Capítulo Trinta e Três
CONSCIÊNCIA LIMPA
- Anda! Acorda, Harry! Eu quero saber o que você ganhou... vai! – Rony estava sacudindo tanto o amigo, que Harry não tinha como não acordar. Era praticamente um terremoto particular.
- Me deixa, Rony! Tá muito cedo... – Harry respondeu, virando de costas para o amigo, se encolhendo e arrumando melhor as cobertas.
- Ah, não! Nada disso! – Rony disse, puxando as cobertas de cima do Harry.
- Ah, Rony! Por que a Hermione que vai embora e eu é que sofro?! Eu quero dormir...! Você fica muito chato sem a namorada por perto, sabia? – Harry perguntou, enquanto se sentava na cama.
- Rá. Rá. Rá. – Rony disse com a voz cheia de sarcasmo. – O azar é todo seu. Agora abre logo esses presentes, vai!
- Você vai me deixar pelo menos usar o banheiro primeiro? – Harry perguntou, levantando-se.
- Tá... Mas vais logo! – Rony acrescentou.
Balançando a cabeça de um lado para o outro, Harry se direcionou ao banheiro. Em pouco tempo estava de volta, e antes mesmo de chegar até os seus presentes, Gina Weasley entrou no dormitório também.
- Gina! O que cê tá fazendo aqui? – Rony perguntou escandalizado.
Gina voltou a atenção para o irmão e, com um sorriso e tom de voz exageradamente doce, respondeu:
- Feliz Natal pra você também, Rony! Bom dia, irmãozinho querido!
- Gina! – Rony continuava com o mesmo tom de voz. – Como é que você vai entrando assim? E se um de nós não estivesse... decente?
- Humph! – Gina ergueu uma única sobrancelha. – Contando com você, Rony, eu tenho seis irmãos mais velhos, e todos homens. Não tem nada que eu pudesse ver aqui, que eu não tenha visto antes... Além do que, são dez e meia! À essa hora, vocês dois com certeza já estariam acordados. E estão!
Rony abria e fechava a boca várias vezes como quem quisesse dizer algo, mas não conseguisse formar as palavras. Ele parecia estar mais que indignado, e Harry estava se controlando para não rir da expressão do amigo. Gina, por outro lado, estava triunfante por ter desfeito do irmão com tanta facilidade.
- Entra aí, Gina! – Harry voltou-se para a amiga sem poder conter um sorriso. – Eu tava pra abrir os presentes...
Gina sorriu de volta, e Harry foi obrigado a lembrar e sentir mais uma vez todos aqueles sentimentos conflitantes que o têm tanto perturbado. Era incrível como esses sentimentos tinham aumentado ainda mais desde que ele admitiu para si mesmo que afinal de contas Gina era mais que uma amiga para ele. Cada vez que ela estava por perto, Harry tinha extrema dificuldade de verter sua atenção dela para fazer qualquer outra coisa. Era como se ela tomasse conta dele... Ele é capaz de vencer a maldição Imperio, mas a Gina – sem nem perceber o que estava fazendo – o controlava com mais eficiência e garantia do que qualquer um dos Imperdoáveis. E com um sorriso, Harry admitiu para si mesmo que esse controle era um que ele não fazia tanta questão de vencer...
- Meu irmãozinho tem se comportado, Harry? – Gina perguntou enquanto caminhava na direção do Rony e sentava do lado dele. – Agora que a suserana Hermione não tá aqui pra pôr ele na linha, alguém tem que tomar conta dele...
- Não enche, Gina! Qual é?! Pegou o dia pra me tirar? – Rony perguntou chateado.
Harry riu de leve dos dois irmãos e respondeu à Gina:
- É... digamos que eu vou ficar muito grato quando a Hermione voltar...
Harry voltou a sua atenção para os seus presentes. Como todos os anos, um dos embrulhos era um agasalho com uma enorme letra "H" bordada no meio. A Sra. Weasley nunca falhava em mandar um para ele todos os anos. E como nos anteriores, a cor era verde.
- Mais um pra combinar com os seus olhos, Harry querido! – Rony falou, afinando a voz, em uma imitação não muito boa de sua mãe.
- Pelo menos é verde, e não cor-de-rosa! Não dá pra eu usar aquilo! Eu já tenho o cabelo vermelho, se eu usar rosa então...A mãe é um amor, mas zero pras escolhas de cor!
Rony riu concordando com a irmã. Ele odiava a cor do seu agasalho também, mas todos os anos ele o vestia e passava o dia de Natal assim. Harry voltou para os seus presentes mais uma vez e, aos poucos, a pilha de papéis foi aumentando. O Natal passou a ser um dos feriados favoritos de Harry. Enquanto ele morava com os Dursleys, ele simplesmente ficava em seu armário debaixo da escada, desejando que o dia acabasse logo. Agora, em Hogwarts, apesar dos poucos alunos que ficavam para o Natal, Harry sentia-se muito feliz ao estar na presença de pessoas como ele. Era maravilhoso entrar no Salão Principal todo decorado e deliciar-se com a ceia que os elfos domésticos preparavam. Isso era uma coisa que ele nunca falaria para a Hermione. Durante esse ano, ela não havia mencionado ainda o F.A.L.E., pelo menos não na sua frente. Mas Harry desconfiava que ela continuava com os seus planos secretamente e que, a qualquer dia, ela iria requisitar o apoio dele e do Rony mais uma vez. Bom, se ela não havia mencionado, Harry é que não seria o instigador dessa "febre".
O dia foi relativamente calmo, e Harry divertiu-se muito com a guerra de bolas de neve promovida depois do almoço. Harry propusera separar os gêmeos de times e, pela primeira vez, eles tiveram dois times equilibrados. Parecia que os gêmeos, se separados, não eram tão fortes assim... Harry ainda passou pela cozinha para desejar feliz Natal ao Dobby, e saiu de lá com mais um par de meias, que não combinavam, como presente. Agora, à tardinha, Harry estava pensando em algo que já há algum tempo o estava incomodando. Rony estava lendo uma carta da Hermione, e estava "desligado" para o resto do mundo, mas Gina, que estava lendo uma carta de Gui ao seu lado, percebeu a seriedade do amigo e interrompeu sua leitura.
- Algo errado, Harry? – Gina perguntou suavemente. Eles estavam na Sala Comunal, e havia alguns outros alunos presentes que estavam envolvidos em suas próprias conversas.
- Não... eu tô só pensando... – Harry respondeu sem olhar para a Gina.
- Olha pra mim, Harry. – Gina pediu, e Harry assim o fez. – Você tá preocupado, e eu já te falei antes: você pensa demais... de repente eu posso ajudar... – Gina sugeriu, ligeiramente incerta.
- Eu tava pensando no Dumbledore... – Harry começou.
Não era difícil falar de seus problemas com a Gina. Talvez porque ela, como ele, tinha vários segredos, e seu silêncio era primordial. Harry não sabia bem por que, mas havia algo na amizade dele com a Gina, que gerava uma facilidade enorme de ele falar com ela sobre qualquer coisa que o chateasse, assim como o alegrasse. Principalmente se o alegrasse. Ele adorava dividir notícias boas com ela, e vê-la sorrir alegrando-se também, junto com ele.
- E o que tem ele? – Gina perguntou, olhando à sua volta, para certificar-se de que ninguém estava prestando atenção à conversa.
- Ele tinha pedido pra não contar nada pra ninguém, e apesar de eu não me arrepender de ter contado tudo pro Rony e pra Hermione, ainda assim eu me sinto... sei lá, culpado! Eu nunca menti pra ele antes...
Gina pegou a mão do Harry e sorriu em uma tentativa de conforto. Ela se levantou, trazendo Harry consigo e, voltando-se para o irmão, ela disse:
- Rony... eu e o Harry vamos falar com o Professor Dumbledore. A gente já volta.
- Tá, tá! – Rony respondeu sem tirar os olhos de sua carta. Qualquer outra coisa viria em segundo plano para Rony, em se tratando da Hermione.
Gina sorriu levemente do irmão, e ela e o Harry pegaram seus casacos, – que haviam sido retirados quando eles voltaram da guerra de bolas de neve – e saíram da Torre da Grifinória. Enquanto caminhavam à Sala do Diretor, Harry começou a ter dúvidas sobre falar com o Dumbledore. Como será que o Diretor reagiria ao saber que ele, Harry, mentiu e quebrou uma promessa? Harry sabia que o melhor era mesmo conversar com o Dumbledore e pôr todas as cartas na mesa. Ser sincero, pelo menos agora. Mas mesmo sabendo que esse era o correto, ele ainda assim temia que o Dumbledore ficasse muito chateado com ele. Era difícil de explicar o carinho que Harry sentia pelo Diretor. Por várias vezes, Harry não concordou com as decisões do Dumbledore, mas ainda assim as respeitava, e sempre manteve o respeito para com ele.
Ao chegarem no gárgula que guardava a porta da sala do Diretor, Gina voltou-se para o Harry e, com uma voz suave, perguntou:
- Você quer ir sozinho, ou quer que eu vá com você? Eu também tenho coisas por que pedir desculpas, mas se você quiser falar com ele sozinho primeiro, eu vou entender completamente... – Gina abaixou a cabeça, e Harry teve a impressão de que ela estava tão incerta quanto ele.
Harry pensou bem na proposta da amiga. Seria bom ter Gina ao seu lado para uma conversa tão difícil, e ele provavelmente se sentiria um pouquinho melhor com o apoio de sua "cúmplice". Mas por outro lado, Harry queria enfrentar essa sozinho. Gina consentira em contar tudo para o Rony e para a Hermione, mas a idéia original era dele. E pelo menos dessa vez, Harry preferiria enfrentar seus receios sozinhos. E Gina provavelmente entendia o que ele sentia, e Harry era muito grato pelo que ela havia proposto.
- Eu prefiro ir sozinho. Você não se importa de esperar pra falar com ele?
- Não... Pode ir. Eu espero. – Gina respondeu, enquanto fechava melhor o casaco.
- Obrigado.
Harry bem que tentou resistir ao impulso. Sua vergonha e sua mente diziam não, mas seu coração necessitava do conforto da Gina e, quando ele deu por si, ele se viu abraçando a amiga e beijando o alto da sua cabeça. Gina, inicialmente, ficou tensa, mas em questão de segundos, sua tensão foi embora, e ela retribuiu o abraço, sussurrando: "boa sorte". Harry respirou fundo e se afastou da amiga para ir falar com o Diretor.
- Feliz Natal, Harry! O que te traz aqui nessa tarde? – Dumbledore recebeu o Harry e ofereceu-lhe que se sentasse com um gesto de sua mão.
- Feliz Natal pra você também... – Harry sentou-se na cadeira de frente para a mesa do Diretor. – Eu vim até aqui porque eu queria te dizer uma coisa...
- Então diga, Harry... – Dumbledore o encorajou com um sorriso.
- Você me pediu que eu não contasse pra ninguém sobre a Ordem da Fênix, e eu entendi os seus motivos... – Harry abaixou a cabeça, não conseguindo olhar diretamente para o Diretor. – Acontece que ainda assim eu contei... Eu falei da Ordem pro Rony e pra Hermione...
Harry continuou de cabeça baixa e, após alguns instantes de silêncio, Dumbledore perguntou:
- Você sabe que eles agora correm ainda mais perigo, não sabe? – Harry balançou a cabeça em um sinal positivo. – E você sabe que o que você fez não repercute só em mim, mas na Ordem toda? – Harry mais uma vez balançou a cabeça em um sinal positivo, sentindo-se cada vez pior. Dumbledore deu um suspiro cansado e prosseguiu. – E por que, ainda assim, você resolveu contar?
O tom de voz do Diretor não era acusatório, era calmo e especulativo. Mas para Harry, que se sentia um tanto culpado, o tom de voz do Diretor só o fazia sentir-se mais abalado ainda.
- Porque eu achei que seria certo eles saberem... – Harry tentou ser o mais honesto possível. – Eles estavam preocupados, e eu resolvi que eles mereciam saber a verdade.
Harry ousou olhar para o Diretor, que permanecera em silêncio depois de sua explicação. Ele não sabia o que esperar do Dumbledore, qual seria a sua reação, e o seu silêncio só piorava a espera. Harry começou a especular o que aconteceria: se o Diretor ficaria muito bravo, se ele sairia da Ordem da Fênix...
- Eu não estou bravo com você, Harry... – Dumbledore disse no mesmo tom de voz suave que usara até agora.
- Não está? – Harry perguntou, arriscando olhar Dumbledore nos olhos.
- Uma vez eu disse que nós teríamos que escolher entre o que é fácil e o que é certo. Eu ainda não sei se a sua decisão foi correta ou não. Mas o fato de você ousar desobedecer a uma ordem, pensar sobre isso, e tomar a sua própria decisão, já me diz que pelo menos fácil, ela não foi. – Dumbledore respirou fundo e olhou com carinho para o Harry. – Durante uma guerra, a gente cresce e envelhece muito mais rápido do que qualquer um gostaria. E tomar suas próprias decisões faz parte desse processo. Se você acha que o que você fez foi o correto, então eu fico feliz que você tenha se apegado a essa decisão e se mantido a ela. Isso prova que você também está tomando suas próprias decisões, e crescendo com isso.
Antes que Harry pudesse tentar dizer qualquer outra coisa, o Diretor continuou:
- Mas... acredito que você não esteja sozinho, e que mais alguém também se beneficiaria, e aliviaria a consciência, ao ouvir o que eu acabei de dizer. Estou correto em presumir que a Srta. Weasley está por perto?
Dumbledore sorriu com a expressão confusa de Harry. O menino logo se recompôs e perguntou:
- Como é que você sabe?
O sorriso do Dumbledore falhou por alguns instantes, e seu tom de voz ficou mais grave, mais triste.
- O passado nos assombra de várias maneiras, Harry... – Dumbledore mais uma vez respirou fundo, e forçou seu sorriso de volta ao rosto. – Vá chamar a Gina. A gente pode ter uma conversa rápida antes da ceia...
Com o coração e a consciência mais leves, Harry atendeu prontamente ao pedido do Diretor. Além do que, qualquer desculpa era suficiente para ter Gina ao seu lado...
Continua no Capítulo Trinta e Quatro...
