Capítulo Dezesseis

A MARCA NEGRA

 - Você tá... diferente. – Harry disse à Gina, quando ela desceu as escadas de seu dormitório.

Hermione tinha praticamente arrastado a menina para cima, dizendo que a Gina não estava pronta, e que elas precisavam conversar uma coisinha. Harry dera com os ombros e esperou sentado por Gina. Não muito tempo depois, ela desceu, e Harry percebeu o que Hermione tanto queria com ela.

 - É... a Mione que tem obsessão com o meu cabelo. – Gina sorriu, e começou a passar as mãos por eles, arrumando-os para prender.

 - Não, não prende!

Gina voltou-se confusa para o Harry, e ele abaixou a cabeça meio sem graça. Não entendia porque tinha dito aquilo, mas agora que já tinha o feito, não tinha como voltar atrás.

 - Tá legal assim.

Os dois ficaram ligeiramente corados e abaixaram as cabeças. A situação era estranha mesmo. Gina era sua amiga há não muito tempo, e estava indo para Hogsmeade com ele. Sozinhos. Qualquer um que visse poderia achar que era um encontro ou coisa assim. Ninguém imaginaria que os dois estavam, na verdade, indo encontrar o padrinho do Harry que era um foragido de Azkaban.

 - Bom... acho melhor a gente ir, né?

Harry balançou a cabeça consentindo e, para si mesmo, agradeceu à Gina por ter desfeito o momento de desconforto. Com alguns ocasionais comentários, os dois tomaram o caminho para Hogsmeade. Harry sentia-se aliviado de que eles ainda podiam ir para Hogsmeade. Com a volta de Voldemort, Harry temia que o Dumbledore não fosse permitir que seus alunos visitassem o vilarejo de bruxos, mas ainda bem que não fora assim. Talvez, Harry pensou, o Dumbledore quer que apesar de atentos, nós também possamos nos divertir...

Mesmo sabendo que essa ida a Hogsmeade não era exatamente um divertimento, Harry ainda estava feliz por ir. Se pudesse, gostaria de ter seu padrinho mais presente, mas sabia que isso, pelo menos por enquanto, ainda não era possível. Teria que se contentar com os esporádicos encontros.

Não muito foi dito durante o caminho, e Harry achou que ambos deviam ter muito no que pensar. Não que o silêncio fosse uma situação estranha, pelo contrário, era até confortável. Pensando nisso, Harry começou a analisar sua nova amizade com Gina Weasley. Por que será que os dois de repente ficaram tão amigos? Desde que voltara a Hogwarts, Harry podia lembrar-se de várias vezes em que ele e Gina estavam juntos, mas eram raras as lembranças dele somente com a Hermione e o Rony. O trio, que era inseparável e exclusivo, de repente fora fragmentado. Ora separavam-se meninas para um lado, meninos para o outro, e na maioria das outras vezes, o Harry acabava isolado, encontrando a Gina. Talvez porque ela também se sentia isolada. Devia ser difícil mesmo, Harry pensou, ter que ficar no meio do irmão e da melhor amiga, quando eles, com certeza, tinham interesse um no outro. Além do que, ela era a única que freqüentava, com ele, os treinos de quadribol. Acabava por vê-la mais que os amigos em seu tempo livre. Durante o período de aulas sim, é que os três ficavam juntos, só eles. Mas aí, é claro, a conversa era mínima. Ninguém queria perder pontos por falar em sala de aula. Com a Gina era mais fácil conversar, porque ele não se sentia tão culpado de estar guardando segredos dela. Só agora, que ele passou a confiar alguns de seus segredos a ela. Já com o Rony e a Hermione, o sentimento de culpa por estar mantendo algo deles era enorme. Talvez um dia, os dois descobrissem a Ordem da Fênix, e aí ele poderia conversar com eles sobre isso. Pelo menos era o que Harry esperava.

 - É essa a caverna. – Harry disse apontando a entrada.

Gina parou de andar e olhou meio incerta para o chão, e de volta para o Harry.

 - Você não acha melhor eu esperar aqui? E se o seu padrinho ficar bravo que você trouxe alguém que ele não conhece...?

Harry olhou para a Gina que parecia genuinamente preocupada.

 - Gina... eu já falei de você pra ele. Ele sabe quem você é. Só não sabe que você sabe quem ele é. – Harry sorriu pensando que ele tinha que melhorar a sua eloqüência.

Gina sorriu de volta.

 - Então faz assim. Vai até lá, fala que eu tô aqui e, depois, se ele deixar, eu vou com você...

Harry riu e Gina parecia mais uma vez confusa.

 - Gina! Apesar de doze anos em Azkaban, meu padrinho não é nenhum monstro, não, viu? – Harry riu mais uma vez quando Gina tentou dizer que, provavelmente, não era isso que ela pensava. – Pra ser sincero, acho que ele vai ficar até feliz, de saber que mais alguém sabe que ele é inocente...

Gina parecia ceder um pouco, mas ainda estava incerta. Harry continuou:

 - Além do que, eu não vou deixar você ficar aqui sozinha. Sabe-se lá o que pode acontecer... você vai entrar comigo, quer queira, quer não. – Harry sorriu para mostrar que a ameaça não era tão severa assim, mesmo que ele estivesse falando muito sério.

Gina suspirou derrotada e, com um sorriso, concordou. Os dois, então, entraram na caverna para encontrar o famigerado Sirius Black.

 - Sirius? – Harry perguntou quando o corredor chegava ao fim, e luz podia ser vista. – Sirius?

O homem, que estava segurando sua varinha, deixou-a cair sem cerimônia, e arregalou seus olhos como se estivesse vendo um fantasma. Seu queixo estava caído, e ele nem respondera ao chamado de Harry.

Gina parecia aflita.  Meio trêmula, ela posicionou sua mão no braço do Harry. Ele olhou para ela, e percebeu que ela devia estar muito nervosa. O próprio Harry não estava entendendo o comportamento de seu padrinho.

 - Acho melhor eu ir... – Gina sussurrou, com a voz como a de alguém que está prestes a chorar.

Harry olhou para ela, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, seu padrinho interferiu:

 - Não! Não vai! Fica...

Harry e Gina olharam para o Sirius, que parecia estar se recuperando da "transe" que entrara há pouco. Harry estava muito curioso para saber o que instigara aquele comportamento em seu padrinho.

 - Desculpa pela minha reação... Você é a Gina, não é? O Aluado me falou que você... bom, deixa pra lá! Você só me pegou de surpresa...

Sirius esticou sua mão para um cumprimento e Gina, ainda um pouco abalada, apertou a mão dele.

 - Sou.

Harry olhou curioso para o seu padrinho, e o homem mais velho voltou-se para ele. Para ser sincero, Harry não estava nem um pouco feliz com aquela situação, e queria explicação.

 - O que que o Professor Lupin te falou? – Harry perguntou desconfiado.

 - Oi pra você também, Harry... – Sirius sorriu, mas seu afilhado não fez o mesmo.

Sirius suspirou e baixou os ombros. Respirando fundo, ele olhou para a Gina e mais uma vez para o seu afilhado.

 - Tudo bem, Harry. Não sei se você vai gostar muito, mas eu vou ser sincero com você.

Sirius agora estava sério, e Harry balançou a cabeça confirmando que seu padrinho podia continuar.

 - O Aluado... quer dizer, o Lupin... – Sirius voltou-se para a Gina explicando o apelido. – já me falou de você.

Gina ergueu as sobrancelhas confusa, e Harry interferiu.

 - Tá... mas isso não explica por que você tava com cara de quem viu um fantasma quando a gente chegou. – Harry disse.

 - Porque de certa forma eu vi. – Sirius sussurrou abaixando a cabeça.

Gina olhou para Harry, e o menino deu com os ombros. Continuava não entendendo. Mas antes que pudesse perguntar qualquer coisa, seu padrinho continuou.

 - Você já me deixou claro uma vez que não é o seu pai, mas você continua parecido com ele, querendo ou não. E quando eu vi você entrar, e a Gina do seu lado... – Sirius deu uma pausa e voltou-se para a menina. – O Remo estava certo... Você é tão parecida com a Lílian...

Ninguém mais disse nada por alguns instantes. O silêncio era total e, naquela instante, Harry entendeu o porquê de seu padrinho agir tão estranhamente quando ele e a Gina entraram. Harry olhou para ela, mas Gina continuava a olhar para Sirius, que ainda parecia abalado.

 - Foi como se eu tivesse vendo o Tiago e a Lílian juntos mais uma vez. Por um instante eu até--

Sirius não terminou o que ia dizer. Uma única lágrima escorreu de seu olho, e Harry concluiu que seu padrinho ainda devia se sentir muito culpado pela morte dos seus pais, e provavelmente se sentiria assim pelo resto de sua vida.

Gina deve ter ficado muito sentida com a demonstração de afeto que Sirius teve para com os seus pais, porque pouco depois que ele abaixou a cabeça, a menina deu um passo à frente e o abraçou como se ele fosse um de seus irmãos. Como se ela tivesse o conhecido toda a sua vida.

Harry sorriu ao ver a cena. Seu padrinho retribuía o abraço porque, provavelmente, precisava de conforto, mas Harry não era bom com esse tipo de situação. Gina, obviamente, era melhor nisso do que ele. Depois de algum tempo, os dois se separaram, e com um baixinho "obrigado", Sirius sentou-se em uma das pedras maiores.

 - Chega disso. – Sirius tentou mudar de assunto, e Harry sorriu para o padrinho. – Eu vim aqui saber de você. Conte-me Harry, como andam as coisas?

Em pouco instantes, o momento de desconforto fora esquecido, e os três tiveram uma longa conversa prazerosa sobre vários assuntos, mas principalmente sobre quadribol, e o time da Grifinória. A conversa estendeu-se até que Sirius olhou no relógio e alarmado disse:

 - Nossa! Olha a hora! Acho melhor vocês irem. Não vai ser muito agradável receber uma detenção da McGonagall por chegar depois do horário marcado.

Harry concordou e sorriu, pensando que Sirius estava provavelmente falando por experiência própria.

 - Vamos, lá. Eu vou com vocês.

Em poucos segundos, Sirius transformou-se no enorme cachorro preto que dera tantos sustos no Harry em seu terceiro ano, quando ele pensava que vira o Sinistro. Gina parecia maravilhada com a transformação, e seus olhos estavam arregalados. Sirius latiu, e começou a ir em direção à saída da caverna. Harry e Gina olharam um para o outro e seguiram o enorme cão negro.

Ao se aproximarem da estrada, Harry e Gina ficaram muito confusos. Sirius parecia muito agitado, e cheirava o chão desesperadamente.

 - Sirius! Que que cê tá fazendo? – Harry sussurrou para que ninguém ouvisse caso tivesse alguém por perto.

O cachorro parou o que fazia e, em alguns instantes, voltou à forma humana.

 - Sirius! Você tá louco? E se alguém te vir assim? – Harry disse em um sussurro desesperado.

 - Não tem tempo pra isso, Harry. Escuta! – Sirius parecia muito perturbado, e estava começando a deixar tanto o Harry quanto a Gina nervosos. – Tá tendo um ataque em Hogsmeade. Eu ouvi os gritos e os comentários enquanto eu tava transformado.

Harry e Gina entreolharam-se, extremamente assustados.

 - A gente tem que ir então! – Harry disse, pronto para sair em disparada em direção a Hogsmeade. Se o vilarejo estava sendo atacado, ele tinha que ajudar!

 - Não, Harry! Preste atenção! Eu quero que você e a Gina voltem para Hogwarts e avisem o Dumbledore--

 - Mas Sirius... eu tenho que ajudar. E se-- – Harry interrompeu, mas Sirius continuou.

 - Não, Harry! Você tem uma obrigação agora! – Sirius olhou sério nos olhos do Harry, e na hora ele entendeu que seu padrinho quis dizer a Ordem da Fênix. – Faz o que eu tô falando! Volta pra Hogwarts, e chama o Dumbledore. Os dois. Rápido!

Com isso, Sirius transformou-se mais uma vez no enorme cachorro negro, e correu em direção ao vilarejo. Gina olhou confusa para o Harry.

 - O que que ele quis dizer com "você tem uma obrigação agora"?

Harry respirou fundo e pegou a mão da menina.

 - Agora não, Gina. A gente precisa ir chamar o Dumbledore. Vamos!

Os dois correram em direção ao castelo o mais rápido que puderam. Harry sentia-se um covarde por correr na direção contrária da briga. E se algum de seus colegas estivessem lá? E se alguém se machucasse, e a única coisa que ele fizera foi correr para chamar o Diretor?

Em tempo recorde, Harry chegara à porta que o gárgula guardava, e bateu com força nela. Assim que a porta se abriu, Harry brevemente relatou o que estava acontecendo e Dumbledore, sério e aparentando todos os anos que devia ter, disse a ele:

 - Eu quero que vocês dois fiquem aqui! Nada de bancar o herói, entendeu, Harry?

Com o consentimento que só a Gina dera, o Diretor saiu de sua sala para fazer algo que Harry só ficaria sabendo mais tarde. Se ficasse sabendo, Harry pensou chateado. Gina foi em direção à janela, e Harry a seguiu. A menina levou a mão à boca, atônita com o que vira. Harry começava a sentir-se pior. No céu, acima do vilarejo, estava a Marca Negra, poderosa e majestosa.

Não havia como negar agora. Qualquer um que ainda estivesse tentando se convencer de que não haveria uma guerra, provavelmente perdera todas as suas esperanças naquele instante.

 - Droga! – Harry disse nervoso e batendo o punho fechado na parede. – Alguém pode ter morrido, e eu aqui! Esperando e seguro!

Gina olhou severa para o Harry.

 - É assim que você pensa, Harry?

 - E o que mais você queria que eu pensasse? Alguém pode ter morrido, Gina. Morrido!

Harry estava começando a levantar o tom de voz, e Gina parecia ainda mais nervosa.

 - Exatamente! E se você tivesse ido pra lá, esse alguém poderia ter sido você! Você pode não se importar com isso, mas tem gente que se preocupa com você, Harry! Tem gente que não quer que você morra! Desculpe-nos por nos importar, Harry...

Sua voz tinha um tom sarcástico, mas Harry sabia que ela estava falando sério.

 - Desculpa, Gina... é que eu me sinto um covarde, pra ser sincero. Tem gente lutando lá fora, e eu aqui... sem poder fazer nada...

Harry abaixou a cabeça, e sentou-se na cadeira mais próxima dele. Gina aproximou-se dele e ajoelhou na sua frente.

 - Você não é covarde, Harry. Olha pra mim. – Harry levantou sua cabeça e encontrou os olhos castanhos de Gina mais sérios do que ele lembrava ver. – Você fez a coisa certa! Você veio avisar o maior mago de todos os tempos. Se alguém pode fazer alguma coisa é ele! Nem sempre o que a gente quer é a coisa certa!

Os dois ficaram em silêncio, olhando um para o outro por alguns instantes, até que o momento foi interrompido por Rony e Hermione que entraram correndo na sala.

 - Ainda bem que vocês estão bem! – Hermione correu em direção aos dois e os abraçou.

 - Como é que você sabia que a gente tava aqui? – Gina perguntou, e Harry ficou curioso também. Rony foi quem respondeu.

 - Alguém viu a Marca Negra pela janela da Sala Comunal, e quando a gente percebeu que ela tava em cima de Hogsmeade, eu e a Mione fomos correndo atrás do Mapa do Maroto pra ver se vocês já tinham voltado.

Hermione balançou a cabeça confirmando e, suspirando aliviada, ela continuou:

 - Vocês não imaginam o nosso alívio quando a gente viu dois pontinhos correndo pra cá...

Hermione sorriu, e Gina sorriu de volta. Rony parecia preocupado e foi em direção à janela.

 - O que será que vai acontecer agora? – Ele disse, olhando para a Marca Negra no céu.

Harry olhou para os seus amigos e suspirou derrotado. Boa pergunta. O que será que vai acontecer agora?

Continua no Capítulo Dezessete...