Capítulo Quarenta e Seis
RECOMPOSIÇÃO
Harry, Hermione e Gina passaram um bom tempo na sala do diretor, especulando sobre motivos e culpados. Hermione se sentia extremamente culpada. Parecia que ela nunca iria se perdoar por ter sido influenciada pela maldição Imperio. Era como se para a Hermione, deixar-se levar por esse imperdoável era um crime gravíssimo e um atestado de fraqueza. Harry não conseguia entender esse ponto de vista, já que o próprio Dumbledore uma vez disse que bruxos poderosíssimos já tinham sido vítimas da maldição Imperio. Mas talvez, para a Hermione, essa tenha sido a primeira vez que sua confiança em si mesma tenha falhado, e ela estivesse lidando muito mal com isso. Gina passou grande parte do tempo ao lado da amiga, sussurrando palavras de consolo e tentando acalmá-la, mas Harry sabia que Gina também precisava de muito consolo e, talvez, oferecer o que ela pudesse para a Hermione era uma maneira de ela esquecer que ela própria também estava arrasada. Quanto ao Harry, ele falara muito pouco enquanto os três estavam na sala do Dumbledore. Ele estava pensando em muitos "e se...", e sentindo-se extremamente culpado. Ele já ponderara várias vezes sobre o risco que os seus amigos corriam ao ficarem e serem próximos dele. Mas uma coisa é imaginar, outra, completamente diferente, é sentir na pele. Mas Harry ainda tinha esperanças de que Rony estivesse bem. Sua cicatriz não deu aviso, nem doeu, e talvez isso fosse um bom sinal, levando em consideração que quando Mundungo Fletcher e Arabella Figg foram atacados e mortos, Harry até desmaiou de dor. Se esse foi o efeito da primeira vez, com o Rony não seria diferente. Aliás, poderia até ser pior. E Harry se prendia ao máximo nessa linha de pensamento, com esperança de que o fato de sua cicatriz estar normal fosse prova de que Rony estivesse bem.
Quando Dumbledore voltou à sua sala – uma passagem breve para pegar algo que Harry não conseguiu distinguir – Hermione esqueceu brevemente de sua dor e perguntou com uma expressão preocupada:
- Quantos alunos feridos? – O seu tom de voz foi bem baixo, mas foi o suficiente para Alvo Dumbledore parar momentaneamente e olhar sério para a Hermione.
- Não foram tantos quantos poderiam ser... ainda bem. Parece que assim que eles encontraram o Rony, saíram todos em retirada. Mas ainda assim, o número foi alto. – Dumbledore suspirou cansado e continuou. – Foram trinta e cinco alunos feridos e vinte e três residentes de Hogsmeade. Houve uma tentativa de incêndio no Três Vassouras, que foi contida em tempo, mas ainda assim, tivemos vários intoxicados e alguns feridos durante o momento de pânico.
Hermione, Harry e Gina engoliram seco e tentavam assimilar o que lhes foi dito. Nesse instante, todo o castelo deveria estar em estado de caos, e abruptamente, Gina lembrou-se de algo e quase voltou a chorar quando perguntou desesperada:
- E o Fred e o Jorge? Eles se machucaram também? Eles já sabem do Rony... A minha mãe vai enlouquecer de preocupação!
- Eu não vi nenhum dos dois na enfermaria, mas eu lhe aconselharia a ir procurar por eles. Acredito que devem estar preocupados e nada devem saber sobre a condição do Rony...
- É isso que eu vou fazer... – Gina levantou-se e olhou para a Hermione como que pedindo desculpas por deixar a amiga. – Eu já volto, Mione... mas eu preciso falar com os dois!
- Tudo bem, Gina... – Hermione forçou um sorriso para o benefício da amiga. – Você quer que eu vá com você?
- Não! Você não tá em condições ainda de enfrentar esse monte de gente que deve tá aí fora... O Harry fica com você, né Harry? – Gina virou-se para ele com os olhos pedintes.
- Claro que fico. – Harry sorriu para a Hermione e para a Gina. – Eu também não sei se eu tô preparado pra enfrentar perguntas e olhares que com certeza vão surgir...
- Então eu tô indo... – Gina virou-se para o diretor e comentou brevemente antes de sair: - Obrigada, professor Dumbledore.
- Eu também tenho que voltar à enfermaria. – Dumbledore disse, logo após Gina deixar sua sala. – Haverá uma reunião quando as coisas se acalmarem um pouco, Harry. Por favor, avise à Gina e fique atento. Até breve.
Dumbledore também saiu, e Harry voltou-se para a Hermione, que parecia ligeiramente deslocada.
- Escuta, Mione, eu acho que eles ainda não fizeram nada com o Rony...
Hermione olhou com uma mistura de esperança e aflição para o Harry, e ele decidiu que talvez sua intenção desse certo. Era desconcertante ver Hermione, alguém que sempre foi tão forte, encontrar-se tão frágil de repente. Ele contaria suas especulações a ela, e talvez com isso em mente, ela pudesse se recompor.
- Lembra quando a Sra. Figg morreu? – Hermione balançou a cabeça em um sinal positivo, e Harry continuou. – Eu cheguei a perder os sentidos, do tanto que a minha cicatriz doeu. Mas dessa vez, eu não senti nada, e talvez o Rony esteja bem...
- É verdade... – Hermione disse com um olhar distante e respirando aliviada. – A gente ainda tem uma esperança de que ele esteja bem... Além do que, o Rony é forte! Eu sei que ele vai agüentar até que a gente o salve...
- A gente? – Harry perguntou incerto.
- Claro! – Hermione respondeu indignada. – Você não acha que eu vou ficar tranqüila e esperando até que outra pessoa faça algo, acha? É em parte culpa minha que ele foi levado, e eu vou fazer de tudo pra trazer ele de volta!
- Mione... – Harry começou, já se sentindo ligeiramente derrotado. Seria extremamente difícil convencer Hermione a deixar esse assunto nas mãos dos membros da Ordem da Fênix. – O que o Voldemort quer mesmo é a Gina. Ele tá tentando usar a mesma estratégia que usou com a Sra. Figg, pra matar a Gina também... – Harry suspirou cansado. – E até por causa disso, eu duvido que o Dumbledore vá deixar eu ou a Gina ir atrás do Rony. Porque foi exatamente pelo fato da Sra. Figg ter ido atrás do Mundungo que ela acabou morrendo.
- Eu não acredito que você vai cruzar os braços enquanto o seu melhor amigo pode estar sofrendo sabe Deus lá o que... – Hermione balançava a cabeça de um lado para o outro e olhava enojada para o Harry. – É o Rony, Harry! Tenho certeza que ele iria atrás de você! – Os olhos da Hermione encheram de lágrimas, e Harry sentia-se extremamente culpado.
- É exatamente porque ele iria atrás de mim que agora ele tá nas mãos do Voldemort. Ele poderia arriscar raptar qualquer outro irmão da Gina, mas ele resolveu escolher o Rony. Que tem a proteção do Dumbledore sobre ele! Por que você acha que foi o Rony, e não o Carlinhos, ou o Percy? Foi exatamente o Rony? – Harry não esperou Hermione responder, e já continuou. – Porque ele é meu melhor amigo! Por isso! O Voldemort sabia que não atingiria só a Gina com isso. Atingiria a mim também! Eu não deixei de ser alvo pra ele só porque a Gina passou a ser também. Ele continua querendo que eu morra, e apelar pra usar o Rony de isca foi brilhante. Você acha que eu tô feliz com a situação? Não tô não! Mas se você for atrás dele, vai ser mais um melhor amigo meu correndo risco. Você! Eu não quero isso, Mione!
- Então você pode começar a aceitar que pode me perder também. – Hermione disse com uma voz calma e controlada, completamente diferente da que o Harry acabara de usar. – Porque você querendo ou não, eu vou atrás do Rony. Custe o que custar. Eu amo ele demais pra deixar que outra pessoa vá atrás dele. Você tem duas opções: me ajuda e facilita o trabalho pra que a gente chegue a ele mais rápido; ou esquece que eu sou sua amiga, porque eu vou me dedicar inteiramente a isso, e vai demorar mais, mas eu vou chegar até o Rony.
Hermione estava completamente séria, e nos seus olhos não tinha mais nenhuma lágrima. Era como se esse seu último depoimento tivesse sido o fator decisivo na sua tomada de opinião. E a partir de agora, ela não perderia mais tempo chorando, e como ela acabara de dizer, dedicaria todo o seu tempo a encontrar o Rony.
- Tudo bem... – Harry balançou a cabeça em um sinal positivo e continuou. – Eu não tava pretendendo ficar parado mesmo, e não vou negar que a sua ajuda vai ser extremamente útil. Mas você sozinha não vai conseguir fazer muito, e como você, eu quero o Rony de volta o mais rápido possível. – Hermione respirou aliviada, e o próprio Harry sentia como se um peso enorme tivesse sido levantado dos seus ombros. – Mas tem que ser segredo, Mione. Ninguém pode saber disso. Tenho certeza que o Dumbledore vai me dizer pra ficar fora dessa, e tudo que a gente fizer não vai poder chegar aos ouvidos dele de jeito nenhum, porque ele vai fazer questão de dificultar as coisas pra gente.
- Pode deixar! Quantas coisas a gente já não fez escondido dele? – Hermione perguntou com um sorriso. – E dessa vez a gente vai ter uma feiticeira do nosso lado. Por que se eu conheço bem a Gina, ela não vai ficar fora dessa de jeito nenhum!
A expressão de Harry traiu preocupação por um instante, mas logo ele se recompôs e balançou a cabeça em aceitação.
- Mas não é bom a gente falar esse tipo de coisa aqui, Mione... – Harry disse, olhando desconfiado para os quadros. – Vamos esperar até depois da reunião que eu e a Gina vamos ter. Com certeza alguma informação, mínima que seja, o pessoal deve ter. E aí a gente começa a pensar no que a gente pode fazer...
- Você tá certo, Harry... – Hermione concedeu, abaixando a cabeça.
- Ah, e Mione... – Harry chamou a atenção da amiga com delicadeza. – Não fica assim... A gente vai trazer o Rony de volta. Você vai ver! E como você mesma disse, ele é forte, e aquela cabeça dura dele agüenta bastante!
Harry sorriu, e Hermione retribui, abraçando o amigo em necessidade de conforto.
- Obrigada, Harry...
- Tudo bem... – Harry respondeu ligeiramente desconfortável com a rara demonstração de carinho da amiga.
- Acho melhor eu ir, Harry...
- Ir aonde? – Harry perguntou, franzindo a testa.
- Sei lá... aonde precisarem. Eu sou monitora, e ao invés de cumprir minhas funções, eu tava aqui me lamentando... – Hermione levantou-se, respirando fundo e enxugando o rosto. – Eu vou ver o que tem pra fazer, e ser útil... – Hermione sorriu, e Harry sentiu que a amiga estava começando a lidar melhor com a situação. – Você vem?
Harry deu com os ombros e levantou-se também. Ele iria ficar na sala do diretor vazia fazendo o quê? Talvez ele fosse procurar a Gina e falar para ela da reunião... Se ela já tivesse terminado de falar com os irmãos, isso é.
- E pra aonde é que a gente tá indo? – Harry perguntou enquanto os dois caminhavam pelos corredores desertos.
- Eu quero falar com a professora McGonagall, e a maior chance de encontrá-la é na enfermaria...
- Mas a Madame Pomfrey não vai deixar a gente chegar nem perto...
- Mas monitores têm algumas vantagens... – Hermione disse com um sorriso soberano, e Harry virou os olhos com bom humor.
Após mais alguns corredores, os dois estavam na enfermaria, que estava em completo estado de caos. Quando Harry saíra de lá para ir à sala do Dumbledore, ele nem imaginava que a enfermaria poderia chegar àquilo.
- Hermione, que bom que você chegou... A professora McGonagall tava te procurando! – Justino Finch-Fletchley veio receber a colega.
- Onde é que você tava, hein? Tá pensando, por acaso, que só porque você é sangue-ruim tem algum privilégio?
Harry virou-se em direção ao dono do último comentário e simplesmente balançou a cabeça de um lado para o outro. Hermione, como sempre, ignorou Draco Malfoy, e seguiu Justino, prometendo falar com Harry mais tarde. Quanto ao Malfoy, ao olhar para o Harry, lançou-lhe um olhar furioso e um sorriso de alguém que sabe algo desconhecido para a outra parte. Harry retribuiu o olhar, mas deu as costas e saiu andando, sem dar muita atenção ao Malfoy. Da última vez, quem havia se dado mal era o Malfoy, e ninguém nem ficara sabendo que Harry tinha esmurrado aquele rostinho que tantas meninas achavam maravilhoso. O Malfoy nunca iria passar atestado de que havia apanhado do Harry, e por isso, Harry não tomou detenção, nem punição.
Harry não sabia por onde começar a procurar Gina, então decidiu ir à Torre da Grifinória para pegar o Mapa do Maroto, inclusive para checar se Gina ainda estava com os irmãos ou não. Pelo caminho encontrou alguns alunos extremamente tristes, e outros em volta tentando consolá-los. Provavelmente pessoas que tiveram algum parente ou amigo ferido no ataque. Dentre essas pessoas, Harry reconheceu Parvati sendo consolada por Simas, Lilá e Dino. E na hora, lembrou-se de Padma Patil, que provavelmente era por quem ela estava chorando.
Quando chegou à torre da Grifinória, de alguma maneira, várias pessoas já sabiam que Rony estava sumido, e muitos amontoaram em cima de Harry atrás de respostas. E quem não havia sabido ainda, na hora teve sua curiosidade aguçada, e tiveram bastantes perguntas também. Harry quase saiu correndo, – se conseguisse passar por aquela multidão de pessoas, provavelmente o faria – mas teve que dizer que não sabia de nada e tentar se desvencilhar de todas aquelas pessoas, e subir para o seu dormitório que estava completamente vazio.
Com um suspiro de alívio, ele checou seu mapa, procurando por Gina. Encontrou a menina conversando com Hagrid no Salão Principal. Pegando sua Capa de Invisibilidade para garantir uma saída mais tranqüila, Harry deixou o seu dormitório e passou despercebido por aqueles que estavam na sala comunal, aproveitando a saída de um aluno do terceiro ano.
O estado do castelo era algo que faria o Sr. Filch ter um ataque. Havia alunos para todos os lados e gente correndo nos corredores. Mas Harry acreditava que até o Sr. Filch daria um desconto naquele sábado. Alguns professores ainda apareciam de vez em quando, mas estavam tão preocupados, ou tão apressados, que mal podiam repreender alguém.
Antes de chegar ao salão principal, Harry tirou sua capa, assegurando-se de que ninguém estava por perto para ver, e a guardou no bolso. Gina ainda estava conversando com o Hagrid, e Harry se aproximou dos dois. Ele notou que o amigo meio-gigante estava com os olhos úmidos e uma expressão deprimida, e logo percebeu que Gina falava do Rony para ele.
- Oi, Harry... – Hagrid o cumprimentou, quando o viu. – Eu fiquei sabendo do Rony... – Hagrid olhou para Gina e voltou sua atenção para o Harry. – Mas como eu tava falando aqui pra pequena Gina, ele é forte! Ele vai voltar, eu sei!
- Eu também acredito nisso, Hagrid... – Harry sorriu de leve, e Hagrid retribui, mas ainda com os olhos úmidos.
- Eu preciso ir... o Professor Dumbledore pode precisar de mim. Mas se vocês precisarem, podem vir falar comigo! – Hagrid ofereceu, com toda genuinidade que o amigo era capaz.
Harry sorriu e agradeceu o gesto, despedindo-se quando Hagrid tomou caminho para a enfermaria. Harry aproximou-se de Gina e a abraçou bem forte, em parte para se assegurar de que ela realmente estava ali – ninguém a levara – e em parte para confortar tudo o que acontecera até aquele momento.
- Você falou com o Fred e o Jorge? – Harry perguntou, ainda abraçado com a Gina. A menina encostou a cabeça no ombro dele e suspirou em tristeza.
- Falei, e eu nunca os vi tão sérios na minha vida... – Gina ficou alguns segundos em silêncio, e continuou. – Eles vão escrever pra mamãe, mas acho que o professor Dumbledore vai consegui falar com ela primeiro. Ela vai ficar completamente arrasada... Como é que tá a Hermione?
Gina levantou a cabeça e afastou-se infimamente de Harry, apenas para poder olhar-lhe nos olhos.
- Ela tá na enfermaria, ajudando os outros monitores... E já me garantiu que não vai ficar por fora. Ela falou que vai fazer de tudo pra trazer o Rony de volta, e eu acredito nela.
- Eu também... – Gina suspirou mais uma vez e abaixou a cabeça ligeiramente. – Eles se amam demais pra ela simplesmente cruzar os braços.
- Foi exatamente o que ela me disse. – Harry ergueu delicadamente a cabeça da Gina. – E eu também não vou esperar pelo Dumbledore dessa vez.
- Nem eu. – Gina disse com bastante segurança. – Eu faço minhas as palavras da Hermione. E eu fiquei treinando esse ano que nem uma louca, alguma coisa eu devo ter aprendido... Tá na hora de mostrar o que eu aprendi... mesmo que não tenha sido o suficiente.
Continua no Capítulo Quarenta e Sete...
