Capítulo Vinte e Nove – Grifinória versus Corvinal

Ele estava em um jardim, enorme e tenebroso. As árvores secas pareciam observá-lo, assim como os olhos de vários animais que se escondiam e nas sombras. Andou mais um pouco, seus pés afundavam no lodo escuro. Levantou os olhos e viu uma casa enorme, que se assemelhava a um castelo mal assombrado. Lembrava daquela casa... Era como se já tivesse estado ali alguma vez...

Luzes vacilantes estavam acesas nas inúmeras janelas. Aproximou-se da porta, que era muito grande como quase tudo ali. Empurrou-a, e ela abriu rangendo. Entrou.

Estava em um espaçoso salão, ricamente decorado. Os quadros pareciam observá-lo. Continuou andando pelos corredores a esmo até ouvir vozes. Seguiu-as. Subiu escadas, que rangiam a cada passo, dando um tom tétrico a tudo aquilo. Chegou a outro enorme salão que possuía uma porta que chegava até o teto que devia ter uns cinco metros de altura. A porta estava entreaberta. As vozes vinham de lá de dentro.

Espiou pela fresta da porta. O que viu foi uma outra sala, mal iluminada, que estava repleta de pessoas encapuzadas, vestindo capas negras. Todas essas pessoas estavam dispostas formando um círculo e, no centro, havia uma espécie de trono e, sentado nele, uma figura que não estava encapuzada: era um homem que tinha um aspecto asqueroso; olhos vermelhos, fendas de cobra no lugar do nariz e uma boca sem lábios, emoldurando um rosto pálido, branco giz. Ele conhecia esse homem e, ao olhar para ele, sentiu uma pontada de dor na testa.

Em frente a esse homem havia um outro, baixo e gordo, que não estava encapuzado; ele era calvo, estava ajoelhado. Dizia coisas sem sentido, mas que pareciam ser aprovadas pela figura sentada no trono. Uma cobra deslizava ao redor daqueles dois, sibilando.

- E foi isso que eu vi, Milord... – o homem baixo e gordo disse, com temor na voz.

O outro homem se levantou do trono e começou a andar de um lado para outro, com a cobra a seus pés. Com uma voz fria e sem emoção, disse:

- Quer dizer que eles estavam lá cuidando das pequenas criaturas... Mas, provavelmente, eles não sabem do que essas pequenas coisinhas são capazes... Elas podem servir a meus planos perfeitamente... E servirão! – ele parou de falar e começou a encarar cada um dos encapuzados presentes na sala. – Contudo... Não é seguro falar sobre esses planos na frente de todos vocês... Pois sei que há um traidor entre nós...

Todos os presentes na sala encolheram-se, amedrontados. A pálida figura olhou de um para outro, como a procurar pelo traidor. Parou por alguns segundos na porta. Será que podia vê-lo ali, espiando? Talvez não, pois continuou a encarar os encapuzados e focalizou o olhar em um outro, que estava próximo à porta e parecia estranhamente familiar. Aproximou-se dele e, cara a cara, disse-lhe:

- E quando eu descobrir quem é esse traidor, ele vai pagar por tudo o que ele já fez. Tudo.

O encapuzado não disse nada. Um silêncio sepulcral caiu sobre a sala.

Harry acordou assustado. Sentou-se na cama de súbito. Respirava rápido e suava, como se tivesse feito muito esforço. Era mais um sonho... Mais um... Mas não conseguia se acostumar com eles, por mais que fossem freqüentes...

Colocou a cabeça sobre as mãos e seus cabelos rebeldes confundiram-se com o suor delas. Tentava relembrar os fatos daquele sonho, mas eles escapavam-lhe como areia de suas mãos. Sua cabeça doía, a cicatriz ardia intensamente, queimava em brasa. Voldemort; tinha certeza absoluta de que aquela figura pálida no centro do círculo era o bruxo das trevas. Ele falava com seus comensais... Um deles lhe disse algo sem sentido... Um traidor... Havia um traidor entre eles e Voldemort sabia quem era... Pequenas criaturas... Esse traidor... conhecia-o... ele estava em perigo... Pequenas criaturas...

Harry levantou os olhos e viu que o quarto estava vazio. Todos os garotos já tinham levantado. Olhou para a cama de Rony e viu que tinha um bilhete sobre ela. Pegou o bilhete e leu estas palavras:

Harry,

Eu e Mione já descemos para o café. Gina também já deve estar lá. Mione disse que era melhor deixar você dormir, então não te acordei. Te esperamos lá, mas não se atrase, sabe melhor do que ninguém que temos um jogo de quadribol hoje contra o time da Corvinal. Até,

Rony

O jogo! Tinha se esquecido completamente da partida contra a Corvinal! Era nesse mesmo dia, Sábado de manhã! Pegou o relógio de pulso na cabeceira da cama e viu as horas; faltavam exatamente quinze minutos para o jogo, tinha que se apressar!

Levantou e colocou rapidamente as vestes de quadribol. Não tinha tempo para o café da manhã, tinha que ir direto para o campo. Pegou a Firebolt que estava guardada no armário e saiu correndo. Desceu as escadas pulando os degraus e nem respondeu quando a Mulher Gorda lhe perguntou "Por que a pressa?". Corria pelos corredores do castelo e não estava nem ligando se Filch o pegasse, mas ainda bem que nem ele, nem Madame Nor-r-ra apareceram no meio do caminho. Sua cicatriz ainda doía, mas não podia se importar com isso, estava mais do que atrasado.

Quando chegou no saguão de entrada, ouviu alguém o chamar:

- Harry!

Ele olhou e viu Gina e Hermione a sua espera. Correu até elas.

- Onde você estava que demorou tanto? – Hermione perguntou, um pouco irritada. – Todos já estão te esperando no vestiário!

- Não dá para explicar, agora... – Harry respondeu ofegante e já ia sair correndo novamente, quando Gina o impediu:

- Espera, Harry! – ela colocou a mão sobre o rosto dele e disse, aflita: - Você está pálido... e gelado... O que aconteceu?

- Eu já disse, não dá pra explicar agora... Eu sinto muito... Tenho que ir, vejo vocês mais tarde! – ele disse e saiu correndo. Ainda ouviu a voz de Gina gritar:

- Cuidado!

Continuou correndo até chegar ao campo de quadribol. Nem reparou direito que o céu estava escuro, anunciando uma grande tempestade. Alguns alunos atrasados ainda andavam pelos jardins, conversando animadamente. Quando finalmente chegou no campo, procurou pelo vestiário. Chegando lá, abriu a porta com ímpeto e disse:

- Me desculpem... Acabei me atrasando...

Rony, os gêmeos e as garotas, todos já com as vestes de quadribol e empunhando suas vassouras, olharam para ele com expressões confusas. Foi Jorge que se manifestou primeiro:

- Onde você estava, Harry? Estávamos preocupados com você!

- É, pensamos que você não vinha mais... – Fred completou.

- Eu sinto muito... – Harry se desculpou, ainda ofegante e sentindo a cicatriz doer. – Eu me atrasei e... me desculpem...

- Você tá bem, Harry? – Rony perguntou com uma expressão preocupada.

- Não... quer dizer, tô bem sim!

Todos se entreolharam preocupados. Katie disse:

- Harry, se você não estiver bem para jogar, nós pedimos para a Madame Hooch e...

- Não! – Harry percebeu que fora grosso e tentou consertar. – Quer dizer... Eu posso jogar, não se preocupem.

Harry foi até a porta e olhou para o campo. Viu que estava cheio e o céu estava ainda mais escuro. Para tentar mudar de assunto, resolveu perguntar:

- O time da Corvinal ainda não entrou, né?

Fred se aproximou da porta enquanto dizia:

- Não, não entrou. – ele olhou pela fresta da porta e disse: - Mas parece que eles já estão vindo...

Harry olhou também e viu a confirmação do que Fred tinha falado.

- Então é melhor irmos também. – disse decidido.

Os jogadores o seguiram, ainda descrentes. O campo estava cheio. Os torcedores da Grifinória e da Corvinal faziam muito barulho. Lino Jordan narrava a escalação do time da Grifinória com euforia. Harry reparou que Gina e Hermione estavam juntas. Gina parecia preocupada. Todos os professores estavam presentes, mas Harry notou que apenas um não estava na arquibancada: Severo Snape. Aquilo o intrigou.

Madame Hooch deu as recomendações de sempre e depois mandou os capitães apertarem as mãos. Harry e o capitão da Corvinal apertaram as mãos cordialmente, mas ainda com certa rivalidade, afinal tanto Grifinória como Corvinal tinham ganho as primeiras partidas e, se ganhassem essa, estariam em vantagem no campeonato. Harry viu Cho Chang sorrir para ele e retribuiu com um sorriso um pouco torto, sentia-se um pouco tonto pela dor na cicatriz, que não era tão grande assim, mas incomodava. Isso era muito estranho, era difícil a dor permanecer durante tanto tempo depois de um sonho... A não ser que...

Os pensamentos de Harry foram interrompidos pela voz de Madame Hooch, mandando que se posicionassem. Feito isso, a professora soltou primeiro os balaços, que se espalharam pelo campo; o pomo de ouro esvoaçou primeiro perto de Harry e depois perto de Cho. Por último, a goles foi lançada, e o jogo começou.

Quem pegou a goles primeiro foi um artilheiro da Corvinal, que fez uma ótima tabela com seu companheiro, para depois lançar a goles para os aros. Rony, porém, a agarrou antes que ultrapassasse o aro e lançou rapidamente para Angelina.

- Ufa! – Lino irradiou aliviado. – Essa foi por perto, ainda bem que a Grifinória tem um bom goleiro nas balizas! – A Profª. McGonagall deu um cutucão em Lino.

Enquanto isso, Harry voava velozmente à procura do pomo. Já se sentia um pouco melhor e a cicatriz não incomodava tanto, afinal, o garoto se sentia em seu "habitat natural" quando voava. Cho o acompanhava de perto. Já que sua vassoura não era páreo para a Firebolt de Harry, ela escolhera essa tática.

Tanto os artilheiros da Grifinória como os da Corvinal faziam ótimas jogadas, provando que ambos eram times fortes. No momento a competição estava empatada, vinte a vinte. Fred e Jorge estavam tendo trabalho rebatendo os balaços, apesar do jogo não ser violento. Os artilheiros faziam várias manobras arriscadas para escaparem dos balaços e roubar a goles.

Harry procurava pelo pomo de ouro, precisava achá-lo o mais rápido possível, pois o time da Corvinal era perigoso. Cho o seguia de perto, pronta para acelerar quando visse qualquer movimento suspeito do garoto. Depois de algum tempo, ele viu um brilho dourado próximo do chão. Imprimiu a vassoura para baixo, tentando distinguir o pomo, Cho bem próxima a ele, mas quando já estava bem perto, ouviu Fred, ou Jorge, gritar:

- Harry, à sua esquerda!

O garoto olhou e viu um balaço vindo rapidamente em sua direção. Virou bruscamente a vassoura, tentando se desviar e ainda sentiu o balaço raspar a manga esquerda de suas vestes. Cho aproveitou a deixa e ultrapassou Harry, na direção do pomo, que agora estava perto das balizas da Corvinal. Jorge viu isso e aproveitou para rebater um balaço certeiro na direção dela. A apanhadora teve que fazer uma manobra difícil para se desviar e tanto ela, como Harry, perderam o pomo de vista.

- E depois dos apanhadores terem feito manobras perigosas para desviarem dos balaços, Alícia Spinnet toma a posse da goles e voa rapidamente pelo campo, desviando de dois artilheiros corvinais que tentaram roubar a goles dela! – Lino irradiava eufórico. – Alícia passa para Katie Bell, que se abaixa para escapar de um balaço veloz; ela passa para Angelina Jonhson, que desvia de outro balaço e lança! O goleiro da Corvinal ainda vai na goles mas... perde e são mais dez pontos para a Grifinória! Trinta a vinte! Mas parece que está começando a chover...

Era verdade. O céu estava coberto de nuvens escuras que faziam o dia assemelhar-se à noite. Alguns pingos caíram nas lentes dos óculos de Harry, mas o garoto não se importou e continuou a procurar pelo pomo, sendo seguido de perto por Cho.

Nesse momento, os artilheiros da Corvinal estavam chegando bem perto das balizas da Grifinória. Rony estava aprontando-se para defender, mas um dos batedores adversários lançou um balaço bem na direção do garoto. Fred tentou rebater, mas não conseguiu e Rony teve que se desviar para não ser atingido. O artilheiro da Corvinal aproveitou e marcou, deixando o placar em trinta a trinta.

A chuva começava a apertar agora e, em pouco tempo, transformou-se numa forte tempestade. O céu estava tão escuro que parecia noite, apesar de ainda ser manhã. Aquilo não parecia normal...

Os jogadores estavam tendo bastante trabalho para jogarem no meio de toda aquela tempestade. A chuva caía em pingos grossos, atrapalhando a visão de todos os jogadores. Harry já não conseguia ver mais nada pelo fato de suas lentes dos óculos estarem encharcadas e ia pedir tempo, porém o capitão da Corvinal fora mais rápido; um artilheiro não tinha visto um balaço se aproximar e fora atingido, obrigando o capitão corvinal a pedir tempo para que o jogador fosse atendido.

Todos desceram e Harry pousou num canto do campo. Rony, os gêmeos e as garotas desceram perto dele logo em seguida. Harry aproveitou para fazer um feitiço nos seus óculos para repelirem os pingos de chuva.

- Parece que a chuva apertou mesmo... – Fred comentou assim que pousou.

- Não seria melhor paralisar a partida por um tempo? – Angelina perguntou aflita.

- Mas Madame Hooch não parece que vai desistir da partida... – Harry comentou, olhando para a professora de vôo que, no momento, certificava-se de que o artilheiro corvinal estava bem.

- Mas o problema é que tá difícil de enxergar no meio de toda essa chuva... – Rony disse.

- E além disso, é perigoso... – Alícia argumentou. – E se começa a trovejar?

Nesse instante, Madame Hooch chamou os times para que recomeçassem a partida. Os jogadores se aproximaram do centro do campo e Harry chamou:

- Madame Hooch? – ela se virou para encará-lo. – Não seria melhor paralisar um pouco o jogo? A chuva tá muito forte...

- Hum... Não sei... – ela respondeu confusa e em seguida perguntou: – Todos concordam?

Os jogadores da Grifinória responderam que sim e até alguns corvinais fizeram o mesmo, porém o capitão da Corvinal interveio:

- Eu discordo, Madame Hooch! Dá muito bem para jogar com essas condições. – ele se virou para encarar Harry e disse com um quê de sarcasmo na voz: – E se o time da Grifinória não quiser mais jogar, vai perder por desistência...

- O quê? – Harry perguntou atônito e já um pouco irritado. – Nós não estamos desistindo, só achamos que é melhor paralisar o jogo por alguns minutos para ver se a chuva melhora...

- Eu sinto muito, Sr. Potter, mas essas são as regras... – Madame Hooch explicou. – Se um time desistir e o outro não, esse primeiro time perderá a partida...

Os jogadores da Grifinória ficaram extremamente irritados com aquela situação. Harry disse decidido:

- Nós não estávamos desistindo e não vamos desistir. Vamos continuar o jogo!

Harry disse isso e encarou profundamente o capitão adversário, que fez o mesmo. Agora nenhum dos dois queria perder e talvez o jogo se tornasse até violento, já que todos os jogadores de ambos os times não tinham expressões amigáveis.

Madame Hooch mandou todos se posicionarem e, depois disso, ela lançou a goles, recomeçando o jogo. Katie tomou a posse da goles e teve que se desviar de um balaço rebatido pelo batedor adversário. Ela se desequilibrou e deixou a goles cair, que foi rapidamente apanhada pelo artilheiro adversário. Fred e Jorge rebateram os dois balaços do jogo no artilheiro, que passou a goles e se desviou. O outro artilheiro lançou, porém Rony fez uma bela defesa, irritando os corvinais.

Pela primeira vez em muito tempo, a partida entre Grifinória e Corvinal estava se tornando violenta. Os artilheiros se esbarravam tentando roubar a goles e os batedores ocupavam-se em, ao mesmo tempo, defender os companheiros de time dos balaços e rebatê-los para o time adversário. Madame Hooch marcou dois pênaltis, cada um a favor de um time, os quais foram marcados, deixando o placar em quarenta a quarenta.

Enquanto isso, Harry procurava pelo pomo desesperadamente. Cho ainda o seguia e, às vezes, emparelhava com ele. Depois de um tempo de procura, Harry o viu: estava esvoaçando próximo à baliza da Corvinal. O garoto se direcionou rapidamente para lá, sendo seguido por Cho. O pomo começou a descrever voltas e mais voltas pelo campo. Harry o seguia a esmo. Os jogadores tinham que se desviar dele, pois o garoto não olhava por onde ia. Cho imprimiu toda a velocidade que conseguiu à sua vassoura e chegou bem próxima a Harry, que reparou isso e se abaixou na sua Firebolt, voando mais rápido e se distanciando de Cho. O garoto estava agora se direcionando para o chão, que era para onde o pomo estava indo. Estava bem próximo agora. Um raio cruzara o céu nesse mesmo instante. Esticou o braço direito. Ouviu o trovão. Fechou os dedos no pomo e sentiu o metal molhado e gelado. Virou a vassoura para sair do mergulho e quando olhou para o céu, sentiu sua cicatriz queimar de dor, sua cabeça parecia que ia explodir. Ouviu gritos. Sentiu que caía e tudo ficou escuro.