Meu menino, meu milagre

I

Às vezes ainda estranho esse relacionamento peculiar e invulgar que eu e Kanon desenvolvemos ao longo dos anos. Tive um pouco de receio no inicio por sermos irmãos; mas após ler sobre relacionamentos endogâmicos, perdi o receio ao ver que irmãos na Antiguidade se relacionavam entre si e não havia reprimendas. Pelo contrário: em alguns casos tais enlaces eram mesmo incentivados e arranjados.

Li sobre o incesto no Egito antigo. Os faraós eram considerados deuses na Terra, e portanto dignos de se relacionar apenas entre parentes. Muitos deles fizeram casamentos dentro da própria família. Era extremamente comum.

Tal constatação a mim é muito peculiar e mesmo interessante; pois as pessoas, na vila de Rodório, dizem que eu sou como se fosse um deus encarnado na Terra. Eu sei que isso não é verdade; conheço meus defeitos melhor do que ninguém. Porém, eu, assim como os faraós, supostos deuses encarnados na Terra, também me relaciono de forma incestuosa com meu irmão.

Kanon. Meu irmão mais novo.

Embora sejamos gêmeos, eu nasci dez minutos antes dele. Tal fato determinou toda a vida de nós dois: eu sou o Cavaleiro de Gêmeos titular, ao passo que ele é apenas o "Segundo"; apenas poderá assumir seu posto caso um dia eu falte ou esteja ausente. E portanto ele não pode aparecer em público. Para todos os demais, Kanon não existe.

Creio que é um exagero colocar as coisas dessa forma, porém se é assim que o Grande Mestre determina, assim eu aceitarei as condições.

Kanon recebe todos os treinamentos de mim. Ele tem também de aprender todos os meus trejeitos, usa as minhas roupas... tudo isso porque, nas poucas vezes em que meu irmão sai à rua, tem de fingir ser eu de maneira perfeita. Meu irmão nasceu canhoto e eu destro; pois ele também teve de aprender a escrever com a mão direita, sendo hoje ambidestro. Apenas para um dia possivelmente fingir ser eu.

Até mesmo as simples saídas de Kanon ao mundo exterior tem de ser minuciosamente planejadas e sincronizadas por nós dois, pois não podemos ser vistos juntos na ruas. Quando ele volta, tem de me contar quem viu e o que falou, com detalhes. Caso contrário, a pessoa com quem ele falou pode me ver posteriormente e eu posso vir a agir de maneira contrária ao que ele fez ou disse.

Tudo isso nos dá muito trabalho, eu confesso, porém nos traz mais juntos e unidos do que quaisquer outros irmãos que existam. Aioria e Aioros, por exemplo, por não serem gêmeos, podem sair juntos. Todos sabem que ambos existem e são irmãos. Já eu e Kanon... temos de nos conformar com o fato de o Destino ser dessa forma, somente por sermos gêmeos idênticos.

E foi justamente por não ter vida social alguma, e apenas um contato superficial com as pessoas de fora, que Kanon se apaixonou por mim.

Sim, por mim, seu único parente vivo.

Parece loucura, e às vezes também acho que é. Mas eu descobri que não desejava dividir Kanon com mais ninguém. Todos esses anos sendo a única referência dele fizeram com que eu o cresse "meu".

E de fato ele é meu. Pois de repente nos descobrimos apaixonados um pelo outro, Kanon morto de ciúmes de uma certa aldeã a qual estava se interessando em mim. E eu, de repente, descobri que também odiaria ver ele com qualquer outra pessoa.

Kanon é meu. Nasceu do meu corpo, um dia ambos já fomos um. Não levamos a vida de irmãos comuns, nem mesmo de gêmeos comuns. Kanon é meu.

Então eu decidi fazer sexo com ele. Confesso que foi maravilhoso; no início eu temia feri-lo no ato, mas ele não demonstrou se sentir mal; pelo contrário, simplesmente adorou.

Foi bom. Eu no início tencionava ficar virgem, assim como Atena é eternamente virgem. Mas eu me apaixonei por ele. E eu o quero só para mim.

Podem achar que é narcisismo um gêmeo idêntico se apaixonar por outro, mas eu não penso assim. Ele tem algo de muito diferente de mim. Justamente por ficar aqui preso é que ele tem uma... vontade de viver muito maior do que a minha? Sim, é isso que ele tem. Ele é elétrico, ativo, ousado. Na pouca liberdade que tem, ele sempre tenta imprimir uma marca sua, forte e intensa, em tudo o que faz. Ao contrário de mim, que sempre fui contido, calmo, obediente. Kanon é voluntarioso até na maneira de olhar. Isso me deixa um pouco ressabiado, mas não deve ser nada demais.

Na verdade, eu admiro o que Kanon tem e eu não tenho.

Um dia, quem sabe, algo ocorra e nós dois possamos ter uma identidade pública definida. Enquanto isso não acontece, vamos vivendo dessa forma. Eu sou muito admirado, não só por ser o Cavaleiro de Gêmeos, mas por gostar de ajudar os demais na vila de Rodório. Não creio que ser um Cavaleiro se resuma somente a lutar e sim em fazer o bem àqueles que precisam.

Mas eu fico ansioso para ver Kanon no final do dia.

Quando volto para casa, passo os exercicios de treinamento para ele. Nem mesmo meu mestre pode saber quem é Kanon, portanto eu recebo os treinamentos dele e repasso todos a Kanon, pois ele tem que ter o mesmo nível de poder e as mesmas técnicas que eu a fim de um dia me substituir caso seja necessário.

E depois de treinarmos... bem, depois de treinarmos nós nos beijamos e, quando temos vontade, fazemos sexo.

Nossa vida sempre foi muito regrada, por isso eu insto para que não gastemos muita energia no ato sexual em si, a fim de estarmos dispostos a treinar no dia seguinte.

Ele fica aborrecido. Não tem a mesma devoção que tenho por Atena; na verdade, nem a metade. Ele no fundo é uma boa pessoa; nunca competiu comigo, sempre disse que o "verdadeiro dono" do título de Cavaleiro de Gêmeos sou eu. Nunca rivalizou comigo ou demonstrou ter inveja ou ciúme de eu ser o que aparece em público. Ele tem raiva, sim, do mestre Shion. Desse ele se pela de raiva, pois acha que é dele a culpa de sua reclusão.

Mas a mim, a única pessoa com quem ele pode verdadeiramente interagir e ter uma identidade, ele elogia, ele diz mesmo que adora. E me beija, e diz que me admira grandemente.

Eu não posso abandoná-lo. Ele não tem mais ninguém, somente a mim.

Ao contrário do que eu pensava no início, não sinto que nosso incesto é algo impuro, pelo contrário. Sinto que unimos nossas energias ainda mais.

Após começarmos a ficar juntos como um casal, passei a chamá-lo de "meu menino". Kanon, apesar de ainda ser adolescente, já tem aparência de homem feito, assim como eu. Eu o chamo de "menino", porém, porque cuido dele todos os dias. Porque o conheço desde novinho. Desde sempre, aliás. Não me recordo de nenhuma lembrança em minha vida na qual não houvesse ele.

Cavaleiros de Atena não são incentivados a terem relacionamentos amorosos, uma vez que as consortes, ou mesmo os filhos dessa união, poderiam vir a ser usados como chantagem ou reféns numa situação de guerra. Todavia, eu e Kanon somos ambos guerreiros, e por sermos dois homens não teremos filhos juntos.

Pelo fato de não sermos cobrados a termos família - e mesmo instados a não ter - a sociedade jamais estranhará se continuarmos solteiros. Kanon, é fato, jamais poderia se relacionar abertamente, pois sequer existe como pessoa para os demais.

E em meu caso, somente eu o conheço. Somente eu poderia beijá-lo, somente eu poderia fazer amor com ele - como de fato sou eu quem faço tudo isso. Kanon é meu.

Um dia, sem que ele esperasse, eu disse a ele que o adorava. Meu irmão se sobressaltou, assustado:

- Como assim, Saga? Você é quem deve ser adorado. Quem sou eu afinal de contas? Eu não sou nada! Sou apenas o "Segundo", o qual fica aqui o dia inteiro trancado! Estou mais para "Ninguém" do que para "Segundo" de qualquer forma...

- Pois eu o considero ainda mais admirável. Tem que ficar escondido, não pode sequer aparecer em público, mas tem de apresentar um nível de poder exatamente igual ao meu, justamente para me substituir caso seja necessário. Seria, portanto, digno de tanta admiração quanto eu nas vilas e adjacências. E mesmo assim não o é... seu caminho é muito mais difícil do que o meu por causa disso.

Ao ouvir tais coisas, Kanon abaixou a cabeça, consternado. Era claro que ele não gostava de viver dessa forma. Apenas vivia porque não existia outro jeito. E então aquele fogo ardia em seus olhos, com uma chispa de... malícia?

Eu ainda não o vejo, porém, como uma pessoa ruim. Ele é bom em sua essência; apenas precisa ser direcionado.

E eu o ajudarei neste aspecto.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

Ai genteeeeee, mais fics de gêmeos! Rssssss! Essa eu já estava idealizando há algum tempo na minha cabeça, vamos ver como sairá!

Vocês já devem ter reparado, mas a fic será toda Saga POV ("Point of View") e narrará os eventos desde a adolescência dos gêmeos, até a ressurreição deles após Hades. Muita gente considera esse tipo de fic bem "chata", pois se foca muito mais nos sentimentos do que em ações propriamente ditas.

Já escrevi várias assim, porém ao passo que "Verdadeira Vontade" (minha fic de capítulos mais recente) narra mais as ações, esta presente fic narrará como estarao a mente e o coração do Saga durante esse tempo.

E olha que vai chão, viu. O Saga sofreu. Não deram quase atenção ao que ele passou no anime clássico (e nem nos fillers, e se querem saber nem nos gaidens "Origins" e "Destiny"), mas felizmente podemos escrever fics sobre isso, rsssss!

Neste primeiro capítulo, ambos têm entre dezesseis e dezessete anos de idade, e começaram a se relacionar de forma incestuosa com quinze anos. Em minhas fics, eles têm cinco anos a mais do que na obra original, e portanto Kanon só será preso no Cabo Sounon, e posteriormente Saga será totalmente possuído pelo Lemur, aos vinte anos de idade.

Esse começo ainda está "docinho", com o Saga tendo todo o prestígio no Santuário e o Lemur ainda latente, sem se demonstrar. Guenta que em breve ainda vai ter muito angst. É, eu não perco a mania do angst. O final, porém, será muito feliz! Uma genuína mensagem de que a Esperança nunca morre de fato.

Beijos a todos e todas! Espero atualizar em breve!