Capítulo Cinqüenta e Quatro
ANIMAL-GUIA
A escalada era exatamente como Harry se lembrava: exaustiva. As horas de sono não dormido estavam começando a pesar muito mais do que ele esperava, e talvez também a antecipação pelo que estava por vir também fosse um fator de cansaço. Em alguns minutos ou horas muita coisa seria resolvida, e Harry não sabia se ser realista era a visão otimista ou a pessimista.
- Gina! – Hermione exclamou, segurando o braço da menina, quando ela pisou em falso e escorregou, quase caindo.
- Tá tudo bem... – Gina assegurou Hermione e Harry, que na mesma hora que ouviu o grito, correu para o lado dela. – Eu só escorreguei, mas já tô bem...
- Então, por favor, presta mais atenção, porque o que a gente menos precisa agora é ter que chamar por socorro. – Hermione não tinha a intenção de soar tão severa, mas as suas palavras o eram, e Harry percebeu pelo olhar de Gina, que ela se magoara levemente.
Pelo resto do caminho, Harry tentou não pensar muito no que aconteceria, mas foi inevitável. Visões do Voldemort, seus Comensais da Morte e do Rony não deixavam sua cabeça, e a ansiedade era o pior. Como ele próprio havia dito para a Gina há algumas horas, as conseqüências poderiam ser diversas. É claro que ele esperava pela melhor: que o Rony voltasse são e salvo, e que ninguém se ferisse. Mas talvez... talvez fosse pedir demais. Em seus primeiros encontros com o Voldemort, nada de mais grave acontecera, mas em seu último encontro... A história não foi exatamente um conto de fadas. As pessoas não viveram felizes para sempre, e o vilão não foi derrotado. Pelo contrário. Um inocente é que foi vítima, e pagou com a vida por estar no lugar errado, na hora errada. Cedrico Diggory morreu porque entrou no caminho entre o Voldemort e o Harry. E Harry rezava com todas as forças que o Rony não estivesse no mesmo caso, e que seu futuro não fosse o mesmo que o do Cedrico.
Harry lembrou-se do começo do ano, quando Gina chorava por ter perdido sua melhor amiga. Naquela ocasião, ele se pegou pensando o que faria se perdesse um de seus melhores amigos, e chegou à conclusão de que seria impossível manter-se são se algo acontecesse. Agora o risco era real. Ele realmente corria o risco de perder Rony. O seu melhor amigo desde as primeiras horas que se conheceram, há quase cinco anos. Os cinco anos mais importantes da vida de Harry e que, com certeza, não seriam os mesmos sem o melhor amigo ao seu lado. Um nó formou-se na garganta de Harry, e ele tentou pela milionésima vez afastar essa linha de pensamento de sua cabeça. Não tendo sucesso, ele percebeu que não adiantaria afastá-los. De qualquer jeito, em pouco tempo, esses pensamentos poderiam tornar-se realidade, e aí... aí não teria como fugir.
- AAAAHHHHH!! – Harry sentiu uma dor absurda em sua cicatriz e caiu de joelhos na mesma hora.
Era a mesma dor que ele sentira na reunião da Ordem, e como naquela ocasião, ele ouviu um sussurro: "Findi Angustia". A dor foi diminuindo levemente e, com isso, os sentidos de Harry foram voltando, e ele sabia que Gina dividia a sua dor.
- É o que eu tô pensando? – Hermione perguntou numa mistura de aflição, preocupação e antecipação.
- Provavelmente... – Gina respondeu. – Mas não é só isso... – Ao receber olhares confusos de Harry e Hermione, a menina resolveu elaborar melhor. – O Voldemort sabe que eu tô aqui. Assim como eu sinto a presença dele, ele sente a minha...
A dor estava diminuindo e sua cicatriz estava voltando ao normal; Harry sabia que com a Gina, o mesmo devia estar acontecendo.
- Como assim, você "sente"? – Hermione perguntou perplexa, dando voz a uma pergunta que Harry também queria fazer.
- Eu não sei explicar direito, mas acontece a mesma coisa quando o Dumbledore, por exemplo, está por perto. É como se algo me alertasse que ele estivesse nas proximidades, eu não sei dizer exatamente onde, mas sei que ele está. – Gina respondeu. – Uma vez eu perguntei isso ao Dumbledore, e ele disse que uma assinatura mágica forte, e principalmente consolidada na maioria das vezes com a experiência, pode ser sentida por outros bruxos mais sensíveis a isso. No meu caso, provavelmente é a feitiçaria... Mas vamos deixar isso pra outra hora... – Gina disse, demonstrando exasperação. – O que a gente precisa agora é correr... A gente já sabe que o Voldemort tá aqui, e que o Rony muito provavelmente está com ele...
Harry ouviu as palavras de Gina, e um senso de desespero foi crescendo dentro dele. Ele precisava fazer algo. E tinha que ser imediatamente. Chegarem os três, sem mais nem menos, com toda a tranqüilidade, não daria certo nunca, e Harry sabia muito bem disso. Além do que, Harry sentia um tom de urgência na dor que ele acabara de sentir. Talvez pela maior proximidade, Harry não sabia o exato motivo, mas do que ele tinha certeza era de que o Rony precisava muito mais dele agora do que há algumas horas. De repente, algo lhe veio à cabeça. Algo extremamente arriscado e perigoso, mas muito melhor que continuar o caminho que, com certeza, entregaria ao Voldemort mais três prisioneiros.
- Gina? Lembra daquele livro com feitiços antigos que a gente achou sobre Animagia? – Gina balançou a cabeça em sinal de positivo e franziu a testa. Provavelmente ela já tinha uma suspeita do que Harry lhe pediria. – Você disse que seria capaz de fazer um deles, e eu quero que você faça.
- Mas, Harry... – Gina tentou argumentar. – Pra quê? A Hermione já conseguiu se transformar, e a forma animal dela não nos ajudaria em nada nesse momento! – Gina olhou desconfiada para o Harry, e ele sabia que Gina entendera o que ele queria.
- Eu tô falando de mim, Gi. Eu quero que você lance o feitiço em mim. Eu quero chegar antes de vocês até o Voldemort, e quero que ele nem desconfie que eu esteja perto dele. – Harry explicou e recebeu um olhar repreensivo da Hermione.
- Harry, você sabe que isso não daria certo! – A própria Hermione disse. – O que você poderia fazer na sua forma animal, que a gente nem sabe qual é? E pior de tudo... sozinho!
Gina apenas olhou significativamente para o Harry, sem lhe dizer nada. Seu olhar revelava concordância com o que Hermione acabara de dizer, e ele próprio não podia negar que o raciocínio fazia sentido, mas ele precisava fazer algo.
- Mas se eu estiver transformado... – Harry argumentou. – a minha forma pode surpreender, e vocês duas podem ir debaixo da Capa para não atrair atenção. Não é muito, e a gente não tem garantia, mas é melhor do que chegarmos nós três sem plano nenhum, nem idéia do que fazer!
- Harry... – Gina suspirou cansada e fitou Harry com os seus olhos pesados. – Esse tipo de feitiço não pode ser testado... ele é à base do tudo ou nada. Ou ele dá certo, ou não dá. E se não der... qualquer coisa pode acontecer. É um risco que não dá pra ser corrido!
- Pois eu digo que dá. – Harry disse convicto e se aproximando de Gina, olhando-a diretamente nos olhos como ela própria estava fazendo. – É a única chance que a gente tem e, conseqüentemente, que o Rony tem. Você disse que queria fazer algo pra ajudar, que queria ser parte disso... chegou essa hora...
- Mas, Harry... – A expressão de Gina era de completa aflição. – E se alguma coisa acontecer com você?! E se você se machucar, ou sofrer? Não há relatos de que mais ninguém, a não ser quem inventou, tenha conseguido fazer esse feitiço com suces--
- Eu confio em você, Gina...
Gina interrompeu qualquer coisa que iria dizer e engoliu seco. Para ser sincero, Harry estava sim muito nervoso com o que poderia acontecer. Mas algo dizia para ele que essa era a saída. Como se seu próprio animal quisesse ser libertado, e sua forma Animaga é que quisesse ir até o Rony.
Harry olhou de relance para a Hermione, que lhe sorriu levemente, e voltou sua atenção para Gina. Ele a viu se decidir e respirar fundo. A menina primeiro sussurrou "Eu te amo", e depois finalmente manteve contado visual e toda a sua concentração. Harry não sabia por que – talvez para aumentar a sua confiança, ou o poder do feitiço – mas Gina preferiu sacar a varinha e usá-la.
- Corpus Mutare. Expecto Animalia.
Harry sentiu algo surpreendente. Era como se algo dentro dele estivesse lutando para se liberar. Era maravilhoso sentir seu corpo mudar, tomar forma, sentir sua mente espairecer e ter uma visão simplificada das coisas, assim como é típico dos animais. A visão de Harry também mudou, e ele era capaz de enxergar objetos a quilômetros de distância. Seu tamanho diminuiu consideravelmente, e ele sentiu a proteção de várias penas envolvendo o seu corpo. Harry abriu os braços, que não eram mais braços, e sim asas. Ele sabia que era bem grande para uma ave, mas naquele momento, ele não quis analisar muito a situação. O animal que estava em estado latente dentro dele, simplesmente sabia o que era, e como se não tivesse tempo a perder, saiu voando. O sentimento de urgência que Harry sentira antes só aumentou, e ele começou a bater asas e levantou vôo.
Como era maravilhoso! Se o sentimento de voar na sua Firebolt era demais, nada se comparava ao vôo natural de uma ave. Harry sabia de alguma forma ou de outra, que seria um animal voador. Desde que subira em uma vassoura pela primeira vez, ele sentiu como se o céu fosse meio dele também, e agora Harry entendia bem o porquê. Sentir o vento na parte debaixo da sua asa, e sentir como se o ar o levantasse era uma das melhores coisas que Harry já havia sentido até o presente momento. Tudo parecia tão certo em estar voando...
De cima, Harry olhou para baixo e conseguiu ver com clareza Gina e Hermione olhando para o alto tentando vê-lo. Os primeiros raios da aurora já iluminavam o céu e, por isso, as duas meninas tinham as mãos levadas aos olhos. Com bastante clareza também, Harry pôde ouvir Hermione dizendo à Gina:
- Rápido! Vamos pegar a Capa e ir correndo... O Rony não pode mais esperar!
Gina e Hermione sumiram debaixo da Capa de Invisibilidade, e Harry, batendo suas asas, rumou em direção às cavernas. Não muito longe, ele já era capaz de vê-las. Com certeza as meninas não demorariam muito a chegar. Voando com o máximo de velocidade que podia ministrar, Harry foi até a entrada da caverna, e como já esperava, três Comensais da Morte aguardavam na entrada de uma delas. Harry sabia que precisava fazer algo, mas não sabia o quê. Como uma ave poderia impedir três Comensais da Morte? Talvez Hermione e Gina até pudessem passar pelos três sem problemas, com o auxílio da Capa. Mas era melhor não arriscar, além do que, quanto menos Comensais para ajudarem Voldemort, melhor.
Algum instinto dentro do Harry fez com que ele esperasse alguns minutos até que as meninas estivessem bem próximas da entrada e, por conseqüência, bem perto dos Comensais. Ele não sabia como ele tinha a capacidade de ouvir os mínimos sons que elas poderiam estar fazendo, como a respiração pesada, ou até notar a diferença na terra por onde elas pisaram, mas todos esses indícios foi o que mostrou a Harry que elas já estavam perto. Assim que a presença delas foi notada por ele, Harry começou a cantar. Cantar? Nem ele sabia o que estava fazendo; era como se somente o seu instinto existisse, e bom senso e racionalidade tivessem se perdido em algum momento durante a sua transformação.
Harry olhou fixo para os Comensais da Morte e percebeu que eles estavam quase que com medo do que ouviam. Era como se o canto do Harry estivesse amedrontando aqueles três. Como que combinado, Hermione e Gina lançaram feitiços e, aproveitando o momento de hesitação dos Comensais, elas conseguiram deixar os três inconscientes.
Harry nem chegou a entrar na caverna. Ele simplesmente desejou achar Rony o mais rápido possível, imaginando pelo que ele poderia estar passando. Harry pensou no interior de uma caverna e, quando abriu os olhos, era exatamente onde ele estava. Era como se Harry tivesse aparatado para dentro da caverna. Por um momento ele pensou em Gina e Hermione, e chegou a se preocupar, pensando se não teria mais algum outro Comensal pelo caminho, mas sua linha de pensamento foi interrompida.
- Ora, ora... – Harry virou-se na direção do som que chamara a sua atenção e, sem dúvida nenhuma, reconheceu a forma sinistra de Voldemort. – Quer dizer então que a feiticeirinha não veio sozinha, afinal de contas? O Dumbledore está ficando cada vez mais caduco... Eu esperava, no mínimo, algum tipo de reação, mas o que aquele velho espera que uma fedelha e uma ave façam pra me vencer?
Voldemort riu em desdém, e Harry pensou no que ele acabara de dizer. Então Gina estava certa, Voldemort era capaz de sentir que Gina estava próxima e, como ela, devia ser capaz de sentir quando o Dumbledore estivesse por perto também. E Voldemort, com certeza, sabia que o diretor de Hogwarts não estava junto de Gina.
Harry tirou sua atenção de Voldemort e procurou Rony. Acorrentado, o menino estava preso à parede da caverna, e de cabeça baixa. O estado no qual ele se encontrava era deplorável, e Harry sentiu um nó em sua garganta. Rony levantou levemente a cabeça e olhou para o Harry, mas provavelmente não encontrando o queria, deixou sua cabeça tombar mais uma vez.
- Foi isso que você veio buscar? – Voldemort perguntou, aproximando-se de Rony.
Harry bateu as asas em aflição e começou a emitir sons em sua frustração de evitar que Voldemort se aproximasse do Rony. Voldemort riu mais uma vez e comentou:
- Nem adianta começar a cantar, bichinho nojento... Você não vai conseguir me assustar, porque nem coração eu tenho! – Dessa vez, Voldemort riu com mais gosto, e Harry sentiu um frio na espinha que há muito não sentia.
Enquanto Voldemort ainda ria, Harry sentiu mais uma presença e olhou para o túnel que dava acesso à câmara onde eles se encontravam. Harry não tinha dúvida de quem era e, pelo jeito, nem o Voldemort.
- Dumbledore achou que você seria capaz de me deter? – Voldemort fez o comentário direcionado ao cachorro que acabara de chegar. Sirius se transformou e, antes mesmo que pudesse dizer qualquer coisa, Voldemort continuou. – Já que vocês romperam o acordo... Nagini!
Harry voou o mais rápido que pôde em direção ao Rony, mas foi tarde. A cobra de Voldemort, que se escondia na escuridão tão bem como só uma cobra era capaz, deu o bote mais rápido do que Harry pôde reagir. Ela estava bem próxima de Rony, e tudo o que Harry pôde ver, foi as presas de Nagini fincando o ombro do Rony. O seu amigo gritou com todas as forças – que já não eram muitas – e Harry mais do que depressa, não pensou duas vezes em fincar as suas garras no corpo de Nagini e, com toda a raiva que sentia, foi capaz de dilacerar a cobra, que sangrava muito. Logo, a força de Nagini no ombro do Rony diminuiu, e Harry sabia que a cobra estava morta. Mas não adiantava muita coisa...
Harry olhou para o amigo, que estava de cabeça baixa, e a respiração tão rara, que era quase inexistente. Rony tossiu, e Harry voou para o outro ombro de Rony, sem saber o que fazer. Ele queria se transformar de volta, mostrar ao Rony que ele, Harry, estava ali do lado do amigo, mas mais uma vez, era como se o seu animal fosse mais poderoso que ele, e ele tivesse que se render, e ficar na forma que estava.
Num plano de fundo, Harry ouviu Sirius gritar e Voldemort rir, mas isso não tinha importância naquele momento. Claro que Harry se preocupava com o seu padrinho, sozinho com Voldemort. Aliás, como é que Sirius estava ali? Mas naquele instante, tudo o que Harry podia pensar era em seu melhor amigo, que acabara de ser picado por uma cobra que provavelmente era venenosa, e estava agonizando bem na frente de seus olhos. E Harry nada podia fazer para ajudar...
Continua no Capítulo Cinqüenta e Cinco...
