Capítulo Trinta e Dois
MUITO TEMPO, POUCO CONTATO
Agora que Harry contava com compreensão e ajuda incondicional dos dois melhores amigos, era incrível como as coisas podiam ser vistas por um melhor ângulo. Tudo bem que ele não poderia esquecer tão facilmente de uma guerra e do Voldemort, – até as várias reuniões da Ordem da Fênix o serviam para lembrar-lhe disso – mas ainda assim, aqueles dois últimos meses do ano passavam numa boa para quem estava na proteção de Hogwarts. E esse era exatamente o caso de Harry. Todas as intromissões da Ordem da Fênix com relação a ataques de Comensais da Morte eram feitas por membros mais experientes e já acostumados a lidar com isso. Dumbledore sempre fazia questão de que Harry e Gina ficassem no castelo, onde o Diretor poderia ter certeza de que os dois estariam a salvo. Nem o Remo nem o Sirius saíam mais do castelo em missões. E apesar de Harry se sentir pajeado como se precisasse de uma babá, ele até que achava bom poder contar com a presença dos dois velhos amigos de seu pai.
Harry havia reatado todos os seus laços de amizade com Hermione e Rony e, como que antigamente, os três estavam mais inseparáveis do que nunca. A única coisa da qual Harry não estava gostando muito era o fato de que, se por um lado, a amizade dele com o Rony e a Hermione ficou mais forte, por outro lado, a dele com a Gina foi ficando mais fraca. Com a proximidade do feriado de Natal, os professores começaram a passar mais lição ainda, e isso fazia com que Harry passasse ainda mais horas na Sala Comunal ou na biblioteca junto com Rony e Hermione terminado as suas tarefas. E por conseqüência, Gina, que também tinha sua boa dose de tarefas, além dos treinos com Flitwick, acabava se "isolando" deles também. E por várias vezes, Harry já pegou a amiga dormindo por cima de seus livros na Sala Comunal, fazendo algo que ela absolutamente tinha que terminar. Em suma, as únicas vezes em que os dois realmente estavam juntos, eram em reuniões da Ordem da Fênix – em que nenhum dos dois tinha clima para bater papo – e nos treinos de quadribol – mas a Gina sempre era arrastada com pressa pelo Colin para terminar determinada lição que ele ou ela tinha prometido ajudar ao outro.
E para ser sincero consigo mesmo, Harry começava a sentir cada vez mais falta da amiga. Se não fossem pelas óbvias desastrosas conseqüências, Harry até desejaria ter tido algum pesadelo com o Voldemort, só para que ele descesse à Sala Comunal e encontrasse a amiga ruivinha o esperando com aqueles olhos castanhos assustados. No começo, – logo depois de ter contado tudo para Rony e Hermione – Harry estava tão maravilhado de ter os dois amigos de volta, que até propositalmente acabou se afastando da Gina. Mas agora, olhando para trás, ele se arrependia muito de ter deixado se levar por aquilo e ter dado atenção só ao Rony e à Hermione. Nem ele nem a Gina haviam feito nada de demais, e a separação havia sido completamente involuntária. E talvez por isso que doesse tanto pensar que, de certa forma, ele tinha "deixado" a amizade deles esfriar, e os dois se afastarem.
Foi com certo esforço que Harry tentou se alegrar e ter esperança de falar com a amiga durante o feriado das festas de final de ano. A falta que ela estava fazendo era um sentimento diferente dos quais Harry já sentira antes. Antes, ele começou a sentir falta do sarcasmo dela e das várias vezes que riu com ela. Depois, veio a falta do conforto que ela sempre transmitia quando estava com ele, dos abraços e dos consolos. Ainda mais quando ele via Rony e Hermione se abraçarem e se voltarem um para o outro quando eles recebiam alguma má notícia de algum ataque, ou de até alguma coisa com menos importância. Ele começou a lembrar-se das vezes em que ele e a Gina consolavam um ao outro pelas tantas más notícias que recebiam. E, ultimamente, a cena que não tem saído da cabeça dele de jeito nenhum era, inexplicavelmente, quando ele estava na enfermaria e havia recebido a notícia de que a Sra. Figg e seu irmão haviam morrido. Ele não conseguia parar de pensar na proximidade da Gina naquela noite, e o quanto ele não conseguia entender – até o atual dia – o que exatamente acontecera que fizera seu coração acelerar tanto, e seu fôlego sumir. E por várias noites durante aqueles quase dois meses de "afastamento" da Gina, era exatamente com aquela cena na enfermaria que ele sonhava. Nas manhãs mais frustrantes, ele acordava exatamente quando a Madame Pomfrey chegava. Já naquelas mais empolgadas, – mas também igualmente frustrantes – Harry fazia muito mais do olhar nos olhos da Gina. E era exatamente nessas manhãs, que ele compreendia melhor o que as pessoas queriam dizer com "hormônios da adolescência".
Além de muito confuso, Harry começou a ficar muito envergonhado. Toda vez que via a Gina, lembrava-se de algum desses sonhos, e ficava se perguntando como é que ele podia pensar em fazer aquilo com uma amiga, ainda mais se essa amiga fosse irmã do seu melhor amigo e que tinha mais cinco irmãos, todos mais velhos e mais fortes que o Harry. Mas não era só isso que o deixava confuso. Harry já havia achado várias outras meninas atraentes antes, mas com nenhuma delas, ele sentia falta de um simples sorriso ou então de simplesmente segurar a mão dela e entrelaçar seus dedos.
Quanto mais o Natal se aproximava, mais o Harry ficava inquieto. E sua aflição foi suficiente para que Hermione percebesse que algo estava errado. Na véspera de ela tomar o trem para passar o Natal em casa com os seus pais, Hermione puxou Harry consigo depois do almoço para que os dois tivessem uma conversa.
- O que tá acontecendo, Harry? – Hermione perguntou depois que os dois estavam devidamente sentados em um degrau de uma escadaria pouco usada.
Harry olhou confuso para a amiga e deu com os ombros.
- Você tem andado muito inquieto nos últimos dias. Eu não falei nada antes, porque achei que você fosse querer conversar com o Rony sobre isso. Mas como pelo jeito você não falou nada com ele... É algum problema, Harry? – Hermione perguntou com uma voz suave e um olhar preocupado.
- Você nem imagina o tamanho do meu problema... Tem mais ou menos um metro e sessenta, olhos castanhos, cabelo vermelho... Conhece?
- Harry, você nunca foi cínico. Não é agora que você vai começar, é?! – Hermione perguntou um pouco mais severa.
- Desculpa... – Harry apoiou a cabeça em suas mãos. – Você tá certa...
- Eu tô sempre certa... – Hermione disse com um sorriso. – Agora me diz: o que tem a Gina a ver com tudo isso?
- Eu sinto falta dela...
Hermione esperou, mas Harry não elaborou melhor seu pensamento. Simplesmente continuou olhando para o chão.
- É só isso? – Hermione perguntou incrédula. – Eu sei que os professores têm dado bastante tarefa, e agente tem andado ocupado, mas aposto que você vai ter tempo de falar com ela agora no feriado...
Harry continuou sem dizer nada, e Hermione respirou fundo antes de perguntar mais uma vez:
- Não é só isso, é?
Harry suspirou cansado, e Hermione pareceu entender que realmente havia muito mais por trás daquela história.
- Harry, você sempre foi fechado demais, e a gente sempre precisou "torcer" as informações de você... O que foi que você não me contou dessa vez? De vez em quando, falar da nossa vida pros outros faz bem...
Hermione posicionou a mão em seu braço, e Harry ergueu a cabeça para olhar para amiga.
- É... talvez você possa me ajudar...
Harry contou à Hermione sobre o que aconteceu, ou melhor, sobre o que quase aconteceu na enfermaria o melhor que pôde. Claro que sua clareza não foi lá das melhores, já que ele próprio ainda estava muito confuso. Mas parece que exatamente pelo fato de ele não conseguir contar direito o fato, é que Hermione entendeu o que se passava. Cada vez que ele gaguejava ou tentava melhorar suas palavras, o sorriso da Hermione aumentava, e Harry se sentia ainda mais envergonhado.
- E é isso... – Harry finalizou. – Faz quase dois meses que isso aconteceu, e até hoje eu ainda não entendendo direito o que aconteceu... ou que não aconteceu... ah! Sei lá!
Hermione olhou para o Harry e começou a rir. De todas as reações que ele esperava ou gostaria de receber da amiga, risadas da cara dele não era uma delas.
- Que bonitinho! – Hermione disse entre risadas. – Óóóóó... o Harry gosta da Gina e nem sabe! – Hermione acrescentou, desarrumando ainda mais o cabelo do Harry.
- Ah... qual é, Hermione?! – Harry perguntou se levantando e se afastando da amiga.
- Desculpa, Harry. – Hermione disse, controlando a risada. – Pode sentar, eu não vou mais te encher.
Harry desconfiado, e um tanto insultado, voltou a se sentar do lado da amiga.
- Você não vai falar nada? – Hermione perguntou depois de um prolongado silêncio.
- Pra quê? – Harry perguntou com uma voz dura. – Pra você tirar sarro?
- Tá, eu mereço essa... – Hermione concedeu. – Mas eu prometo que eu não vou mais tirar sarro.
Harry não respondeu nada, e Hermione mais uma vez voltou-se a ele:
- Você gosta da Gina, não é?
- Claro que gosto... ela é minha amiga!
A resposta de Harry não agradou muito à Hermione, que simplesmente ergueu uma única sobrancelha para ele em desconfiança. Harry, derrotado, abaixou a cabeça mais uma vez.
- Você sabe bem o que eu quero dizer, Harry. Deixa de ser cínico, porque não combina com você...
- Eu nunca gostei de ninguém antes, Mione... Como é que eu vou saber...
Hermione respirou fundo e, depois de uma certa pausa, disse:
- Bom, você é quem vai ter que descobrir e entender o que tá sentindo. Ninguém vai poder fazer isso por você. – Antes que Harry dissesse qualquer coisa em protesto, Hermione continuou. – Por que você não conversa com o Sirius? Ele é seu padrinho, é homem... Talvez vocês se entendam melhor... – Hermione sorriu suavemente. – Porque eu sei que sobre isso você não vai querer falar com o Rony...
Harry olhou agradecido para a amiga.
- Eu preciso ir que eu ainda tenho coisa para arrumar antes de ir pra casa. Você vai ficar, ou vem pra Torre da Grifinória?
- Não... eu vou dar uma volta... Mais tarde a gente ainda se vê.
Hermione sorriu para o amigo e desarrumou o cabelo do Harry mais uma vez enquanto se levantava. Harry realmente se incomodava com esse novo costume da amiga de bagunçar o seu cabelo. Como se o cabelo dele já não fosse bagunçado o suficiente para ela ter que piorar a situação... Respirando fundo, Harry levantou-se e resolveu dar uma volta pelo lago e aproveitar uma tarde sem aulas. Ele bem que precisava de um tempo sozinho para pensar no que a Hermione lhe dissera.
Chegando o mais perto possível do lago, – depois de acenar de longe para o amigo Hagrid que parecia um tanto atrapalhado com uma árvore gigantesca – Harry preferiu ficar em pé. Grande parte do lago estava congelada, e fora do castelo estava um frio de rachar a pele. Mas Harry não estava se importando tanto com isso. Para ser sincero, o vento gelado até que era bem-vindo para ele. Quem sabe assim ele conseguisse "esfriar" as idéias e enxergar melhor o que estava acontecendo. Hermione não hesitou nem por um segundo quando afirmou que Harry gostava de Gina, e agora que Harry podia repensar em tudo que acontecera, ele próprio começou a pensar da mesma maneira. Ele não tinha nenhuma base sólida para dizer realmente se ele gostava da Gina. Mas toda vez que ele pensa nela, tudo o que ele quer fazer é ser igual ao Rony e a Hermione, podendo abraçar a Gina em público, e sussurrar segredinhos ao seu ouvido, e rir de piadas que só os dois entendem. A verdade é que o único casal de sua idade que Harry conhece em que realmente as duas partes se gostam, é o Rony e a Hermione. E se o ciúme que o Harry sentia naquele momento do que os dois tinham eram algum indicador de que ele realmente queria o mesmo para ele e a Gina, então ele sinceramente poderia afirmar que a ruivinha realmente cativava sua afeição. Muito mais do que qualquer outra menina jamais o fizera.
Foi chegando à conclusão de que Hermione estava mesmo certa, que Harry começou a perceber o quanto ele era azarado. Gina tivera uma quedinha por ele, Harry, desde a primeira vez que o vira. Até o ano passado, apesar de o entusiasmo de Gina por ele ter diminuído consideravelmente, ainda assim parecia estar presente. E agora, parecia castigo para ele. Harry passara três anos sem dar atenção a ela, e exatamente agora que ele queria a sua atenção mais do que nunca, Gina era apenas a sua amiga, e em nenhum momento durante esse ano ela fizera algo embaraçoso que denunciasse que ela ainda tinha uma quedinha por ele. É bem feito, Harry pensou consigo mesmo. E pensando ainda mais além, Harry tentou adivinhar o que aconteceria se, afinal de contas, ela retribuísse o seu sentimento. Ele está certo de que ficaria extremamente feliz, mas o problema era o quanto duraria essa felicidade. Além dos óbvios problemas que os dois enfrentam e enfrentariam, ainda tinha uma família inteira, todos com cabelos destacadamente vermelhos, a quem responder. Se não bastasse a sua consciência pesando por pôr a Gina em perigo ao estar do seu lado, ele ainda teria 6 – seis – irmãos mais velhos a quem dar satisfações. Harry era mesmo azarado... Bom, pelo menos tem a vantagem de a gente ser britânico, Harry pensou ironicamente. Povo discreto e reservado, ou assim ele esperava.
- Harry, seu maior problema é que você pensa demais...
Harry virou-se abruptamente ao ouvir a voz suave e sorridente. Ele realmente esperava que aquele ditado "Não morre mais" fosse verdadeiro.
- Por que você diz isso? – Ele perguntou com um sorriso moldando seus lábios.
Gina deu com os ombros e sorriu secretamente. Mordendo o lábio inferior, ela abaixou e voltou o seu olhar para Harry.
- As coisas têm andado meio corridas, né?! – Gina abaixou a cabeça e corou levemente. Se ela realmente estava envergonhada, ou se era o vento gelado o responsável, Harry nunca saberia. – Senti sua falta...
Gina olhou para ele rapidamente, mas logo voltou sua atenção para o lago congelado. Harry não conseguia explicar por que, mas naquele instante, não havia frio que vencesse o calor que ele estava sentindo dentro de si. Era tão banal, mas saber que ela, Gina, sentira falta dele, Harry, assim como ele mesmo admitiu ter feito há pouco para a Hermione era tão... tão... Harry não sabia bem como expressar, mas ele sabia que era muito bom.
- Eu também... – Harry respondeu com um sorriso bobo no rosto.
Gina olhou para ele e fez menção de dizer algo, mas acabou desistindo.
- Por que você tá aqui sozinho, Harry? O Rony e a Mione te abandonaram pra se despedirem? – Ela perguntou, mudando de assunto, e Harry percebeu que foi propositalmente.
- Não... eu vim aqui pra pensar... – Harry franziu os olhos quando uma rajada de vento especialmente forte se aproximou deles.
- Então eu tava certa... – Gina comentou com um sorriso. – E pela sua cara, não era algo muito fácil de se lidar, era?
- Não... – Harry respondeu, balançando a cabeça de um lado para o outro. – Definitivamente, não. Mas o que você veio fazer aqui? – Harry perguntou, para evitar ter que elaborar o que ele estava pensando. Ou melhor, sobre quem.
- Eu vim dar um recado pro Hagrid sobre a árvore de Natal e te vi de longe... Resolvi te chatear um pouco... – Gina respondeu com um sorriso sem graça.
- Impossível... – Harry respondeu abaixando a cabeça. Chatear? Longe disso...
- Quê? – Gina perguntou confusa.
- Nada... – Harry respondeu, depois de respirar fundo. – Tá ficando muito frio. Acho melhor a gente entrar... Um chocolate quente iria bem... aceita?
Gina deu com os ombros e sorriu sinceramente.
- É uma boa idéia... – Ela respondeu, fechando melhor o casaco.
- Vamos?
Harry ofereceu sua mão, e Gina a aceitou. Mesmo com o volume das luvas, Harry precisou do conforto de entrelaçar seus dedos com o dela, e assim o fez. Seria como se nada tivesse acontecido, e os dois continuassem mais próximos do que nunca. Foi com muito prazer e alegria, que Harry percebeu quando Gina afetuosamente apertou a sua mão. Aproximando-se um pouco mais dela, Harry encostou seu ombro no dela e sorriu de leve. Talvez seu azar não fosse tão grande assim...
Continua no Capítulo Trinta e Três...
