Capítulo Vinte e Sete

MEMORIAE MUTARE

 - Eu sei que você não gosta que eu te peça isso, Harry, mas dessa vez você vai ter que me ouvir. – Dumbledore estava muito sério, e o seu usual brilho de alegria nos olhos já o tinha deixado desde o começo daquela reunião. – Você e a Gina não podem se meter no meio desse fogo cruzado de jeito nenhum, você está me entendendo, Harry?

Harry abaixou a cabeça, mas não disse nada. A última reunião da Ordem da Fênix antes do ataque a Mundungo Fletcher e Arabella Figg tinha terminado há pouco, e Dumbledore pedira uma palavrinha com o Harry em particular. Gina Weasley o esperava do lado de fora da Sala do Diretor, enquanto Harry ouvia o Dumbledore, sem gostar nem um pouco do que ele estava dizendo.

 - Vocês ainda não estão preparados para enfrentarem Voldemort pessoalmente. Até agora, você escapou de todas as vezes que o encontrou, até a Gina sobreviveu a uma experiência terrível. Mas ninguém garante que isso vá acontecer de novo, Harry. E a gente (todos os bruxos e bruxas) precisa de vocês dois. Vivos.

Harry continuou sem dizer nada, e Dumbledore suspirou tristemente. Harry sabia que o Diretor devia estar muito cansado, e que tudo que ele não precisava naquele momento era um adolescente de quinze anos cheio de opinião. Mas Harry não conseguia deixar de se sentir excluído. Ele não conseguia entender por que tinha de ser deixado de fora de algo de tamanha importância.

 - Harry... A Gina é sua amiga, certo? – Harry olhou para o Dumbledore e respondeu com apenas um movimento afirmativo de sua cabeça. – Ela deve estar querendo ir também. Se estivesse nas suas mãos dizer se ela poderia ir ou não, qual seria a sua resposta. Seja sincero, Harry.

Harry abaixou a cabeça e sussurrou:

 - Eu não quero que ela vá. É claro que eu não quero que os meus amigos se machuquem...

 - Então, Harry... você sabe os perigos que correria se fosse até Hogsmeade hoje. Se você não quer ficar aqui pela sua segurança, então fique pelo menos pela segurança da Gina e dos seus amigos... Você sabe bem que se você sair escondido, a Gina vai ficar sabendo, e vai atrás de você. Amigos são assim, Harry. – Dumbledore deu mais um suspiro cansado, e continuou. – Então, por favor, Harry... fique.

Harry balançou a cabeça em um sinal afirmativo, e Dumbledore respirou aliviado. O Diretor tinha usado do seu ponto fraco: seus amigos. Não havia nada que Harry não deixasse de fazer pelos seus amigos. E afinal de contas, o Dumbledore estava certo. Era terça-feira, dia de aula, é claro que a Hermione e o Rony notariam a ausência de Harry e desconfiariam que algo estava errado. Em pouco tempo, seus dois melhores amigos matariam aula também, e seguiriam Harry até algo potencialmente perigoso. E Harry nunca se perdoaria se um dos dois se machucasse e a culpa fosse sua. Era algo impensável até.

Harry silenciosamente deixou a sala do Diretor e encontrou Gina Weasley encostada na parede esperando por ele.

 - Por que essa cara? – Gina perguntou baixinho.

Harry apenas retirou a Capa de Invisibilidade do bolso e deu com os ombros.

 - O Dumbledore falou pra você ficar, não foi? – Gina disse sem hesitação nenhuma.

Harry levantou a cabeça e olhou fixo para a amiga. Abriu sua capa e trouxe Gina mais para perto para que os dois pudessem usar de sua proteção.

 - O que aconteceu com a Gina que nunca conseguia pensar direito de manhã cedo? São cinco e pouco, Gina, e você tá desperta desse jeito?

 - A Gina que podia se dar o luxo de acordar tarde teve que crescer, Harry.

Gina abaixou a cabeça e parecia muito ressentida. Agora Harry se sentia ainda pior consigo mesmo. Ele tinha conseguido magoar a amiga, e o dia mal começara.

 - Desculpa, Gina. – Harry continuou a conversa que não passava de sussurros para que ninguém os ouvisse. – Eu não devia ter dito isso. Você tá certa, Gi. O Dumbledore pediu pra eu ficar de fora de mais essa.

 - E você vai ficar. Não vai? – Gina perguntou um tanto desconfiada. – Por que se eu descobrir que você saiu escondido, Harry Potter, não vai ter ninguém que possa me segurar aqui. Eu saio na hora e vou te buscar lá em Hogsmeade.

Gina falava muito sério, mas ainda assim, Harry teve que sorrir. O Dumbledore estava certo mais uma vez: a Gina o seguiria se ele fosse a Hogsmeade. Harry passou o braço em volta dos ombros dela e, com uma risada baixinha, ele disse:

 - Não precisa se preocupar, Gi. Eu não vou a lugar algum.

Harry não retirou o braço do ombro da amiga, mas parece que ela não se importou muito, porque posicionou sua mão na cintura dele, e os dois permaneceram em silêncio até chegarem à Torre da Grifinória.

 - Onde você tava?

Harry e Gina tinham acabado de tirar a Capa, quando Rony fez sua pergunta, e se virou na poltrona que estava. Eles não tinham o visto, porque a poltrona era alta, e ficava de costas para o buraco de entrada. Mas ele, com certeza, ouvira o quadro abrir e passos adentrando a Sala Comunal. Rony arregalou os olhos por ver a irmã junto com o Harry, e Gina e Harry ficaram surpresos ao notar que foram descobertos.

 - O que que tá acontecendo? – Rony perguntou com um tom de voz exigente, olhando de um para o outro. – Eu acordei, vi sua cama vazia, e achei que você tinha tido um pesadelo ou coisa assim... Fiquei super preocupado, e aí você me chega de uma voltinha com a minha irmã?!

Harry olhava para o melhor amigo, mas não conseguia dizer nada. Não havia nada a dizer naquele instante. Ele e Gina tinham sido descobertos voltando para a Sala Comunal umas cinco horas da manhã. Qualquer coisa que ele dissesse soaria suspeito.

 - Anda, Harry! Eu te fiz uma pergunta. O quê que tá acontecendo?

 - Não é da sua conta, Rony! Que direito que você tem de interrogar o Harry desse jeito? – Gina disse, esquecendo-se completamente de manter o tom de voz baixo para não acordar ninguém.

 - Que direito eu tenho, Gina? – Rony voltou-se para a irmã, usando o mesmo tom de voz dela. – O fato de eu ser o melhor amigo dele te diz alguma coisa?

 - Diria... – Gina respondeu, chegando ao limite de sua paciência. – Diria, se você agisse como tal. Mas parece que nos últimos dias, sua melhor amiga é a Hermione, não é? É pra cima e pra baixo com ela o dia inteiro... O Harry tem todo o direito de não te falar nada se ele quiser!

 - Dá pra você dois pararem de falar de mim como se eu não estivesse aqui? Na frente de vocês?! – Harry perguntou com um tom de voz mais baixo para lembrar os dois de que eles estavam se exaltando.

Gina abaixou a cabeça, meio sem graça, mas Rony continuou de cabeça erguida.

 - Você quer participar da conversa, Harry? Então fala!

Harry respirou fundo e olhou fixo para o melhor amigo.

 - Eu sinto muito que você tenha se preocupado, Rony. Mas eu não--

 - Nem pensa em mentir, Harry! – Rony interrompeu o amigo com um tom de voz sério, mas contido. – Nem vem me dizer que vocês dois estão chegando a essa hora porque estão namorando. Nós três sabemos que isso é mentira! Ou vocês pensam que eu não percebo as várias vezes que vocês inventam desculpas quando voltam super preocupados ou chateados por alguma coisa? Se vocês estivessem juntos, voltariam felizes, e não com cara de enterro!

Harry e Gina entreolharam-se ainda mais surpresos. Agora é que não adiantava mentir mesmo! O Rony prestara atenção aos dois e sabia que algo importante estava acontecendo. Não tinha como sair dessa sem dizer a verdade, ou perder um amigo.

 - O que vocês acham que eu sou? – Rony perguntou depois de um prolongado silêncio. – Vocês acham que eu não ia perceber que tinha algo de errado com o meu melhor amigo e com minha irmã?!

Gina olhou para o irmão, e seus olhos se encheram d'água. Em uma fração de segundos, ela estava em seu abraço, e Rony, de tanta surpresa, em um momento de carinho, até esqueceu-se de permanecer bravo.

Harry olhou os dois irmãos abraçados, e um sentimento bom cresceu dentro dele, algo quente e acolhedor. Ele sabia que o Rony ainda pediria muita explicação, mas pelo menos naquele momento, Harry aproveitaria o raro momento de afeição que Rony estava tendo com relação à irmã, e entenderia aquilo como um bom presságio.

 - Desculpa, Rony... – A voz de Gina estava abafada pela roupa do irmão. – Desculpa, mas você vai ter que esquecer isso. Você desceu, e eu e o Harry já estávamos aqui.

Rony e Harry olharam confusos para ela, mas Gina continuava abraçada ao irmão.

 - Gina, eu não tô entendendo... O que você quer--

 - Eu e Harry já estávamos aqui. Memoriae mutare!

Gina saiu do abraço de Rony e forçou um sorriso para o irmão.

 - Bom, dia! Dormiu bem?

Rony cerrou as sobrancelhas e olhou da Gina para o Harry. Gina parecia bastante magoada, mas estava confiante. Já o Harry não estava se sentindo tão seguro assim. Será que Gina tinha conseguido alterar a memória do Rony?

 - Harry! Eu acordei e não te vi na cama, e achei que você tinha tido um pesadelo ou coisa assim... – Rony parecia meio incerto do que estava dizendo, mas continuou mesmo assim. – Tá tudo bem?

 - Tá, Rony... – Harry respondeu meio sem graça. – Só perdi o sono... foi isso. É... 

Harry forçou um sorriso, e Rony pareceu satisfeito com a resposta. Gina, por outro lado, respirou fundo, enxugou o olho e disse com não mais que um sussurro:

 - Eu não tô muito bem. Vou subir... daqui a pouco eu desço.

E sem nem esperar alguma reação, Gina subiu as escadas para o seu dormitório, enxugando os olhos ocasionalmente.

 - Eu não sei não, mas acho que ainda devo tá com muito sono... – Rony disse, balançando a cabeça de um lado para o outro.

Harry sorriu para o amigo e propôs uma partida de xadrez enquanto esperavam a hora do café da manhã. Sentindo-se um pouquinho melhor, Rony sorriu de volta e aceitou.

Já era hora do almoço, e até aquela hora, nem sinal da Gina. Hermione perguntou pela amiga, e Rony respondeu que a vira de manhã, mas foi só. Para ser sincero, Harry estava começando a ficar muito preocupado com amiga também. Mesmo Hogwarts sendo seguro, aquele não era dia para ficar perambulando sozinho. Ainda mais se fosse a Gina, que como Dumbledore dissera, era tão importante...

 - Eu acho que eu vou procurar por ela... – Hermione sugeriu, olhando para Rony e Harry do outro lado da mesa.

 - Não, pode deixar. – Harry disse juntando suas coisas e levantando-se da mesa. – Pode deixar, que eu falo com ela.

Harry deixou os dois amigos e foi atrás da Gina. Ele nem sabia por onde começar, mas ao ver Colin Creevey, achou que ele poderia ser um bom começo.

 - Colin, você sabe onde tá a Gina?

Colin ergueu a cabeça de seu prato de comida e olhou para o Harry um tanto preocupado.

 - Ela disse que não tava com muita fome e voltou pra Sala Comunal. – Colin abaixou a cabeça, mas logo a reergueu e perguntou curioso ao Harry: – Aconteceu alguma coisa, Harry? Ela tava tão chateada nas primeiras aulas de hoje... Tá tudo bem?

 - Eu não sei, mas é isso que eu vou descobrir. Você se importa? – Harry perguntou enquanto pegava um prato com dois sanduíches, que Colin provavelmente intencionara comer, mas ainda não tinha tido a oportunidade. – Obrigado, Colin!

Harry apertou o passo e voltou para a Sala Comunal da Grifinória. Assim que entrou, viu sua amiga encolhida em uma poltrona e olhando para a janela. Discretamente, Harry caminhou até ela e largou seu malão no chão. Gina, assustada, enxugou o olho e tirou sua atenção da janela.

 - Harry... oi...

Harry sentou-se no chão, de frente para ela, e por um momento não disse nada, apenas olhou preocupado para a amiga.

 - Por que você não veio tomar café nem almoçar? – Ele perguntou com um tom de voz suave e sem cobrança. – Não me diz que não tava com fome, porque comigo, isso não cola... – Harry disse com um sorriso.

Gina forçou um sorriso de volta e suspirou tristemente.

 - É o Rony, não é? – Harry perguntou suavemente.

Gina olhou para o Harry e balançou a cabeça em um sinal afirmativo.

 - Como é que eu vou conseguir olhar pra ele, Harry? Eu mudei a memória dele! E o pior é que eu só mudei o que tinha acontecido naquele instante. É o que eu consigo... Ele continua desconfiado, e vai ter uma hora que ele vai confrontar a gente de novo... E aí? – Gina olhou exasperada para Harry. – Eu não posso ficar apagando a memória dele cada vez que ele suspeitar de alguma coisa... Eu já tô me sentindo culpada de mais pra fazer disso uma rotina!

Harry balançou a cabeça de cima para baixo em compreensão, mas ficou em silêncio por um tempo.

 - Quando a hora chegar, a gente vê o que faz, Gina. Por enquanto... – Harry pegou a mão da amiga. – Por enquanto, a gente tenta esquecer e trata o Rony como se nada tivesse acontecido. Afinal de contas, pra ele não aconteceu nada mesmo... Eu sei que é difícil, ele é o seu irmão! Mas a gente vai ter que viver com isso. O melhor é esquecer também, e quando ele confrontar a gente de novo, aí a gente resolve o que vai fazer...

Harry sorriu para a amiga e pegou o prato que trouxe do Salão Principal.

 - Ó, – Harry ofereceu o prato à Gina – eu trouxe pra você. Nada de ficar sem comer em um dia como hoje! Vai que eles precisem da gente mais tarde... Eu sei que as chances disso acontecer são mínimas, mas mesmo assim você precisa estar preparada.

Gina aceitou o prato com um sorriso e o acomodou em seu colo. Antes de levar um sanduíche à boca, ela voltou-se para o Harry mais uma vez.

 - Como será que estão saindo as coisas em Hogsmeade?

 - Não sei... – Harry deu com os ombros. – E a gente só vai ficar sabendo quando o Dumbledore voltar... espero.

Harry não sabia ao certo se o "espero" havia sido para ficar sabendo o que aconteceu em Hogsmeade, ou se era para o Dumbledore voltar, mas ao fim, ele chegou à conclusão de que havia sido para os dois. Ele queria muito que todos voltassem bem e que nada de grave acontecesse, mas por algum motivo, ele tinha a impressão de que as coisas não seriam tão fáceis assim.

Continua no Capítulo Vinte e Oito...