Capítulo 5

Aquele homem tinha seus próprios problemas. Andava pelas ruas da cidade pensando neles e achando que o que acontecera era a maior sorte do mundo. Ele estava bem vestido, parecia ser alguém com algum dinheiro, mas não muito esperto. E caminhava lentamente pela calçada, desviando de poças e pessoas, já que acabara de chover.

Mais adiante, na esquina seguinte, havia dois homens parados, conversando. Um deles era magro, tinha boa aparência, cabelos claros e usava um terno azul escuro. O outro era alto, corpulento, de cabelos escuros e com terno cinza.

Nosso homem olhou para eles de relance e continuou seu caminho. Quando chegou perto, o de terno azul o chamou.

— Por favor.

— Sim? – respondeu ele, levantando os olhos.

— Meu nome é Zabini, Blaise Zabini. Você poderia me fazer um favor?

— Olha, senhor, eu estou com pressa...

— Será rápido, prometo.

Concordando, o homem juntou-se aos outros dois. O que se chamava Zabini lhe contou rapidamente o que estava se passando. O grandalhão, cujo nome era Marcus Flint, que tinha acabado de chegar do Japão e estava vendendo uma moeda russa. Zabini queria saber qual era a data inscrita na peça, pois estava sem seus óculos. O homem leu e verificou que era 1801. E era de ouro.

Zabini pigarreou, surpreso. Talvez não esperasse que a moeda fosse realmente de valor. Recompôs-se rapidamente e começou a negociar com Flint, que queria dez libras pelo objeto. Deu uma nota de vinte, mas o grandão não tinha troco e, quando este foi até uma loja para trocar o dinheiro, Zabini puxou o homem pelo braço.

— Amigo, você sabe quanto vale aquela moeda?

— Não.

— No mínimo, umas duzentas libras! E ele está me vendendo por dez!

— Você tem sorte – constatou o outro.

— Sorte o diabo! Eu vi que ele era um caipirão assim que bati o olho nele... Fico imaginando o que mais ele teria para vender... – respondeu Blaise.

— Duvido que ele tenha algo mais...

— Eu não. Ele disse que acabou de voltar do Japão. Quem sabe o que mais ele pode ter trazido? Vou descobrir quando ele voltar.

O homem olhou para Zabini, reticente, dizendo que ia embora. Porém acabou ficando, graças à insistência do bem-apessoado de terno azul marinho.

Não demorou muito e Flint voltou com o troco. Estavam se despedindo quando Zabini perguntou se ele não tinha mais algum bem para negociar. Flint abriu um grande sorriso e mostrou uma bolsinha de couro. Abriu os cordões e mostrou para os companheiros algumas pérolas negras. Disse que tinha comprado de um velho japonês. Tinha pagado quinhentas libras por elas e como estava precisando de dinheiro, resolvera vendê-las também. Os olhos de Zabini brilharam.

— Essa bolsinha está cheia? – perguntou Blaise interessado.

— Tá, tem umas cem aí dentro...

— E são legítimas?

— É claro! Por acaso, eu pagaria quinhentas libras por pérolas falsas? – indignou-se Flint.

— Bom, eu acho que não... – disse Zabini, hesitante, depois de olhar para seu companheiro. Voltou-se para Marcus. — Você está... Você está... Você queria vender essas pérolas?

— É o que eu estou falando... – respondeu o homem corpulento. — Olha, fui dispensado do exército e moro no sul. Perdi todo meu dinheiro e eu não tenho como voltar pra casa... Estou vendendo essas coisas por isso, para voltar.

Zabini lambeu rapidamente os lábios, como se sua boca tivesse ficado seca de repente.

— Eu ficaria feliz em lhe dar quinhentas libras por elas... Desde que sejam legítimas.

— Ah... Sinto muito – Flint pareceu desapontado. — Mas não posso te vender essas pérolas por quinhentos...

— Mas foi o que pagou por elas!

— Eu sei, mas eu tive o trabalho de negociar e de trazer até aqui. Não venderia por menos de mil.

— Isso é caro demais – reclamou Blaise. — Nem sabemos se elas são verdadeiras.

— Ei! Acha que eu tentaria te enganar?!

— Não sei... Nunca vi sua cara antes... E já fui enganado uma vez...

— Bom, isso é verdade... – Flint fez uma pausa. Parecia estar pensando. — Que tal irmos a uma joalheria? Você leva as pérolas, pede ao joalheiro para dar uma olhada nelas... Que tal?

Zabini concordou imediatamente e pegando no braço do nosso amigo que ainda o acompanhava, dirigiu-se para uma joalheria mais próxima. Entraram na loja e pediram para Flint esperar na porta. O joalheiro era um velho encarquilhado, debruçado sobre um velho relógio. Analisou as pérolas e afirmou que eram legítimas, dizendo que valiam de cem a duzentas libras cada uma. Zabini exaltou-se. Se comprasse as pérolas por mil, teria um lucro de nove mil. Quando o velho voltou sua atenção para o relógio, Blaise puxou seu companheiro de lado.

— O que você acha?

— Parece um bom negócio...

— Eu sei... Preste atenção, não posso deixar esse cara escapar.

— Mas ele quer vender... Por que você acha que ele vai tentar cair fora?

— Pense bem: se essas pérolas foram orientais genuínas, ele tem uma fortuna na mão. Isso valeria dez mil ou mais. Tenho que comprar antes que ele descubra isso.

— É, pode ser...

— Mas tem um problema...

— O quê? – perguntou o homem.

— Moro em outro Estado, estou aqui apenas de passagem, não tenho esse dinheiro todo comigo. E quando chegasse ao meu banco, já estaria fechado. Esse cara não vai esperar até amanhã, pode crer – explicou Zabini.

— É... Também acho que não.

— Puxa... – disse ele, depois de ponderar um pouco. — Detesto ter que fazer isso...

— Fazer o quê?

— Meter você num negócio tão bom. – E então, Blaise explicou o que estava pensando. Eles iriam até o banco, usariam o dinheiro do homem para pagar Flint e no dia seguinte, Zabini pagaria sua parte.

— Você faria isso? – agora o homem mostrou-se interessado.

— Que alternativa eu tenho? Se pedisse ao grandalhão para esperar, eu o perderia.

— Meio a meio?

— Essa não! Espere aí! – disparou Blaise.

— Por que não? Eu vou entrar com o dinheiro, não?

— Só até amanhã. Além disso, o caipira é meu. Você nem ia saber o que estava acontecendo se eu não tivesse o chamado.

— Claro, mas você não pode comprar essas pérolas se eu não for ao banco.

— Tá e como eu vou saber que você não vai fugir com as pérolas? – Zabini estreitou os olhos, fitando o homem com atenção.

— Eu não faria isso!

— Quero seu endereço e telefone.

— Tudo bem.

Nosso homem disse seu endereço e telefone a Zabini, que tomou nota. Depois combinaram tudo. O desconhecido pegaria mil libras no banco e compraria as pérolas de Flint. Na manhã seguinte, Zabini pagaria sua parte no acordo, isto é, quinhentas libras e levaria sua parte das pérolas. Após acertarem o plano, ambos foram de encontro de Marcus, que os esperava do lado de fora da joalheria.

— E então?

— Ele disse que não são falsas – afirmou o loiro.

— Está vendo? O que eu falei? Ele também disse que valem mil libras?

— É... Ele disse que vale mais ou menos isso...

— Bom – sorriu o grandão. — Fechamos o negócio ou não?

— Vou ter que ir à minha casa pegar o talão de cheques – disse o homem.

— Tá certo, nós vamos com você.

Os três homens fizeram sinal para um táxi, que os levou até a casa do homem. Ele saiu do táxi, que ficou esperando na porta. Quando voltou, tinha o talão de cheques nas mãos. Deu instrução para o motorista seguir direto para o banco. Desceram do táxi, e Zabini pagou. O homem entrou no banco e saiu com mil libras em dinheiro.

— Aqui está o dinheiro.

Blaise sorriu feliz. O homem deu a grana para Flint.

— Aqui estão as pérolas – Marcus falou, vasculhando o bolso e entregando ao homem uma bolsinha de couro. — Estou muito grato a vocês dois. Com isso, vou poder voltar para minha casa.

— Não por muito tempo – disse o homem.

Flint levantou os olhos e deu de cara com um distintivo da Divisão Especial de Detetives.

— O quê?! – ele exclamou.

O homem sorriu maldosamente, mostrando os dentes brancos.

— O velho truque dos diamantes, só que com pérolas... Você tem minhas mil libras e as pérolas desta bolsinha são falsas, sem dúvida. Onde estão as verdadeiras que o joalheiro avaliou?

— Olha, amigo... – disse Zabini. — Você está cometendo um erro...

— Estou mesmo? – o homem já estava revistando Flint; em dois segundos localizou a bolsinha com as pérolas verdadeiras. — Amanhã de manhã, eu estaria sentado no meu apartamento, esperando pela chegada do meu sócio com quinhentas libras. Só que meu sócio jamais apareceria. Ele estaria por aí, torrando a parte que lhe cabe das mil libras que arrancou de mim.

— Esta é a primeira vez que fazemos uma coisa dessas! – entregou Marcus, começando a entrar em pânico.

— É mesmo? Tenho algumas pessoas que podem estar a fim de identificar vocês. Vamos, vamos dar uma voltinha...

— Para onde? – perguntou Blaise.

— Para o 87o. Distrito.

O homem era Sirius Black.

* * *

O estúdio de tatuagem era perto do cais, logo a decoração da casa era de âncoras, sereias e peixes. Havia também desenhos de adagas, de navios e de corações de mães.

O homem que dirigia o lugar era chamava-se Alastor Moody, mas era conhecido como 'Olho-Tonto' Moody. Isto porque certa vez um marinheiro bêbado arrancou-lhe o olho esquerdo com a própria agulha de tatuagem. Pelo jeito de Moody, dava para supor que ele próprio deveria estar bêbado quando perdeu o olho. Certamente estava habituado agora. Harry refletiu sobre a profissão do homem e concluiu que não confiaria nele nem para extrair uma farpa com uma agulha desinfetada, muito menos para decorar sua pele com um aparelho de tatuagem.

— Eles vêm e vão, vêm e vão... – disse Moody, meio bêbado. — O tempo inteiro. Chegam e partem, chegam e partem. Do mundo todo. Eu desenho o corpo deles. Eu mesmo. Eu dou um colorido na carne deles.

Harry não estava interessado naqueles que vinham e iam embora do mundo todo. Estava interessado no que 'Olho-Tonto' lhe dissera há poucos minutos.

— Esse casal... Conte-me mais.

— Cara bonito – informou Moody. — Muito bonito. Grande, alto e loiro. Anda como um rei. Rico. Dá para saber quando os caras são ricos. Tinha dinheiro esse camarada.

— Você tatuou a moça?

— Natalie. Esse era o nome dela. Natalie.

— Como você sabe?

— Ele chamou ela assim. Eu ouvi.

— Me fale exatamente o que aconteceu.

— Ela 'tá numa encrenca? A Natalie se meteu numa fria?

— Ela está na maior das frias – confidenciou Harry. — Está morta.

— Ih! – Moody franziu o rosto e olhou para o detetive com seu olho bom. — Isso é uma pena. A pequena Natalie 'tá morta... Acidente de carro?

— Não. Arsênico.

— O que é isso?

— Um veneno fatal.

— Que horror! Mocinhas não deveriam tomar veneno. Ela chorou, sabia? Quando eu fiz a tatuagem. Berrou como um bebê. O grande bastardo bonitão só ficou aí, de pé e sorrindo. Como se eu estivesse rotulando a mulher para ele. Estava passando mal como um cão, pobrezinha da Natalie.

— O que quer dizer com passando mal?

— Mal, mal.

— Como?

— Vomitando – explicou o tatuador.

— A moça vomitou?!

— Bem aqui no estúdio... Emporcalhou a lata de lixo toda...

— Quando foi isso?

— Eles tinham acabado de almoçar. Ela falava disso quando entraram na loja. Dizia que na cidade dela não tinham restaurantes chineses.

— Tem algum restaurante chinês aqui perto?

— Tem um virando a esquina. Parece um chiqueiro, mas tem uma comida muito boa. Do Cantão. Você saca o Cantão?

— O que mais ela disse?

— Que a comida era muito aromática. E é mesmo, não?

— Continue.

— O bonitão disse que queria uma tatuagem na mão da garota... Um coração com as letras N-E-D dentro.

— Ele disse isso?

— É.

— Por que NED?

'Olho-Tonto' endireitou a cabeça de modo que a órbita de seu olho morto encarou Potter diretamente.

— Porque são os nomes deles.

— O que quer dizer com nomes?

— Iniciais. Quero dizer. N é a inicial dela. N de Natalie.

Harry sentiu como se tivesse sido atingido por um raio.

— O 'E' é só 'e' mesmo. Natalie e Draco. Esse era o nome dele. Draco.

— Caramba! – exclamou Harry. — Então a tatuagem da moça Brocklehurst significava Mandy e Draco. Sou mesmo um filho da puta!

— Quê?

— Como sabe que o nome dele era Draco?

— Ela disse. Quando ele disse NED, ela disse: 'Por que não colocamos nossos nomes inteiros: Natalie e Draco?'. Foi o que ela disse.

— E ele?

— Disse que o espaço não dava, que era só um coraçãozinho pequenininho. Merda, aquela mocinha 'tava parada nele. Ele mandou que ela deitasse e ficasse quieta.

— Você disse que ela chorava enquanto você fazia o trabalho?

— É isso aí. Berrava feito um bebê. Também, isso dói como o diabo.

— Você estava bêbado?

— Eu? Bêbado? Não, não... O que faz você achar que eu 'tava bêbado.

— Nada – disfarçou Harry. — E daí? O que aconteceu?

— Ela chorava, e eu trabalhava, aí de repente, ela passou mal. O bonitão parecia um pouco preocupado. Continuou tentando correr com ela para fora do estúdio, mas a pobrezinha tinha que vomitar, sabe? Então eu levei ela lá pra trás. Emporcalhou toda a lata de lixo.

— E daí?

— Ele queria levar ela embora. Ficava dizendo: 'Vamos, Natalie, vamos lá pra minha casa, vamos'. Ela não queria ir com ele. Queria que eu terminasse a tatuagem. Você acredita nisso?

— E você terminou?

— Terminei. Ela passou mal o tempo todo. Dava pra perceber que ela segurava o vômito. – Moody fez uma pausa. — Mas eu acabei. Belo trabalho, também. O bonitão me pagou e eles se mandaram.

Harry mordeu o lábio inferior, pensativo. O tatuador de um olho só já lhe dera muita informação. Achava inacreditável que aquela criatura, cheia de álcool, poderia se lembrar de tantos detalhes. Seria mais fácil encontrar o assassino agora. Afinal não deveria haver na cidade muitos loiros chamados 'Draco'. Agradeceu e se retirou, deixando para trás um choroso Moody, que se lamentava ao saber que o corpo de Natalie fora encontrado no rio. Para ele, ser afogado era um jeito muito estúpido de morrer.

* * *

Draco Malfoy já havia dado o arsênico para ela.

Colocou em quase todos os pratos: no arroz frito, na comida, até mesmo no chá. Quando veio a comida, ele simplesmente sugeriu que lavassem as mãos e a conduziu para longe da mesa. Voltou quase no mesmo instante e fez o serviço. Ela ingeriu o arsênico sem perceber e com aparente prazer.

Tinham ido diretamente do banco ao restaurante chinês. O dinheiro de Pansy fora depositado na conta dele e agora tudo era uma questão de tempo.

Draco observava Pansy com o olhar frio de um réptil, um leve sorriso estampado no rosto. Esperava que ela não começasse a passar mal muito cedo, como a última moça. Aquele episódio fora embaraçoso. Até as mulheres mais bonitas perdiam o charme quando ficavam com náuseas; além disso, as mulheres que ele matara, e mesmo esta agora, estavam longe de serem bonitas.

Almoçaram sem pressa, conversando sobre seu futuro juntos. Draco fazia-se de gentil, servindo e cuidando de Pansy, com extrema atenção. Esta, por sua vez, sorriu sonhadoramente, afirmando que seu amado seria o marido perfeito. Em seu íntimo, Malfoy apenas pensava: "Você sabe que foi envenenada, meu bem? Sabe o que é um envenenamento por arsênico?". Não sentia pena, nem compaixão. Faltava pouco agora. No máximo algumas horas. Esta mesma noite se descartaria dela, do mesmo jeito que se descartara das outras. Só faltava mais uma coisa, uma concessão ao seu ego. Como um grande pintor, ele tinha que assinar sua obra.

Pansy sorria feito uma boba. Estava satisfeita e levemente entorpecida. Sentia-se preguiçosa e completamente em paz com o mundo. Achou que fosse felicidade.

— Sabe, Pan... Às vezes, tenho umas idéias loucas... – ela o ouviu dizer.

— Ah... – o sorriso dela aumentou, e ela replicou brincando: — Agora você vai me dizer que há loucos em sua família. A poucas horas do casamento, você resolve me contar os podres.

Draco apenas balançou a cabeça e continuou, como se o discurso fosse ensaiado, um discurso que lhe fora útil antes e que funcionaria desta vez também, apesar de estar irritado porque ela interrompera o curso fluente de sua fala perfeita com uma gracinha boba.

— Eu realmente tenho idéias loucas... Como se eu... Se eu quisesse rotular você. Quero pôr meu nome em você, Pansy. Para que todo mundo saiba que você é minha.

— Vão saber de qualquer maneira, meu amor... Podem ver em meus olhos.

— É, mas... Bom, é uma bobagem, eu reconheço... Uma loucura... Eu te disse que era loucura? Não te avisei?

— Querido... Se eu fosse gado, não me importaria nem um pouco em ser rotulada.

— Tem que haver uma maneira... – ele fez uma pausa, como se refletisse sobre a questão. Buscou a mão dela sobre a mesa e brincou com os dedos longos. — Ah, não estou falando de um ferro em brasa, Pan... Isso me mataria. Qualquer dor sua me mataria... Mas... – Parou, estudando a mão dela.

— Mas? – ela perguntou curiosa.

— Me diga uma coisa...

— O quê?

— Uma tatuagem. Que tal?

Pansy sorriu.

— Uma o quê?

— Uma tatuagem.

— Bom... – a moça estava confusa.

— O que você acha de uma tatuagem?

— Eu não gostaria – Pansy respondeu com firmeza.

— Ah! – a voz e a expressão dele murcharam.

— Por que diabos eu ia querer uma tatuagem?

— É que... Não... Deixa pra lá... – ele hesitou, triste.

— O que é que há, querido? – ela o encarou, confusa.

— Nada.

— Está chateado?

— Não.

— Está sim, eu estou vendo... Você quer... Quer mesmo que eu faça uma... Uma tatuagem?

— Sim.

— Mas por quê? Eu não entendo...

— É só uma... Bem pequenininha... Em qualquer lugar de sua mão. – Ele pegou a mão e ergueu, como se a estudasse. — Bem aqui talvez, entre o polegar e o indicador.

— Mas, Draco... Eu... Eu tenho medo de agulhas – Ela revelou.

— Então esqueça, meu bem – Malfoy fixou o olhar na toalha da mesa. — Termine seu chá, sim? – E sorriu para ela um sorriso de garoto derrotado.

Pansy ficou pensativa. Não queria desapontar seu príncipe. Jamais sonhara em encontrar homem tão perfeito e quando finalmente o tinha, não queria perdê-lo. O clima na mesa mudou. Tentou retomar a conversa, mas havia nele uma distância que lhe gelou a espinha, provocando calafrios. Ela queria desesperadamente alcançá-lo de novo, queria estar salva e segura com ele.

— Eu vou... Vou fazer o que você quer... – afirmou, por fim.

— Ora, Pansy... Não seja ridícula. – Malfoy estalou os dedos para chamar o garçom. — Vamos sair daqui.

— Espera, Draco. Eu vou fazer a tatuagem... O que você quiser...

O loiro a olhou com ternura. Tomou-lhe as mãos e sussurrou:

— Você faria, Pan? Você faria isso por mim? – ele perguntou, sentindo seu interior exultar, em triunfo.

— Eu quero te fazer feliz, querido... – Pansy respondeu, assentindo com a cabeça.

O sorriso de Draco iluminou-lhe o rosto, e a moça derreteu de felicidade. Ela faria tudo para mantê-lo feliz e a seu lado, até mesmo encarar uma agulha. Viu seu amado pagar a conta, e ambos saíram do restaurante, abraçados, tomando a direção de um estúdio de tatuagem que havia ali perto.

No meio do caminho, Pansy começou a se sentir mal. Ela levou a mão até a boca e engoliu com dificuldade. Estava ligeiramente pálida.

— A comida estava terrivelmente pesada – sorriu, desculpando-se. — Muito boa, mas pesada. Estou me sentindo um pouco enjoada.

Draco olhou para ela, compadecido. Apertou um pouco mais a cintura dela e apressou o passo.

— É melhor nos apressarmos.

* * *

Dizer que Chen ficara surpreso ao ver Ginny Potter seria contar a história pela metade.

A porta de seu estúdio estava fechada, mas quando ele ouviu o tilintar do sino, levantou os olhos por um momento, ergueu o corpanzil da cadeira onde ficava fumando e foi até a sala da frente.

— Oh! – seu rosto redondo se abriu num delicioso sorriso. — A mulher bonita do detetive voltou. Chen muito honrado. Chen muito lisonjeado. Venha, sente-se, Sra... – ele fez uma pausa. — Desculpe, Chen esquecer nome...

Ginny tocou os lábios com as pontas dos dedos e sacudiu a cabeça. Chen a encarou sem compreender. Ela repetiu o gesto.

— Não pode falar talvez? – ele perguntou. — Laringite?

Ginny sorriu. Fez um movimento rápido com a mão, tocando os lábios e, em seguida, os ouvidos. E Chen finalmente entendeu.

— Oh! – ele disse, com olhos tristes e nublados. — Sinto muito... Sinto muito...

Ginny sacudiu a cabeça levemente, erguendo os ombros, mostrando a Chen que não havia nada para se lamentar.

— Mas senhora entende Chen? Sabe o que digo?

Sim, ela fez com a cabeça.

— Bom! Você garota mais linda que já veio no estúdio Chen. Falar isso fundo do coração. Beleza rara no mundo hoje. Não tem muita beleza. Ver beleza verdadeira deixa Chen alegre. Muito feliz, muito feliz... Falar rápido demais para você?

Ginny disse que não com a cabeça.

— Você lê meus lábios? – ante a resposta afirmativa da moça, o chinês sorriu ainda mais. — Isso bem esperto. Muito esperto. Mas por que você vem visitar Chen?

A ruiva entrelaçou os polegares e mexeu os dedos como se estivessem voando.

— A borboleta?! – surpreendeu-se Chen. — Você quer borboleta?

Sim, ela fez com a cabeça, encantada com a receptividade dele.

— Oh! Ohhhhhh! – ele exclamou, como se o reconhecimento dela fosse a realização de um sonho mais remoto. — Eu fazer muito bonita. Eu fazer borboleta grande muito bonita.

Ginny discordou.

— Não quer borboleta grande? Borboleta pequena?

Sim.

— Ah! Muito esperta, muito esperta. Borboleta delicada para senhora bonita. Borboleta grande não bom; borboleta bonita pequena, pequena melhor. Você muito inteligente. Você muito bonita e muito inteligente. Eu fazer. Venha. Entre, por favor. Entre.

Ele afastou a cortina que separava a parte de trás da loja. Curvou-se galantemente e deu um passo para o lado enquanto Ginny passava. Ela foi diretamente para o desenho da borboleta pregado na parede. Chen sorriu, e os dois passaram a combinar o tamanho, a cor e o local. Ginny queria uma borboleta preta, pequena, no ombro. Chen disse que borboleta no ombro esquerdo dava mau agouro,  e a moça decidiu então fazer no direito.

— Muito bom! – falou o chinês sorridente. — Então Chen fazer uma borboleta bonita, pequena e rendada, no ombro direito, né?

Apesar de toda gentileza do tatuador, Ginny ainda se sentia nervosa, afinal era a primeira vez que tentava fazer aquele tipo de coisa. Chen percebeu e passou a falar sobre sua vida em Shangai, sobre sua esposa e filhos, numa tentativa de relaxar a bela cliente. E seu esforço foi recompensado, pois Ginny foi se acalmando aos poucos, atenta àquele homenzinho gorducho, mas extremamente terno.

— Você trazer beleza meu estúdio. – disse ele, a certa altura. — Muito obrigado. Eu fazer borboleta linda. Meus dedos murcham e secam se eu não fazer borboleta linda. Isso Chen prometer. Prometer também sem dor. Isso também prometer. Você relaxa sim? Você desabotoa blusa só um pouco, deixar ombro de fora.

Ginny concordou e desabotoou o primeiro botão da blusa, deslizando o pano para deixar o ombro direito à mostra.

Chen desviou os olhos da agulha de repente.

A campainha da porta da frente acabara de tocar.

Alguém entrava no estúdio.

É possível que Chen não tivesse reconhecido o homem loiro e alto se não fosse pelo fato de Ginny Potter estar nos fundos do estúdio, esperando para ser tatuada.

Pois, embora o loiro bonitão fosse uma figura impressionante, Chen só o vira uma vez e há muito tempo. Mas agora, com Ginny lá, com a lembrança viva que Chen tinha de Harry, o policial casado com aquela bela mulher, reconheceu o loiro no instante em que passou pela cortina de contas e deu de cara com Draco Malfoy.

— Sim?

Ele viu o rosto do homem e automaticamente começou a pensar em chinês: "Este é o homem que o detetive está procurando. O marido da moça bonita que está esperando para ser tatuada. Este é o homem". Os olhos de Chen observaram a moça ao lado de Malfoy. Não a achou bonita. O cabelo era de um marrom apagado, cor de rato, os olhos castanhos descorados e usava óculos. Ela realmente não era bonita. Também não parecia estar passando muito bem. Havia uma expressão tensa e dura no rosto pálido. Realmente parecia não estar passando nada bem.

— Que tipo de serviço, por favor? – Chen perguntou.

— Uma tatuagem – respondeu Malfoy, sorrindo.

O chinês balançou a cabeça.

— Tatuagem para o cavalheiro, né?

— Não. Uma tatuagem para a moça.

Já não havia a menor dúvida na cabeça de Chen. Este era o homem. Uma moça estava morta, talvez por culpa deste homem. Chen o observou minuciosamente. Esse era um homem perigoso.

— Queiram sentar-se, por favor? Voltar num minuto.

— Ande logo, sim? – Draco alertou. — Não temos muito tempo.

O gorduchinho afastou a cortina e dirigiu-se rapidamente para os fundos do estúdio. Foi direto até Ginny. Na hora ela percebeu a aflição do chinês. Dispensou-lhe total atenção de imediato. Algo acontecera, e Chen estava muito atrapalhado e nervoso.

— Homem aqui – ele disse, cochichando. — Aquele que marido policial quer. Você entende?

Por um momento, ela não entendeu. 'Homem aqui? Aquele que meu marido...?' Mas de repente tudo ficou claro. Sentiu um calafrio repentino na espinha,  e o couro cabeludo começar a formigar.

— Ele aqui com moça. Quer tatuagem. Você entende?

A ruiva engoliu em seco, mas concordou com um movimento de cabeça.

— O que devo fazer?

* * *

Pansy Parkinson estava passando mal de verdade.

— Eu... eu não me sinto nada bem... – ela murmurou fraca.

— Isso não vai demorar mais que uns segundos.

— Draco... Eu realmente não me sinto bem... Meu estômago... – sacudiu a cabeça. — Você acha que a comida estava boa?

— Tenho certeza que sim, querida. Olhe, vamos fazer a tatuagem e depois paramos para comprar um remédio qualquer, está bem? Temos um longo caminho pela frente, e eu não queria que você ficasse doente...

— Draco... Nós temos... Temos que fazer a tatuagem?

— Vai passar, querida. Talvez a comida estivesse pesada demais.

— Sim, deve ter sido isso... Draco... Estou péssima...

* * *

Harry abriu a porta de seu apartamento.

— Gin?

Logo se deu conta, entretanto, de que chamá-la seria inútil já que ela não podia ler seus lábios. Fechou a porta atrás de si e foi até a sala. Tirou a jaqueta, jogou-a sobre a poltrona e foi para a cozinha.

A cozinha estava vazia.

Potter sacudiu os ombros, voltou para a sala e abriu a porta que levava ao quarto deles. Ginny tampouco estava no quarto e nem no banheiro.

Ficou parado, de pé, olhando para o cômodo por alguns momentos, depois suspirou. Foi novamente até a sala, escancarou a janela, pegou o jornal, tirou os sapatos, afrouxou a gravata e sentou-se para ler e esperar a esposa teimosa.

Ele estava cansado como nunca.

Em dez minutos dormia profundamente na poltrona.

* * *

Ronald Weasley estava fazendo uma ligação por conta da empresa.

— Como foi? – ele quis saber de Hermione.

— É muito cedo para dizer alguma coisa.

— Ela leu a carta?

— Sim, acho que sim.

— E?

— Não teve nenhuma reação.

— Nada?! – ele perguntou, incrédulo.

— Nada. Ela leu e disse que informaria meu pai. Pronto.

— O que você acha?

— Acho que eu te amo – respondeu Mione. Se ele pudesse vê-la, saberia que os olhos dela brilhavam, e ela sorria.

— Não seja sentimental. Acha que vai dar certo?

— Só o tempo vai dizer. Eu adoro você, Ron.

* * *

— Eu amo você, Draco... E quero fazer isto, mas é que... Eu não... Estou me sentindo muito bem.

— Vai melhorar logo – Malfoy a tranqüilizou. — Quer um chiclete?

— Chame o cara, sim, Draco? Por favor, chame-o e vamos acabar logo com isso.

* * *

Ligue para ele, Ginny Potter escreveu na folha de papel, logo abaixo dos círculos que Chen fizera para ela escolher o tamanho da borboleta. Meu marido, investigador Potter. Ligue para ele. 5037-8024. Conte a ele.

— Agora? – Chen cochichou.

Ginny sacudiu a cabeça insistentemente. No papel, ela escreveu: Você tem que segurar esse homem aqui. Não pode deixar que ele saia do estúdio.

— O telefone... O telefone é lá na frente. – disse o chinês. — Como Chen ligar?

— Ei, você aí! – Malfoy gritou. — vai vir logo ou não?

A cortina abriu-se. Chen apareceu.

— Desculpe, senhor. Pequeno atraso. Sente-se um pouco, por favor. Preciso ligar amigo.

— Isso não pode esperar? – Draco indagou. – Estamos com muita pressa.

— Não pode esperar, senhor, desculpe. Atendo vocês num minuto. Prometi amigo querido que ligava. Preciso fazer isso.

Foi até o telefone e rapidamente discou o número do 87o. Distrito. Esperou. Podia ouvir o telefone tocando do outro lado.

— 87o. Distrito. Sargento Longbotton.

— Alô! Quero falar com Sr. Potter, por favor.

Malfoy estava a poucos metros dele, impaciente batendo o pé no chão. A moça estava sentada numa cadeira em frente ao telefone, com a cabeça apoiada nas mãos.

— Só um momento, por favor. – disse o sargento. — Vou colocá-lo em contato com a divisão de investigadores.

Chen ouviu o clique na linha. Uma voz disse:

— 87o. Esquadrão. Snape falando.

— Sr. Potter, por favor.

— Potter não está no momento. Posso ajudá-lo.

Chen olhou para Malfoy, que verificava o relógio.

— O... ahn... er... O desenho da tatuagem que ele queria. Está aqui no estúdio agora.

— Um momento – Severus pediu. — Vou tomar nota. O desenho de tatuagem que ele queria, no estúdio agora. Ok. Quem está falando, por favor?

— Chen, o chinês.

— Como?

— Por favor, avisar ao Sr. Potter. Diga a ele ligar de volta logo que chegar aí. Diga a ele Chen vai tentar segurar o desenho.

— Escute aqui... Pode ser que ele nem volte aqui hoje – Snape alertou.

— O senhor dizer isso a ele, por favor.

— Está bem, vou dizer a ele – o detetive concordou, suspirando.

— Obrigado. – E Chen desligou o telefone.

Ronald Weasley se aproximou da mesa de Snape.

— Quem era?

— Um tal de Chan, Chen, Chin... Sei lá... Um chinês maluco.

— Oh! – murmurou Ron. Ele desejava que fosse Hermione, embora tivesse falado com ela há menos de cinco minutos.

— Seu amigo não estava? – perguntou Malfoy.

— Não. Ele liga de volta. Que tipo de tatuagem vocês querem?

— Um pequeno coração com iniciais dentro.

— Que iniciais?

— PED.

— Onde quer coração?

— Na mão da moça. – o loiro sorriu. — Bem aqui, entre o polegar e o indicador.

— Muito difícil de fazer. – replicou Chen. — Machuca moça.

Pansy levantou o olhar.

— Draco, eu... Eu não me sinto bem, honestamente não me sinto bem. Não podíamos... Não podíamos deixar isso para depois?

Draco deu uma rápida olhada em Pansy. Subitamente o rosto dele endureceu.

— Sim, isso vai ter que esperar até uma outra oportunidade. Vamos, Pansy. – Ele pegou o cotovelo da moça, ajudou-a ficar em pé, segurando o braço com firme determinação. Virou-se para Chen.

— Obrigado, mas precisamos ir agora.

— Posso fazer já – disse Chen desesperado. — Vocês sentar, eu fazer tatuagem. Fazer coração bem bonito com iniciais. Bem bonito.

— Não – respondeu Draco, fria e decididamente. — Agora não.

Chen segurou o braço de Malfoy.

— É rápido. Faço um bom trabalho.

— Tire as mãos de mim! – disparou o loiro, abrindo a porta.

O tilintar do sino soou alto no pequeno estúdio. A porta se fechou e o chinês correu para os fundos.

— Eles ir embora! Não segurar eles! Eles ir embora!

Ginny abotoava a blusa. Apanhou o lápis e um papel em cima da mesa e jogou dentro da bolsa.

— Nome dele Draco – revelou Chen. — Ela chamar ele Draco.

Ginny balançou a cabeça e foi em direção à porta.

— Onde vai? – o gordinho gritou. — Onde vai?

Ela virou-se e sorriu para ele de passagem. A porta novamente se fechou, e ela se foi.

Chen permaneceu de pé, no meio do estúdio, ouvindo o incessante tilintar do sino.

— O que faço agora? – pensou em voz alta.

* ~ * ~ * ~ *

Continua...