Capítulo Vinte – Declarações e Conselhos
- Certo, Edwiges, sabe o que fazer, não é? Encontre a Cho e entregue o bilhete que amarrei na sua pata para ela, mas ninguém pode te ver, senão saberão que eu mandei o bilhete! Você entendeu direitinho?
A coruja piou indignada e muito irritada, afinal já era a terceira vez que Harry fazia essa mesma pergunta. O garoto decidira mandar um bilhete para Cho, convidando-a para encontrá-lo no jardim da escola. Mas estava tão nervoso, que repetia diversas vezes o que Edwiges tinha que fazer e a coruja, que sempre se orgulhara da sua eficiência, já estava começando a se irritar e pousou num dos poleiros vazios do corujal, muito emburrada.
Harry percebeu a burrada que fizera e tentou consertar: - Ah, Edwiges... Não fica chateada, me desculpa... – ela deu às costas para o dono, tal a sua irritação. – Não faz assim, Edwiges, me desculpa. É que eu estou muito nervoso com esse encontro e... E tô fazendo tudo errado...
A coruja se virou e olhou para ele, como se esperasse mais alguma coisa. Harry suspirou e disse: - Eu prometo que não vou mais repetir aquelas coisas. Você é a melhor coruja de entregas que eu poderia ter e eu sei que você vai fazer tudo certo. – ela inflamou o peito, orgulhosa e deu uma bicadinha carinhosa no dono antes de partir pela janela aberta.
- Mulheres... Se eu não consigo nem lidar com a minha coruja, como irei falar com a Cho? – ele falou para si mesmo e decidiu se dirigir ao local combinado. No bilhete que escreveu à Cho, com a letra trêmula, pediu que o encontrasse no jardim da escola, em frente ao lago, às seis horas da tarde. E ele foi para lá, esperá-la.
Quando chegou, o sol ainda estava de pé no horizonte, mas sua luz estava um pouco fraca e seus raios dançavam lentamente sobre as águas do lago. Poucos eram os alunos que passeavam no jardim. Sentou-se na grama e ficou observando o lago, repassando mentalmente tudo o que diria para Cho quando ela chegasse. "Se chegar", pensou.
Fechou os olhos e lembrou-se do rosto dela, todas as vezes que falara com ele. Pensamentos fugazes passavam por sua mente, dúvidas, receios... Estava tão absorto que nem sentiu o tempo passar. Quando abriu os olhos e olhou para o lado, quase deu um pulo de susto; Cho estava sentada, olhando atentamente para ele.
- C... Cho? – sentiu que começava a gaguejar e o rosto ardia. – V... Você está há muito tempo aqui?
- Não, só um pouquinho. – ela respondeu com um sorriso. – Você estava tão absorto que nem me notou chegar... E eu fiquei esperando você notar...
- Ah, me desculpe... Eu estava pensando e... acabei nem percebendo...
- Imagina... Eu também faço isso às vezes... – ela fez uma pausa e olhou para o lago. Depois virou-se para ele e disse: - Recebi seu bilhete. Aconteceu alguma coisa?
- Bem... é que eu queria te dizer uma coisa... – pronto, ia falar agora. Mas por que as palavras não saíam? – É que... Eu queria agradecer por ter me ajudado hoje! – disse tudo isso muito rápido, com vontade de se bater por não ter conseguido dizer o que queria.
- Ah, Harry... De nada, foi um prazer te ajudar... Afinal, você é sempre tão gentil comigo... E como foi na aula, o Prof. Snape brigou com você?
- Não muito... O de sempre...
- Ele tirou pontos?
- Trinta...
- Trinta? – ela se espantou. – Ele tirou trinta pontos de você?
- Foi... Por chegar trinta minutos atrasado...
- Bem... Pelo menos você não recebeu nenhuma detenção...
- Vou limpar a sala dele sem magia.
- Eu não acredito! Puxa, Harry... Eu me sinto tão culpada... Acabei te atrasando mais com a conversa que tivemos...
- É claro que não! Não teria feito a menor diferença se eu tivesse chegado antes, o Snape encontraria um motivo para implicar comigo de qualquer forma... E você acha que eu ia preferir uma aula chata de Poções a conversar com você? – ele perguntou, corando furiosamente.
Ela sorriu timidamente e olhou para o lago. Estava muito bonito agora; o sol se punha no horizonte e seus raios de luz vacilantes cintilavam no lago escuro. Os mesmos raios iluminavam fracamente o rosto de Cho, que ficava ainda mais bonito dessa forma, Harry notou e corou ainda mais.
Harry abaixou a cabeça, pensativamente. Por que não conseguia dizer o que sentia? Tinha ensaiado tantas vezes, mas agora não sabia como dizer... As palavras simplesmente não saíam de seus lábios... Olhou para a moça ao seu lado; ela tinha os olhos focados no pôr do sol. Lembrou das palavras de Rony: "A espera é infinitamente pior do que o momento de agir..." O amigo estava certo, ele tinha que fazer aquilo, tinha que falar o que sentia... E se ela não o quisesse, teria que enfrentar isso, como já enfrentara tantas coisas na vida...
- Cho? – ela se virou para olhá-lo e tinha uma expressão indecifrável no rosto. – Eu queria te dizer uma coisa...
Ela apenas baixou os olhos e não disse nada. Aquele silêncio incomodava o garoto intensamente, mas ele não se deixou abater. Com a voz firme, continuou, decidido:
- Eu sei que existem muitos garotos que provavelmente já te disseram isso que eu vou falar, Cho, mas eu não posso mais esconder... Desde a primeira vez que eu te vi, senti algo diferente dentro de mim, algo especial... Eu cheguei a pensar que fosse algo bobo, que iria passar, mas não era... Esse sentimento nunca mudou e continua o mesmo até hoje... Cho, eu quero te dizer que eu... que eu te amo! – ele parou um pouco para recuperar o fôlego; ela não disse nada e sequer olhou para ele. – Cho... Cho, você quer ser a minha namorada?
- Eu tinha medo que você dissesse isso... – ela murmurou.
- Medo? – ele murmurou numa voz que tão baixa que era difícil até para ele mesmo escutar. – Por quê?
Ela levantou os olhos lentamente até encontrar os dele. – Porque eu não quero te magoar, Harry... Mas não posso fazer o que você está pedindo...
- Você não gosta de mim, não é? – era como se o seu coração tivesse sido partido em diversas partes que ele não poderia juntar.
- Não, Harry, não é isso que você está pensando! – ela exclamou, desesperada. – Eu gosto de você, mas... Mas não é do jeito que você gostaria... Por isso... Por isso não posso ser sua namorada...
Foi a vez dele de baixar a cabeça e não dizer nada. Sentia um grande vazio dentro de si, como se seu coração tivesse sido arrancado. Não conseguiria descrever o que sentia em palavras... Diversas vezes imaginara esse momento e na maioria das vezes, imaginara Cho dizendo "não" para ele, mas sentir isso na pele era diferente de imaginar... Doía intensamente, uma dor muito pior do que todas que já sentira... Uma dor imensamente pior do que a Maldição Cruciatus ou qualquer outro tipo de tortura...
- Harry... Por favor, me perdoe... – ela disse. – Eu me sinto tão mal em ter que te dizer isso... Mas entenda, eu não posso te enganar e enganar a mim mesma... Seria muito pior para nós dois... Harry? Olha para mim, por favor...
Ele levantou os olhos para encontrar os dela, que estavam molhados. Harry nunca saberia explicar como conseguiu dizer essas palavras: - Eu te entendo, Cho. E não quero te forçar a nada... Eu só precisava te dizer o que eu sinto, pois eu não conseguia mais guardar isso dentro de mim... Ninguém consegue mandar no coração e eu entendo a sua atitude... Não adiantaria nada fingir, no final a verdade sempre aparece...
Um silêncio se fez entre eles. O sol finalmente tinha se posto e seus raios não mais iluminavam seus rostos. Harry não pôde mais ver a expressão no rosto de Cho, mas se pudesse, veria que ela estava chorando. O garoto se levantou e disse, com uma voz que não parecia a sua:
- Obrigado por ter me dito a verdade, Cho. – e se afastou sem olhar para trás.
Andou e andou, sem olhar para aonde ia; só tinha a ligeira impressão de ter entrado no castelo e estar subindo as escadas. Sua mente estava confusa... Doía, doía muito lembrar as palavras de Cho. Doía principalmente a delicadeza com a qual ela disse tudo... O jeito com que ela disse, tentando não magoá-lo... Magoou muito mais... A voz dela, cheia de pena... Doeu muito mais do que se essa mesma voz estivesse carregada de raiva...
Sem perceber, chegou até o quadro da Mulher Gorda. Ela estava tirando um cochilo e ele quase gritou a senha para acordá-la. Antes de abrir a passagem, ela ainda disse:
- O que aconteceu? Você parece chateado, garoto...
- Apenas abra a passagem, por favor.
- Se assim o diz... – ela abriu a passagem e Harry entrou no Salão Comunal da Grifinória. Olhou em volta e viu que ela estava vazia. Melhor assim, não queria ver ninguém, só ficar sozinho. Sentou em uma das poltronas, perto da lareira, que queimava intensamente. Não saberia dizer quanto tempo ficou assim, apenas olhando para o fogo, que crepitava... No estado em que se encontrava, não conseguia nem mais pensar, só sentia um imenso cansaço...
Passado algum tempo, que ele não sabia precisar, ouviu um barulho. Instantaneamente olhou para a passagem do quadro, que abrira. E a pessoa que Harry menos imaginava entrou e parou abruptamente ao vê-lo.
- Gina? – Harry perguntou, espantado, assim que viu a garota entrar. Ela estava muito pálida e com os olhos arregalados.
- Harry? – ela parecia muito mais espantada do que ele e a palidez no rosto contrastava vivamente com seus cabelos ruivos. Gaguejando e respirando muito rápido, ela disse: - Eu... eu... me des... culpe... Eu... não q... queria te interromper...
Aos tropeços, ela cruzou a sala, dirigindo-se à escada que conduzia aos dormitórios femininos. Sem pensar, Harry a segurou pela mão, impedindo-a de continuar. Ela se virou bruscamente para olhá-lo e a cor voltara às suas faces, agora mais intensamente do que nunca, rivalizando com os cabelos vermelhos. O garoto percebeu que segurava a mão dela e rapidamente a soltou.
- Eu só queria te dizer que não precisa ir embora só porque eu estou aqui. – ele disse. – Você pode ficar, se quiser... Eu não me importo...
- Mesmo? – ela perguntou espantada. – O... obrigada.
Um silêncio constrangedor se formou entre os dois. Harry se sentou na mesma poltrona que estava anteriormente, perto do fogo que ardia na lareira. Gina permaneceu de pé, com um olhar amedrontado para o nada. O garoto percebeu isso e perguntou:
- Ahn... Você vai ficar em pé?
- O quê? – ela pareceu ter sido arrancada de um transe. – Não, eu... eu vou me sentar!
Bruscamente, ela tentou sentar numa poltrona próxima, mas acabou tropeçando no tapete e caindo sonoramente no chão. Harry imediatamente pôs-se a ajudá-la:
- Você tá bem? – ele perguntou, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar.
Ela olhou aterrorizada para a mão estendida e levantou rapidamente, para depois deixar-se cair sobre uma poltrona. Colocou as mãos em cima dos joelhos e abaixou a cabeça, envergonhada. – Sim, obrigada. – ela disse muito rápido.
Se não fosse pelo estado em que se encontrava, Harry teria dado gargalhadas daquela cena cômica. Ele se sentou e olhou para a menina, encolhida na poltrona, com as mãos apoiadas nos joelhos e as costas curvadas, a cabeça abaixada para tentar esconder o rubor da face. Extremamente encabulada.
Contudo, Harry não estava com nem um pouco de vontade de rir. Recostou-se na poltrona e fechou os olhos, voltando seu pensamento para tudo que acontecera naquela tarde. Com isso, seu coração voltou a ficar pesado pela lembrança. Sentia-se um trapo, algo que alguém jogou fora porque não queria ou porque incomodava. Apesar da maneira doce com que Cho disse aquelas palavras, ele não conseguia se sentir de outra forma.
Se ele estivesse de olhos abertos, veria que Gina não desviara o olhar que dirigia a ele nem por um segundo sequer. Com a voz firme, ela afirmou:
- Você está triste...
Ele abriu rapidamente os olhos e virou-se para vê-la. E, dessa vez, ela não desviara os olhos; ao contrário, mantinha-os firmes, olhando profundamente para o garoto. Impressionado pela certeza com a qual ela afirmou aquilo, ele perguntou:
- Como você pode ter tanta certeza?
- Porque está escrito nos seus olhos...
- Deve estar mesmo... Até a Mulher Gorda disse que eu estava chateado...
- E não está?
- Pode-se dizer que um pouco...
- Um pouco? Pois não parece... Você está muito chateado.
- Talvez você tenha razão... Mas não se preocupe, é só uma besteira minha...
- Quem você está tentando enganar? Sabe muito bem que não foi uma besteira, ou não estaria assim.
Harry franziu as sobrancelhas e olhou para ela, intrigado. – Você está fazendo algum feitiço para descobrir o que eu estou pensando, por acaso?
- Não existe feitiço para isso.
Ele suspirou. – Você já se sentiu como se não importasse para nada, como se não fosse importante para ninguém? Acreditando que não existe nenhum motivo para estar aqui, nesse mundo?
- "Você pode não ser alguém para o mundo, mas pode ser um mundo para alguém..."
- E se a pessoa que era o mundo para você não te quiser?
Ela sorriu. - "Não chore por alguém que 'perdeu' porque muita gente chora por não ter você..."
Ele abaixou a cabeça, pensativamente e não disse nada. Aquelas palavras calaram fundo dentro dele. Não sabia como e muito menos porque, mas a dor que sentia anteriormente, se transformara agora em um leve pesar, que não o incomodava mais. Foi Gina que quebrou o silêncio:
- Seja lá o que tenha acontecido, Harry, não se deixe abater... Porque não há apenas um "alguém" que precisa de você e sim muitos "alguéns"... Você é importante e não é porque uma pessoa não te quis, que ninguém mais vai querer... Seja persistente e com certeza vai encontrar o que procura. – ela levantou e disse com a voz trêmula. – Boa noite. – e se encaminhou para a escada que levava ao dormitório feminino.
- Gina! – Harry chamou antes que ela se fosse. Ela parou, mas não virou para olhá-lo; parecia estar fazendo um enorme esforço para não chorar. – Obrigado por tudo que você me disse...
Ela apenas acenou com a cabeça afirmativamente e continuou a andar, para depois sumir na escada.
Harry ficou olhando-a desaparecer. Nunca pensara que aquela garotinha atrapalhada que conhecera, que sempre vira como a "irmã mais nova do seu melhor amigo" pudesse dizer palavras tão confortadoras como aquelas... Nunca imaginara que ela também podia ter crescido...
- E aí, Harry, como foi o encontro? – Rony perguntou ansioso.
Eles estavam, no momento, no dormitório masculino do quinto ano. Harry tinha subido há algum tempo e estava lendo um livro sobre quadribol, deitado em sua cama, até o momento que Rony chegou. Este último estava sentado em sua cama, olhando atentamente para Harry, esperando uma resposta à sua pergunta.
- Tudo bem... – o garoto respondeu normalmente, sentando-se e colocando o livro de lado.
- Quer dizer que ela te aceitou?
- Pelo contrário, ela me dispensou.
- Sério? Puxa, Harry, sinto muito...
- Não se preocupe, eu entendi que esse foi mesmo o melhor que poderia ter acontecido... Como você disse, Rony, o mais importante era acabar com essa dúvida e foi o que eu fiz... Agora eu sei que Cho não gosta mesmo de mim e vou ter que enfrentar isso.
- Fico feliz que você pense assim, Harry. Na verdade, eu estava torcendo para que desse tudo certo com vocês, mas tudo acabou se resolvendo bem no final. Bem, já fiz minha boa ação do dia! Que bom que te dei aqueles conselhos hoje de tarde, né? – ele perguntou, pretensioso, com uma piscadela.
- É mesmo... – Harry disse rindo. – Obrigado, Rony.
Na verdade, não fora só Rony que o ajudara, mas Harry achou melhor esconder do amigo que a verdadeira responsável por ele ter entendido mesmo tudo foi a sua própria irmã...
