Capítulo 02

Se você costuma ser um cínico e encarar as coisas com um pessimismo natural, então pra você, a vida é como um grande conto-do-vigário. Basta olhar um pouco à sua volta. Nos mercados, feiras e lojas. Nos jornais, no rádio e na televisão. Na política, no dia-a-dia, em todo lugar podemos encontrar um vigarista. Estamos cercados por eles.

O homem de terno azul-marinho, por exemplo, sentado no saguão do hotel. Aquele homem era um vigarista.

Era um homem de boa aparência, alto, de traços harmoniosos, boca e olhos simpáticos e vestia-se de maneira impecável. Estava sentado numa confortável poltrona daquele movimentado hotel, à espera de alguém. Um homem chamado Macmillan. Ele o vira pela primeira vez na estação de trem e o seguira até ali.

Macmillan não demorou muito a aparecer. Era um homem comum. Altura mediana, olhos e cabelos castanhos, um rosto normal, sem nenhum traço marcante. Era o tipo de pessoa que você não olharia duas vezes. Mas o vigarista o viu e agora tinha um plano na cabeça.

Levantou-se casualmente e com o rosto enfiado no guia da cidade que fingia ler, seguiu na direção de seu alvo. Estava tão 'distraído' que acabou colidindo com Macmillan no meio do corredor. Macmillan olhou assustado. Usava um terno marrom de listras finas. O vigarista abaixou-se desajeitadamente para pegar o guia no chão e, de joelhos, disse:

— Desculpe, por favor. Mil desculpas... Sou mesmo um desastrado!

— Está tudo bem – respondeu Macmillan.

O vigarista ficou de pé.

— Eu estava tão absorvido neste guia que nem prestei atenção... Sabe, estou completamente perdido! Não sou da cidade e este guia é grego pra mim.

— Eu entendo... Também tive problemas quando cheguei aqui – disse Macmillan, educado.

— Você também é de fora? Que coincidência! – o rosto do vigarista se abriu numa expressão de agradável surpresa.

— É, é sim.

— Precisamos comemorar! Que tal tomarmos um drinque?

— Ah, eu estava indo jantar... – falou Macmillan.

— Tudo bem, será apenas um drinque. Depois, você vai jantar.

Os dois seguiram até o bar do hotel, mas o vigarista, depois de dar uma boa olhada em volta, não apreciou o ambiente. Sugeriu que procurassem um bar nas redondezas. No caminho, apresentou-se com o nome de Blaise Zabini. Macmillan disse que seu primeiro nome era Ernie. Os dois iniciaram uma conversa amena até encontrarem um lugar que satisfizesse o gosto dos dois. Quando se aproximaram da porta de entrada, esta foi aberta de repente e um homem grande, corpulento, cabelos escuros, usando um terno cinza saiu, esbarrando levemente nos dois. Parecia bem apressado.

— Ei! Companheiro! – chamou Zabini. — Com licença.

— Sim? – respondeu o outro, sem esconder a pressa.

— Será que poderia nos dizer como é este bar, por favor? – pediu Zabini. — Meu companheiro e eu queremos tomar uns drinques... Gostaríamos de saber como é o lugar, sabe como é, não?

— O bar? – o grandalhão pareceu meio perdido. — Não sei, não reparei. Só entrei para telefonar... Não é incrível? Não venho a esta cidade há cinco anos e, quando passo por aqui de viagem, todos meus amigos estão ocupados...

— Você também é de fora da cidade? – Zabini pareceu interessado.

— Sim, estou passando uns dias aqui.

— Puxa! Nós também! Não gostaria de tomar um drinque conosco? Estávamos justamente comemorando o fato de sermos de fora... – E virando-se para Macmillan — Você não se importa, não é, Ernie?

— Não, claro que não... Pode ser até mais divertido.

Os três entraram no bar e escolheram uma mesa no canto. O grandão se chamava Marcus Flint e estava na cidade a passeio. Realizara um ótimo negócio e ganhara bastante dinheiro. Resolvera então viajar para curtir um pouco. Estava tão satisfeito com a própria sorte, que insistiu em pagar os drinques.

Zabini e Macmillan se entreolharam e não concordaram, afinal a idéia dos drinques fora de Blaise e não seria justo deixar que Flint arcasse com toda a despesa. No entanto, Marcus era uma pessoa esquentada e estava começando a se irritar. Resolveram então tirar na sorte. Jogariam moedas e quem tirasse a moeda diferente ganhava e saía do jogo, quem sobrasse pagaria as bebidas. Jogaram a primeira vez e Flint perdeu. Jogaram de novo e ele perdeu outra vez. Zangado, Flint começou a reclamar que era um péssimo perdedor e muito azarado. Levantou-se de súbito e foi ao banheiro, pisando duro.

Aproveitando que estavam sozinhos, Zabini se desculpou por ter convidado Flint a se juntar a eles, afinal não fazia idéia de que o cara era um cabeça quente. Macmillan balançava a cabeça, compreensivo, e quando Blaise sugeriu que dessem uma pequena lição em Flint, ele não escondeu sua satisfação. Tirariam a sorte, mas desta vez valendo dinheiro. E quando tivessem limpado a carteira de Marcus, devolveriam a grana e diriam que era apenas uma brincadeira. Macmillan aceitou. Mal sabia ele no que estava se envolvendo.

Flint voltou à mesa e parecia muito zangado.

— As bebidas já chegaram? – perguntou ele, enquanto se sentava.

— Não – respondeu Zabini. — Sabe, Marcus, eu estava conversando aqui com o Ernie... Acho que é a sua atitude que faz você perder.

— Atitude uma porra! – Flint desabafou. — Simplesmente sou um cara azarado.

— Posso provar isso a você – Blaise prosseguiu — Vamos jogar mais um pouco.

— Isso quer dizer que vai ser uma noite de bebedeira? – indagou Marcus, erguendo uma sobrancelha e cruzando os braços, sua face expressando todo seu mau-humor.

— Não! Claro que não – interveio Macmillan.

— Vamos apostar dinheiro, certo? Jogaremos as moedas e quem tirar a diferente perde. O perdedor paga a cada jogador cinco libras.

— Não sei não – Marcus olhava para os companheiros com desconfiança.

— Por que você não dá uma chance para a teoria de Blaise? – perguntou Macmillan.

— O que eu tenho que fazer então?

— Concentre-se apenas em ganhar. Não pense em outra coisa. – respondeu Zabini.

— Está bem então.

Começaram a jogar. Flint perdia com uma regularidade notável. Então, talvez porque Zabini queria que as coisas parecessem mais reais, MacMillam começou a perder também. Os três jogavam em silêncio. A mesa deles estava em um canto do bar, protegida da vista dos outros por uma parede de vidro translúcido. Mas de qualquer jeito, ninguém teria estranhado um inocente jogo de moedas. Eles jogavam, mostravam as moedas, refaziam as contas e jogavam novamente. Flint passava o tempo todo reclamando da teoria de Zabini, dizendo que tudo não passava de uma grande besteira.

Um determinado momento, Flint parou de jogar e olhou os companheiros. Estava muito zangado.

— Afinal o que é isso?

— Isso o quê? – Blaise piscou, sem entender.

— Perdi quase seiscentas libras até agora. E você, Macmillan? Quanto perdeu?

— Ah... um pouco mais de duzentas...

— E você? – ele perguntou a Zabini.

— Estou ganhando.

Flint encarou os dois por um longo momento.

— Por acaso, vocês estão tentando me limpar?

— O quê? – Zabini e Macmillan mal podiam conter o riso.

— Será que vocês não são dois vigaristas?

— Por que está dizendo isso, Marcus? – Blaise perguntou.

Mas Flint não respondeu. Levantou-se de repente e avisou:

— Vou chamar um policial.

Os dois pararam de rir.

— Ei, Marcus... Espera um pouco. Nós só estávamos... – Ernie interveio.

Zabini, sentado e seguro com as 235 libras de Macmillan e as 600 libras de Flint, apenas disse:

— Não precisa ficar bravo, Marcus. Jogo é jogo. Sorte é sorte.

Talvez tivesse sido a coisa errada a se dizer a uma pessoa que acabara de perder 600 libras. Flint se afastou da mesa, avisando que iria prestar uma queixa no primeiro distrito que encontrasse. O rosto de Macmillan ficou branco.

— Blaise! Não o deixe ir! Está certo que é uma brincadeira, mas... pelo amor de Deus! Ele vai chamar a polícia!

— Vou atrás dele – disse Zabini, começando a se preocupar. — Meus Deus, ele é um pato, não é? Vou trazê-lo de volta. Espere aqui.

Flint já tinha chegado à porta e, antes que ele pisasse fora do bar, Blaise chamou.

— Ei, Marcus, espere aí! – e correu atrás dele.

Macmillan ficou ali sentado na mesa, sozinho, ainda assustado com tudo que havia acontecido e dizendo a si mesmo que nunca mais participaria de uma brincadeira daquelas. Demorou mais ou menos meia hora para ele começar a perceber que fizera papel de bobo. Disse a si mesmo que não podia ser verdade. Esperou por mais meia hora. Então foi até a delegacia mais próxima e contou a história a um investigador chamado Sirius Black.

Black ouviu pacientemente e depois tomou nota da descrição dos dois jogadores profissionais de moedas que trapacearam Ernie Macmillan em duzentas e trinta e cinco libras.

* * *

A seção de Pessoas Desaparecidas faz parte da Divisão de Investigadores e, portanto, os dois homens que Ron Weasley procurou eram detetives. Eles se chamavam Malcolm Baddock e Graham Pritchard. E estavam claramente indispostos a colaborar com a investigação sobre a garota encontrada no rio. Fizeram inúmeras piadas e gracinhas até que Ronald insinuou que comunicaria ao inspetor Dumbledore o comportamento da equipe daquela seção.

Foi como se ele tivesse dito as palavras mágicas. Rapidamente, os dois detetives o encaminharam para a sala dos arquivos, mostrando as pastas e explicando que elas estavam organizadas por ordem alfabética e cronológica, de acordo com a data em que os desaparecimentos foram notificados e ainda estavam separados por sexo.

Depois de prometer não misturar as pastas e ter cuidado com todo o material, Ron ficou sozinho no meio de centenas de arquivos. Levou o dia inteiro até que ele encontrasse algo interessante. Um relatório que parecia realmente promissor apesar de algumas incoerências escritas. O nome da mulher era Mandy Brocklehurst. Tinha trinta e três anos na época do desaparecimento. Foi o pai, Henry Brocklehurst quem notificou a polícia. Ele provavelmente a vira pela última vez em sua própria casa, na noite de 31 de outubro. Mas, aparentemente, alguém viu Mandy na estação ferroviária na manhã seguinte. O relatório não dava grandes informações a respeito da mulher e terminava sugerindo: "Ver carta anexada".

Weasley franziu as sobrancelhas e apanhou a carta. Leu-a, sentindo-se um abelhudo.

Na carta, Mandy dizia que estava partindo para Londres a fim de viver uma vida nova. Pedia desculpas por ter ido embora sem uma explicação e dizia que tudo fora bem planejado, para eles não se preocuparem. Ela tinha dinheiro (a quantidade causou um leve espanto em Ronald – 4000 libras) e um lugar para ficar. Dizia também que ela escreveria novamente assim que tudo estivesse acomodado.

Continuando a ler o relatório, Ron descobriu que Mandy realmente sacara 4375 libras de sua conta na manhã antes de seu desaparecimento e que nenhuma outra conta com este nome fora aberto na cidade desde então.

Havia uma descrição física dela e de sua arcada dentária, mas Ronald não se lembrava bem dos detalhes dos dentes ou de qualquer outra coisa, mas ele não se esquecera de um detalhe importante. Sobre a mão direita, na dobra da pele entre o polegar e o indicador, havia uma tatuagem – um coração com a palavra MED dentro. E no relatório de pessoa desaparecida de Mandy Brocklehurst, sob o título "Tatuagens", estava escrito "nenhuma".

* * *

Henry Brocklehurst era um homem pequeno, magro, de olhos castanhos e careca. Parecia que ele trabalhava em algo ao ar livre, pois sua pele era extremamente bronzeada. Sentado na sala dos investigadores do 87o. Distrito, ele encarava os detetives Potter e Weasley com profunda indignação. Tinha acabado de escutar o relato de Ronald e estava tão aborrecido, que Harry ficou se perguntando se o amigo havia se expressado mal. Por fim, decidiu que Ronald tinha se expressado da única forma possível. Afinal, não havia muitos modos de dizer a alguém que sua filha fora encontrada boiando no rio Tâmisa.

Brocklehurst ficou ali sentado, quieto, com olhos cheios de mágoa e indignação. Então a raiva subiu-lhe pela boca e tudo o que ele pode dizer foi:

— Minha filha não está morta.

Os dois detetives se entreolharam. Aquilo daria mais trabalho do que haviam imaginado. Desanimados, tentaram convencer o Sr. Brocklehurst de que Mandy era a garota encontrada nas rochas, perto da ponte. Entretanto, o velho não parecia disposto a acreditar. Nem mesmo quando Weasley afirmou que as arcadas dentárias das duas eram idênticas.

Antes que Harry sentisse vontade de abrir a cabeça do homem e enfiar a verdade dentro, ele se levantou e pediu para ver o corpo. Os dois detetives se entreolharam novamente. E Harry tentou alertar:

— Senhor, sua filha ficou muito tempo na água. Acho melhor não...

— Escute aqui, policial. Vocês ligam para minha casa, dizem que minha Mandy está morta, me fazem viajar até aqui, perder um dia inteiro de trabalho e agora não querem que eu veja esse maldito corpo?!

— Não é isso, meu senhor...

— Um parente deve identificar um morto, não é assim? Então me levem até lá.

Harry e Ronald se olharam mais uma vez.

— Vou arranjar um carro para levá-lo ao necrotério, Sr. Brocklehurst. – disse Ron por fim.

O caminho até o necrotério foi feito em silêncio. Ninguém parecia disposto a quebrar o clima dentro do automóvel. Quando chegaram até o prédio onde funcionava o morgue, os três passaram direto até a pararem diante do número que queriam. Um funcionário, vestido num jaleco branco, apareceu e os cumprimentou.

Depois de uma leve hesitação, Harry fez sinal para o encarregado para que abrisse a porta e puxasse a gaveta. Observando a reação o homem mais velho, Harry viu, por uma fração de segundos, um sinal de reconhecimento nos olhos enevoados. Um chocante, doloroso e repentino reconhecimento.

Henry Brocklehurst levantou a cabeça e, com olhos brilhantes e boca reduzida a uma linha fina, afirmou:

— Esta não é minha filha.

Aquelas palavras ecoaram pelo corredor. O encarregado empurrou Mandy de volta para a geladeira e voltou-se para Ron.

— Ele está reclamando o corpo?

O detetive Weasley olhou para o velho. Podia sentir a dor emanando da sua figura trêmula e impassível.

— Sr. Brocklehurst?

— O quê?

— O senhor está reclamando o corpo? – Harry perguntou.

— Não... Ela não é minha filha – o homem virou-se e saiu andando pelo corredor, seus passos ecoando pelo ambiente. — Ela não é minha filha – Ele repetiu com a voz cada vez mais alta. — Ela não é minha filha! Não é minha filha! Não é minha filha!

Correndo, Henry alcançou a porta que dava à saída e então se ajoelhou tentando agarrar a maçaneta. Começou a soluçar dolorosamente. Potter e Weasley o seguiram, apressados.

Harry abaixou-se e pôs o braço nas costas do velho homem, que enterrou o rosto no seu peito, chorando enquanto dizia:

— Oh, meu Deus... Ela está morta... Minha filha está morta... Minha Mandy... – o corpo todo tremia, e as lágrimas quase o sufocavam.

* * *

"O bom de ser um sapateiro, por exemplo", pensou Ginny Potter, "é que você não traz trabalho para casa. Você conserta um monte de sapatos, vai para casa, encontra sua mulher e não pensa mais em solas e saltos até o dia seguinte".

Esse era os problemas dos policiais. Um policial pensa no trabalho o dia todo. E um policial como Harry fica pensando nos sentimentos humanos.

Ginny tinha certeza de que não teria se casado com outra pessoa. Mas por outro lado, doía vê-lo sentado perto da janela remoendo pensamentos. Ele parecia aquela estátua de Rodin, 'O Pensador'. Queixo apoiado na mão, pernas cruzadas, pés descalços. Ela amava os pés do marido. As curvas bem definidas e os dedos longos e bonitos a atraíam.

Ela foi até onde Harry estava.

Não era alta, mas, de algum modo, dava a impressão de ser. Mantinha a cabeça erguida, os ombros eretos e andava com leveza e graça de uma modelo, o que acrescentava alguns centímetros à sua estatura. O cabelo era ruivo, os olhos castanhos e não usava batom, o que não fazia falta alguma a seus lábios carnudos. A boca de Ginny Potter era decorativa: não só porque era extremamente bonita, mas também porque nunca emitia uma palavra. Ginny era surda e muda de nascença; portanto, todo seu corpo servia como meio de expressão. Seu rosto falava através de expressões exageradas. Seus olhos davam vida às palavras que ela não podia dizer. As mãos se moviam com graça e expressão. Quando ela se comunicava com alguém, o interlocutor lhe dava total atenção, porque a mímica de algum modo realçava a delicadeza de seu encanto. Quando Ginny ouvia com atenção, seus olhos nunca desviavam do rosto da outra pessoa. Ela sabia ler lábios e podia entender expressões muito bem. Como a do marido naquele instante. Sabia que Harry estava preocupado com alguma coisa. Provavelmente, alguma investigação.

Parada diante do esposo, Ginny apoiou as mãos nos quadris e olhou-o com atenção, desafiando-o a continuar quieto. Ela usava uma saia envelope vermelha, com um grande alfinete dourado prendendo-a pouco acima do joelho esquerdo. Nos pés, sandálias vermelhas deixavam ver os pés finos e delicados. Uma blusa branca decotada exibia parte de seus seios. Os cabelos cor de cobre estavam presos por uma fita vermelha.

Uma guerra silenciosa encheu o pequeno apartamento até que Harry rompeu a quietude do ambiente.

— Oh, está bem... Está bem... Vou sair da minha toca.

Ginny ergueu uma sobrancelha e com as mãos juntas, erguidas na altura do peito, abriu-as devagar e depois as fechou rapidamente.

— Você tem razão... Pareço uma concha – Harry concordou.

Com os dedos, ela fez como se segurasse um revólver, apontado para ele e puxando o gatilho.

— É coisa do trabalho, sim.

Sem avisar, Ginny sentou-se no colo do marido. Ele abriu os braços, e ela se aninhou ali, dobrando os joelhos e aconchegando-se no peito dele. Fitou-o com interesse, os olhos pedindo para que contasse.

Suspirando, Harry lhe falou tudo sobre o caso de Mandy Brocklehurst. Desde o momento que o corpo fora encontrado até o reconhecimento do pai. Ginny balançava a cabeça, olhos muito atentos.

— Por que será que uma mulher tão animada com o futuro iria parar boiando no rio? E a tatuagem? Ela não tinha essa tatuagem quando saiu de casa... Será que ela veio pra cá se encontrar com esse tal Med? Quantos Meds existem nesta cidade? Será que foi ele que a envenenou com arsênico e depois a jogou no rio? Como é que posso localizar um cara chamado Med?

Ginny revirou os olhos, demonstrando não saber, ligeiramente divertida com o jeito desenfreado do marido falar. Abrindo a mão direita, ela apontou para a dobra de pele entre o polegar e o indicador.

— Os caras que fazem tatuagem? – Harry perguntou. Diante do assentimento dela, ele continuou. — Já comecei a checar. Pode ser que a gente tenha sorte, porque não são muitas mulheres que fazem uma tatuagem.

Rapidamente, Ginny desabotoou o botão de cima da blusa e usando as duas mãos, fez um grande e generoso decote em "V".

— Cho Chang? A da tatuagem? Ora, ela era meio maluca...

Ela sacudiu os ombros, e Harry abriu um sorriso.

— Além disso, acho que você só está querendo um motivo para mostrar seus seios pra mim.

Ela deu de ombros outra vez, mas com um olhar malicioso.

— Não que eles não mereçam ser vistos. São lindos.

Ginny fez uma expressão interrogativa, como se duvidasse.

— Eu tenho certeza. Já olhei bem.

O rosto dela se iluminou com um sorriso, e ela se aconchegou ao peito do marido. Rendendo-se ao encanto da esposa, Harry relaxou e mudou de assunto.

— O que você fez o dia inteiro? – ele perguntou, enquanto desamarrava a fita do cabelo dela e acariciava as mechas vermelhas.

Ginny abriu as mãos como se fossem um livro.

— Leu? O que você leu?

Ela desceu do colo dele e, com uma mão na boca e outra na barriga, dobrou-se ligeiramente ao meio, indicando que tinha, lido alguma coisa bem engraçada. Atravessou a sala para pegar as revistas, enquanto Harry a observava.

— Se você não tomar cuidado, vou tirar esse maldito alfinete.

Ela colocou as revistas no chão, ficou de pé e abriu o alfinete. A saia pendeu mais frouxa, uma parte sobre a outra. Quando ela se curvou novamente para pegar a revista, a peça de roupa se abriu num grande talho do joelho até quase a cintura. Movendo-se sinuosamente, ela voltou até ele e despejou as revistas no seu colo.

— Revistas de troca de correspondência? Por quê? – Harry se surpreendeu.

Encolhendo os ombros, Ginny sorriu, cobrindo a boca com as mãos.

— Só de farra? Que tipo de coisa tem aqui?

Ginny riu e entregou uma revista ao marido. Enquanto ele a folheava, ela sentou-se no braço da poltrona, e a saia abriu-se completamente, mostrando o contorno bem feito das pernas e a lingerie de renda branca que ela usava.

Harry olhou para revista, para a esposa e então exclamou:

— Pro inferno com isso!

Jogou a revista no chão e agarrou Ginny, colocando-a no colo. O encarte caiu aberto na coluna de recados pessoais. E ficou no chão enquanto Harry Potter beijava sua mulher com paixão, e continuou lá depois que ele a carregou para o quarto.

Exaustos e satisfeitos depois de se amarem com ardor, Harry e Ginny pegaram no sono, sem sequer lembrar-se da revista ou de Mandy Brocklehurst. E no piso da sala, jazia a revista, em que se podia ler um pequeno anúncio na coluna de recados pessoais. Dizia o seguinte:

Viúvo. Maduro. Atraente. 35 anos.

Procura mulher compreensiva de

boa educação para casamento.

Escreva para caixa postal 137.

* * *

Mas se o casal Potter não viu o anúncio, Pansy Parkinson viu. Ela o lera seis vezes e agora estava na quinta revisão da carta que escrevera em resposta.

Pansy era uma mulher madura e havia um certo cinismo no seu modo de pensar. Não era tola a ponto de esperar que alguma coisa muito romântica acontecesse em sua vida, pois já sabia que paixões fortes não eram para seu tipo de garota. Que tipo de garota Pansy era? Bem, ela se autodefiniria como uma mulher inteligente, compreensiva e independente. Mas não bonita.

Pansy sabia que não era bonita. Tinha os cabelos escuros, que ficavam sempre presos num discreto coque na altura da nuca. Vestia-se sobriamente, nada de tons muito fortes e berrantes. A cor predominante no seu guarda-roupa era o cinza. Afinal, ela era uma secretária, devia se comportar como uma. Ela achava seus olhos bonitos. Eles eram uma mistura de verde e castanho, num tom bem original. Porém eles ficavam escondidos por trás de um par de óculos, que ela usava desde a juventude. Ninguém reparava em mulheres de óculos.

Sua vida sexual também não era agitada. Dissera adeus à virgindade aos vinte e nove anos e a experiência não foi muito boa. Aliás, fora uma grande decepção. Ela sentira apenas dor. Nada daquele prazer indescritível, ou de tremores de terra, ou de sinos e trombetas tocando. Apenas dor. Desde então, tratava o sexo como uma necessidade puramente fisiológica. Aproximava-se dele o mínimo possível.

Na verdade, Pansy se considerava uma mulher comum, com hábitos normais de todas as mulheres. Gostava de cozinhar, costurar, ler e ouvir música. Também apreciava um bom espetáculo e participava dos cultos da igreja aos domingos. Não tinha nenhum gosto extravagante e nenhum fetiche. No entanto, não conseguia entender o que a atraíra naquele pequeno anúncio.

A nota era pequena, mas completa, fria e impessoal, desprovida de rodeios. O homem era claro no que queria: uma mulher compreensiva e bem educada. Achou-a simplesmente honesta e cativante. E acabou enviando uma carta para a caixa postal indicada. Ela não sabia no que estava se metendo.

* ~ * ~ * ~ *

Continua...