Capítulo Quarenta e Oito
INGREDIENTES
O dia havia sido tão cansativo que nenhum dos três teve problemas para dormir. Alguma dificuldade para acordar e enfrentar o domingo, mas ainda assim, a prerrogativa de salvarem o Rony foi o suficiente para tirar os três da cama o mais cedo possível. O café da manhã foi acompanhado de muitos sussurros e alguns choros silenciosos daqueles que tiveram parentes e amigos feridos. Ninguém estava com muito ânimo para ficar de bom humor naquela manhã de domingo.
- Harry, Gina, olhem isso! – Hermione disse, chamando a atenção dos dois e entregando-lhes o jornal "Profeta Diário".
Gina pegou o jornal, e Harry aproximou-se dela para que os dois pudessem ler o que havia chamado tanto a atenção da Hermione.
"Escândalo em Hogwarts: Aluno é raptado por Comensais. Ministro da Magia não comenta.
Ontem de tarde, por volta das 15 horas, o aluno Ronald Arthur Weasley foi raptado por Comensais da Morte. Esse sábado foi um dos dias em que a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts abiu suas portas para que seus alunos pudessem visitar o vilarejo bruxo mais próximo do castelo: Hogsmeade. O que não se esperava é que, dentro de toda aquela comoção, Comensais da Morte aparecessem e causassem pânico em todos. Durante o ataque, trinta e cinco alunos de Hogwarts e vinte e três residentes do vilarejo ficaram feridos, e a maioria foi encaminhada para a enfermaria de Hogwarts. Não houve nenhuma vítima fatal. Ao procurarmos o Ministro da Magia para que ele comentasse o caso, tudo o que ficamos sabendo é que ele estava resolvendo problemas de questão diplomática na Romênia, e que não estava disponível. Perguntamos à sua porta-voz se ele havia feito algum comentário sobre o caso, levando em consideração que Comensais da Morte já foram avistados na última Copa Mundial de Quadribol, mas tudo o que ela disse foi que o Sr. Cornélio Fudge (Ministro da Magia) reconhecia o reaparecimento dos seguidores Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, mas não tinha certeza se o próprio Lord das Trevas havia voltado. Por enquanto, toda a população bruxa está em estado de caos, e o pânico será o próximo estágio. Alvo Dumbledore, diretor de Hogwarts e que comentou o ocorrido, disse que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou sim, e que essa era apenas mais uma prova. Os Weasleys, família de bruxos tradicional, também deram um breve depoimento. Disseram que têm plena confiança em Alvo Dumbledore, e que esperam pelo melhor. Além de Ronald, os Weasleys ainda têm mais três filhos em Hogwarts, aos quais não tivemos acesso. Acredita-se que agora não há mais como negar. Aqueles que viveram durante a primeira tentativa de dominação Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado temem pelo pior, e muitos já deixaram a Europa com medo de um ressurgimento. Esperamos que o Ministro esteja certo, mas a maioria da população bruxa já acredita que Alvo Dumbledore é que tem razão. O "Profeta Diário" os manterá informados sobre qualquer desenvolvimento do caso."
- "questão diplomática na Romênia"... O Ministro tava é fugindo. – Hermione comentou com voz de insatisfação e indignação. – Aposto que ele tá com mais medo do que qualquer um, e logo renuncia...
- Pelo menos agora a população tá mais precavida... – Gina comentou tristemente. – O Ministro já não tá mais negando que o Voldemort voltou, e isso vai fazer com que as pessoas ajam com mais cautela.
- É, mas aposto que ele vai querer o mínimo de envolvimento possível. – Hermione continuou. – Ele não quer nem saber se um aluno foi ou não raptado. Tudo o que ele quer é que o povo não associe o mandato dele com a volta do Você-Sabe-Quem.
- Melhor assim. – Harry comentou friamente. – Aquele Ministro é um incapaz... – Harry disse, lembrando-se do seu último encontro com ele logo depois da terceira tarefa no ano anterior. – Se ele se metesse era capaz de piorar as coisas.
Um certo silêncio se estabeleceu entre os três, e eles voltaram a comer calmamente. Até que Hermione, aflita, perguntou sobre os planos que estavam fazendo. Harry e Gina entreolharam-se, e com um balançar de cabeças em um sinal positivo, os três se levantaram e saíram do salão principal.
- Onde é que vocês acham que é o melhor lugar pra gente discutir esse tipo de coisa? – Hermione perguntou num tom bem baixo, para garantir que ninguém ouvisse algo que não deveria.
- Eu tenho duas sugestões. – Harry respondeu, no mesmo tom de voz. – Ou a gente fica no banheiro da Murta mesmo, ou então a gente usa a sala onde o Fofo ficava no nosso primeiro ano... ninguém vai lá mesmo...
- Então eu preferiria a sala no terceiro andar... – Gina comentou. – Já que a gente vai passar tanto tempo lá, eu escolheria um lugar menos desagradável...
- É... – Hermione concordou, sorrindo em conforto para a amiga. – Além do que, lá a gente não vai ter a Murta bisbilhotando no que a gente tá fazendo. Já tive o suficiente disso quando tava fazendo a poção polissuco...
- Então a gente só precisa passar na Torre da Grifinória pra pegar o livro, a capa, e o mapa. – Harry disse, já rumando nessa direção.
- Por enquanto só... – Hermione concordou. – Primeiro a gente tem que ver o que vai ser necessário, e aí correr atrás.
- Já vou logo avisando... – Harry disse num tom preocupado. – quando eu e o Rony pegamos o livro pra ler, tinha uns ingredientes lá nas poções de ajuda que eu nunca nem ouvi falar, muito menos onde conseguir...
- Deixa eu ler o livro, e aí a gente discute... – Hermione falou decidida.
Os três passaram até a sala comunal para pegarem o livro. A capa de invisibilidade e o Mapa do Maroto foram mais por precaução. Foram até o corredor do terceiro andar que um dia fora proibido, e logo estavam na sala que, naqueles dias, permanecia deserta.
- A gente vai ter que fazer algumas limpezinhas por aqui de vez em quando... – Gina comentou, notando o acumulado de poeira.
- Isso é o de menos... – Hermione disse, causando sobrancelhas erguidas no Harry e na Gina. – Com tanto que dê pra gente trabalhar, qualquer lugar, empoeirado ou não, tá bom.
Harry ficou surpreso com Hermione. A menina era sempre tão perfeccionista com as coisas que fazia, e parecia que "organização" era a sua palavra-chave. Isso queria dizer que Hermione não brincava quando dissera que esqueceria qualquer outra coisa e que, ajudar a salvar o Rony, seria sua única prioridade.
- Harry, antes de eu ler o livro inteiro, eu quero que você me mostre aqueles feitiços de ajuda que você mencionou... – Hermione pediu, enquanto sentava-se, e Harry e Gina seguiram seu exemplo. – Eu quero primeiro ver se eu seria capaz de fazer. Se eu for, pode facilitar muito, mas se não for possível... bom, se não for possível a gente vai conseguir ainda assim, mesmo que demore mais. O Rony vai ter que ser forte por mais tempo, mas eu vou chegar até ele... – Hermione ficou com o olhar distante momentaneamente, e quando voltou a si, parecia ligeiramente encabulada. – Quer dizer... a gente vai chegar até ele.
- Ok... – Harry disse enquanto folheava as páginas do livro. – Tá aqui: nessas folhas e mais nessas aqui. – Harry mostrou, marcando algumas páginas com o dedo e passando o livro para a Hermione com essa marcação. – São três que eles dizem que pode ajudar, mas todas elas dependem muito do individual da pessoa.
- É, eu tô lendo aqui... – Hermione comentou. – A pessoa tem que ser naturalmente suscetível a esses tipos de feitiços, e depende muito também do animal no qual ela vai se transformar...
- É... isso aí que você disse. – Harry concordou, ligeiramente sem graça.
- Você tinha razão, Harry... – Hermione disse sem levantar os olhos do livro nem por um segundo. – Muitos dos ingredientes daqui a gente não vai ter como encontrar... só um desses feitiços que daria pra ser feito, mas vai demorar demais... – Hermione suspirou tristemente, mas antes que abaixasse a cabeça, recompôs-se, e uma expressão determinada moldou o seu rosto. – A gente vai ter que tentar sem poção mesmo... Ainda assim eu vou fazer, mas o ideal seria que a gente conseguisse antes de ela ficar pronta, porque falando bem por alto, eu acho que em menos de dois meses a gente não consegue terminar essa poção...
- Dois meses? – Gina perguntou indignada. – A gente não tem dois meses. O Rony não tem dois meses! Como é que a gente vai conseguir? Eu sou péssima em transfiguração!
Gina estava aparentemente aflita, e Harry a trouxe para perto de si e beijou afetuosamente o alto de sua cabeça.
- O Rony vai agüentar, e a gente vai conseguir. Porque a outra alternativa eu me recuso a especular...
Harry falou baixinho e com o olhar distante. Trazendo-se de volta a si, ele beijou Gina mais uma vez e reparou que Hermione olhava para ele e a Gina com uma expressão diferente, quase de angústia. Ela provavelmente estava lembrando-se do lado "Rony namorado", e devia doer muito, Harry não duvidava. Se para ele, que era o melhor amigo, a dor já era enorme, ele mal podia imaginar para a Hermione, para qual o Rony significava tão mais. Era até irônico pensar que o Rony sempre se sentia mal porque o Harry era o centro das atenções, e tudo era só pro Harry, quando no fim, o Rony é que acabou sendo o foco de tudo e de todos, e ele é que tinha ficado com a garota. Enquanto muitos pensavam que Harry e Hermione viriam a ter algum tipo de relacionamento mais íntimo, devido à forte amizade deles, ninguém previu que na verdade, o nada famoso Rony Weasley é que acabaria conquistando o coração da mais inteligente bruxa de sua geração. O Rony tinha tanto, mas parece que só pelo fato de estar ao lado do Harry, que "brilha" mais, ele era incapaz de perceber quantas coisas importantes ele tinha à sua volta. Talvez quando ele voltasse – "quando", e não "se", porque Harry acreditava piamente que ele voltaria – o Rony pudesse dar o valor merecido a tudo que ele tem.
- Esses ingredientes a gente pode conseguir pelo correio. – Hermione interrompeu sua linha de pensamento, apontando alguns itens no livro. – Diria até que em Hogsmeade a gente conseguiria, mas duvido que vão deixar a gente sair do castelo... – Quanto a esses aqui, – Hermione disse, apontando alguns outros. – eles são restritos, e não são vendidos pra qualquer pessoa. Eu acho que o Snape deve ter quase todos na sala dele, e algumas dessas ervas, a professora Sprout deve ter em uma das estufas... O problema é que esses ingredientes são caros, e eu não sei se a gente vai conseguir juntar dinheiro pra comprar tudo.
- Não se preocupa com dinheiro. – Harry disse meio sem jeito. – Eu não consigo encontrar nenhuma melhor maneira de gastar meu dinheiro do que essa.
- Mas Harry, você não tá entendendo... – Hermione explicou com o máximo de paciência, mas Harry conseguiu notar que ela estava se controlando para tal. – O dinheiro que você tem tá no banco. A gente precisa de dinheiro vivo pra comprar esses ingredientes.
- Mas eu tenho dinheiro comigo. – Harry respondeu no mesmo tom de Hermione. – No começo do ano, quando eu fui com os Weasleys no Beco Diagonal, eu peguei bem mais dinheiro do que de costume por precaução. Eu não sabia qual ia ser a próxima vez que eu iria poder fazer isso, então eu já peguei uma boa quantia pra me garantir...
- Você tá falando sério, Harry? – Hermione perguntou com um sorriso genuíno. Quando ela recebeu um balançar positivo de cabeça, ela prosseguiu. – Então hoje mesmo eu já mando o pedido! E assim que esses ingredientes chegarem, eu já vou adiantando a poção.
- Mas e os outros ingredientes? – Gina perguntou meio incerta. – Como é que a gente vai entrar na sala do Snape sem ser percebido?
- No segundo ano a gente fez isso... – Harry respondeu, lembrando-se do sufoco que foi.
- É... mas não havia uma guerra em andamento, e o Snape não tava tão na defensiva como tá agora. Ele não sai mais daquela sala nem pra comer... As únicas vezes que ele não tá na sala dele é quando ele tá sendo um espião, ou quando tá em reunião com a Ordem da Fênix... – Gina notou, e Harry teve que concordar. Com certeza as circunstâncias eram diferentes.
- Tem razão... – Harry respondeu. – Mas talvez eu saiba de alguém que possa ajudar... – Harry inconscientemente abria cada vez mais o sorriso. – No ano passado, o guelricho que eu usei na segunda tarefa veio da sala do Snape, e eu nem tive que entrar na sala dele...
- Então como é que você conseguiu? – Gina perguntou curiosa.
- O Dobby! Foi ele que pegou, e talvez ele possa fazer esse favorzinho pra gente... – Harry respondeu, e notou o olhar de compreensão da Gina, seguido por um sorriso. – O que você acha, Mione? Mione?
Harry teve que chamar a amiga duas vezes, pois enquanto ele conversava com a Gina, ela retomou sua leitura e suas anotações, para as quais Harry nem viu de onde Hermione tirou o papel e a pena.
- Quê? – Hermione perguntou sem tirar os olhos do livro.
- Bom, esquece! – Harry respondeu sorrindo. – Pode deixar que eu e a Gina vamos conseguir os ingredientes que não podem ser comprados. A gente só precisa de uma lista com os nomes deles.
- São esses aqui... – Hermione redargüiu, enquanto copiava os nomes com uma velocidade incrível para um pedaço de papel avulso e o entregou para Gina.
- Ok, a gente vai ver isso agora. – Harry respondeu levantando-se, e Gina fazendo o mesmo. – A gente já volta.
- Tá. – Hermione respondeu. – Enquanto isso, eu vou adiantando aqui a leitura.
Harry e Gina deixaram a sala com destino certo: a cozinha.
Continua no Capítulo Quarenta e Nove...
