::segunda parte::

Três meses mais tarde...

_ Querida, cheguei! – Xander gritou da porta.

Buffy apareceu na porta e os dois simularam um beijo de cinema, enquanto Dawn gargalhava à volta deles, dizendo que depois era sua vez.

_ Apenas quando você tiver 18 anos. Eu não quero ir para a cadeia por sua causa. – Xander negou, em tom de brincadeira, o pedido da garota .

_ E depois, quem disse que eu vou dividi-lo com você? – Buffy completou, rindo também, e fechou a porta.

Do outro lado da rua, escondido atrás das árvores, alguém observava a cena.

[...]

Depois do jantar, enquanto Buffy conversava com a irmã e seu Sentinela durante a arrumação da cozinha, Xander subiu para ver Willow. Ficou ali um bom tempo, tentando fazê-la participar da conversa, mas só conseguiu compor um monólogo. Willow continuou com a mesma expressão vazia no olhar, como se não soubesse sequer onde estava. Xander detestava aquele olhar, o feria quase fisicamente ver sua melhor amiga daquele jeito. Então ele saiu e foi para o quarto de Buffy. Estava morando com as garotas desde que o mundo quase acabara... mais uma vez.

Logo as duas irmãs subiram também. O dia havia sido extenuante em seu trabalho e logo a Caça-Vampiros estava imersa em sonhos, os cabelos louros e os castanhos se misturando no travesseiro.

De alguma forma, Buffy acordou numa caverna. Não fazia a mínima idéia de como chegara até ali e sentiu medo, até que sua visão conseguiu se ajustar à intensa escuridão à sua volta. Começou a andar e viu desenhos nas paredes da caverna. Não faziam nenhum sentido para ela, mas pareciam inexplicavelmente familiares. Logo sua atenção foi desviada dos desenho para a presença de um homem muito machucado, largado no chão. Parecia estar morto mas, assim como os desenhos nas paredes, também era estranhamente familiar.

Da posição em que estava, Buffy não conseguia ver o rosto do homem ferido e pensou em se aproximar, quem sabe ainda poderia ajudá-lo e ele não estivesse morto, afinal. Foi quando percebeu que havia mais alguém ali, além dois. Era um demônio muito alto, com faiscantes olhos verdes. Ele se aproximou do corpo e disse:

_ Você resistiu às exigências do desafio.

Buffy viu quando o homem desconhecido começou a se mover com dificuldade e colocou-se de joelhos:

_ Pode ter certeza que sim.  – ela escutou a resposta, uma ponta de petulância, mas nenhum sinal de raiva, na voz rouca do rapaz - Me dê o que eu quero. Faça-me como eu era, para Buffy receber o que merece.

A Caça-Vampiros sentiu seu coração contrair dentro do peito quando percebeu que era Spike quem estava ali. Pensando que o vampiro estava ali para tentar algum acordo com demônio, de forma a derrotá-la, enfureceu-se imediatamente. Logo lembrou-se porque tudo parecia conhecido; estivera ali antes, nas noites anteriores, sempre vendo Spike, ao que lhe parecia, tentar convencer o demônio a ajudá-lo a se vingar dela. Será que o maldito não era capaz de assimilar uma rejeição e deixá-la em paz? Será que Spike não ficara satisfeito com o que havia feito a ela antes de partir?

Sem perceber, ou fazer caso da presença da Caçadora ali, o demônio respondeu:

_ Muito bem... Nós lhe devolveremos... – colocou a mão sobre o peito do vampiro e completou – sua alma.

Das mãos do demônio saiu uma luz muito brilhante, que envolveu o peito do vampiro. Spike começou a gritar em agonia, enquanto seus olhos também brilhavam com a mesma intensidade da luz que agora envolvia completamente seu corpo castigado pelas lutas que Buffy presenciara nas noites anteriores.

Com o choque, Buffy acordou. Estava em seu quarto e a luz da manhã entrava pela janela. Levantou-se e comentou consigo mesma, bocejando.

_ Sonho estúpido. Spike indo pedir sua alma de volta? Para um demônio? Que diabos ele iria fazer com uma alma, de qualquer forma? Ah... Buffy Summers, você precisa ver um médico... – revirou os olhos e abriu a porta de seu armário.

Pelo menos isso parecia encerrar a série de sonhos estúpidos que estava tendo naquela semana. A coisa começara com Spike lutando com o cara das mãos de fogo. O segundo sonho prosseguira com o vampiro arrancando a cabeça de dois demônios chifrudos, enquanto que o da noite anterior era com ele sendo atacado por escaravelhos. O último era o mais imbecil de todos: Spike recebendo sua alma de volta.

Aquilo era totalmente sem sentido, por quê ele iria querer sua alma de volta, só para começar? Buffy esperava que o maldito não voltasse nunca mais para Sunnydale.

Sacudindo a cabeça, saiu do quarto e desceu para preparar o café da manhã. Na sala, Giles lia o jornal.

[...]

_ Willow, está acordada? Hey, olha quem está aqui! – Dawn tentou demonstrar alegria ao entrar no quarto da amiga, carregando Miss Kitty Fantastico com ela. Mas estava preocupada.

A gata agora já não tinha mais nada de filhote e estava morando com Ginny, a vizinha de dormitório de Tara, desde que esta falecera. Mais precisamente, quando fora atingida acidentalmente por Warren, enquanto este tentava matar Buffy.

A idéia de trazer a mascote para uma visita partira da própria Dawn, pois como o animal pertencera a Willow e Tara, talvez vê-la novamente despertassem lembranças boas na amiga. Mas não foi o que aconteceu.

Willow apenas a olhou apaticamente e continuou deitada. Dawn sentou-se na beirada da cama, com o felino no colo.

_ Oh, Miss Kitty Fantastico estava com tantas saudades suas... – a garota ainda tentou animá-la e acariciou a gata, que ronronou satisfeita – Olha, olha como ela está linda. Ela se arrumou toda para vir visitá-la – completou, referindo-se ao laço vermelho de cetim que amarrara no pescoço da gata.

Willow olhou para o outro lado e começou a chorar silenciosamente.

_ Não, Willow, não. Ah, eu pensei que isso iria te animar, por favor, não chore. – Dawn disse em tom de desculpas – Eu vou levar a gata embora, está bem? Desculpe, Willow, desculpe. – levantou-se da cama – Eu vou chamar o Xander, ok?

Dawn saiu do quarto e encontrou Xander e a irmã ao lado da porta.

_ E então? – Buffy perguntou imediatamente, se aproximando mais.

_ Ela nem quis saber de Miss Kitty. E começou a chorar de novo. – Dawn respondeu, chateada.

_ Eu sabia que era uma péssima idéia. – Xander criticou.

_ E fazer o quê? Esperar que ela melhore sozinha e, enquanto isso não acontece,  ficar olhando-a definhar desse jeito sem fazer nada? Era uma idéia, não deu certo, paciência. Nós podemos tentar outra hora. Quem sabe com um cachorrinho? Willow gosta de cachorrinhos, não é? – Buffy perguntou, defendendo a irmã.

_ Eu vou descer para alimentar a gata. – Dawn se dirigiu à escada.

_ E eu vou entrar. – Xander disse, entrou e fechou a porta.

_ E eu... eu vou treinar um pouco na Magic Box – Buffy disse para si mesma, já que não havia mais ninguém ali para escutar seus planos para a manhã de sábado.

[...]

_ Oi, Giles! – Buffy disse para seu Sentinela, que estava atrás do balcão da loja.

_ Ah, bom dia de novo, Buffy – Giles a recebeu com um sorriso.

_ Onde está a Anya? – Buffy olhou à volta na loja, à procura da amiga e sócia da loja de magia.

_ Ela tirou o dia de folga e foi para a praia com sua amiga... – ele tentou lembrar-se – Halfrek, eu presumo que seja esse o nome da amiga de Anya.

_ Ah... duas garotas-demônio da vingança juntas, descansando na praia. Acho que é por isso que eu adoro tanto esse lugar. – Buffy comentou em tom de ironia.

_ Acredito que elas prefiram o termo "garotas-demônio da justiça" hoje em dia. – o inglês a corrigiu.

_ Hum, certo. Nota para mim mesma: garotas-demônio da justiça em lugar de garotas-demônio da vingança. – ela colocou o indicador na têmpora, como se estivesse registrando aquilo na memória - Bem, eu acho que você não vai se importar se eu for treinar um pouco, não é?

_ Claro que não, sabe que aquela sala é toda sua. Mas tem certeza que quer perder um dia lindo como esse, para ficar fechada treinando? – ele olhou por cima dos óculos para ela. Voltara a usá-los, afinal. Não conseguira se adaptar às lentes de contato.

_ Eu poderia ficar fechada em casa o dia todo, mas o clima lá também não está dos melhores. – ela encolheu os ombros.

_ Nenhuma melhora, então? – ele perguntou, preocupado.

_ Nopes. Nenhuma.

_ É preciso ter paciência, Buffy. – Giles aconselhou.

_ E eu não sei? É tudo o que eu tenho tido no momento, paciência. – procurou alegrar a voz e alterou o rumo da conversa – Mas, hey, tudo pronto para a reabertura da loja? Depois de amanhã, certo?

_ Tudo pronto – ele concordou – Anya tem sido incansável, o que chega a me amolar, de vez em quando. Eu praticamente tive que empurrá-la com um pedaço de pau, para que saísse hoje.

Buffy riu um pouco, ante a imagem instantânea que se formou em sua cabeça, de seu Sentinela usando um cabo de vassoura para obrigar Anya a sair e ela tentando voltar para a caixa registradora.

_ E depois, você fica até quando? - perguntou, ainda tentando manter o tom alegre.

_ Volto para a Inglaterra no final do mês. - ele respondeu, sem conseguir disfarçar uma nota de tristeza em sua voz.

_ Vou sentir saudades... – Buffy começou a sentir-se triste também. Já estava se acostumando a tê-lo a seu lado novamente, mas sempre soube que não seria para sempre.

_ Sabe que pode ligar sempre que precisar. Agora você sabe disso, não sabe? – ele perscrutou atentamente os olhos de sua protegida, para se certificar que ela havia aprendido a lição.

_ E eu vou ligar sempre, prometo. Mas vou ligar a cobrar. – ela o provocou.

_ Nenhum problema quanto a isso. Eu acho que posso arcar com os custos, se for para uma causa justa. – ele respondeu e trocaram um olhar afetuoso. Eram como pai e filha, aqueles dois.

_ Bom, eu vou lá para o fundo agora, está bem?

_ Qualquer coisa que precisar, basta chamar. – Giles respondeu.

_ Está bem... "Ruppy" – Buffy não se conteve e saiu rindo, mas não sem antes dar uma boa olhada na reação que causou nele. O rosto do Sentinela imediatamente adquiriu uma expressão envergonhada, mas não exatamente desgostosa, embora certamente soubesse do que ela estava falando.

[...]

Chegou a noite. Trancada em casa durante todo o sábado, praticamente sozinha porque Xander passara quase todo o tempo com Willow, Dawn já estava começando a se sentir entediada e resolveu sair para visitar seu amigo Clem. Claro que ela sabia que Buffy não gostava quando atravessava o cemitério sozinha, mesmo que fosse para ver seu novo amigo. Toda a conversa de lhe mostrar o mundo, aparentemente não incluía a permissão de andar por lugares reconhecidamente perigosos sem ninguém para acompanhá-la.

Assim, não querendo que a irmã ficasse preocupada quando chegasse da Magic Box, Dawn deixou um bilhete dizendo que estaria na companhia de sua amiga Janice.

A adolescente atravessou o cemitério a passos largos e entrou alegremente na cripta de Spike. Já há alguns meses a cripta era casa de Clement, já que o doce demônio não possuía televisão e ali tinha a oportunidade de assistir a todos seus programas favoritos de TV, desde que gravasse todos os capítulos de Passions para o verdadeiro dono da "casa" enquanto ele ainda estivesse ausente.

Curiosamente, Clement nunca tivera o instinto de matar seres humanos como tantos outros demônios. A maior parte dos demônios daquela pequena cidade, na verdade. Mas não Clem. Desde filhote, ele sempre fora diferente, mesmo de seus próprios irmãos da ninhada; muito gentil e preocupado com os sentimentos dos outros, além de apaixonado por TV e junk food. A companhia perfeita para uma jovem de dezesseis anos, portanto.

_ Clem, hi. Eu vim para saber se nós vamos assistir TV juntos hoje ...  – a garota percebeu que não era Clem quem estava ali e sua voz perdeu a alegria – Ah, é você.

_ Olá, pequena. Clem deve ter saído para um jogo de kitten poker. – Spike olhou para ela rapidamente, mas logo voltou a atenção para o que estava fazendo.

_ Por quê você voltou? Depois do que você fez, como pôde voltar? – ela o acusou.

O vampiro olhou para ela sem entender:

_ Já lhe disse que tinha tido um dia ruim. O que mais eu posso lhe dizer?

_ Não estou falando disso. Estou falando de você ter atacado a Buffy antes de ir embora. – ela o fuzilou com o olhar.

_ Então... ela lhe contou. – sua expressão numa mistura de surpresa e pesar.

_ Xander contou. E Buffy confirmou. – Dawn respondeu, a voz gelada.

_ Ora, ora. E o que mais nancy-boy Xander contou a você? – ele perguntou, amargo. Buffy contara a Xander o que acontecera naquele maldito banheiro e sobre sua tentativa ridícula de trazê-la para si novamente. Fazia sentido, já que agora ela estava com o rapaz, para que esconder segredos dele? Por que não contar para toda a maldita família, logo de uma vez?

_ Não importa o que ele contou. – Dawn olhou para ele, zangada.

_ Não, eu acho que não. – Spike desviou o olhar – Mas as coisas são bem mais complicadas que isso, você deveria saber.

_ Tentar violentar a minha irmã depois que ela te chutou? Onde isso é complicado, você poderia me explicar? – ela o olhava como se ele fosse um inseto. Um inseto que ela gostaria muito de esmagar com a sola do sapato.

Spike viu o desprezo com que ela olhava para ele e sentiu uma urgência em fazê-la ouvir sua versão dos acontecimentos.

_ Olhe, eu não queria que as coisas tivessem acontecido daquela forma. Eu nunca quis machucá-la... não do jeito que... – Spike tentou começar a responder, mas se interrompeu, num gesto de resignação, porque não queria ficar discutindo o assunto com a menina. Sim, ela parecia mais velha do que era de verdade, toda crescida agora. Mas para ele, Dawn nunca passaria de uma menininha – Saiba que isso pertence ao passado e não importa, porque eu nunca mais vou chegar perto dela, a não ser que ela venha até mim. – ele lhe assegurou.

_ É. O que não vai acontecer. – ela concordou, ainda fria.

_ Acho que não, porque eu não vou ficar muito tempo por aqui e não quero que você conte que eu voltei, está bem? – o vampiro pediu.

_ E como se ela viesse correndo para você, assim que ficasse sabendo... – ele nunca ouvira aquele tom sarcástico na voz da garota quando ela se dirigira a ele em todas as conversas que tiveram no passado. Aquilo o feriu mais do que ele gostaria de admitir.

_ Com uma arma na mão, é mais o que eu quis dizer. Mas você não vai contar, não é? – ele olhou fundo em seus olhos.

Dawn pensou em responder que não iria prometer nada e que seria bom se Buffy soubesse, porque então ela poderia ir mesmo atrás dele trazendo uma estaca. O problema é que sabia que não queria que a irmã tivesse que encarar o ex novamente. Somente por causa disso é que acabou concordando, contrafeita:

_ Ok. Mas só porque eu sei que isso não vai fazer nenhum bem a ela. Porque eu não devo nada a você. – ela cruzou os braços, do mesmo jeito de Buffy, quando ela sabia que precisava fazer algo com o que não concordava exatamente.

_ Não, não deve mesmo. – ele assentiu e continuou a colocar as roupas na valise.

Alguma coisa nele estava diferente, mas Dawn não conseguiria explicar o que era. Ele parecia distante, triste e sério, como se lamentasse mesmo o que havia feito, mas além disso havia algo mais e era exatamente isso que Dawn não conseguiria definir. A curiosidade de descobrir o que havia acontecido para promover aquela mudança fez com ela deixasse um pouco de lado a zanga e se aproximasse, encostando-se na parede ao seu lado:

_ Como, Spike?

_ Como... - ele olhou, tentando adivinhar a que ela se referia.

_ Como você conseguiu... machucá-la? O chip deixou de funcionar? - Dawn continuou.

_ Só com ela, meu bem. Ela nunca te contou isso? - ele estranhou que a menina nunca houvesse perguntando aquilo à própria irmã.

_ Eu... eu nunca perguntei, não podia... - a jovem fez uma pequena pausa e despejou a questão que vinha martelando em sua cabeça durante os últimos meses - Como o chip parou de funcionar só com ela?

_ Não sei. Ela nunca me disse e eu achei que ela havia voltado errada. Você sabe, dos mortos. - Spike tentou explicar seu engano.

_ Errada... dos mortos - Dawn disse pensativa, avaliando a situação.

_ É, mais ou menos como um demônio. Mas fique sabendo que eu estava errado, só não descobri isso a tempo. - ele assegurou.

_ Foi por isso que você a machucou? Porque pensou que ela era um demônio? - ela não conseguia conter o próprio espanto. Buffy, um demônio?!

_ Não. Por isso eu não fui embora quando devia. - Spike respondeu, num modo de encerrar o assunto.

_ Então... você não vai ficar mesmo? – ela observou, já que ele estava juntando praticamente tudo o que havia no baú.

_ O que há para mim aqui, pedacinho? Sua irmã nunca me amou e deve me odiar agora. O resto de vocês não vai me querer por perto. – o vampiro deu de ombros.

_ É, eu acho que não...  – ela concordou vagamente – Mas depois que você foi embora, não havia mais ninguém para me chamar assim... – ela respondeu nostálgica, mas logo sua voz voltou à mesma gravidade de antes – E, além disso, as coisas ficaram muito intensas por aqui, sabe?

_ É mesmo? O que aconteceu? – ele deixou a mala de lado para ouvir o que ela estava contando.

_ Tara morreu... Bem, Warren tentou matar a Buffy, mas acabou matando a Tara. Willow ficou louca, embora, certo, Buffy diga que não era mais ela mesma, mas depois Willow matou Warren e quando tentou fazer o mesmo com Jonathan e Andrew, Buffy a impediu e então ela tentou acabar com o mundo. – Dawn recitou e depois revirou os olhos, como se não acreditasse muito no que a irmã dizia sobre Willow não ser responsável pelo que aconteceu. - Oh... e ela tentou matar o Giles também. E tentou me matar... ela tentou matar todo mundo, na verdade.

_ A ruiva ficou louca e tentou acabar com o mundo? – ele franziu a testa,  aquilo parecia absurdo para ele. Willow sempre lhe parecera tão fora do tipo que tentava acabar com o mundo... ela era boa. Tinha uma alma, não tinha?

_ É. – ela assentiu - Mas lembre-se, Buffy diz que não estava sendo ela mesma... Mas agora está tudo bem. Xander se mudou lá para casa, para poder ajudar a cuidar de Willow.

_ Mudou-se, hein? – a voz do vampiro endureceu de ciúmes, lembrando-se da cena que presenciara na noite anterior: os dois se beijando, felizes. Ver aquilo imediatamente o fizera perceber que havia sido um erro voltar e por isso tomara um grande porre para tentar esquecer. O que não conseguiu, é claro, já que a primeira coisa que veio à sua lembrança quando acordou naquela manhã foi justamente Buffy grudada em Xander. Aquilo e a sensação de que sua cabeça explodiria a qualquer minuto, por causa da terrível ressaca, o perseguiram durante todo o dia. Então decidira ir embora novamente. Sunnydale nunca fora uma boa cidade para ele, para que insistir?

Pelo tom de voz dele, Dawn logo percebeu que ele deveria estava imaginando e quase teve pena, mas chegou a pensar em não desfazer o mal-entendido, pois gostaria de saber que Spike estava sofrendo, mesmo que fosse pelo motivo errado. No entanto, mudou logo de idéia e acabou contando como a coisa toda acontecera:

_ Não desse jeito que você está pensando, se quer saber. Ele e Anya acabaram oficialmente e como ela havia entregado o apartamento dela por causa do casamento, ele resolveu passar uns tempos lá em casa. Assim ela pode ficar no dele até achar um lugar melhor e não ter mais que continuar morando com a Hallie. E... além disso, ele ajuda a cuidar da Willow.

Halfrek fixando residência em Sunnydale? Aquilo o deixou ainda mais surpreso, porque pelo que conhecia da garota-demônio, ela possuía o hábito de deixar a cena depois do serviço pronto, como presenciara há muito tempo atrás. Claro que, naquela época, ele não era um vampiro ainda e também não sabia que Halfrek era um ser das trevas. Para ele, ela era Cecily. Sua doce e bela Cecily, que partira seu coração de poeta e acabara colocando-o, mesmo sem querer, no caminho de Drusilla.

_ Certo.  – ele respondeu, contraindo os cantos da boca ligeiramente, imerso em seus pensamentos – Então... Tara. Era uma boa moça, sempre me tratou decentemente. Uma pena.

_ É sim. Eu sinto muita falta dela. Todos sentem, na verdade. E toda vez que alguém toca no nome dela perto de Willow, ela chora.

_ Sinto muito pela ruiva também. Mas sua irmã... Buffy está bem, não está? – ele não queria perguntar, mas precisava saber.

_ Está ótima. Largou o emprego no DoubleMeat e agora está ensinando defesa pessoal numa academia. Na verdade... ela foi mandada embora de lá, mas acaba dando tudo na mesma...

_ Aquele lugar sempre esteve abaixo da mulher que ela é, bom que ela tenha percebido isso. Finalmente. – ele pegou a valise e se preparou para sair – Bem, eu tenho que ir embora.

_ Você não poderia ficar um pouco?  - ela pediu – Eu disse que ia ao cinema com Janice e não posso voltar para casa tão cedo ou vão desconfiar. Você poderia me contar por onde esteve...

_ Não acho que seja assunto para uma menininha como você. - ele olhou para ela atentamente. Tão parecida com Buffy. Tão malditamente parecida com Buffy...

_ Ah, qual é, Spike. Eu já tenho dezesseis anos agora! – ela protestou, bem-humorada.

_ Está bem, mas se tiver pesadelos depois... –  Spike a provocou de brincadeira.

Ela o olhou entre incrédula e divertida:

_ Pesadelos? Eu podia chutar o seu traseiro numa luta, se quisesse. Buffy esteve me ensinando.

_ Eu não tenho dúvidas que sim, porque você se parece mesmo muito com ela. Isso me lembra a primeira vez que a vi, você se lembra?  - ele riu da recordação - Angel estava tentando reviver Acathla e eu tive que ajudar sua irmã, porque, você sabe... Drusilla. Fiquei na sala com sua mãe, enquanto Buffy conversava ao telefone e você ficou sentada na escada, me olhando com enormes olhos assustados.

_ Oh, eu me lembro sim! Foi quando Buffy contou que era uma Caça-Vampiros, embora, claro que eu já desconfiava... – os olhos dela brilharam – Depois, você saiu e eu saí atrás. Eu disse que se você deixasse Angel machucar a minha irmã, eu iria atrás de você e chutaria o seu traseiro. Então você me disse que isso não era palavra para andar na boca de um pedacinho de gente como eu.

_ Isso mesmo. Depois você deu um chute na minha canela e saiu correndo – ele concordou ainda rindo, e logo Dawn o acompanhou.

_ Você foi corajosa.  – ele continuou com a lembrança – Sempre teve muito de sua irmã dentro de si. Mas sua mãe também era uma senhora muito corajosa. – ele comentou e havia sinceridade e admiração genuínas em sua voz. Joyce era umas das únicas pessoas que o trataram como um ser humano no passado, mesmo que ele não fosse um. Outra pessoa que sempre o tratara assim era Tara. E ficara sabendo naquela noite que Tara também estava morta.

_ Mas você sabe que nada disso aconteceu de verdade, não é? Quer dizer, que eu não havia sido criada ainda e que Buffy era a única filha de mamãe. – com a lembrança da mãe e do quanto ainda sentia falta dela, a voz de Dawn tremeu um pouco.

_ Gosto de pensar que aconteceu, pequena.  – ele acariciou os cabelos dela gentilmente - Gosto de pensar que uma menina que não daria nem um jantar completo me desafiou. Isso dá uma perspectiva diferente.

_ Oh e tem mais.  – ela sorriu timidamente para ele - Eu guardei seu casaco escondido da Buffy... sempre soube que você voltaria um dia!