Capítulo 2 – Adaptando-se
Assim que o sol nasceu, na manhã de segunda-feira, Trunks acordou. Estava se sentindo ainda mais cansado do que quando fora dormir. E isso era resultado do esforço descomunal que fazia para não tocar ou então tocá-la apenas o mínimo possível em sua mulher... O problema era que Pan não colaborava em nada. As carícias, os beijos, o cheiro dela... Tudo o instigava! Tinha a impressão que ele e a esposa, naquela realidade, tinham uma vida íntima bem ativa. E pelo jeito, teria que inventar inúmeras desculpas para não dormir com ela, apesar desta ser sua maior vontade. Parou por uns alguns instantes e ficou observando Pan, que dormia tranqüilamente. Ela tinha as feições relaxadas e um sorriso sereno, nem de longe lembrava a mulher espirituosa que era quando acordada.
Um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Trunks. Ele ainda se recordava da primeira vez que reparara que Pan não era mais uma 'menininha'. Foi no décimo sexto aniversário de Bra, dois anos depois do desaparecimento de Goku. Para comemorar os 'doce dezesseis' da filha, Bulma resolvera dar um grande baile a rigor, convidando muitas pessoas, inclusive todos os guerreiros Z e suas famílias. Trunks estava conversando com Marrom quando viu a família Son entrar. E Pan vinha com eles, de braços dados com Goten. O jovem de cabelos cor de lavanda sentiu a boca secar de imediato. Pan usava um vestido vermelho longo, estilo chinês, com gola alta e mangas curtas. Havia uma fenda do lado direito que ia do alto da coxa até o pé, permitindo-a movimentar-se com graça. A roupa estava colada no corpo dela como uma segunda pele, deixando bem pouco a imaginação. E tudo piorou quando ela se virou para cumprimentar a aniversariante. O vestido, que era bem simples na parte da frente, tinha um enorme decote na parte de trás, deixando as costas de Pan à vista. Somente quando Marrom lhe deu um tapa na nuca, rindo até não poder mais e ordenando que ele fechasse a boca antes que entrasse uma mosca, foi que Trunks saiu de seu devaneio.
O jovem guerreiro passou a festa toda observando a 'nova' Pan, vendo-a mover-se graciosamente pelo salão, dançando com o pai, o tio e com alguns amigos, rindo e divertindo-se. Tinha a impressão que de vez em quando ela o olhava com aqueles olhos e sorriso faceiros, como se ela soubesse de algo que ele não sabia. A mente de Trunks estava um turbilhão. Uma garota não podia mudar tanto do dia para noite, podia? Onde estava a Pan elétrica e espevitada que invadira uma nave espacial apenas para embarcar numa grande aventura? Sua resposta veio alguns minutos depois quando uma comoção na mesa das bebidas chamou sua atenção. Foi verificar e avistou uma exaltada Pan, segura por Goten e Ubb, enquanto à frente deles um pobre homem estava estatelado no chão, com a tigela de ponche na cabeça. Descobriu depois, enquanto dançava com uma Pan bem mais calma, que o idiota tentara passar a mão nela e ela virara o ponche nele. Ambos passaram o restante da noite rindo, dançando e conversando. Juntos. Trunks não se lembrava de ter se divertido tanto num dos bailes de sua mãe. E ele tinha certeza que, apesar da aparência mais glamurosa e extremamente feminina, Pan continuaria a ser a mesma molecota de sempre.
E não estava enganado. Nos anos que se seguiram antes que ele desse o fora nela e no pequeno tempo que passara naquela nova 'realidade', Trunks percebeu que conviver com Pan era como abrir uma caixa de surpresa. Nunca se sabia o que poderia acontecer no instante seguinte...
Sorrindo, levantou-se com cuidado da cama e foi até a varanda. Sem se importar com o frio que fazia, ficou contemplando o céu, vendo as cores do firmamento mudarem lentamente. Estava perdido em pensamentos quando sentiu duas mãos, pequenas e quentes, abraçarem-no pela cintura e deslizar suavemente por seu abdômen. Sentiu um arrepio quando os lábios dela tocaram em suas costas.
"Está frio aqui fora...", ela disse baixinho, apertando-se contra ele.
"Um-hum", ele concordou.
"O que houve?", Pan perguntou preocupada. "Teve outro pesadelo?".
"Não...", o guerreiro respondeu rouco. "Só estou sem sono...".
As mãos dela voltaram a deslizar por sua pele. "Sei de um jeito de fazer seu sono voltar", ela ronronou sedutora. "Venha... Vamos para a cama. É cedo e as crianças ainda estão dormindo".
Buscando desesperadamente por uma desculpa em sua mente enevoada pelas sensações que a esposa lhe despertava, Trunks deu um passo para o lado, saindo do abraço dela. Era mais fácil pensar sem aquelas duas mãoszinhas passeando por sua barriga. "Não posso, Pan...", ele disse, vacilando diante do olhar desapontado dela. A vontade de agarrá-la e jogá-la na cama voltou mais forte que nunca. "Tenho um compromisso...", mentiu.
"Compromisso?", ela estranhou.
'Droga!', praguejou Trunks, passando a mão pelos cabelos, tentando pensar rápido. Qual era a única coisa no mundo que o faria sair da cama quentinha que dividia com a garota de seus sonhos? A imagem de Vegeta surgiu-lhe como um estalo. "Vou treinar com meu pai".
Pan concordou com a cabeça, se afastando. Assim que chegou na porta de vidro que separava o quarto da varanda, ela parou. "Trunks?".
"Sim?".
Ela o encarou diretamente nos olhos. "Se estivesse acontecendo alguma coisa com você... Qualquer coisa", ela enfatizou bem. "Você me contaria, não é?".
"Pan...". Trunks se sentia culpado por não poder contar a verdade a ela. E o que diria? 'Olá, eu sou Trunks mas não sou o seu marido de verdade... Eu te dei um fora há oito anos atrás e não te vejo desde então'? Ela o pulverizaria. Com absoluta certeza.
"Antes de sermos casados, éramos amigos, Trunks", ela continuou, com uma expressão abatida, que logo se transformou numa determinada. "Sabe que pode contar comigo no que precisar, não é?".
Trunks assentiu com a cabeça, sem palavras.
"Ótimo!", ela deu aquele sorriso dela, herdado de Goku. "Agora, acho melhor você se trocar... Nós dois sabemos como seu pai fica quando você se atrasa". Ela cruzou o pequeno espaço que os separava e o puxou para baixo, beijando-o nos lábios. Trunks segurou-a pela cintura e correspondeu o carinho.
"Nos vemos mais tarde no dojo, certo?", ela perguntou meio ofegante, quando o beijo terminou. Ele concordou com a cabeça outra vez.
Trunks viu Pan se afastar, com uma imensa vontade de jogar seus escrúpulos para o alto, levá-la para cama e esquecer-se do mundo nos braços dela. No entanto, suspirou e controlou-se. Trocou de roupa e voou para se encontrar com Vegeta, o Príncipe dos Saiya-jins.
Não demorou muito para aterrizar diante da Corporação Cápsula. Estava prestes a bater na porta quando esta se abriu, revelando ninguém menos que Vegeta, o olhando com sua costumeira cara fechada.
"Pai?!", assustou-se Trunks. "Como sabia que eu...?".
Vegeta revirou os olhos e deu passagem para o filho. "Senti seu ki, moleque".
Os dois caminharam diretamente para a Sala de Gravidade. Vegeta fechou e travou a porta depois que entraram e virou-se para Trunks, de braços cruzados. "Desembucha!", rosnou.
"Hã?".
"Fale logo de uma vez, não tenho o dia todo...", ordenou o príncipe.
"Mas... como...?", Trunks estava realmente surpreso com a atitude de Vegeta.
O guerreiro o fuzilou com aquele olhar 'que pergunta mais idiota', antes de revirar os olhos outra vez. "Não sou cego, moleque... E sou seu pai. Claro que eu ia perceber que tem algo errado com você".
Trunks resolveu confiar no pai e lhe contou tudo, desde o dia cheio de trabalho até como aparecera dormindo na cama com Pan. Da aparição das seenzen-jins até o fato de não saber nada da própria vida ou sequer conhecer seus filhos e sobrinho. Vegeta ouviu tudo com atenção, sem tirar seu olhar penetrante do filho.
"Então... É isso...", terminou Trunks. "Acha que estou louco?".
"Hmm", o príncipe ergueu uma sobrancelha. "Bem que eu achei que você estava diferente, mas não tinha idéia que você não era você".
"Acredita em mim, pai?".
Vegeta deu apenas um 'humpf', virando-se para ativar a gravidade da sala de treinamento.
"Me ajude então! Como faço para voltar para o meu mundo?".
O saiya-jin voltou-se para o filho. "Você não prestou atenção em nada do que aquelas coisas te disseram, não é, moleque? Você só vai voltar quando descobrir o que está faltando em sua vida...".
O que estava faltando em sua vida? Era isso que ele precisava descobrir? Ótimo... Pelo menos tinha uma pista do que fazer... "E quanto a Pan? E as crianças? O que eu faço?!".
No instante seguinte, Trunks se viu lançado a parede. O pai lhe acertara um raio de energia fulminante. Sacudiu a cabeça e levantou os olhos. Vegeta estava de pé, à sua frente, braços cruzados, semblante transbordando raiva.
"Às vezes me pergunto como eu e sua mãe, duas pessoas tão inteligentes, pudemos ter um filho tão lerdo!", ele rosnou. "Aproveite a oportunidade que lhe deram, moleque! Quer mesmo voltar para a vidinha medíocre que tinha antes?".
Atordoado, Trunks observou o pai sair da Sala de Gravidade. As palavras de Vegeta ressoavam em sua mente... 'Quer mesmo voltar para a vidinha medíocre que tinha antes?'. Não... Ele não queria voltar para aquele apartamento vazio, ou para um trabalho sem prazer... Apesar de tudo, a vida que tinha agora o satisfazia. Certo, conviver com duas crianças saiya-jins era um tanto cansativo, porém era muito divertido. E tudo valia a pena quando Pan o fitava com aqueles imensos olhos escuros... Ele adorava os olhos dela. Adorava tudo nela... O jeito como ela mordia o lábio inferior quando ficava nervosa, ou como as bochechas enrubesciam quando ela ficava embaraçada, ou como os olhos negros brilhavam quando ela estava feliz... Novamente, as palavras de seu pai lhe voltaram à cabeça. 'Quer mesmo voltar para a vidinha medíocre que tinha antes?'.
Determinado, levantou-se do chão. Iria aproveitar sua nova vida! Saiu a passos firmes da Sala de Gravidade. Encontrou a mãe e a irmã conversando na cozinha. Deu um abraço em cada uma, assustando-as no processo. Despediu-se sorrindo e voou para casa. Para sua esposa e seus filhos.
* * * * *
Depois de deixarem as crianças na escola, Trunks e Pan seguiram para o dojo que possuíam no centro da Cidade Satan. Era um prédio grande, construído como os antigos templos japoneses – telhado caído, grandes colunas. Encontraram Ubb e Marrom assim que entraram. Os dois amigos também davam aulas de artes marciais lá.
"Bom dia, Trunks", cumprimentou a loira. "Bom dia, Pan. Vocês levantaram cedo hoje".
"E vamos começar o dia com o pé direito!", respondeu Pan com um grande sorriso. Uma estranha felicidade a apossara desde que Trunks voltara para casa. Ele dissera que Vegeta não quisera treinar, o que era meio estranho... Depois, o marido a ajudara a arrumar os filhos e decidiu levar os pequenos para a escolinha junto com ela. O caminho para a escola de artes marciais foi feito num silêncio gostoso. Trunks dirigia o carro (eles não voavam para não chamar muita atenção) e, a cada instante, ele a olhava pelo canto dos olhos, com um pequeno sorriso nos lábios, fazendo-a se arrepiar toda. Definitivamente, seu esposo estava tramando alguma coisa.
"Ótimo", Marrom retribuiu o sorriso. "Vamos ver quais são as turmas que temos hoje".
Os quatro amigos seguiram para o segundo andar, onde ficava a secretaria e a parte administrativa da escola, onde encontraram a secretária, uma jovem ruiva, falando freneticamente ao telefone.
"Mas, senhor... Não faça isso, por favor!", ela balançava a cabeça, com olhos arregalados. "Espere, não desligue!".
"Srta. Inoue, algum problema?", perguntou Ubb.
"Oh, senhor Ubb...", a moça choramingou. "Estamos perdidos! Perdidos!".
"O que... O que está acontecendo?", foi a vez de Trunks perguntar. "Com quem estava falando no telefone?".
Claire Inoue olhou para o patrão. Briefs Trunks era o modelo de perfeição masculina. Alto, bronzeado, olhos azuis, corpo musculoso... Se não estivesse tão desesperada, com certeza, Claire teria suspirado pelo simples fato do chefe ter a olhado. Todas as mulheres da cidade, talvez do país, tinham inveja de Son Pan, a sortuda que conseguira fisgar o coração daquele deus grego.
"Era um de nossos fornecedores...", ela respondeu, saindo de seu devaneio. "Ele acabou de dizer que irá nos processar por conduta ilegal e falsa idoneidade...".
"Por que?!", assustou-se Marrom. "O que fizemos?".
"Ele nos acusou de não termos pagos as contas dos últimos dois anos...", a secretária suspirou. "E não é só isso... Esse não foi o primeiro a reclamar... Tenho recebido ligações assim há vários meses, mas o Sr. Sharpener disse que cuidaria de tudo...".
Sharpener? O que aquele idiota estaria fazendo ali? Trunks pensou, erguendo uma sobrancelha e achando aquilo tudo muito estranho. Em sua 'realidade', William Sharpener II era conhecido por seus atos fraudulentos... Será que naquela 'realidade', ele também era assim?
"Há quanto tempo o Sr. Sharpener não vem à escola, senhorita?", questionou o ex-presidente da Corporação Cápsula.
"Mais de duas semanas, senhor. Já tentei entrar em contato com ele, mas até agora não consigo".
"Por que não falou conosco antes?".
"Não queria aborrecê-los. O Sr. Sharpener me disse que vocês não gostavam de ser incomodados com assuntos administrativos e burocráticos".
"Hum...", Trunks ficou pensativo, analisando a situação. Se a escola realmente não tivesse pago as contas, podia muito bem ser processada... E ainda corria o risco de falir. Precisava tomar alguma atitude. "Eu cuidarei disso agora, Srta Inoue", afirmou, para o assombro de todos.
Ele entrou na sala da administração, sendo seguido por Pan. "Trunks, o que está fazendo?!".
"Vou tirar essa história a limpo, Pan", ele respondeu sentando-se na mesa de Sharpener e ligando o computador. "Srta Inoue, por favor, me traga todos os documentos de contabilidade, balancetes e prospectos assinados pelos Sr. Sharpener nos últimos três anos... Traga-me também os contratos dos fornecedores e todos os recibos que temos", ele ordenou para a secretária.
Pan observava o marido agir com uma naturalidade surpreendente. Era como se por toda a vida, Trunks fosse um administrador. O que ia de encontro ao fato dele ter abandonado a carreira quando se casaram.
"Pan?", ele a chamou.
"O que é?".
"Pode assumir minhas turmas, por favor?", ele se aproximou dela, com um sorriso arrependido. "Acho que vou passar um longo tempo nesta sala...".
"Tudo bem", Pan concordou, balançando a cabeça. Ainda não acreditava que o marido ia voltar naquelas papeladas todas. "Pensei que tivesse dito que queria distância de escritórios...", disse por fim.
"Mas esta é uma situação crítica, querida", Trunks respondeu, segurando o rosto da esposa e erguendo-o de modo que pudesse fitá-la nos olhos. "Se as coisas estão do jeito que penso, estamos correndo um sério risco... Muito mais sério que um processo...".
"Mais sério?". Ela o olhou interrogativamente.
"Falência".
Chocada, os lábios de Pan se abriram num grande 'O'. Como podiam estar falindo? A academia era considerada a melhor escola de artes marciais do país e tinha centenas, milhares de alunos, sem falar no marketing gratuito que seu avô, Hércules Satan fazia...
"Como isso foi acontecer, Trunks? Como podemos estar falindo?", perguntou Ubb que também entrara na sala. O homem negro estava tão abismado quanto à esposa, que tinha os olhos claros arregalados em surpresa.
"Não sei, Ubb... É isso que quero descobrir".
"Cuidaremos dos seus alunos, Trunks", disse Marrom. "Não se preocupe... E assim que tiver alguma idéia do que está realmente acontecendo, nos avise".
"Pode deixar, Marrom. E obrigado". O casal acenou com a cabeça e se retirou, fechando a porta do escritório, deixando Pan e Trunks sozinhos.
"O que faremos agora?", perguntou a moça de cabelos escuros.
"Vou analisar cada documento, cada recibo, cada papel desta escola... E vou descobrir o que aconteceu. Mas tenho uma leve suspeita...".
"Qual?".
"Acho que Sharpener nos roubou", ele admitiu. "Deve estar nos roubando desde que entrou aqui".
"Isso é uma acusação grave, Trunks", disse Pan, séria.
"Eu sei...", ele respondeu. "Por isso temos que descobrir alguma prova antes de podermos processá-lo e obrigá-lo a nos devolver todo nosso dinheiro".
"E como faremos para pagar as dívidas?".
"Não sei... Mas irei descobrir um jeito, não se preocupe". Uma batida na porta interrompeu a conversa.
"Ei, pessoal!", um sorridente Goten entrou. "Quais são as novidades? O que estão fazendo aqui?". Assim que o meio-saiya-jin terminou de falar, a secretária entrou, trazendo um parte do material pedido por Trunks.
"Vamos, tio Goten...", disse Pan, puxando o tio pelo braço. "Eu explico lá fora...".
Trunks ficou sozinho com aquele monte de papel. Soltando um suspiro resignado, sentou-se diante da mesa e começou a ler e fazer algumas anotações e cálculos. Aquele seria um longo dia.
* * * * *
Pan olhava para os filhos, que jantavam desanimados. As duas crianças estavam acostumadas com a presença do pai durante a refeição. O jantar era um dos momentos preferidos de Pan. Ver seus filhotes e seu marido conversando e rindo animados dava-lhe uma imensa satisfação. Tinha uma família feliz e desejava que as coisas permanecessem assim. Porém, sabia que Trunks estava ausente por um bom motivo. Ele telefonara avisando que iria demorar a voltar. Explicara para as crianças, e isso diminuiu a alegria dos pequenos.
"Mãe?", a voz de Rice chamou sua atenção. "Que horas o papai volta?".
Era a quinta vez que ela perguntava aquilo... Pan suspirou. "Não sei, querida... Tem muita coisa para resolver lá na escola. Não sei que horas ele vem".
"Mas as aulas já acabaram! O que ele está fazendo lá?".
"Seu pai está resolvendo um problema no escritório da escola, minha filha", respondeu a mulher. "Agora, termine sua comida".
Os três jantaram em silêncio. Depois da comida, Rice e Rizzo subiram para o quarto, enquanto Pan arrumava a cozinha. Quando terminou, subiu e pôs os filhos na cama. Ambos demoraram a dormir, sentindo falta de Trunks. Era o pai quem os levava para escovar os dentes, quem colocava os pijamas e quem contava histórias para dormir... Estava sendo uma mudança brusca na rotina. Por fim, quando os dois adormeceram, Pan desceu até a sala. Sentou-se numa poltrona, ligou a TV e ficou esperando o marido chegar.
Trunks retornou para casa de madrugada, cansado e com fome. Encontrou Pan adormecida na sala. Deu um beijo carinhoso na testa dela e seguiu direto para a cozinha, atrás de algo para comer. Devorou cinco pratos de macarronada antes de se dar por satisfeito. Pegou a inerte esposa nos braços e foi para o quarto. Pan tinha um sono muito pesado. Não acordou quando ele a colocou na cama e nem quando ele voltou para se deitar ao lado dela, depois de ter tomado um banho e colocado um pijama. Abraçado àquele corpo quente e macio, o homem não demorou muito a dormir também, esquecendo-se temporariamente da avalanche de problemas que batia à porta deles.
* * * * *
Os dias se passaram rapidamente e logo viraram semanas... Depois de ter descoberto que estavam à beira da falência, Trunks se tornou o novo administrador da Escola Kame. Ele também processou William Sharpener II por fraude e roubo. O filho de Sharpener e Ireza protestou e reclamou, mas acabou sendo preso e obrigado a devolver tudo o que roubara. Com esse dinheiro, Trunks pôde pagar seus credores e sair do vermelho.
Outras coisas também acontecerem naquele período. Bra dera a luz a um menino, que era a cara de Goku, para o desespero de Vegeta. O pequeno foi batizado de Socken, num desejo insano da mãe e da avó de continuar nomeando os descendentes do clã Briefs com nome de roupas... Já que Trunks significava calção de banho, Bra significava sutiã e Hosen, calças, nada mais normal que colocar no mais novo membro da família um nome que significava 'meias'. Mas tudo indicava que esta não seria a última visita da cegonha para os guerreiros Z. Havia boas notícias da família Kuri também. Marrom e Ubb anunciaram que também estavam esperando um bebê. Kestane estava radiante, pois era filha única e sempre desejara ter um irmãozinho mais novo.
Era um tempo de bonança e sossego, pensava Trunks, enquanto arrumava as coisas para voltar para casa mais cedo. Por mais que quisesse fugir de um escritório, acabava voltando. Desta vez, voltara a trabalhar atrás de uma mesa por sua esposa, filhos e amigos. E estava contente. Nos primeiros dias que se seguiram àquela confusão com os credores e fornecedores, Trunks passava as noites na escola e acabou afastando-se da família. Mas Pan puxara sua orelha, literalmente! Uma noite ela fora até o dojo e desabafara suas mágoas, reclamando da ausência do marido e do desânimo dos filhos. Ela entendia muito bem que estavam passando por momentos difíceis, mas não queria ver suas crianças cada vez mais tristes e o esposo cada vez mais distante.
E ela estava com toda a razão. Por isso mesmo, agora com as coisas mais calmas, Trunks planejara uma surpresa para Pan. Pedira à Videl que ficasse com as crianças durante aquele final de semana. Também fizera reservas num hotel cinco estrela no centro da cidade. Queria passar momentos 'agradáveis' com a esposa sem correr o risco de ser interrompido. Sorriu ao lembrar da conversa que tivera com Pan naquela manhã.
Pan se despedia de Rice e Rizzo na porta da escolinha. Ao longe, a professora observava e dava boas vindas aos demais coleguinhas. Na hora de abraçar os filhos, Trunks se abaixou, beijou-os e lembrou que a avó iria buscá-los na hora da saída. Aquilo causou uma surpresa em Pan. Quando estavam no carro, no caminho da academia, ela não suportou mais a curiosidade e perguntou.
"Por que mamãe vai pegar as crianças, Trunks?".
"Porque você não vai poder buscá-los", ele respondeu, fazendo mistério.
"Eu não vou poder buscá-los? Por que diabos eu não buscaria os meus filhos?!".
"Porque nós vamos sair... Você e eu. Sozinhos".
A expressão de Pan mudou de ultrajada para deliciada. "Para onde vamos?".
"Isso é segredo", disse Trunks, se divertindo com a careta de desapontamento que ela fez. "Quero apenas que esteja pronta às seis horas. Use um vestido bem bonito".
"Vestido!?", ela fez outra careta. "Trunks, você sabe muito bem que eu odeio vestidos!".
Sim, ela odiava vestidos, mas não voltou a reclamar da surpresa... Pan pedira para seu tio assumir suas últimas turmas e saíra mais cedo. E Trunks, que tomara um banho e se trocara na academia, estava saindo para buscá-la na Corporação Cápsula, onde Bra e Marrom insistiram para arrumar a amiga, sob altos protestos. A irmã e a amiga sabiam dos planos de Trunks e queria deixar Pan bem bonita para a ocasião.
O homem de cabelos cor de lavanda parou o carro diante do domo onde morara por tantos anos. Aquela estranha construção em formato esférico lhe trazia boas lembranças. Bateu na porta e foi atendido pelo pai, que usava sua famosa camisa cor de rosa. E um avental. Trunks ergueu a sobrancelha diante de tal visão.
"Sua mãe queimou a comida", foi tudo o que Vegeta falou, enquanto dava passagem para o filho. "Outra vez".
Trunks se esforçou para não rir. Sabia que sua mãe era terrível na cozinha. Se o grande príncipe dos saiya-jins tinha chegado a ponto de preparar sua própria refeição era sinal que as coisas estavam muito ruins mesmo.
"As mulheres estão lá em cima", indicou o guerreiro, antes de voltar para o fogão.
Subindo as escadas, Trunks seguiu os barulhos das vozes e risadas femininas. Bateu na porta do quarto de Bra.
"Quem é?", ouviu Bulma perguntar.
"Sou eu, mãe. Onde está Pan?".
Ele ouviu gritinhos entusiasmados e logo o rosto de sua mãe apareceu numa fresta da porta. "Ela já vai descer, querido... Por que não espera lá embaixo?".
"Certo".
Relutante, Trunks voltou para a sala e sentou-se no sofá. Não demorou muito e ouviu passos na escada. Virou-se e viu Bulma, Bra e Marrom se aproximando. Elas olharam-no admiradas. Trunks estava todo de preto. O terno, a camisa, a gravata, os sapatos, tudo era preto. E os cabelos...
Antes que pudessem falar alguma coisa, Pan foi descendo as escadas. Ela parou no último degrau, e assim como as outras, também ficou admirando o marido. Ela estava usando um vestido vermelho justo, que ia até um palmo acima do joelho. O decote canoa era discreto, e nos pés sandálias vermelhas para combinar. Os longos cabelos negros estavam presos num elegante coque no alto da cabeça.
"Você está maravilhosa, querida", disse Trunks se aproximando.
"E você cortou os cabelos!", ela exclamou encantada.
Trunks sorriu. "Não gostou?".
"Está ótimo!", disse Pan, retribuindo o sorriso.
Os dois se despediram e seguiram de carro para o centro da cidade. Quando chegaram no hotel, Pan espantou-se com o requinte e sofisticação do ambiente. "Agora entendo porque sua irmã e Marrom me obrigaram a vestir essa roupa... Se dependesse de mim, vinha de camiseta e calça jeans".
"Eu também", admitiu Trunks, rindo. Os dois seguiram até a recepção e Trunks pediu a chave da cobertura. Chegando lá, estava tudo preparado para um maravilhoso jantar. A mesa posta com algumas velas acesas e uma música suave tocava, envolvendo-os naquela atmosfera romântica.
"Nossa, Trunks...", murmurou Pan, deslumbrada. "Está tudo perfeito!".
Ele sorriu e puxou a cadeira para que ela sentasse. Os dois jantaram e conversaram sobre várias coisas: filhos, família, amigos, negócios, trabalho, filmes, música, comida... Depois da farta e saborosa refeição, Trunks tirou a esposa para dançar. Pan ficou meio sem graça de dançar ali, no meio da sala, mas logo o prazer de estar nos braços do marido superou a vergonha. Dançaram coladinhos, sentindo a presença um do outro, aproveitando cada momento.
"Então, gostou da surpresa?", perguntou Trunks, com voz baixa e rouca no ouvido dela.
Pan arrepiou-se. "Adorei... Mas por que está fazendo isso tudo, Trunks?".
"Sei que não tenho sido um bom companheiro nas últimas semanas, Pan...", disse ele. "Esse é meu modo de pedir desculpas".
"Você quer se desculpar, hm?". Ela sorriu sedutoramente quando ele confirmou com a cabeça. "Então... Falta só uma coisinha para eu desculpá-lo, Sr. Briefs".
"O quê?", ele perguntou curioso.
"Beije-me", respondeu ela, puxando o rosto dele para baixo e beijando-o em cheio nos lábios.
Desta vez, Trunks não pensou em resistir ou fugir. Retribuiu o beijo com paixão. Arfantes, afastaram-se um pouco, momentos depois. Pan tinha os olhos brilhantes e as bochechas coradas.
"Eu te amo, Trunks".
O jovem empresário sentiu um arrepio ao ouvi-la confessar os sentimentos. "Também te amo, Pan", falou ele, acariciando os lábios dela com o polegar. "Sei que agi estranho ultimamente, mas sempre vou te amar. Jamais esqueça disso".
Trocaram outro beijo, ainda mais passional que o primeiro. Pegando-a no colo, Trunks se dirigiu para o quarto anexo, batendo a porta com o pé. Finalmente percebia o que faltava na sua outra vida. Pan. Amor.
* * * * *
Kyra e Aya olhavam tudo de seu espelho mágico, com os olhos rasos d'água. Estavam felizes por Trunks finalmente ter entendido que faltava amor em sua vida. Que precisava deste sentimento assim como precisava de Pan para se feliz. Estavam tão entretidas que não perceberam a aproximação de Zeigen.
"O que está acontecendo aqui?", ele perguntou, zangado.
Assustadas, as duas seenzen-jins deram um pulo. 'Desligaram' o espelho e se voltaram para seu líder, curvando-se em reverência.
"Mestre Zeigen... Podemos explicar...", Kyra começou a falar, mas foi interrompida.
"Silêncio!", exclamou o ser. "Eu sempre recebi reclamações a respeito de vocês duas... Muitos me disseram que vocês eram jovens demais para tal incumbência... Que era muita responsabilidade para vocês... Mas resolvi lhes dar um voto de confiança, por acreditar em vocês duas e o que fazem? Estragam tudo!". Zeigen fez uma pausa, tentando se recompor. "Como puderam fazer isso? Sabem muito bem que não podemos interferir na vida dos terráqueos, ou de qualquer uma das raças que observamos!".
"Meu senhor... Nós só queríamos ajudar!", replicou Aya.
"Não nos cabe ajudar, Aya. Cada ser deste universo deve ser capaz de fazer suas próprias escolhas e viver com as conseqüências delas. Isso se chama livre arbítrio".
"Nós usamos nosso livre arbítrio para mostrar àquele terráqueo que a vida dele poderia mudar, mestre", disse Kyra. "Nosso desejo foi apenas de ajudar... Não quisemos causar nenhum mal".
"Eu sei, garotas... Mas isso vai de encontro às regras que regem nosso trabalho. Eu deveria puni-las por isso".
As duas seenzen-jins se olharam assustadas. "Punir-nos?!".
"Sim", assentiu Zeigen. "Mas não o farei. Sei que vocês fizeram isso por uma boa causa. Mas já está na hora de tudo terminar". Ele se aproximou do espelho e o 'religou'. Viu a imagem de Trunks e Pan se amando no hotel. Sentiu o rosto corar. "B-bem, é m-melhor dar aos dois mais um tempinho, não?", disse, sem graça, fazendo a imagem desaparecer.
Kyra e Aya seguraram uma risada. Mas logo ficaram sérias de novo. "Como soube que o que havíamos feito, senhor?", perguntou Aya.
"Há dias não recebo os relatórios da Terra... Sem contar que como observador, posso monitorar meu próprio povo...", ele respondeu. As duas garotas coraram de vergonha ao perceber que estavam sendo observadas o tempo inteiro.
"E por que só agora o senhor resolveu nos procurar?", quis saber Kyra.
"Porque finalmente aquele saiya-jin entendeu o que precisava ser entendido... Está na hora dele voltar".
Se tivesse sobrancelha, certamente Aya teria erguido as suas. Se Zeigen sabia de tudo o que elas estavam fazendo e não interferira, era porque, assim como elas, também queria que Trunks encontrasse a felicidade. E era por isso que ele não as castigaria. Olhou para Kyra e viu, pela expressão atônita da amiga, que ela também chegara a mesma conclusão.
"Acho que agora já podemos fazer nossa magia", disse Zeigen depois de algumas horas de espera.
Ele 'religou' o espelho e os três atravessaram o portal, indo parar na Terra, mais precisamente na cobertura do hotel mais caro da Cidade Satan, onde Trunks e Pan, depois de momentos tórridos de paixão, dormiam abraçados.
Pegando sua bolsa com o pozinho mágico, Zeigen fez sinais para que Aya e Kyra fizessem o mesmo. E com um gesto do líder, os três lançaram uma pequena quantidade do pó dourado sobre o casal adormecido e depois voltaram para o espelho.
Antes de sumir, Kyra murmurou. "Sinto muito, querido Trunks".
* ~ * ~ *
Continua...
N/A: Oi, pessoal! Desculpem a demora! Eu não queria levar tanto tempo para atualizar esta história, mas é que tive um bloqueio básico... hehehehe... Mas tudo se resolveu agora que Dragon Ball GT está passando no Cartoon Network. Ver as hilariantes aventuras daqueles três me deu muita inspiração!
Só para esclarecer, William Sharpener II é filho daquele fotógrafo loiro e chato (que vivia perseguindo o Gohan) e daquela loirinha amiga da Videl. Como eu não sabia o nome do Sharpener, ele virou William Sharpener. O filho é tão bossal quanto o pai... Então vocês podem fazer uma idéia de como ele é chato e convencido.
E o que vai acontecer agora? Quando Trunks finalmente admitiu seus sentimentos, terá que voltar... Coitadinho dele...
Um beijo e até o próximo capítulo!
Andréa Meiouh
