foi resolvido. - respondeu Yui, como se adivinhasse os pensamentos do marido. - Este é o número do quarto dela. - e entregou um pedaço de papel para Ritsuko. - Por favor, avise o Shinji de que Ayanami está bem.
- Isso é tudo. - concluiu Gendou. - É hora de recomeçar os testes. E a Unidade Zerogoki?
A ex-chefe do departamento científico da NERV suspirou e ergueu o rosto.
- Está configurada com os dados de Shinji.
- As outras unidades?
- Shogoki está em fase final de reparos. Nigoki está em funcionamento normal, taxa de sincronização com Asuka Langley Sohryu em 70%.
- Está dispensada, Dra. Akagi. - falou Gendou, levantando-se. - Você será a responsável por passar todos os dados sobre as unidades para a Dra. Ikari.
- Hai.
Quando a porta do escritório do Comandante Ikari se fechou, Ritsuko soltou um suspiro de alívio. Ela precisava de uma xícara de café.
[Sala de Testes]
- Então, Ritsuko? Como foi a reunião com o casal Ikari? - perguntou Misato, estendendo-lhe uma xícara de café.
- Melhor do que eu imaginava. Pelo menos não recebi uma carta de demissão.
- Quer dizer que...
- Eu continuo na NERV, mas como segunda em comando no departamento científico. A Dra. Ikari será a primeira.
- Mas... mas ela ficou afastada de tudo durante DEZ ANOS! Como querem que ela cuide de todos os nossos problemas?!
- Foi a decisão do Comandante Ikari. Não posso fazer nada.
- Eu não acredito nisso... tantos problemas, anjos atacando com uma freqüência quase DIÁRIA e ele coloca uma pessoa quase que DESCONHECIDA para chefiar tudo isso! Se não fosse...
E a porta se abriu, revelando um assustado Shinji aparentemente preparado para prosseguir com os testes.
- Shinji-kun...?
- Desculpe interromper... - ele falou, abaixando a cabeça.
- Não se preocupe, Shinji-kun. - falou Ritsuko, pegando o papel de dentro de seu bolso. - Tome. A Dra. Ikari pediu para te entregar isto.
- Kaasan? O quê...?
'Depois dos testes, vá visitar Ayanami no quarto 606 do Hospital Geral. Não se atrase para o jantar. Okaasan.'
[Hospital Geral]
Shinji caminhava novamente pelos corredores do Hospital Geral da NERV, o papel tremendo levemente em seus dedos. Carregava nas costas a mochila da escola, onde guardara alguns impressos que o professor pedira para entregar à Rei e, em sua mente, um grande turbilhão de dúvidas. Ainda não conseguia compreender como Ayanami havia sido resgatada, sendo que, quando abrira o Entry Plug junto com seu pai, quem havia encontrado era sua mãe...
Claro, havia uma explicação mais lógica e coerente, se todos tivessem dedicado seu tempo durante a semana que se passara, a resgatar a Primeira Criança. Entretanto, ele não havia se ausentado e não se lembrava de ter presenciado nenhum procedimento de resgate. Nada. Então... como ela poderia estar ali?
Ele parou na frente do quarto 606, onde uma placa indicava a presença de Rei Ayanami, internada a exatamente uma semana, data do acidente com a Unidade 01. Hesitante, ele levou a mão à campainha, os dedos trêmulos ao tocar o botão.
Porém, a pessoa que ele procurava estava no corredor, sentada em um banco, com apenas alguns curativos. Um sorriso abriu-se em seu rosto quando ele a viu.
- Ayanami! Que bom... que bom que você está bem.
- Hn?
- Você não se lembra de nada? Do que aconteceu na Unidade 01?
- Eu... não lembro. Acho que deve ser porque eu sou a terceira.
Shinji piscou duas vezes antes de tentar responder algo. Ela estava... estranha, mais do que de costume. Não sabia como continuar a conversa, estava tentando compreender o que realmente havia acontecido, compreender a verdade.
Mas era hora de ir para casa.
Sua mãe havia pedido para não se atrasar para o jantar.
[... continua]
[Apartamento de Misato Katsuragi]
- Pen?
- Como?
- Honto? Ele vai embora?
- É isso mesmo que vocês ouviram. - falou Kaji, levando as caixas com os pertences de Shinji para o corredor do conjunto de apartamentos. - Caso fiquem com saudades dele, não se preocupem. A família Ikari se mudou para um apartamento neste conjunto mesmo, no andar de cima.
- EU É QUE _NÃO_ VOU SENTIR SAUDADES _DELE_!!! - gritou Asuka, levando seu braço esquerdo na direção do quarto que Shinji ocupava, quase acertando o olho do garoto, que estava saindo com suas malas.
Shinji parou com os olhos arregalados a uns poucos centímetros de tê-los furados pelas unhas de Asuka, sentindo como se o inferno houvesse chegado para lhe dizer 'adeus'. Com algumas gotas de suor frio escorrendo pelo rosto, o garoto engoliu em seco e esboçou algo que poderia ser um sorriso.
- ... com licença...? - gaguejou Shinji, ainda olhando para a unha, ou melhor, o dedo que estava próximo demais do seu olho esquerdo. - Desculpe se estou incomodando com a minha mudança...
- Sempre se desculpando, sempre se desculpando! Por que não tenta falar outra coisa só para variar um pouco?! - gritou Asuka, virando-se e andando com passos firmes e pesados na direção de seu quarto.
- Eu... - ele ia gaguejar algo novamente, mas foi impedido quando viu uma mulher parada na porta, desviando-se de Kaji, que continuava a carregar as poucas caixas de Shinji para seu novo lar.
Misato olhou para a porta e viu a mesma mulher que havia sido retirada do EVA-01 na semana anterior. Ela estava de blusa violeta, saia e sapatos pretos; sua fisionomia realmente lembrava MUITO Rei Ayanami, exceto pelos cabelos castanhos e o sorriso doce e terno que dificilmente seria visto na Primeira Criança.
- Com licença? - ela falou, ainda na porta. - Posso entrar?
- Ahn? Ah sim, claro, por favor. - falou Misato, um pouco atrapalhada.
- Eu vim buscar o Shinji e agradecer por ter cuidado dele durante todo esse tempo, Katsuragi-san. - e Asuka abriu a porta do quarto para ver quem estava falando com Misato, não conseguindo abafar um pequeno grito de espanto ao ver como ela era parecida, ao mesmo tempo, com Rei e com Shinji.
- Não precisava ter esse incômodo, Ikari-san. - respondeu Misato, olhando para Shinji, que já estava ao lado da mãe. - Ele é um bom garoto.
- Yui. Por favor, não precisa ser tão formal comigo, Katsuragi-san. - ela pediu, curvando-se levemente. - Mais uma vez, muito obrigada. Vamos, Shinji?
- Yo, Katsuragi! - gritou Kaji, carregando as últimas caixas. - Depois eu ligo pra gente ir tomar um sake juntos!
E um sapato voou na direção da cabeça de Kaji Ryoji.
Misato sentou-se à mesa da cozinha, de onde podia ver o quarto vazio que Shinji havia deixado. Deitando a cabeça na mesa, ela pensava em como havia se acostumado a ter companhia todas os dias, como havia aprendido a se preocupar com ele como uma mãe faria. Enfim, já não era necessário que ela desempenhasse esse papel. Pelo menos, não para Shinji Ikari; mas havia ainda outra pessoa que talvez necessitasse disso, embora jamais reconhecesse isso.
Era hora de cuidar de Asuka.
- Ei, Misato.
- Hn? O que foi, Asuka?
- Aquela era a mãe do Shinji? - ela perguntou, puxando uma cadeira para se sentar.
- Hai.
- Eu pensei que a mãe dele tivesse morrido. - Asuka comentou, apoiando-se na mesa.
- Isso foi o que foi divulgado para a imprensa, a dez anos atrás. - respondeu Misato, esticando o braço para pegar uma cerveja na geladeira. - Na verdade, Yui Ikari foi encontrada em estado de coma e ficou internada durante todos esses anos. - ela continuou, contando uma mentira que desejava que fosse verdade. - Para protegê-la, o Comandante Ikari manteve sua existência em segredo e enviou Shinji para ser criado longe da NERV, tudo para manter a ilusão de que a Dra. Ikari havia falecido em um acidente com o Evangelion Shogoki.
- Nem o Shinji podia saber disso? - exclamou Asuka.
- Nem o Shinji. Uma criança dificilmente guarda segredos por muito tempo.
- Baka Shinji.
Shinji parou por alguns instantes na frente do apartamento em cuja porta havia uma placa com os dizeres 'Família Ikari'. Sua mão direita abria e fechava repetidamente; ele ainda não conseguia acreditar que estava prestes a entrar no que chamaria de 'lar', com uma família verdadeira. Era engraçado... havia sonhado tantos anos por um momento como aquele e, quando finalmente via que seu sonho estava se tornando realidade, não conseguia enxergar esse fato como algo concreto. Ele ainda tinha medo... muito medo de que tudo não passasse de uma ilusão.
Mas ela estava lá, ao lado dele. Seu toque não era irreal. Seu carinho, seu cheiro, tudo era igual ao que ele se lembrava de quando era criança. Aquilo tinha que ser real.
- Vamos entrar, Shinji? - Yui perguntou, tirando-o de seus pensamentos. - Ainda temos que almoçar antes de ir para o GeoFront.
- De... ir para o GeoFront?
- Sim, temos trabalho a fazer. - ela respondeu, abrindo a porta. - Uma semana de folga já foi o suficiente para mim.
Shinji deu alguns passos para dentro do apartamento e abaixou-se para tirar seus sapatos. Em seguida, pegou sua mala e caminhou na direção da cozinha.
- Shinji, onde está indo? - perguntou Yui, terminando de tirar os sapatos. - O seu quarto é do outro lado, querido.
- ... eu... eu ia...
- Troque de roupa enquanto eu faço o almoço. Logo o seu pai virá nos buscar. - ela continuou, levando Shinji para o quarto. - Quando voltarmos, vamos arrumar as suas coisas, certo?
- Ha... hai. - ele respondeu, ainda achando difícil acreditar em tudo que estava acontecendo. Em um passe de mágica, toda sua vida estava sendo transformada. Ele tinha uma família. Inteira. Verdadeira.
Sorrindo levemente, Shinji olhou ao redor, vendo o quarto que havia sido reservado para si. Era claro, bem iluminado pela luz do sol que entrava pela janela. Era quase igual ao que tinha no apartamento de Misato, com uma cama, o armário para guardar suas roupas, uma escrivaninha onde poderia estudar com privacidade... sobre a qual havia um porta-retratos vazio, esperando por uma foto.
O cheiro que começou a vir da cozinha aumentou ainda mais a sensação de 'lar' para Shinji. Seria a primeira vez desde que chegara a Tokyo-3 que iria ter uma refeição feita por outra pessoa que não fosse ele mesmo ou Misato. Seria um pouco difícil se acostumar com essa nova vida.
- 'Kaasan! - chamou Shinji, depois de trocar de roupa. - Precisa de ajud...
E a porta se abriu, revelando uma pessoa que Shinji jamais imaginou que veria com uma expressão mais... amena.
- Tadaima.
- Okaerinasai, querido. - respondeu Yui, saindo da cozinha com uma bandeja nas mãos. - O almoço está pronto.
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NEON GENESIS: EVANGELION
TRUE HEART
Parte 2: Ele é um homem gentil,
o problema é que as pessoas não
conseguem enxergar esse lado
dele.
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[Central Dogma]
Mais uma reunião a portas fechadas, sem qualquer registro para que ninguém pudesse um dia saber o que se passara dentro da sala do Comandante Ikari. Três pessoas estavam lá dentro, a respiração de todos pesada, como se apenas esperassem por um movimento, uma ação, para quebrar o silêncio que lá se instalara.
Ritsuko Akagi olhava para o casal que estava a sua frente. Observava a cientista que um dia invejara e admirara e, que agora, havia retornado como um fantasma vingativo para retomar o que era seu por direito... esposo e filho. Observava também a expressão inabalável do Comandante Ikari, cujo rosto permanecia tão frio como antes. Era como se nada tivesse mudado com a volta de sua esposa. Entretanto, muitas coisas haviam mudado.
E nada voltaria a ser como antes.
- Então...? - ela começou, tentando iniciar o que poderia se chamar de 'diálogo'.
- Toda a documentação oficial já foi preparada e modificada. - falou Yui Ikari, de pé ao lado do marido, as mãos nos bolsos de seu jaleco branco. - Não há com o que se preocupar, Dra. Akagi.
- Como...?! - Ritsuko se espantou, sem conseguir reconhecer nos olhos vermelhos de Yui Ikari a mulher bondosa da qual as pessoas falavam.
- Oficialmente, Yui Ikari sofreu sérios abalos mentais no acidente com a Unidade Evangelion 01 e entrou em estado de coma profundo durante 10 anos. - continuou Gendou Ikari, ainda com os dedos das mãos cruzados. - Para evitar que Shinji ficasse mais traumatizado do que já estava, por ter presenciado o acidente da mãe, foi divulgado que ela estava morta, quando, na realidade, esteve internada em um quarto especial durante esses anos, sendo o acesso permitido a Shinji somente quando seus sinais vitais voltaram à normalidade.
Ritsuko engoliu em seco quando ouviu o que, a partir daquele momento, seria a 'verdade' para todas as pessoas que trabalhavam na NERV. Porém, nada a preparara para a visão do rosto da mãe de Shinji. Sempre com um sorriso em seus lábios, que, desta vez, parecia mais um sorriso irônico do que o gentil e amável que todas as fotos que já vira mostravam.
- E o Shinji?
- Qual o problema com o meu filho?
- Ele a viu surgir no Entry Plug da Unidade Shogoki, no lugar de Rei Ayanami.
- Não há problema nenhum nisso. Ayanami e eu somos muito parecidas fisicamente e... - Yui respirou fundo, um gesto que Ritsuko interpretou, erroneamente, de conseguir coragem para continuar sua frase. - Shinji Ikari, piloto exclusivo da Unidade Evangelion 01, possui um histórico de sérios abalos mentais e psicológicos, causados pela 'morte' da mãe e pela separação do pai, sendo criado afastado de uma família que, teoricamente, deveria ser normal. Uma alucinação com a mãe não seria nada mais do que o esperado em um ambiente cheio de tensões a que ele estava sendo submetido. Um laudo psiquiátrico confirmará todas essas hipóteses.
Os olhos de Ritsuko se arregalaram de surpresa e decepção quando ouviu a voz da cientista proferindo tais palavras. Não era exatamente o que ela esperava de uma mulher que havia sido idealizada tanto por pai, como por filho. Ao invés de uma mulher que seria o completo oposto de Gendou Ikari, o que ela conseguia ver era seu complemento, uma frieza refletida no brilho vermelho de seus olhos. Um brilho... vermelho. Como sangue.
- O Shinji vai querer saber a verdade. - Ritsuko continuou, já desistindo de qualquer argumentação.
- ESTA é a verdade. - respondeu Gendou, apoiando os braços em sua escrivaninha. - Não há outra que ele possa querer ouvir.
- E a Rei? O que vão fazer com ela?
- Isso já foi resolvido. - respondeu Yui, como se adivinhasse os pensamentos do marido. - Este é o número do quarto dela. - e entregou um pedaço de papel para Ritsuko. - Por favor, avise o Shinji de que Ayanami está bem.
- Isso é tudo. - concluiu Gendou. - É hora de recomeçar os testes. E a Unidade Zerogoki?
A ex-chefe do departamento científico da NERV suspirou e ergueu o rosto.
- Está configurada com os dados de Shinji.
- As outras unidades?
- Shogoki está em fase final de reparos. Nigoki está em funcionamento normal, taxa de sincronização com Asuka Langley Sohryu em 70%.
- Está dispensada, Dra. Akagi. - falou Gendou, levantando-se. - Você será a responsável por passar todos os dados sobre as unidades para a Dra. Ikari.
- Hai.
Quando a porta do escritório do Comandante Ikari se fechou, Ritsuko soltou um suspiro de alívio. Ela precisava de uma xícara de café.
[Sala de Testes]
- Então, Ritsuko? Como foi a reunião com o casal Ikari? - perguntou Misato, estendendo-lhe uma xícara de café.
- Melhor do que eu imaginava. Pelo menos não recebi uma carta de demissão.
- Quer dizer que...
- Eu continuo na NERV, mas como segunda em comando no departamento científico. A Dra. Ikari será a primeira.
- Mas... mas ela ficou afastada de tudo durante DEZ ANOS! Como querem que ela cuide de todos os nossos problemas?!
- Foi a decisão do Comandante Ikari. Não posso fazer nada.
- Eu não acredito nisso... tantos problemas, anjos atacando com uma freqüência quase DIÁRIA e ele coloca uma pessoa quase que DESCONHECIDA para chefiar tudo isso! Se não fosse...
E a porta se abriu, revelando um assustado Shinji aparentemente preparado para prosseguir com os testes.
- Shinji-kun...?
- Desculpe interromper... - ele falou, abaixando a cabeça.
- Não se preocupe, Shinji-kun. - falou Ritsuko, pegando o papel de dentro de seu bolso. - Tome. A Dra. Ikari pediu para te entregar isto.
- Kaasan? O quê...?
'Depois dos testes, vá visitar Ayanami no quarto 606 do Hospital Geral. Não se atrase para o jantar. Okaasan.'
[Hospital Geral]
Shinji caminhava novamente pelos corredores do Hospital Geral da NERV, o papel tremendo levemente em seus dedos. Carregava nas costas a mochila da escola, onde guardara alguns impressos que o professor pedira para entregar à Rei e, em sua mente, um grande turbilhão de dúvidas. Ainda não conseguia compreender como Ayanami havia sido resgatada, sendo que, quando abrira o Entry Plug junto com seu pai, quem havia encontrado era sua mãe...
Claro, havia uma explicação mais lógica e coerente, se todos tivessem dedicado seu tempo durante a semana que se passara, a resgatar a Primeira Criança. Entretanto, ele não havia se ausentado e não se lembrava de ter presenciado nenhum procedimento de resgate. Nada. Então... como ela poderia estar ali?
Ele parou na frente do quarto 606, onde uma placa indicava a presença de Rei Ayanami, internada a exatamente uma semana, data do acidente com a Unidade 01. Hesitante, ele levou a mão à campainha, os dedos trêmulos ao tocar o botão.
Porém, a pessoa que ele procurava estava no corredor, sentada em um banco, com apenas alguns curativos. Um sorriso abriu-se em seu rosto quando ele a viu.
- Ayanami! Que bom... que bom que você está bem.
- Hn?
- Você não se lembra de nada? Do que aconteceu na Unidade 01?
- Eu... não lembro. Acho que deve ser porque eu sou a terceira.
Shinji piscou duas vezes antes de tentar responder algo. Ela estava... estranha, mais do que de costume. Não sabia como continuar a conversa, estava tentando compreender o que realmente havia acontecido, compreender a verdade.
Mas era hora de ir para casa.
Sua mãe havia pedido para não se atrasar para o jantar.
[... continua]
