Capítulo Quinze: O inimigo



Foi durante o primeiro jogo de quadribol de Harry que Aline viu como tinha avaliado mal o perigo. Esquecera-se de sua missão, da situação fora da bem protegida Hogwarts. Esquecera-se de Lord Voldemort.

O bruxo estava cada dia mais poderoso, reavendo seus fiéis seguidores e outros que ele conquistou com promessas de poder. Seu pai a mantinha informada. Até o momento, os jogadores estavam apenas arrumando suas pecas no tabuleiro. Ela acreditava que a precaução de Alvo Dumbledore retardaria a ação do inimigo, contudo, não adivinhava quanto tempo ele podia ser detido.

Em sua última mensagem, Timoth comentara sobre a estranha quietude. Para ele estava tudo pronto e esperava o golpe para logo. Aline tentava não pensar em nada daquilo. Tinha o direito de descansar um pouco, de viver sua própria vida. Já tinha feito demais.

O jogo a fez arrepender-se desse julgamento.

Harry costumava ficar acima dos outros jogadores, vendo a partida há mais de trinta metros de altura, buscando o Pomo de Ouro sem atrapalhar. Quando os artilheiros disputavam a goles perto das balizas da Lufa-Lufa, ela viu Harry levar uma mão à testa, depois a outra. O garoto ainda se manteve no ar algum tempo, contudo perdeu o equilíbrio e caiu.

O estádio todo parou. Ela mal teve tempo de colocar seus anéis, voar para o meio do campo, levantar a mão aberta bem embaixo do namorado e fazê-lo parar no ar a menos de cinco metros do chão. Um suspiro de alívio ecoou pelas arquibancadas. Sig, Rony e Hermione corriam ao encontro dela, enquanto alguns jogadores traziam a vassoura de Harry de volta e outros o pegavam e traziam até o campo, ainda gritando de dor.

Juntou gente em volta deles. Rony e Sig brigavam para as pessoas se afastarem. Hermione tentava segurar as mãos do amigo para ele não arrebentar a cabeça de tanto apertar. Aline sabia que não adiantaria nada. Ao tocar a mão dele, sentiu Voldemort atuando. O que ela podia fazer era pouco. Tinha quase esgotado seu poder ao pará-lo no ar.

Quando Minerva McGonagall conseguiu chegar até eles, Harry já tinha desmaiado.



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Harry começava a pensar que não podia ter mais sorte: os treinos de quadribol iam bem: o campeonato seria uma barbada para a Grifinória; ele estava conseguindo um rendimento admirável nas aulas; e tinha ao seu lado Aline Hunter.

No início ele pensou que tinha enlouquecido. A conversa com Cho só o deixou mais confuso: ele se arrependeria de se meter com uma guerreira, não uma menina normal. Mas a visão dela, indefesa, contradizia isso. Aline era uma garota que sabia se defender e ponto. A convivência mostrou como ele fora burro em temer que ela seria dura ou grosseira.

Aline cuidava que tudo estivesse bom para ele. Sempre um beijo, um abraço, um carinho. Ela gostava de apoiar a cabeça em seu peito e ficar ali, quietinha. Adoravam namorar na Torre de Astronomia e Aline ficava horas envolvida em seus braços. Geralmente, ela levava a caixa musical e desfilava sua coleção, que um trouxa acharia desatualizada.

- Beatles, Elvis Presley, The Platers, Chuck Berry...! - Ria-se ele enquanto ouviam "Love me tender" - Acho que você parou no tempo.

- Talvez você preferisse Spice Girls, não? - Rebatia ela com autoridade. - Elvis cantando Love Me tender é perfeito! Todo mundo tenta imitar os antiquados!

Aline emprestou alguns livros da "tradição" - como ela chamava - e Harry começou a entender um pouco dos seus costumes. Pela primeira vez, ele se viu pensando em casamento e filhos. Leu sobre o assunto nos livros dela.



"Todos os eldar (elfos) falavam da passagem de muita força, mental e corporal, para suas crianças, na concepção e no nascimento. Logo, eles sustentavam que o fëa (espírito), embora não criado, extrai energia dos pais antes do nascimento da criança: diretamente do fëa da mãe enquanto ela carrega e nutre o hröa (corpo), e igualmente através do pai, cujo fëa está unido com o da mãe.

Por esta razão todos os pais desejavam viver juntos no ano da gestação, e consideravam a separação nessa época como uma tristeza e aflição, privando a criança de uma parte de sua família. "Pois", diziam eles, "apesar da união dos fëar do casal não ser quebrada pela distância de lugares, mesmo em criaturas que vivem como espíritos encarnados, fëa somente comuna com fëa em sua totalidade quando os corpos estão juntos".



- Por isso a ligação com sua mãe é tão forte, não é? - Perguntava Harry à namorada numa noite de estrelas cadentes. Estavam na Torre, para ela anotar os movimentos de Saturno no quadrante leste. No momento, Aline estava apoiada no peito dele enquanto explicava alguns termos do livro.

- Pelo menos é assim que fui ensinada a pensar. - O garoto via o brilho das estrelas nos olhos cinzentos dela. Ela afastou-se e olhou-o divertida. - Você acha que se tivéssemos um filho, a ligação entre nós se intensificaria? É isso que está me propondo?

- Bem, não é uma má idéia, não acha? - Ele puxou-a para si se encheu-a de beijos. - Mas não agora, claro. Temos muito que fazer ainda.

- Sim. - Ela tornou-se muito séria e afastou-se novamente para anotar na prancheta. - De qualquer forma, nossa ligação já é bastante forte. Acho que só com meu pai conversei tanto na vida!

- Pensei também em minha mãe... Será que funciona para os humanos?

- Creio que funcione. - Aline passava as mãos pelos cabelos de Harry. - Senão, ela não poderia tê-lo salvado. - Então ela riu, para espantar a tristeza do rosto dele. - Você pode ficar feliz, Potter. Com certeza, pelo menos uma vezinha na vida, alguém já o amou.

- E ninguém mais? - Ele ergueu uma sombrancelha e encarou-a. - Nunca mais?

Como resposta, ganhou um beijo.

Harry não desgrudava dela nem um minuto. Sentia confiança e segurança, o que não acontecia quando estava com Cho. Tinha a leve sensação de já ter sentido isso, mas não se lembrava do sonho do verão. Tudo parecia estar perfeito.

O jogo de quadribol o fez acordar desse encantamento.

Logo no início da partida, sua cicatriz começou a doer. A dor crescia cada vez mais, turvando sua visão, mesmo assim não queria descer. Procurou concentrar-se nas jogadas, desviar o pensamento, mas começou a ficar tonto. A dor veio forte como se alguém cinzelasse sua cabeça. Quando voltou a si, desequilibrara e caíra, vendo o chão aproximar-se mais. Pensou por um instante em Dumbledore, que já o tinha salvado de uma queda dessas, mas o diretor não estava presente.

De repente, a figura de Aline invadiu o campo, correndo. Ela ergueu a mão para ele, ordenando que parasse. E ele parou. Depois não viu mais nada. Fechou os olhos e só ouviu os próprios gritos.



********************************************************************* - Professor, era Lord Voldemort.

Aline estava na sala do diretor. Mexia-se nervosa na cadeira. Deixara Harry na ala hospitalar com Hermione e Rony e fora direto para lá com a Profª McGonagall. Dumbledore ouviu seu relato da queda.

- Acredito que sim, Srta. Hunter. Finalmente ele começou.

- Sim. Como Harry pode ser afetado dessa maneira? Já sabia que eles tinham uma ligação, mas não que era tão forte.

- Harry é afetado por ter absorvido alguns poderes de Voldemort, Elenna. E, muito provavelmente, parte da sua consciência. Ele é como um termômetro dos pensamentos do inimigo.

- Isso é horrível! Não podemos curá-lo?

- Infelizmente não. Certas coisas não podem simplesmente ser arrancadas de nós. Você o tocou?

Dumbledore a observava.

- Sim... Ele estava se contorcendo e gritando. Quando toquei sua mão li os pensamentos assassinos de Voldemort. Ele matou alguém cruelmente.

Ele baixou a cabeça e suspirou.

- Receio que tenha sido isso mesmo. Harry já sentira dor antes, mas não a ponto de desmaiar. Mesmo quando ele matou alguém. Você pôde ver quem foi?

- Não. - Aline acompanhava cada movimento do diretor. - Meu poder diminuiu ao evitar que ele caísse.

Depois de um longo silêncio, McGonagall permitiu que ela saísse, mas Dumbledore não deixou, ainda.

- Por favor, senhorita, fique mais um pouco. Harry está bem. Gostaria de falar-lhe francamente.

- Ia pedir exatamente isso, professor. Desde o início desconfiei que não estivesse aqui apenas para minha proteção. Era seu plano que eu o protegesse?

- Elenna, - começou Dumbledore. A voz calma era pouco mais que um sussurro. - quando o procurei, seu pai estava aflito. Você é testemunha do assassinato de sua mãe, embora a maioria acredite que uma criança de três anos não possa ter lembranças fiéis e confiáveis. Timoth pediu-me que cuidasse de você e eu aceitei. Não nego que sua aproximação com Harry Potter me alegrou, mas ela não foi planejada. Não era mais uma missão para você, apesar de....

- Apesar do senhor saber que eu sou a única que pode aliviar o sofrimento dele. E farei isso como puder, professor. Sei o quanto ele é importante... E ele tornou-se importante para mim também. - Ela corou e baixou os olhos, envergonhada.

Um sorriso se abriu no rosto preocupado de Alvo Dumbledore.

- Vocês jovens me surpreendem a cada dia. Mas não é só Harry Potter uma peça chave desse jogo. Seu pai ficará orgulhoso. Ele virá aqui ainda esta semana.

- Sim, ele me avisou. Estou tentando descobrir como apresentar meu namorado para ele sem ver uma crise de ciúmes!



********************************************************************* Na ala hospitalar só estavam Rony e Hermione. Harry não acordara.

- Como foi com Dumbledore?

- Ele queria saber o que tinha acontecido, só isso. E dizer que meu pai virá nos visitar nos próximos dias. Vocês vão gostar de Timoth Hunter. Como está Harry?

- Madame Pomfrey disse para deixar ele dormir.

Aline começou a contar aos dois a reunião com o diretor. Hermione fitava a amiga incrédula. O rosto de Rony abandonava a cor habitual, tornando-se branco, azul e verde. Por fim, Aline calou-se e olhou para Harry.

Rony viu que os anéis ainda estavam em sua mão: um para cada dedo, unidos a outro maior na palma da mão. Todos feitos de uma madeira prateada.

- Foi com isso que você parou a queda?

- Ah, sim. Meu pai fez para mim. É de uma árvore já extinta chamada mallorn. Dentro, e unindo os anéis, tem fios de mithril, a chamada prata verdadeira dos Elfos. Minha varinha é do mesmo material. Os anéis aumentam a canalização dos poderes. Só com a varinha eu não poderia tê-lo parado.

- Uau! Posso ver?

A garota entregou o adereço e Rony revirou-o por todo lado. Hermione estava pensativa.

- Nunca ouvi falar desses materiais. Onde seu pai os encontrou?

- Bem, Mione, não sei se você acredita em lendas. Há milhares de anos, quando os Elfos partiram da Terra mortal, eles deixaram algumas heranças. Com o passar das Eras elas se perderam. Só o que ficou foi uma pequena barra da prata e algumas lascas de mallorn, uma árvore das florestas por onde eles caminhavam na Primavera do mundo, que já não existe mais. Meu pai aproveitou-as e fez uma varinha para mim e esse adereço. Já nos foram úteis em inúmeras ocasiões.

Aline foi até a cabeceira da cama e beijou o namorado. Cantou uma antiga canção, para acalmar os ânimos.

"Deve ser um estrela

Brilhando dentro de você

Quando a escuridão desvanecer

Seu coração encontrará a verdade.

A escuridão está vindo

Acredite e você encontrará seu caminho

A escuridão está fenecendo

Uma promessa está com você agora

Guiando sua jornada

Para a luz do dia

Quando a noite chega

Você encontrará o sol"

Acariciou várias vezes a cicatriz do garoto, procurando tirar a dor com a força que ainda restava.

"Não deixarei que ele o atinja."