Capítulo Dezenove
NA SALA COMUNAL
- Nagini, ela estava lá! E o que é pior... eu senti duas presenças mágicas fortíssimas, e isso quer dizer... – Voldemort levantou-se de sua cadeira e, exasperado, andou de um lado para outro.
- Que a outra também estava lá? – Nagini sugeriu com um longo sibilo.
Voldemort parou na mesma hora e olhou sério e pensativo para sua única amiga.
- Aquela velha ainda está viva! – Voldemort explodiu em raiva, deixando escapar, sem perceber, algumas faíscas de sua varinha. – O Dumbledore deve tê-la acobertado por todo esse tempo! E agora... agora essa feiticeira velha está muito próxima do meu alvo!
Voldemort apontou sua varinha para a porta, que em alguns segundos, explodiu em uma ofuscante luz vermelha. A raiva de Voldemort podia ser sentida no próprio ar que o rodeava.
- O tolo do Grindelwald pode não ter conseguido matá-la, mas comigo vai ser diferente! Eu vou matá-la. Pessoalmente, se for o caso! Ela não pode nem chegar perto da nova feiticeira! Eu não vou deixar uma fedelha me vencer...
Voldemort aproximou-se da lareira que estava acesa e seus olhos, que já eram naturalmente vermelhos, ficaram ainda mais rubros com a luz do fogo. Era como se seus próprios olhos estivessem queimando, e o ódio era o seu combustível.
- Já fui humilhado uma vez por um bebê... mas nunca mais! – Voldemort bateu seu punho fortemente contra a parede. – Eu vou matar aquela velha e depois a feiticeira da profecia. Nem que para isso eu tenha que matar todas as meninas daquela escola... eu vou fazer o que for e, dessa vez... dessa vez eu vou vencer!
Harry acordou assustado em seu dormitório na Torre da Grifinória. Mais uma vez, Voldemort se excedera com seus sentimentos e transmitiu o que sentia para o Harry. Só que, dessa vez, o Lord das Trevas ameaçou a Sra. Figg, alguém que se tornou querida para o Harry, apesar de no começo, ter sido só uma babá. Voldemort ameaçou matar a Sra. Figg, Harry pensou mais uma vez enquanto levantava-se de sua cama. Iria direto para a Sala Comunal, esse era um pesadelo que ele não precisaria escrever: tinha certeza de que não se esqueceria dele por um bom tempo.
Descendo as escadas, Harry pôs-se em frente à lareira e, olhando para ela, mais uma vez lembrou de seu sonho. Ainda bem que carregava sua varinha sempre consigo. Erguendo o braço, Harry apontou a varinha para a lareira e disse:
- Incendio!
Já era tão tarde – ou cedo, dependendo do ponto de vista – que a lareira que fora acesa na noite anterior, já tinha se apagado. E com a aproximação do mês de Novembro, a Sala Comunal estava cada vez mais fria.
Harry sentou-se em frente ao fogo e olhou em seu relógio que horas eram. Cinco e quinze, Harry pensou cansado. Nem adiantaria voltar a dormir, tendo em vista que em pouco tempo, seria a hora de tomar café da manhã. Ele deve ter ficado ali, parado, olhando para o fogo, por mais ou menos uns quinze minutos. Sua mente estava completamente vazia. Era incrível como que com tudo que ele descobrira nos últimos dias, ele conseguiu se desligar de tal maneira. Todo aquele tempo que permaneceu sentado, Harry não disse, nem pensou em nada. Simplesmente ficou sentado, esperando que as horas passassem, para que seu dia começasse.
Harry ouviu passos nas escadas e olhou em seu relógio mais uma vez. Ainda era muito cedo para que alguém estivesse descendo. Virando-se para ver quem era, Harry encontrou Gina Weasley de cabeça baixa e andando em passos demorados.
- Nossa! Um milagre! Ginevra Weasley acordou cedo!
O sorriso de Harry sumiu na mesma hora que a menina ergueu a cabeça e olhou para ele. Ela estava pálida e parecia muito assustada.
- O que foi, Gi?
Foi como se ela nem tivesse ouvido a sua pergunta. Gina simplesmente abaixou a cabeça mais uma vez, murmurando "pensei que já tivesse ido...".
- Gina? O que que tá acontecendo?
Gina engoliu seco e continuou o seu caminho, só que dessa vez de encontro ao Harry. Sentando-se também em frente à lareira, Gina permaneceu em silêncio por alguns instantes, até que respirou fundo e perguntou:
- Você teve um pesadelo com o Tom, não foi?
Harry franziu as sobrancelhas. Tom? Puxando pela memória, Harry lembrou-se que foi assim que Gina conheceu Voldemort: Tom Riddle. Talvez ela também tivesse medo de dizer o nome, e resolveu chamá-lo de Tom. Só que isso ainda não respondia como ela adivinhou o motivo de ele estar ali.
- Como você sabe? – Harry perguntou demasiado curioso.
Gina ficou levemente corada, mas não se deixou abater.
- Eu sei porque... porque eu tive o mesmo pesadelo. – Suas últimas palavras não passaram de suaves sussurros.
- Quê? – Harry perguntou confuso.
Como assim, Gina tinha tido o mesmo pesadelo? Esses sonhos eram algo que ele tinha por causa de sua cicatriz, que o ligava ao Voldemort, mas a Gina... a Gina nada tinha a ver com isso.
- Na verdade, eu tenho tido esse tipo de pesadelo sempre que você tem. – Gina ergueu a cabeça e olhou fixamente nos olhos ainda mais confusos de Harry. – Desde que... desde que você me salvou.
Harry não dissera nada, mas a sua expressão devia perguntar muita coisa, porque na mesma hora, Gina começou a explicar melhor.
- A primeira vez que eu tive um pesadelo com o Tom, eu achei que fosse só isso: mais um pesadelo. Eu estava em casa ainda, e ninguém ficou sabendo. Só que com o tempo, eu fui tendo esses sonhos com mais freqüência e eles foram se confirmando... – Gina respirou fundo e continuou. – Foi aí que eu resolvi procurar o Dumbledore. Eu expliquei pra ele que eu não estava entendendo nada, e ele disse que não podia ter certeza, mas que a teoria mais plausível, é que eu estava tendo esses sonhos porque você salvou minha vida, criando um vínculo...
- É, mas eu também salvei a vida do Rabicho, – Harry interrompeu a amiga. – e ele não deve ter esse tipo de sonho, senão o Voldemort saberia desses pesadelos...
Gina suspirou cansada e focalizou, mais uma vez, seus olhos castanhos nos verdes de Harry.
- Nem o Dumbledore soube explicar direito... – Gina deu com os ombros. – Ele disse que talvez eu também tenha esses pesadelos porque eu e você somos os únicos que sobreviveram a um encontro direto com o Voldemort.
Harry balançou sua cabeça em um sinal afirmativo de compreensão. Fazia mais sentido mesmo, Harry pensou, ainda muito confuso.
- Mas por que você nunca me disse nada antes?
Gina abaixou a cabeça e, como que envergonhada consigo mesma, não pôde levantá-la até terminar de falar.
- Não sei direito... eu tive medo que você fosse ficar bravo... eu tive medo que a minha família fosse ficar preocupada... mais ainda: eu tive medo quando o Tom voltou. Eu não queria relembrar o que eu passei com ele. Eu pensei que se talvez eu ignorasse, os pesadelos pudessem ir embora. Mas eles não foram...
Gina começou a chorar baixinho e Harry ficou genuinamente emocionado com o que ela tinha dito. Lembrando o que ele próprio tinha passado com o Voldemort, por vezes, Harry esquecia que mais alguém também tinha lembranças terríveis. Só que com ele, a Hermione e o Rony o ajudavam em momentos difíceis. Quão pior deve ter sido para a Gina, que além de ter passado por tudo aquilo sozinha, ainda não pôde contar nada para ninguém depois do ocorrido e desabafar?
A menina sacudia os ombros enquanto chorava e Harry não sabia o que fazer. Instintivamente, ele a trouxe para perto de si e a posicionou no círculo de seus braços. Ele não sabia mesmo o que fazer, mas parece que ter abraçado a amiga foi a coisa certa, porque em pouco tempo, ela enxugou os olhos e endireitou-se, sentando mais uma vez a uma certa distância dele.
- Desculpa, Harry...
- Desculpa, por quê?
Harry perguntou suavemente, ainda com medo que a menina chorasse mais uma vez. Por algum motivo o qual ele não conseguia explicar, ver a Gina daquele jeito, tão chateada e triste, sensibilizou Harry de tal maneira, que tudo o que ele queria naquele momento, era ver mais uma vez o sorriso contagiante que a Gina tinha.
- Desculpa por ter chorado assim. Você deve me achar uma chorona e ainda covarde agora, né?! – Gina respondeu e perguntou tão baixinho, que se Harry não estivesse tão perto dela, não teria entendido o que ela tinha dito.
- Eu nunca consideraria você uma pessoa covarde... – Harry disse, olhando sério para Gina. – Você passou um ano inteiro em contato com o Voldemort e tinha apenas onze anos. Você até tentou se livrar daquele diário... eu é que fui estúpido de recuperá-lo. Se eu não tivesse o feito, talvez você não tivesse que enfrentar o Voldemort sozinha. Eu é que peço desculpas... agora até esses malditos pesadelos você tem por minha culpa...
Harry se sentia tão mal, que a única vez em que conseguia lembrar-se de ter se sentido assim, foi quando o Cedrico morreu. Mais alguém agora sofria e tudo por sua culpa. Isso tudo era tão injusto... Por que logo ele? Será que o Voldemort não podia esquecê-lo e escolher outra pessoa? Ele estava sinceramente de saco cheio! Dane-se que ele era descendente de Godric Gryffindor... Ele não tinha pedido para nascer quem era!
- Não, Harry! Isso tudo é culpa do Tom, não sua!
Gina balançava a cabeça em um sinal negativo, enfatizando o que dizia. Delicadamente, ela pegou a mão do Harry na sua, para chamar a atenção dele.
- Em você, Tom Riddle deixou uma marca externa: a sua cicatriz. Em mim... em mim, a marca foi aqui. – Gina disse enquanto posicionava sua outra mão em seu peito, na direção de seu coração. – Eu nunca vou conseguir esquecer o que ele fez comigo, assim como você nunca vai conseguir se livrar dessa cicatriz...
Gina esticou a mão que tinha posicionado em seu peito, para afastar a franja do Harry de sua testa, e contornar suavemente com a ponta dos dedos, a cicatriz em forma de raio. O contato dos dedos em sua cicatriz fez Harry sentir-se mais calmo e, sem motivo aparente, era como se a Gina tivesse feito a dor remanescente do pesadelo passar pelo simples toque de sua mão. Gina sorriu de leve e, meio trêmula, re-posicionou sua mão em seu colo.
- Tem mais uma coisa que você não sabe. Ninguém sabe... bom talvez o Gui, e agora o Rony-
Harry sorriu. Ela estava desviando do assunto porque com certeza estava nervosa.
- Gina?
A menina ficou corada e, respirando fundo, recomeçou o que iria dizer.
- Você lembra que nessas férias o Gui ficou bravo comigo? – Harry confirmou com um movimento de sua cabeça. – E que há um mês mais ou menos o Rony ficou bravo comigo porque eu tive um pesadelo?
Harry lembrava-se sim dessas duas circunstâncias e, apesar de não ter entendido bem o que tinha acontecido, naquele momento, ele resolveu deixar passar. Agora que Gina tinha mencionado, e que o assunto da conversa era pesadelos, Harry fez a conexão e percebeu que os dois fatos aconteceram logo depois de um pesadelo que ele próprio tivera.
- Foi o pesadelo que eu tive com o Rabicho quando eu tava na Toca, não foi? – Harry perguntou – Toda a família foi até o quarto do Rony, menos você e o Gui. Você também teve esse pesadelo, né?!
Gina balançou a cabeça confirmando e, respirando fundo, ela respondeu.
- Foi. O Gui tava dormindo no meu quarto e só ele percebeu quando eu acordei gritando. Todo o resto ouviu o seu grito. O Gui percebeu o que tinha acontecido e brigou comigo por eu não ter contado nada pra ninguém. Nem a minha mãe sabe desses pesadelos...
Agora Harry estava começando a entender... Ele bem achava que tinha mesmo ouvido um grito naquela noite. O Rony tinha dito que ele tinha imaginado, mas Harry tinha certeza que mais alguém gritara naquela noite. Então tinha sido a Gina? Isso explicava muita coisa...
- E além dos pesadelos com o Tom, – Gina continuou. – eu também tenho os mesmos pesadelos que você tem...
- Como assim? – Harry perguntou, franzindo as sobrancelhas.
- Durante essas férias, cada vez que você sonhava com o que aconteceu no fim da terceira prova do Torneio Tribruxo... eu também sonhava... – Gina respondeu com uma voz trêmula.
- Então... então, você sabe o que aconteceu com o Cedrico? – Harry perguntou alarmado.
Gina balançou a cabeça confirmando e Harry engoliu seco.
- Toda vez que você tem um pesadelo, eu tenho também... e como você sonhou várias vezes com o fim da terceira prova, então eu sei como o Tom voltou à vida, e... e como o Cedrico morreu.
Harry olhou pasmo para a Gina. Será que ela também achava que ele era o culpado pela morte do Cedrico Diggory? Será que ela pensava que ele era o culpado pela volta do Voldemort? Afinal de contas, foi o seu sangue que foi usado para que o Lord das Trevas voltasse a ter um corpo...
Sua culpa devia estar estampada em seu rosto, porque quando Harry deu por si, Gina tinha o abraçado e, mais uma vez com lágrimas no rosto, ela disse:
- Não é sua culpa, Harry! Eu sei que você pensa que sim, mas não é! É tudo culpa do Tom! Mais uma vez, ele estragou sua vida, mas a culpa não é sua!
Harry sentia-se estranhamente confortado por aquelas palavras de consolo. Era um alívio tão grande ouvir alguém dizer para ele que não era culpa sua. Era um alívio tão grande que algum de seus amigos soubesse exatamente pelo que ele tinha passado... Só de saber que a Gina acreditava que ele não era culpado, Harry já se sentia uns cinqüenta quilos mais leve.
Precisando daquele consolo, Harry também abraçou a amiga, e os dois ficaram envoltos naquele abraço por um bom tempo. Separaram-se sorrindo e com os olhos suspeitamente úmidos, mas ambos pareciam sentir-se bem melhor depois de terem revelado segredos que aparentemente os corroíam por dentro.
- Harry? Eu tenho uma pergunta pra te fazer...
Harry sorriu querendo dizer que ela seguisse em frente e perguntasse o que quisesse. Respirando fundo, Gina prosseguiu.
- Nesse último pesadelo, o Tom disse que mataria uma "feiticeira velha". Isso tem a ver com aquela profecia que você tava pesquisando outro dia, não tem?
Harry olhou para a Gina, incerto sobre o que podia dizer. Ela já tinha unido os pontos e sabia mais ou menos o que estava acontecendo. Será que ele tinha o direito de ficar em silêncio e fazer com a Gina o que ele odiava que fizessem com ele: manter segredo? Suspirando cansado, Harry mais uma vez, voltou-se para a amiga.
- Eu não sei o que eu posso ou não dizer pra você... Mas vamos fazer o seguinte: – Harry logo adicionou quando viu que Gina iria protestar o seu silêncio. – eu vou falar com o Dumbledore agora de manhã sobre esse sonho que eu tive. Vem comigo. E aí você pode perguntar pra ele...
Gina parecia não gostar muito da idéia, mas com um sorriso trêmulo, ela consentiu. Parecia ligeiramente nervosa de ter que enfrentar o Diretor, mas parecia obstinada também. Harry olhou para o relógio e percebeu que os dois ficaram ali conversando por um bom tempo. Não pretendia falar com o Dumbledore tão cedo, mas acreditava que ele já estivesse acordado. Talvez os dois pudessem arriscar.
- Vamos fazer assim: a gente sobe, põe uma capa qualquer por cima do pijama, e eu pego minha Capa de Invisibilidade. Eu tenho quase certeza que o Dumbledore já deve estar acordado... A gente vai até a sala dele agora e já se livra disso. O que você acha?
Gina balançou a cabeça consentindo e, respirando fundo, disse:
- É... é melhor ir agora mesmo, que assim a gente evita perguntas...
Gina disse olhando em volta, indicando que o horário era apropriado por todos estarem dormindo ainda. Harry entendeu e, com isso, cada um subiu suas escadas que levavam aos seus respectivos quartos.
Em pouco tempo, Harry tinha pegado sua Capa de Invisibilidade, o Mapa do Maroto – por garantia – e não pôde deixar para trás o medalhão que pertenceu a sua mãe. Desde que o Professor Lupin lhe dera, ele só o tirava para dormir. Satisfeito de que tinha pegado tudo e de que seus amigos continuavam dormindo, Harry desceu as escadas que levavam à Sala Comunal.
Em poucos instantes, Gina desceu também, fazendo o mínimo de barulho possível. Harry pegou o Mapa e, com a ponta da varinha encostada nele, disse:
- Juro solenemente não fazer nada de bom.
Gina aproximou-se dele e, olhando para o Mapa também, ambos perceberam que o pontinho legendado "A. Dumbledore" mexia-se de um lado para o outro em seus aposentos.
- Ótimo! Ele tá acordado. Vamos? – Gina sorriu em consentimento. – Malfeito feito.
Com isso, todos os desenhos e letras do Mapa se desfizeram, até que sumissem por completo. Passando a Capa de Invisibilidade por cima deles dois, ambos tiveram o maior cuidado para abrir a passagem que continha o quadro da Mulher Gorda. Não queriam acordá-la caso ela estivesse dormindo. Ainda em silêncio, e com o máximo de cuidado para evitar encontros com o zelador ou algum fantasma, os dois direcionaram-se à sala do Diretor para que, talvez, tivessem alguma perguntas respondidas.
Continua no Capítulo Vinte...
