Capítulo Trinta e Sete

COMPREENDENDO COMENTÁRIOS

 - Gina? Hermione? Vocês ainda tão aqui? Mas já é... – Harry olhou para o relógio. – Quase uma e meia!

Harry descia as escadas de seu dormitório, já esperando encontrar a Gina. Mas não fazendo lição, e com a Hermione. Pelo jeito, Gina nem havia ido dormir ainda, então com certeza não sabia o que Harry acabara de descobrir através de mais um pesadelo. Voldemort voltara a atormentá-lo essa noite, mas não havia sido nada de muito traumatizante, e Harry respirou aliviado. Não havia tido nenhuma morte, – nenhuma que ele soubesse, isso é. – e nem algum planejamento macabro o qual Harry havia presenciado.

 - Uma e meia? – Hermione perguntou com uma expressão quase que de pânico. – A gente não pode ficar aqui a essa hora! E eu sou monitora, devia dar o exemplo...

Hermione juntou as suas coisas com pressa, e Gina posicionou a sua mão em cima da mão da amiga para impedi-la.

 - Calma... A gente não tava fazendo nada de demais... só estudando! Foi você mesma que falou que precisava rever uma matéria que com certeza cairia nos seus N.O.M.s!

Harry olhou para a mesa em que as duas estavam trabalhando e viu tantos livros, que mal conseguia entender como elas sabiam o que era de quem... Havia vários livros abertos, e pergaminhos com anotações para todos os lados. Mas o que mais intrigou Harry foi o fato de encontrar a Gina "cúmplice" de Hermione. O fato da Hermione perder o horário estudando, não havia nenhuma novidade. Mas a Gina perder o sono por causa disso? E estando no quarto ano? Tudo bem que no ano passado ele não fez as provas por causa do Torneio Tribruxo, então não poderia saber se era tão difícil assim ou não... mas se o Rony que estudava tão pouco, conseguiu passar bem nas provas, por que a Gina também não conseguiria? Estudar não era lá um dos hobbies preferidos dela, então não havia motivo para estar fazendo tanta coisa a uma e meia da manhã. Alguma coisa estava preocupando Harry nessa situação toda, e ele tinha toda intenção de descobrir o que era.

 - Mas mesmo assim, Gina... a gente não pode ficar aqui! Por falar nisso... – Hermione parou um pouco de arrumar as suas coisas e voltou a sua atenção para o Harry. – O que você tá fazendo aqui uma e meia da manhã? – O seu tom de voz não era de cobrança, e sim de preocupação.

 - Nada... eu só perdi o sono... – Harry tentou sair da situação sem ter que revelar muito, mas pela expressão da Hermione, a amiga não estava acreditando muito na sua desculpa.

 - Perdeu o sono? – Hermione perguntou com uma expressão de desconfiança tão parecida com a da Professora McGonagall que Harry até se espantou. – Você perdeu o sono, ou algo ou alguém te fez perder o sono?

Harry olhou para a Gina e viu que ela também estava preocupada, e que provavelmente estava pensando na mesma linha que Hermione.

 - Tá bom... – Harry deu um suspiro cansado. – Eu tive um pesadelo com o Voldemort, mas não aconteceu nada de demais... Eu só acordei mesmo porque ele lançou Crucio no Rabicho, e eu acabei me assustando. Mas é só... – Harry usou o seu tom de voz mais calmo e se controlou o máximo que pôde. Ele não queria preocupar nem a Gina nem a Hermione.

Harry procurou os olhos da Gina e percebeu que ela empalidecera significantemente. Hermione por sua vez, continuava a mirar Harry com preocupação e um tanto de desconfiança. Mas depois de alguns instantes de silêncio, Hermione suspirou em derrota e disse:

 - Ok, Harry. Se houver algum problema, você sabe que pode falar comigo...

Hermione voltou a arrumar as suas coisas e olhou para Gina, indicando que ela deveria fazer o mesmo. Mas a ruivinha ainda estava de cabeça baixa, olhando ocasionalmente para o Harry. Hermione olhou para o Harry, e ele notou que ela estava com o seu usual brilho no olhar que indicava que ela sabia de algo. Harry já notara Hermione observando ele e a Gina por várias vezes nas últimas semanas, e sabia que a amiga era esperta demais para não notar algumas diferenças sutis no relacionamento entre ele e a Gina. O Rony podia ainda estar no escuro, mas Harry sabia que Hermione não estava. Ainda mais levando em consideração o fato de que foi ela, Hermione, quem notou primeiro que ele gostava da Gina... Hermione deu uma piscadinha para o Harry e disse "Boa noite." antes de se retirar para o seu quarto, deixando para trás o Harry e a Gina.

Quem diria que a certinha Hermione o deixaria ficar na Sala Comunal enquanto não era permitido, para bancar o cupido? Sua amiga nunca o deixava de surpreender...

 - O que aconteceu? De verdade... me diz, Harry! – Gina olhou fixamente nos olhos dele e perguntou em um tom mais baixo.

 - Só o que eu falei antes, Gina... não aconteceu nada... – Harry disse aproximando-se da namorada e beijando-lhe o alto da cabeça.

Para ser sincero, Harry estava aliviado que Gina não havia presenciado aquele pesadelo. Como ele dissera, nada de muito grave havia acontecido ou sido mencionado, mas o diário que Gina havia usado em seu primeiro ano, sim. E Harry temia que isso trouxesse lembranças a ela, as quais ela não precisava rever em um momento como esse.

 - Você não me convenceu, Harry. – Gina disse com um sorriso e posicionando o seu dedo indicador no queixo dele. – Eu sei dizer quando você está me escondendo algo. E você está me escondendo algo...

Apesar de tudo, Harry não pôde deixar de sorrir. Ele abraçou Gina carinhosamente e sentou-se onde antes ela estava sentada, trazendo a namorada para sentar-se no seu colo.

 - Você me conhece bem demais, Gi... Mas antes da gente falar sobre o Voldemort, – Harry olhou um pouco mais sério para ela. – Eu quero que você me explique o porquê dessa sessão de estudo até a uma da manhã... Eu não acredito que você prefere estudar a dormir, então alguma explicação tem que ter... – Harry sorriu, mas seu tom de voz continuava sério.

Gina abaixou a cabeça e suspirou. Depois de alguns segundos, ela levantou a cabeça com um sorriso.

 - Você também me conhece bem demais... Se eu fosse a Hermione você não estaria me perguntando isso...

 - Provavelmente não. Mas você não é a Hermione... Ainda bem! – Harry beijou os lábios da Gina suavemente e os dois sorriram um para o outro por um bom tempo. – Mas não foge do assunto! – Harry disse, ainda sorrindo.

 - É que eu tenho tido tanta coisa pra fazer, e a Hermione se entusiasmou tanto quando pedi ajuda pra ela... Eu tô começando a me atrasar um pouco na matéria...

 - Gina, eu tô atrasado na matéria... e eu não tenho metade das aulas que você tem! Vamos tentar viver um pouquinho e esquecer de fazer a lição de vez em quando... faz parte!

Harry beijou o pescoço da Gina, e ela abaixou levemente a cabeça na direção dele, com um suspiro. Seus movimentos lembravam muito os de um gatinho manhoso. Harry beijou mais uma vez o seu pescoço e Gina suspirou novamente, sussurrando baixinho o seu nome.

 - Não tenta me distrair! – Gina disse, afastando-se dele um pouco, mas obviamente com remorso de fazê-lo. – Sobre o que foi o sonho? Você ainda não me disse...

 - Ah... o sonho. – Harry disse, respirando fundo e tentando engolir sua leve frustração. – Bom, você não iria entender muito dele se o tivesse tido também... – Harry começou a abrir um sorriso.

 - Já sei! – Gina olhava para ele com uma expressão aborrecida. – Mais uma daquelas conversas entre o Voldemort e aquela cobra? É um saco ficar ouvindo um monte "ssssibilo" e não entender nada...

Harry riu já esperando uma reação parecida com essa. Apenas ele e o Voldemort eram Ofidioglotas e, enquanto Harry não encontrava problema algum para entender as conversas que Voldemort tinha com Nagini, Gina por sua vez devia ficar extremamente entediada com todos aqueles sibilos quando os sonhos eram com o Voldemort e Nagini.

 - Bom, pelo menos eu fico mais aliviada que não perdi muita coisa... – Gina sorriu. – E o que foi dito?

Harry dessa vez ficou sério e respirou fundo. Ele queria contar o que aconteceu, mas queria analisar bem a reação da Gina. Ele lembra uma vez que a Sra. Figg dissera que Gina teria que trabalhar melhor o seu sentimento de culpa para evoluir na feitiçaria. E Harry só podia lembrar-se de um evento que causaria tamanha culpa a ponto de Gina bloquear uma evolução: a abertura da Câmara Secreta.

 - O Voldemort tava conversando com a Nagini sobre o diário...

Harry olhou bem para a Gina, mas a menina não disse nada e permaneceu séria, esperando que ele continuasse.

 - Lúcio Malfoy esteve falando com ele e, logo depois que foi embora, o Voldemort começou a falar da incompetência dele e esse tipo de coisa... – Gina ainda não proferira nenhuma palavra, e Harry resolveu continuar. – Ele falou pra Nagini que o diário era a única maneira que ele tinha de saber o que realmente acontecia aqui dentro antes de recrutar alunos... Ele não confia muito nesses novos recrutas e desconfia de todos eles.

Harry parou mais uma vez para ver se a Gina falaria algo. Mas ela simplesmente balançou a cabeça em um sinal positivo e disse:

 - Continua... que mais ele disse?

Harry respirou fundo e fechou um pouco mais seus braços em volta da cintura da Gina.

 - Ele disse, não com essas palavras necessariamente, que tem todas as lembranças do que foi escrito no diário. Era uma arma que ele criou e guardou consigo por um bom tempo. A intenção dele era exatamente infiltrar o diário aqui em Hogwarts. Ele esperava que enquanto estivesse se recuperando do episódio da pedra filosofal, o diário viesse parar de algum jeito aqui dentro, e que o basilisco fosse solto pra que matasse, basicamente, a mim...

Harry terminou com um sorriso triste, e Gina balançou a cabeça de um lado para o outro.

 - A pedra filosofal foi no seu primeiro ano? Quando o Voldemort tava no corpo do professor de D.C.A.T.? – Gina perguntou, ainda digerindo a informação.

 - Isso... o Professor Quirrel.

Harry lembrou-se com o coração pesado. Por melhor que tenha sido a sua intenção, o resultado ainda era o mesmo: ele matara seu professor. Harry pensou triste e ironicamente que esse era mais um para a sua lista de "acidentes".

 - E então o Voldemort lembra de mim? – Gina perguntou com a voz fraquinha.

 - Lembra... – Harry respondeu, balançando a cabeça em um sinal positivo. – Enquanto eu ainda tava de férias, eu tive um sonho em que o Voldemort conversava com a Nagini, e ele dizia que havia deixado "ela" muito tempo sem proteção. Na época eu não entendi, mas agora faz sentido...

 - Então deve ser por isso que eu tô naquela lista... – Gina disse, mencionando o assunto da última reunião pela primeira vez desde que ela ocorrera.

 - Gina? – Harry chamou a sua atenção com um pouco de receio. – O que eu vou te dizer agora me assustou muito... e eu não queria contar pra você, mas eu achei melhor não esconder nada...

 - O que é, Harry? – Gina perguntou tão ou mais receosa que ele.

Harry respirou fundo e acariciou de leve o rosto dela.

 - O Voldemort já desconfia que você é a feiticeira há muito tempo... Quando o Rabicho interrompeu a conversa dele hoje, eu descobri uma coisa que me fez me arrepender mais ainda de não ter deixado o Sirius matá-lo naquele dia na Casa dos Gritos... – Harry suspirou tristemente e continuou. – No meio da frustração dele, o Voldemort lançou Crucio no Rabicho, mas explicou bem o porquê daquela punição...

Harry tremeu um pouco ao lembrar-se da dor na sua cicatriz que o fez acordar. Cada vez que o Voldemort punia alguém, e Harry presenciava em forma de um pesadelo, a dor que ele sentia em sua cicatriz o acordava. Ele sabia que aquela dor não chegava nem aos pés da pior dor que ele já sentira. Com certeza a maldição Crucio era uma de suas piores lembranças. Lembrar daquela dor que parecia queimar seus próprios ossos enquanto Voldemort o tinha prisioneiro... Bom, Harry pensou indignado, Rabicho merecia cada Crucio que fosse lançado contra ele.

Gina posicionou sua mão no ombro dele, e seu rosto tinha uma expressão de preocupação. Harry então percebeu que se perdeu momentaneamente em seus pensamentos, e que seu silêncio e expressão preocupavam Gina. Ele forçou um sorriso, afastando essas lembranças, e continuou o seu relato.

 - O Rabicho não foi se esconder na sua casa por acaso, Gina. – Gina franziu a testa, e quando olhou para o Harry, seus olhos estavam arregalados. Harry percebeu que ela começava a compreender o que ele estava dizendo. – No dia em que Voldemort voltou ao seu corpo, ele disse que havia tomado providências há muito tempo para se proteger da morte humana. Eu achei aquilo absurdo, e tava tão estonteado por tudo o que tava acontecendo, que nunca poderia entender a gravidade daquilo. Só depois de saber da profecia, e do pesadelo de hoje à noite foi que eu pude juntar as peças...

 - Quer dizer então que a profecia--

 - Isso mesmo! – Harry interrompeu Gina, adiantando-se ao que ela iria dizer. – Uma dessas "precauções" que ele tomou, foi garantir que tomaria conhecimento da 7ª feiticeira. O Rabicho foi pra sua casa pra te vigiar por causa disso. O diário foi parar nas suas mãos e não nas de outra pessoa pelo mesmo motivo... Ele não acreditava que perderia seu poder como a primeira profecia disse, mas ele receava que uma nova feiticeira lhe ameaçasse como aconteceu com Grindelwald. E ele começou as buscas há mais de 14 anos...

 - E eu era uma das suspeitas...? – Gina disse com a voz fraca, como se tivesse algo entalado em sua garganta.

Harry balançou a cabeça em um sinal positivo e não disse nada por um tempo até que Gina se recuperasse mais um pouco e estivesse pronta para voltar a falar.

 - Mas como é que o Voldemort desconfiava de mim, enquanto o Dumbledore não tinha nem idéia de quem seria a próxima feiticeira? – Gina perguntou meio incerta, e ainda abalada.

Harry deu com os ombros e balançou a cabeça de um lado para o outro.

 - Eu não sei... Tudo o que eu te disse hoje foram conclusões tiradas de várias conversas que eu já ouvi o Voldemort tendo... Uma vez até a Nagini disse que ele nem sabia se "ela" seria tão poderosa... Agora tudo se encaixa! O Voldemort não queria perder você de vista porque ele achou muito inusitado o fato de você ter força o suficiente para que ele pudesse sair do diário e que você continuasse viva. Acho que ele deve ter estranhado também o fato de você ter sido forte o suficiente pra perceber o que ele tava fazendo e tentado se livrar do diário...

 - É... mas não forte o suficiente pra evitar que tantas pessoas ficassem petrificadas... – Gina falou com um tom de voz triste e abaixou a cabeça.

 - Gina, – Harry tirou sua mão da cintura dela e levantou o queixo da Gina para que ela voltasse a olhar para ele. – eu, mais do que ninguém, sei o que é se sentir culpado pelo que aconteceu. Até a abertura da Câmara Secreta foi culpa minha.

Gina tentou contradizê-lo, mas Harry a interrompeu antes que ela pudesse começar.

 - Você tentou se livrar daquele diário, mas eu acabei achando. E eu lembro de me perguntar por que alguém tava tentando se livrar daquilo. Eu sabia que alguém tinha jogado fora, e mesmo assim eu peguei o diário e segui exatamente fazendo o que o Voldemort queria... E ainda assim, você tentou se livrar dele mais uma vez quando me viu com o diário. Mas aí, você já tava fraca demais, e foi mais fácil pro Voldemort tirar as suas forças...

 - C-como você sabe de tudo isso? – Gina perguntou, evidentemente com muito esforço.

 - O próprio Tom Riddle me contou. Ele explicou tudo o que tinha acontecido...

Harry acariciou os cabelos de Gina e trouxe a cabeça dela para recostar em seu peito. A menina aceitou de bom grado o gesto, e por alguns instantes os dois ficaram naquela posição sem dizer nada. O único som na Sala Comunal era o fogo queimando na lareira e a respiração alterada dos dois.

 - É melhor você ir pra cama, Gina. – Harry sussurrou depois de certo tempo. – Você nem foi dormir ainda...

Mas Harry não teve resposta. Ele chamou a menina pelo nome mais uma vez, mas continuou sem resposta. Quando se mexeu um pouco para que pudesse ver o seu rosto, Harry percebeu que Gina estava dormindo. Todo o cansaço do dia, mais as notícias que acabara de receber – e provavelmente o cafuné que Harry estava fazendo nela também – finalmente a cansaram o suficiente a ponto que ela dormisse.

Harry a moveu o mínimo que pôde para que se levantasse, e a levasse no colo até o sofá perto da lareira sem que ela acordasse. Ela dormiria ali mais uma noite porque Harry não tinha coragem de acordá-la. Mas dessa vez, ele se certificaria de acordar bem cedo – antes de qualquer monitor – para que ele pudesse descer e acordar Gina antes que ela fosse pega por ali. Não só pela proibição, mas pela vergonha que ela sentiria se alguém a visse dormindo no sofá da Sala Comunal. Da última vez que ela dormira ali, a Torre da Grifinória estava praticamente vazia por causa do feriado de festas de final de ano. Mas agora, a Torre voltara ao seu normal, e qualquer aluno poderia vê-la dormindo ali.

 - Accio cobertor! – Harry esticou sua varinha até o baú no canto da sala, e um cobertor felpudo veio flutuando em sua direção.

Durante o inverno, sempre havia cobertores extras na Sala Comunal para quem quisesse fazer uso, e os elfos domésticos faziam questão de mantê-los sempre limpos e disponíveis. Harry cobriu a Gina com cuidado para que ela continuasse dormindo, e beijou o alto de sua cabeça no processo.

 - Bons sonhos. – Ele sussurrou antes de levantar-se e juntar todo o material da Gina que ainda estava espalhado pela mesa. Seu critério de arrumação não era exatamente igual ao dela, mas pelo menos tudo coube no malão de Gina. Harry o posicionou silenciosamente no chão, de frente ao sofá onde Gina dormia, antes que ele próprio subisse as escadas para o seu dormitório e fosse, também, dormir.

Continua no Capítulo Trinta e Oito...