Capítulo Vinte e Quatro - Conseqüências

- Harry! – Rony e Gina chamaram em uníssono. O amigo se ajoelhara e pousara as mãos nos ombros de Harry. A garota mantinha a mão na boca, visivelmente desesperada e chocada.

- O que foi, Harry? – Rony perguntou.

Harry, porém, nem conseguia ouvir direito. A dor lancinante na cicatriz impedia-lhe de ouvir, falar e até mesmo pensar. Em sua mente passavam inúmeras imagens de que não sabia o significado. Viu um vulto negro lutando com alguém, mas a outra pessoa estava perdendo e caiu no chão. A cicatriz deu uma pontada maior.

- Harry! – Rony chamou novamente. O garoto se voltou para Gina e ordenou: - Vá buscar alguém, chame Madame Pomfrey!

Subitamente a razão pareceu voltar a Harry. Ele levantou os olhos e, ainda com a mão na cicatriz, exclamou: - Não! Não vá, não adiantaria. – o garoto respirava fundo, como se tivesse feito um grande esforço. Gina, que já estava indo embora, parou e se voltou para ele.

Com dificuldade, Harry tentou se levantar e só conseguiu porque Rony o ajudou. Olhou para o castelo e novamente sentiu uma pontada na cicatriz. Sem pensar no quê ou o porquê do que fazia, pôs-se a correr naquela direção. Rony e Gina o seguiram sem entender o que estava acontecendo.

Harry apenas corria, como se suas pernas soubessem para onde ir, instintivamente. Tinha a leve impressão de estar entrando pelas portas de carvalho do castelo e subindo as escadas. Ouvia os passos de Rony e Gina atrás de si, tentando alcançá-lo. Em sua mente ainda via imagens de alguém caído no chão, um vulto negro esvoaçando sua capa e rindo. A cicatriz não parava de doer.

Percebeu que estava no andar onde ficava a sala de Dumbledore. Sem pensar duas vezes, rumou para lá. Ao chegar viu um corpo estendido na frente do gárgula de pedra. Reconheceu-o imediatamente.

- Sra. Figg? – Harry se surpreendeu. Correu para onde ela estava. Rony e Gina pareciam mais surpresos do que ele, porém o acompanharam até o lugar. Harry se ajoelhou ao lado dela e tentou levantá-la. Sua mão se manchou de sangue ao fazer isso. Voltou-se para os amigos e disse: - Vão chamar alguém agora!

- Mas quem? – Rony perguntou aflito.

- Qualquer um, contanto que seja rápido!

Os dois irmãos se entreolharam e começaram a correr, sumindo logo depois. Harry se voltou para a professora, que continuava desacordada. Viu que a parte esquerda do rosto dela estava machucada e sangrando. O garoto não tinha idéia do que fazer, afinal nunca aprendera nenhum feitiço que pudesse ajudar num momento como esse. Tentou acordá-la.

- Sra. Figg? Acorde! – ele chamou. Depois de alguns segundos, ela abriu os olhos lentamente e com dificuldade.

- Harry? – ela perguntou com a voz embargada. De súbito, ela arregalou os olhos e questionou, com um tom de aflição: - Você o encontrou?

O garoto não entendeu nada e não tinha a mínima idéia sobre o que ela estava falando, mas respondeu mesmo assim, confuso: - Não...

Ela suspirou aliviada. – Ainda bem... – olhou para ele, que ainda estava em parte invisível devido à capa. Ela notou isso e puxou a capa, que escorreu suavemente, revelando-o por inteiro. – Essa capa era de seu pai, não é? Eu me lembro bem dela. Lílian dizia que ela era "mais um artifício das traquinagens de Tiago"... Ela sempre o censurava por isso, mas no fundo era do espírito aventureiro dele que ela mais gostava... – ela sorriu. – Você é igualzinho a ele, Harry...

Harry estava completamente confuso. – A senhora os conheceu?

- É claro, eu... – ela parou, como se tivesse dito algo que não era para dizer. – Esqueça. Não importa.

- Mas... – ele ainda ia tentar argumentar, contudo ouviu passos apressados e se virou para ver de quem eram. Rony e Gina tinham voltado e traziam consigo a Profª. McGonagall.

- O que está acontecendo? – a professora vinha andando apressada e soltou uma exclamação de surpresa e aflição ao ver a situação. – Arabella? – a Sra. Figg olhou lentamente para a professora enquanto esta se ajoelhava ao lado dela. – O que aconteceu com você?

- É uma longa história, Minerva...

- Vamos levá-la a ala hospitalar, não se preocupe. – a Profª. McGonagall disse e levantou-se. Com habilidade, conjurou uma maca. – Mobilicorpus! – A Sra. Figg foi, então, transportada para a maca com o feitiço.

Rapidamente, levaram-na para a ala hospitalar. Ao chegarem lá, os garotos notaram que a Sra. Figg não era a única ferida. Havia alunos lá também. Alguns choravam enquanto outros contavam o que sabiam para os professores que estavam presentes ali. Madame Pomfrey estava realmente tendo dificuldades para atender a todos.

A Profª. McGonagall chamou a enfermeira e pediu para que tratasse da Sra. Figg, que foi levada para um quarto separado. Harry ainda tentou entrar no lugar, porém a Profª. McGonagall o deteve:

- Você fica, Potter, já fez o bastante. Aliás, será preciso que os três permaneçam aqui por mais algum tempo. – ela disse, referindo-se a Harry, Rony e Gina. - E depois eu quero ter uma conversa com o senhor, Sr. Weasley. – antes de fechar a porta, ela dirigiu um olhar duro para Rony, que engoliu em seco. E bateu a porta com força na cara deles.

Os três, então, dirigiram-se para a outra sala, que tinha alguns alunos. Os gêmeos Weasley, que estavam em um canto e tinham alguns curativos pelo corpo, vieram logo falar com os garotos.

- Ah, que bom que vocês estão bem... – Fred disse aliviado. Harry nunca tinha visto os gêmeos, sempre tão brincalhões, dessa maneira. Extremamente preocupados. Parecia que a situação era mesmo muito séria.

- A gente procurou vocês por toda a parte! – Jorge disse enquanto Fred olhava Gina de cima a baixo para se certificar de que a irmã estava bem.

- Estávamos em Hogsmeade, assim como vocês! – Rony respondeu. – Apareceram dementadores e...

- Comensais... – Gina completou com a voz falhando.

- Nós vimos isso, eles estavam por toda a parte! – Jorge comentou.

- Quer dizer que tinham mais? – Harry perguntou.

- Eram muitos! – Fred explicou. – Estavam todos encapuzados e acompanhados de dementadores. Foi um pânico geral; todos corriam de um lado para outro e tiveram até algumas pessoas que foram... torturadas...

- A situação só melhorou quando os professores vieram ajudar. Alguns comensais desaparataram, porém outros permaneceram e lutaram. Eu e Fred tentamos escapar e acabamos nos ferindo um pouco. Estávamos preocupados com vocês, não os vimos em lugar algum!

Nesse momento ouviram passos e duas pessoas entraram na ala hospitalar. Todos os alunos se assustaram ao verem a quem pertenciam os passos. Não era pra menos; Snape e Dumbledore acabavam de entrar. Os dois conversavam em um tom de voz baixo. Snape tinha o rosto machucado e sangrava; as roupas estavam rasgadas em algumas partes. Dumbledore tinha o semblante preocupado e parecia ter envelhecido um pouco mais; assim que o diretor entrou, lançou um olhar penetrante por detrás dos óculos de meia lua diretamente para Harry. O garoto sentiu como estivesse sendo analisado e não pudesse esconder absolutamente nada dele. O diretor, ao contrário do que Harry pensou, não falou nada e dirigiu-se rapidamente à sala onde se encontrava a Sra. Figg. Entretanto, durante o percurso, Dumbledore não tirara os olhos de Harry e seu olhar não era o de sempre, estava gelado. Até o olhar que Snape lhe lançou estava menos duro.

Harry sentiu que estava terrivelmente encrencado e até esqueceu a dor na cicatriz. Acompanhou Dumbledore com o olhar e engoliu em seco quando ele entrou, acompanhado de Snape, na sala onde a Sra. Figg estava. Rony comentou, um pouco assustado:

- Dumbledore até voltou da viagem mais cedo! A situação está ruim mesmo...

- Estão dizendo por aí que, enquanto os alunos e professores estavam em Hogsmeade, alguém entrou em Hogwarts... – Fred comentou num sussurro.

- Alguém entrou no castelo? Mas quem? – Rony perguntou.

- Ora, você não consegue pensar em ninguém, Rony? – Jorge perguntou com sarcasmo. – Que tal Aquele-que-não-se-deve-nomear?

- Voldemort entrou em Hogwarts? – Harry questionou.

Rony, Gina e os gêmeos tiveram arrepios ao ouvirem isso. Rony perguntou, sussurrando:

- Harry, por que você não perde essa mania de falar esse nome?

O garoto não respondeu nada. Estava mais preocupado com o que acabara de ouvir. Será que as imagens que vira quando sentiu a pontada na cicatriz eram de Voldemort? Fazia sentido, já que sempre via o bruxo em sonhos, mas não lembrava de tê-lo visto alguma vez quando acordado. Nas imagens, Voldemort estava lutando com alguém e esse alguém perdeu o duelo, caindo no chão logo após. Seria a...

Dumbledore, McGonagall, Snape e Madame Pomfrey saíram da sala nesse mesmo momento. Snape, com uma expressão muito carrancuda e ainda sangrando, saiu acompanhado pela Madame Pomfrey, provavelmente para cuidar do ferimento. Todavia, Dumbledore e a Profª. McGonagall se dirigiram exatamente para o local onde estavam os garotos. Fred e Jorge trataram de saírem dali rapidamente e levaram Gina junto com eles. Harry e Rony permaneceram onde estavam.

- Vejo que ainda estão aqui como pedi. – a Profª. McGonagall disse com um tom de voz mais rígido que o habitual. Ela se voltou para Rony: - Gostaria que me acompanhasse até a minha sala, Sr. Weasley.

Rony apenas abaixou a cabeça e acompanhou a professora silenciosamente. Dumbledore ainda ficou observando os dois saírem antes de dizer:

- Não preciso dizer que temos que conversar, Harry?

Harry não disse nada, apenas olhou de soslaio para o diretor. Dumbledore não sorria e seus olhos azuis não cintilavam por detrás dos óculos de meia lua como nas outras vezes. Ele saiu pela porta e Harry o seguiu.

Caminharam lado a lado, silenciosamente. Aquilo torturava ainda mais o garoto. O silêncio constrangedor fazia-lhe lembrar do que fizera. Dumbledore, assim como Sirius, pediu-lhe para que não visitasse Hogsmeade. Eles pediram, não exigiram. Ambos confiaram nele e Harry tinha traído essa confiança. Olhou para dentro das vestes discretamente, onde escondera sua capa de invisibilidade um pouco antes. Aquilo era a prova concreta do que fizera. Olhou de esguelha para o diretor ao seu lado. O bruxo tinha o olhar focalizado à frente, atento. Harry voltou a olhar para o chão.

Chegaram até o gárgula de pedra que guardava a entrada da sala de Dumbledore. Ele disse a senha e os dois entraram. Subiram a escada circular e logo estavam na sala. Harry reparou que Fawkes não estava muito bem. Suas penas, escuras e ralas, mostravam que estava morrendo para depois renascer. Enquanto isso, Dumbledore se sentou em sua cadeira, atrás da mesa.

- Sente-se, Harry. – ele ofereceu.

Harry, lentamente, aproximou-se e sentou na cadeira indicada. Fez um grande esforço para olhar para o diretor nos olhos, assim como este o fazia. Ele parecia extremamente velho e cansado, porém, ao falar, mostrou o antigo vigor de sempre.

- O que aconteceu hoje, Harry? – o garoto engoliu em seco e não disse nada. Dumbledore suspirou e continuou: - Não precisa ter receio de falar. Eu não sou ninguém para julgá-lo e nem estou aqui para isso. Só quero que me conte como as coisas aconteceram. – o tom firme com o qual dissera essas palavras assustava um pouco o garoto.

Harry começou a narrar tudo o que acontecera. Tudo. Não escondera nada e, naquele momento, não conseguiria de forma alguma mentir ou omitir absolutamente nada do diretor. Contou que fora ele quem tivera a idéia de ir a Hogsmeade, que quisera ir. Que usara a capa de invisibilidade e o Mapa do Maroto. Contou como encontrou os dementadores e, depois, Lúcio Malfoy. Como chegara a Hogwarts e encontrara a Sra. Figg. Durante toda a entrevista, Dumbledore não tirou os olhos de Harry. Finalmente, o garoto terminou de falar e silenciou, esperando uma palavra do diretor.

- E você não chegou a encontrar Voldemort aqui no castelo, não é, Harry?

- Não. Quando eu cheguei, ele já tinha ido embora, eu acho. No início nem tinha pensado que ele tivesse mesmo vindo para cá... Só depois juntei as peças...

- Você teve algum sonho em que visse que Voldemort viria para cá?

Harry, subitamente, se lembrou do sonho que teve na madrugada desse mesmo dia. Tinham acontecido tantas coisas que ele até achava que fazia mais tempo. – Sim. Eu... Eu tive um nessa mesma madrugada de hoje, mas não entendi direito. E não pensei que Voldemort fosse mesmo ter coragem de vir até Hogwarts, mesmo com a sua ausência, professor. E nunca imaginei que ele fosse vir hoje mesmo...

- Entendo. Por isso você não se preocupou.

- Eu sinto muito, professor... Eu... – Harry tentou se desculpar, porém, Dumbledore o interrompeu.

- Você não tem do que se desculpar, Harry. – ele disse com a voz extremamente cansada e, talvez, decepcionada. – Eu não lhe disse que você estava proibido de ir a Hogsmeade. Não o proibi, apenas lhe aconselhei que não fosse. A escolha era sua.

Harry abaixou a cabeça. Sentia uma dor imensa. Perder a confiança de Dumbledore era o que menos queria e percebia que era exatamente isso que estava acontecendo. – Mas eu... Eu... Eu quero pedir desculpas, professor... Eu realmente não devia ter feito isso, não devia ter ido a Hogsmeade. Sabia que estava errado, mas me deixei levar por uma vontade fútil... O senhor nunca mais vai confiar em mim...

- Olhe para mim, Harry. – o garoto levantou os olhos lentamente e encontrou os do diretor. Pensou ter visto um leve cintilar nos olhos dele, mas talvez fosse apenas impressão. – Eu conversei com Sirius e nós dois achamos que o melhor seria que você evitasse sair do castelo porque nos preocupamos com você. Só por isso. Só porque você é importante para nós, muito mais importante do que pode imaginar. E eu não vou deixar de confiar em você. A única coisa que você precisa entender, Harry, e isso é fundamental, é que estamos passando por uma situação delicada. Os tempos são negros novamente, como eram quatorze anos atrás. Voldemort e seus aliados estão por toda a parte, por mais que a maioria das pessoas ignore isso. Ele está reunindo novos seguidores e está conseguindo. Ele tem um plano em mente e eu tenho certeza, Harry, de que você está envolvido nesse plano, porque você é o maior alvo dele. Enquanto ele não acabar com você, não vai desistir. Você é um empecilho para Voldemort. Por isso você precisa tomar cuidado, Harry, e evitar o máximo que puder situações como a de hoje. É isso que eu quero que você entenda.

Mais uma vez, Harry fez silêncio. Dumbledore respirou fundo e prosseguiu:

- Houve muitos feridos hoje. Alunos e professores. Alguns gravemente feridos. E o pior é que isso é inevitável. Agora que Voldemort retornou com força total, ataques como esses serão freqüentes. – ele respirou fundo novamente. – Essa viagem que eu fiz, Harry, foi para comparecer a uma reunião onde vários bruxos discutiram o que está acontecendo atualmente no mundo mágico. A esmagadora maioria acredita no retorno de Voldemort. Alguns, como Cornélio Fudge, ainda continuam de olhos vendados para a realidade. Por isso, Fudge será destituído do cargo de Ministro da Magia.

- Destituído?

- Isso mesmo. Discutimos sobre os possíveis candidatos e quando eles estiverem escolhidos, haverá uma eleição entre os bruxos para selecionar o próximo ministro. Isso é para você ver, Harry, o quanto a situação é grave. Daqui para frente as coisas serão sempre assim. Seremos nós, os que estão deste lado, a lutarem contra os que estão do lado negro, ou seja, Voldemort. E você é uma peça muito importante nisso tudo, Harry. Você entende isso?

O garoto concordou com um aceno da cabeça. Dumbledore levantou. Harry também o fez, sabia que a conversa terminara por ali. Os dois, então, saíram da sala e desceram as escadas. Passaram pelo gárgula e começaram a andar pelo corredor vazio. Aparentemente, Dumbledore o acompanharia até a o Salão Comunal, Harry pensou e não se atreveu a perguntar. O castelo estava completamente silencioso. Os passos dos dois ecoavam pelas paredes. Depois de algum tempo chegaram ao quadro da Mulher Gorda. Ela se assustou ao ver o diretor ali.

- Diretor? O que está acontecendo? Eu já soube algumas coisas e... – ela começou a dizer.

- É uma longa história... – ele a interrompeu e voltou-se para Harry. – É aqui que eu lhe deixo, Harry. Espero que não esqueça as minhas palavras.

O garoto acenou afirmativamente e disse a senha para a Mulher Gorda. A passagem abriu e ele entrou. O salão Comunal estava inteiramente escuro, vazio e silencioso. Sentou-se em uma poltrona perto da lareira, que estava apagada. Fechou os olhos e passou muito tempo refletindo no que tinha acontecido e, principalmente, nas palavras de Dumbledore. Foi só depois de algumas horas que se levantou, cansado, e foi para o dormitório masculino, descansar e dormir.