Capítulo Vinte e Um

FEITICEIRAS

Nenhum dia de aula tinha demorado tanto quanto aquele. Harry estava demasiado inquieto e ansioso pela conversa que a Gina teria com a Sra. Figg pouco antes do jantar. Ela tinha almoçado com Harry, Rony e Hermione como de costume, e estava tão nervosa que até o irmão perguntou o que estava acontecendo. Harry logo interveio pela amiga, e disse que o nervosismo se dava ao fato de que a primeira partida de quadribol da Grifinória – que tinha sido a última casa a começar a jogar – tinha sido marcada, e que seria no primeiro sábado depois do Dia das Bruxas. Rony e Hermione pareceram satisfeitos com a desculpa, e Gina parecia imensamente grata.

Harry teve Defesa Contra as Artes das Trevas como última aula naquele dia e, quando o sinal finalmente tocou, encerrando o dia de aula, Harry ficou ainda mais ansioso. A qualquer momento, Gina conversaria com a Sra. Figg, e talvez seu destino fosse discutido e resolvido naquela conversa.

Harry olhou para a Professora, enquanto arrumava suas coisas e juntava seus livros. Ela estava calma, e Harry não entendia como ela conseguia. Ele próprio estava tão nervoso, e ele nada tinha a ver com aquilo. Se Gina era ou não a feiticeira, em tese, não importava para ele, porque a única coisa que importava era que a feiticeira fosse achada. Mas isso era o que pensava o seu lado "membro da Ordem da Fênix". O seu lado "amigo" estava sim, muito preocupado com Gina, e para ser sincero consigo mesmo, a amizade estava falando mais alto do que qualquer Organização naquele momento.

Harry se distraiu, perdido em seus pensamentos, e Hermione chamou sua atenção.

 - Vamos, Harry? Só tá a gente na sala...

Harry olhou para Rony e Hermione, e sorriu suas desculpas, sem graça pela distração. Os três caminharam até a porta e, pouco depois de saírem da sala, Gina vinha se aproximando ao fim do corredor.

 - Gina? O que houve? – Hermione perguntou preocupada quando a menina chegou até os três.

Gina estava ainda mais pálida do que de costume. Todos os Weasleys já tinham a pele bem clara naturalmente, mas naquele instante, Gina poderia ser confundida com um fantasma se ela fosse translúcida.

 - Tá tudo bem... – Gina forçou um sorriso. – Eu só preciso falar com o Harry. É rápido... ou talvez não... – Gina acrescentou como se estivesse falando para si mesma.

Rony e Hermione entreolharam-se, e depois ambos se voltaram para o Harry. Ele ainda não tinha tirado os olhos da Gina, mas quando sentiu que os dois amigos estavam esperando uma reação dele, Harry desviou o olhar preocupado da amiga. Rony e Hermione estavam olhando inquisitivos para ele, e tudo que Harry pôde fazer foi balançar os ombros.

Rony e Hermione entreolharam-se mais uma vez, e devem ter decidido que se a Gina queria falar com ele, então os dois nada tinham a ver com isso. Eles tinham feito muito disso ultimamente. Harry percebeu que Rony e Hermione podiam ter conversas um com o outro só de se olharem nos olhos. Harry, por vezes, até sentia que estava se intrometendo quando presenciava esses momentos. Os dois amigos faziam de tudo para que Harry não se sentisse "deixado de lado" por estarem namorando, mas mesmo assim, Harry constantemente via os dois de mãos dadas e roubando beijinhos quando achavam que o amigo não estava olhando. No começo, Harry se sentia incomodado com toda aquela demonstração pública de afeto, mas agora, ele já estava acostumado a ver os dois juntos. E para falar a verdade, ele até gostava de ver os dois juntos. Era como se um completasse o outro de certa forma. Rony passou a estudar mais, e Hermione passou a rir mais. Ela estava cheia de preocupações com suas funções de monitora, e muito apreensiva por causa dos N.O.M.s no final do ano letivo, mas ao invés de "quebrar" emocionalmente, – como aconteceu no seu terceiro ano – dessa vez, o Rony a fazia parar por vezes e os dois iam fazer passeios. E quando voltavam, Hermione era só sorrisos, e não havia um só traço de estresse em suas feições. Está certo que Harry sentia muito que o tempo que os três passavam juntos diminuiu por causa desses "passeios", mas ele ao mesmo tempo estava muito feliz pelos dois. Era exatamente desse relacionamento que o Rony e a Hermione estavam precisando, e só de ver os dois amigos tão mais felizes, Harry já se sentia bem. Mas apesar de aliviado por não ter que ouvir mais tantas brigas, Harry não podia evitar se sentir um tanto invejoso do que os amigos tinham. Rony estava sempre com um sorriso no rosto quando falava de Hermione, e Harry desejava ter alguém que ele também sorrisse quando mencionasse.

 - Bom, – Hermione interrompeu seus pensamentos. – então a gente se vê mais tarde.

Ela sorriu em encorajamento para a Gina e, entrelaçando os dedos com os de Rony, os dois deixaram os amigos para trás, direcionando-se à Torre da Grifinória.

 - Harry? – Gina chamou sua atenção quando Rony e Hermione já estavam longe o suficiente.

Harry sorriu para ela, e pegou na sua mão em um gesto de conforto. Sem nem dar tempo para ele pensar, Gina se atirou nos seus braços e o abraçou tão forte, que Harry ficou com medo que ela fosse quebrar alguma de suas costelas.

 - Eu tô morrendo de medo, Harry – Gina disse com a voz abafada pelo uniforme dele. – Eu não posso ser essa feiticeira de que você me falou... eu não sou nada de demais! Eu sou só a filha mais nova de Artur Weasley...

Harry abraçou a amiga de volta, e tentou ao máximo parecer calmo, pelo menos para a Gina. A verdade é que se ele já estava nervoso antes, agora então que Gina estava tendo essa "explosão", ele não tinha nem idéia do que fazer. A única coisa que ele queria, era que a Gina se acalmasse e voltasse a sorrir. Só isso já era suficiente para ele naquele momento.

 - Calma, Gi... – Harry disse, enquanto passava sua mão nos cabelos dela. – Não vamos sofrer por antecipação... Você entra, fala com a Sra. Figg, e--

Gina subitamente deixou o abraço de Harry e olhou atônita para ele.

 - Você não vai comigo??? – Harry não respondeu nada, e então Gina continuou. – Harry... eu não posso enfrentar tudo isso sozinha... eu já tô apavorada por ter que ter uma conversa definitiva com uma professora que eu mal conheço e, além disso, você vai me deixar sozinha???

Harry olhou para Gina que parecia tão perdida e pequena naquele instante, e isso só fez com que ele se sentisse ainda pior. Ele queria mesmo acompanhá-la, mas o Dumbledore tinha dito para ela durante o almoço que ela fosse conversar com a Sra. Figg. Ele não tinha dito nada sobre o Harry ir junto

 - Gina... – Harry começou com uma voz cansada e derrotada.

 - Por favor, Harry? Eu nunca mais te peço nada! Por favor?

Gina olhava para ele com olhos pedintes, e Harry viu-se incapaz de negar qualquer coisa para ela naquele instante. Era como se ela estivesse o segurando por alguma forma de feitiço, e tudo que ele pudesse fazer fosse olhar para ela e consentir com qualquer pedido que ela fizesse.

Harry sorriu e esticou a mão para a amiga, que suspirou aliviada. Ela olhou para a mão dele, e esticou sua própria entrelaçando seus dedos com os dele. Gina levantou sua cabeça e, olhando para ele, o desfez com um sorriso. Harry passou a acreditar – por experiência própria – que qualquer preocupação poderia ser vencida se fosse enfrentada com aquele sorriso.

 - Obrigada, Harry. Eu te adoro!

Gina disse aquilo da maneira mais sincera possível, e Harry sentiu seu sorriso aumentar por isso. Era um sentimento tão bom ouvir Gina dizer que o adorava, que Harry ficou se perguntando se aquele sorriso bobo não sairia nunca mais de seu rosto.

Os dois entraram na Sala – Gina pela primeira vez naquele dia – e se direcionaram à mesa da Sra. Figg. A Professora levantou os olhos de seus papéis ao ouvir seus passos, e ergueu as sobrancelhas quando viu duas ao invés de uma pessoa.

 - Harry?

A Professora provavelmente iria pedir para ficar a sós com a Gina, mas a menina interrompeu antes que ela pudesse dizer qualquer outra coisa.

 - Por favor, professora? Deixa o Harry ficar aqui também...

 - Gina... – A Professora Figg suspirou cansada. – Eu vou te fazer algumas perguntas que são um tanto pessoais... talvez fosse melhor o Harry ir, e vocês se encontrarem depois.

Gina apertou forte a mão do Harry, como se estivesse tirando força dele; como se a mera presença dele fosse necessária para que ela se mantivesse de queixo erguido e enfrentasse tudo aquilo numa boa. Harry apertou a mão dela de volta em um gesto de conforto.

 - Por favor? – Gina perguntou mais uma vez.

Arabella Figg olhou para os dois e abaixou os olhos para as sua mãos, que ainda estavam entrelaçadas. Com um sorriso e uma expressão de simpatia, Arabella consentiu, e indicou que os dois se sentassem.

 - A primeira coisa que eu vou lhe perguntar, Gina, – Arabella iniciou assim que os dois puxaram cadeiras para perto da mesa da professora e se sentaram. – é se você sentiu alguma mudança repentina no seu rendimento em Feitiços ou Aritmância, ou algo relacionado. Mas eu quero enfatizar o "repentino", e quando eu digo rendimento, eu quero dizer se houve melhoras...

Gina respirou fundo, e se preparou para a conversa que, com certeza, seria mais uma inquisição do que qualquer outra coisa.

 - Nesse ano. O ano passado eu fiquei na média nessas duas matérias, mas nesse... – Gina ergueu a cabeça e endireitou-se na sua cadeira. – Nesse ano eu melhorei muito nessas duas matérias. O Professor Flitwick até me elogiou pessoalmente, e disse que eu tenho muito potencial, mas eu não consigo explicar como... nada de diferente aconteceu entre o ano passado e esse...

 - Você tem certeza? – Arabella perguntou subitamente, e explicou melhor quando viu a expressão de confusão no rosto da Gina. – Você tem certeza que nada de diferente aconteceu do ano passado para cá?

Gina deu com os ombros e balançou a cabeça em um sinal positivo. A Sra. Figg suspirou mais uma vez e, séria, ela olhou diretamente nos olhos da Gina. Suas pupilas dilataram visivelmente em seus olhos azuis, e Harry olhou aquela cena, no mínimo, curioso.

 - Você ainda está em rejeição. – Arabella disse com uma voz restrita. Respirou fundo, e seus olhos voltaram ao normal. – Se você quiser obter algum resultado dessa conversa, você vai ter que se abrir para mim, Gina. Se você for mesmo uma feiticeira, você vai se sentir muito melhor depois de tê-lo feito.

Gina balançou a cabeça consentindo, e tentou relaxar um pouco.

 - Você sabe que uma feiticeira só se revela depois da menarca, certo? – Arabella perguntou, mas tudo que ela recebeu foi sobrancelhas erguidas em confusão como resposta. – Depois da primeira menstruação, Gina...

Gina ficou visivelmente corada, mas Harry também não ficou para trás. Menarca, ele não sabia o que era, mas menstruação, ele sabia. Então era por isso que a Sra. Figg não o queria ali. Era esse tipo de pergunta que era "um tanto pessoal"?

 - Ah... – Gina ergueu a cabeça e deixou de lado a vergonha. – Então aconteceu sim algo de diferente do ano passado para esse.

Arabella Figg sorriu em compreensão, e parecia muito mais entusiasmada do que no começo da conversa.

 - Então talvez haja esperança. – a Professora sorriu. – Diga-me, Gina: o que você faria se um livro enfeitiçado estivesse te perseguindo?

Arabella Figg nem precisou erguer sua varinha. Ela simplesmente olhou para um livro da estante que ficava na parede oposta da mesa da professora e, em frações de segundos, o livro saiu voando em direção à Gina. Harry não teve nem tempo de achar a pergunta estranha, nem mesmo de se admirar pelo feitiço feito sem varinha. Quando estava pronto para se levantar, ou então abaixar para fugir do livro que vinha em alta velocidade, Gina ergueu sua própria varinha, e disse com firmeza:

 - Impeditus!

Na mesma hora, o livro caiu no chão, amassando sua folhas. Harry olhou surpreso e admirado para a Gina, que parecia tão surpresa quanto ele. Ela olhou para sua varinha e depois para o Harry com uma expressão bem parecida com a dele. Ambos voltaram-se para a Sra. Figg, que sorria abertamente, e seus olhos mostravam algo como aprovação.

 - Onde você aprendeu esse feitiço, Gina? – Ela perguntou com um tom de voz de alguém que já sabe a resposta, mas que pergunta mesmo assim.

 - E-eu não sei... – Gina olhou confusa para a professora e de volta para o Harry. Ele mais uma vez pegou a sua mão em um gesto de conforto, e ela sorriu fracamente em agradecimento. – Eu devo ter ouvido em algum lugar...

 - Esse é um feitiço específico para paralisação de objetos enfeitiçados e/ou amaldiçoados em movimento. É muito complicado, e só é ensinado no sexto ano. E pelo que sei, você ainda está no quarto...

Arabella sorria o tempo todo em que explicava o feitiço, e Harry olhava pasmo, mas imensamente maravilhado, para a Gina. Como ela conseguiu aquilo?

 - Gina? – A menina olhou ainda muito confusa para a professora que lhe chamava a atenção. – Eu quero que você relaxe, e que pense na lembrança mais querida que você tem.

Gina balançou a cabeça em consentimento e começou a respirar calma e pausadamente.

 - Harry? – Arabella o chamou quase que com um sussurro. – Eu preciso que você não interfira agora. Eu preciso da total concentração da Gina.

Harry também consentiu e ficou o mais silencioso possível. Delicadamente, soltou a mão da Gina, e se posicionou melhor em sua cadeira.

 - Gina? – Arabella continuou. – Esse agora é o último teste. Eu vou tentar chamar você. Minha aura vai tentar reconhecer a sua. Eu tenho quase certeza que é você a sétima feiticeira e, por isso, eu vou pular a longa conversa, e vou direto para o teste final. Mas para isso, eu preciso que você confie em mim...

Arabella olhou séria para ela e, mais uma vez, suas pupilas dilataram a ponto de deixarem a íris quase imperceptível.

 - Eu vou mostrar minha aura para você. – Arabella fez uma pausa, e então continuou. – Relaxe... Agora que você me reconhece, pense no seu sentimento mais forte, seja ele qual for... Mas tem que ser o mais forte, para que você consiga abrir a ligação pela primeira vez!

As feições da Gina se contorceram, e Harry percebeu com desgosto que o sentimento mais forte dela provavelmente não era tão bom, e que ela estava sofrendo por isso.

 - Isso mesmo... – Arabella disse com a voz falhando, e Harry notou que as feições dela igualavam-se a das Gina. Ela provavelmente estava sentindo tudo também. – AH!

Arabella Figg deu um grito e encerrou a concentração e a conexão. Ela levou suas mãos à cabeça, e sua expressão era de muita dor. Gina, por outro lado, estava apenas assustada pelo grito da professora: não parecia estar com dor, nem tão exausta quanto a Sra. Figg. Depois de alguns instantes em silêncio, ela disse com a voz falha e fraca:

 - É você, minha querida! Sua aura ainda é fraca, mas eu tenho certeza... é você sim! Uma feiticeira sempre reconhece a outra!

 - Você está bem, Sra. Figg? – Harry perguntou preocupado.

A velha feiticeira ergueu a cabeça mais uma vez, e olhou com um sorriso para o Harry.

 - Eu vou ficar bem, querido. A minha cabeça dói agora porque o sentimento mais forte da Gina é culpa, e a culpa dói muito... ela pesa e corrói... Mas a dor vai passar, e esse sentimento vai ser trabalhado, Gina. Conte com isso...

Gina engoliu seco, e pareceu não ter gostado muito dessa notícia, mas permaneceu em silêncio. A descoberta e constatação de que, afinal de contas, era ela mesmo a feiticeira, ainda devia estar sendo assimilada.

 - Eu não quero parecer rude, – Arabella quebrou o silêncio. – mas eu realmente preciso me deitar. Harry, leve Gina à próxima reunião. Ela deve fazer parte dos planejamentos agora. Conte tudo o que puder e souber a ela. Eu vou me deitar, mas a gente volta a conversar.

Arabella deixou todas as suas coisas na mesa do jeito que estavam, e se retirou de sua sala, com a mão ainda na cabeça.

 - Gina? – Harry chamou a atenção da amiga que olhava para o chão, perdida em seus próprios pensamentos.

 - E agora, Harry? – Gina ergueu a cabeça com os olhos cheios d'água. – O que vai acontecer agora? O que vai acontecer comigo? O Tom disse que queria matar a feiticeira... Ele quer me matar, Harry, e eu não sei se agüento mais um encontro com ele...

Uma única lágrima escapou dos olhos dela, e Harry não agüentou ver amiga naquele estado. Ele se sentia tão inútil por não poder fazer nada... tudo o que ele queria é que ela ficasse bem, mas pelo jeito, muitos perigos a esperavam pela frente, e ele pouco ou nada poderia fazer por ela. Harry esticou os braços e trouxe Gina para o seu colo em um apertado abraço. Gina agora chorava sem restrição no seu ombro, enquanto Harry acariciava seus cabelos, e dizia palavras de conforto.

 - Não fica assim, Gi... a gente vai achar um jeito! Eu vou achar um jeito! Prometo! Eu vou te proteger... você vai ver...

Harry beijou o alto da cabeça da amiga, e ela apertou ainda mais o abraço em agradecimento, e em procura de conforto.

 - Vai ficar tudo bem, Gi... você vai ver...

Continua no Capítulo Vinte e Dois...