Capítulo Trinta e Nove – Toda a verdade
Ping. Ping. Ping.
Não parava de gotejar. Insistentemente, incessantemente... Teimosamente... O som da água gotejando era a única coisa que conseguia escutar. O resto era silêncio.
Sentia o corpo inteiro doer. Seus braços, suas pernas... Parecia que havia um rombo no seu braço esquerdo... e havia mesmo... Sua cabeça girava, por isso não abria os olhos... quando tentou fazê-lo, a cabeça doeu mais e desistiu. Abrir a boca nem pensar! Se fizesse isso, sentia que tudo o que tinha comido (já nem lembrava quando isso tinha sido, parecia tão distante) iria para fora num segundo.
E ainda estava sobre um chão de pedra, extremamente incômodo e úmido. Parecia estar sobre uma espécie de poça de uma água muito gelada. Havia uma pedrinha irritante bem debaixo de suas costelas, que já estavam doloridas. Mas não se mexeu para que ela saísse de lá... Não conseguia se mexer, seu corpo estava muito cansado...
Passos. Ouviu passos que quebraram o silêncio. Pés apressados que pisavam nas poças d'água fazendo barulho. Vozes. Vozes que se aproximavam mais e mais. Uma voz gritou desesperada:
- Harry!
O que sentiu a seguir foram braços que o erguiam e o sacudiam com força. Mas não era muito difícil movimentá-lo, seu corpo estava tão amolecido que qualquer um faria isso.
- Harry! – a voz chamou novamente com aflição.
Sentiu o seu corpo ser sacudido com mais força e mais furiosamente. Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu.
- Fique calmo, assim você vai machucá-lo ainda mais... – uma outra voz disse em um tom mais calmo que a primeira, mas que também não escondia um leve tom de preocupação.
- Calmo, como? – a primeira voz se alterou. – O senhor quer que eu fique calmo o vendo dessa maneira? Ele não responde! Ele... ele pode estar...
- Não, ele não está morto. – a outra voz disse.
Sentiu que uma mão enrugada segurava seu pulso por alguns instantes.
- Ele não está morto. – a voz reafirmou e a mão soltou seu pulso. – Seu coração está batendo.
- Mas ele vai ficar assim, desacordado, até quando? – a primeira voz disse apenas um pouco mais tranqüila.
- Vou reanimá-lo. – a outra voz disse. – Enervate!
Foi como se uma leve onda de calor e de força o atingissem. A primeira coisa que tentou fazer foi abrir os olhos. E conseguiu, devagar e com uma certa dificuldade, mas conseguiu.
O que viu foram duas imagens difusas à sua frente. Forçou os olhos, tentando ver. Piscou e os vultos começaram a entrar em foco. O que o segurava era moreno e tinha o rosto magro e abatido. Ao seu lado havia um outro, de cabelos brancos, face enrugada, olhos azuis atrás das lentes dos óculos em forma de... meia lua... Conseguiu reconhecê-los e disse, num sussurro rouco:
- Sirius? Professor Dumbledore?
- Ah... Você acordou, Harry... Que susto você me deu... – Sirius disse aliviado.
- Você conseguiu assustar até a mim, Harry... – Dumbledore falou e sorriu bondosamente, como só ele sabia fazer.
Harry ainda ficou olhando para os dois por um tempo, tentando se situar. Algo passou na sua mente e perguntou, de supetão:
- O que estão fazendo aqui?
- Eu é que deveria estar lhe fazendo essa pergunta, não acha, senhor Harry Potter? – Sirius perguntou em um tom autoritário. – Acho que não adianta mesmo tentar lhe afastar do perigo, não é?
- Sempre continuaremos tentando, mas duvido que tenhamos sucesso algum dia... – Dumbledore comentou, seus olhos cintilando atrás dos óculos.
Harry se virou para o diretor e o encarou intrigado, perguntando logo após:
- Professor... o senhor tinha sido afastado da escola... Como...?
Dumbledore fez um sinal para que se calasse e sorriu, dizendo:
- Eu tive que voltar, Harry, por causa de tudo que aconteceu na minha ausência... A maioria dos conselheiros da escola resolveu que eu deveria retomar meu cargo depois dos recentes acontecimentos... É claro que eu tive uma ajuda bastante significativa dos meus aliados... E agora, resolveram afastar uma outra pessoa, de um outro cargo, mas isso não vem ao caso nesse momento...
- Quem? – o garoto perguntou.
Sirius suspirou, enquanto Dumbledore revirava os olhos.
- Você está fazendo perguntas demais, Harry... – Sirius disse.
- Não posso saber?
- É claro que pode, Harry. – Dumbledore respondeu. – Finalmente, Cornélio Fudge foi destituído. Não foi apenas Hogwarts que foi invadida esta noite, o Ministério da Magia também foi... Os comensais atacaram o ministério, houve luta, roubo de alguns documentos e informações e... isso foi considerado como "incompetência"... – Dumbledore levantou as sobrancelhas e Harry se lembrou que o diretor tinha sido rotulado como "incompetente" pelo próprio ex-ministro. - ...da parte de Cornélio... O conselho resolveu destituí-lo no mesmo momento em que me restituíram ao meu cargo de diretor de Hogwarts...
- Satisfeito agora, Harry? – Sirius perguntou com sarcasmo.
- E você, Sirius, como veio parar aqui?
- É, ainda não está satisfeito... Bem, eu tinha que ver com meus próprios olhos o que o meu afilhado andou aprontando... E Dumbledore me ajudou a entrar em Hogwarts, como já fez outras vezes...
Harry subitamente se lembrou de algo muito importante.
- E vocês... encontraram o Rony e a Mione antes de chegarem aqui? Como está a Sra. Figg? Ela foi levada para a ala hospitalar? Ela está bem?
Sirius e Dumbledore se entreolharam, cúmplices. Sirius engoliu em seco e não olhou para Harry. Dumbledore abaixou os olhos e quando os levantou, encarou Harry profundamente e disse, num tom triste que mostrava que a conversa acabava ali:
- Você já vai vê-la, Harry.
O garoto entendeu e não disse mais nada. Sirius começou a ajudá-lo a se levantar. Assim que foi posto de pé, suas pernas cambalearam. Dumbledore passou o braço direito de Harry sobre seu ombro para ajudá-lo a se firmar e Sirius o imitou. Assim que o padrinho fez isso, reparou no rombo que havia no braço esquerdo do garoto.
- Esse corte está horrível! Precisamos fazer algum feitiço para melhorá-lo...
- Não se preocupe, sei de alguém que poderá ajudá-lo assim que chegarmos à outra sala. – Dumbledore disse isso e abaixou os olhos. Spi, o pequeno Splooty, estava aos seus pés. – Vamos, Spi, não vai querer ficar aqui, não é?
O bichinho os acompanhou durante a caminhada, que foi silenciosa, lenta e penosa, principalmente para Harry. Ele ainda sentia o corpo doer e cada passo era difícil. Parecia que aquele corredor não acabaria nunca. Mas acabou, e eles chegaram até a outra sala.
Harry olhou para o lugar onde tinha deixado Rony e Hermione cuidando da Sra. Figg. Viu uma Hermione cabisbaixa, um Rony tristonho que ainda segurava a Sra. Figg nos braços. Ela tinha os olhos fechados e o rosto pálido. O chão estava manchado de sangue. Ao lado dela estava Fawkes, a fênix, que chorava, mas suas lágrimas curativas não pareciam surtir nenhum efeito na velha senhora.
Spi correu até Hermione e se jogou em seus braços. A garota se espantou e levantou os olhos, percebendo a presença de Harry, Sirius e Dumbledore. Rony também os notou, pois levantou a cabeça para vê-los. Os amigos olharam para Harry num misto de preocupação e tristeza. Harry olhou novamente para a Sra. Figg e compreendeu o que estava acontecendo. Não queria compreender, mas sabia o que aquilo significava.
Desvencilhou-se de Dumbledore e queria fazer o mesmo com Sirius, mas o padrinho não deixou e o segurou, já que se o garoto ficasse sem apoio, com certeza cairia. Sirius acompanhou o afilhado até o lugar onde a Sra. Figg estava e, só então, soltou o garoto, que se ajoelhou na frente da velha senhora. Fawkes levantou os olhos marejados e voou até o ombro do garoto, chorando mais ainda com a sua bonita cabeça encostada no braço dele e a dor no corpo de Harry começou a aliviar. Mas ele não se importou com isso. Pegou o pulso da Sra. Figg e não sentiu sua pulsação. Viu que ela não respirava.
Abaixou a cabeça e fechou os olhos, tentando segurar as lágrimas. Mas elas rolaram pelo seu rosto silenciosamente. Não sabia o porquê, mas sentia o coração apertado. Nem se lembrava mais de quando tinha chorado dessa maneira... E não entendia o porquê! Conhecia a Sra. Figg há muito tempo, desde que era muito pequeno, mas nunca atribuíra muita importância a ela... Então por quê; por que sentia aquela dor? Por que as lágrimas teimavam em rolar?
Respirou fundo e enxugou as lágrimas com a manga das vestes. Tentou fazer com que sua voz não parecesse tão arrastada, mas não conseguiu. O que saiu foi um sussurro fraco quando perguntou:
- Ela... ela não resistiu, não é?
- Infelizmente, não... – ouviu a voz de Dumbledore. – Quando chegamos aqui, ela já não... estava entre nós...
Harry levantou os olhos para ver Rony e Hermione.
- Como foi que...
Foi Rony que respondeu:
- Nós queríamos levá-la embora... até a ala hospitalar, mas... ela não quis... disse que não adiantava... e... foi pouco tempo depois que você saiu... ela...
Rony parecia não conseguir falar mais. Harry entendeu e acenou afirmativamente com a cabeça. Olhou novamente para a Sra. Figg. Ela estava tão pálida... Notou que um de seus olhos ainda estava entreaberto. Levou a mão até ele para fechá-lo e reparou que ele era verde... Engraçado, nunca tinha notado isso antes... Nunca tinha percebido que ela tinha olhos verdes... Eles eram até... parecidos com os dele... Não importava. Fechou o olho dela delicadamente.
Por que isso teve que acontecer? Por que mais um inocente teve que morrer por causa de Voldemort? Tinha certeza que fora ele... Será que isso nunca acabaria? Quantas pessoas ainda morreriam pelas mãos sujas dele? Quantas pessoas ainda sofreriam pela perda irremediável que causariam essas mortes?
Sentiu alguém apertar seu ombro e quando levantou os olhos, viu Sirius o encarando com uma expressão paternal.
- Acabou, Harry. Não podemos fazer nada por ela...
- Sirius está certo... Não há mais nada a se fazer a não ser sair daqui... – Dumbledore disse, se aproximando. Ele apontou a varinha para o corpo da Sra. Figg. – Mobilicorpus!
O corpo dela começou a flutuar. Sirius forçou Harry a se levantar e ajudou o garoto a se manter em pé e caminhar. Todos, então, começaram a sair. Ninguém falava nada. Dumbledore ia na frente, levando o corpo da Sra. Figg. Fawkes voava sobre eles. Rony e Hermione iam logo atrás; a garota apoiava o rosto no peito do namorado, soluçando de vez em quando. Harry e Sirius iam por último, o garoto sendo apoiado pelo padrinho. Assim que chegaram ao cano íngreme pelo qual tinham vindo anteriormente, Dumbledore disse:
- Vocês seguem na frente, Fawkes os levará. Eu vou depois com Arabella.
Ninguém discordou. Hermione segurou na cauda de Fawkes, Rony segurou em Hermione, Sirius em Rony e Harry em Sirius. A fênix voou pelos canos, levando-os até a sala dos quatro grandes. Quando chegaram lá, Harry reparou que a figura de Salazar Slytherin lhe lançou um olhar raivoso enquanto os outros fundadores da escola pareciam aliviados ao verem o garoto. Dumbledore chegou logo após com o corpo da Sra. Figg, sabe-se lá como.
Todos saíram da sala dos quatro grandes e foram para a sala de Dumbledore, que ficava ao lado. Assim que chegaram, o diretor conjurou uma maca, onde depositou o corpo da Sra. Figg. Ele se voltou para Rony e Hermione quando disse:
- Sr. Weasley, Srta. Granger... Poderiam procurar pela Profª. McGonagall e pelo Prof. Snape e trazê-los aqui, por favor?
Os dois assentiram e saíram logo após. Sirius ajudou Harry a se sentar em uma cadeira em frente à mesa de Dumbledore. O padrinho sentou ao lado do afilhado e ainda passou a mão na cabeça dele, antes de ter sua atenção atraída para um tinteiro em cima da mesa, que foi para onde ficou olhando por muito tempo, aparentemente sem vê-lo. Harry olhou ao seu redor e viu que Fawkes tinha retornado ao seu poleiro. Dumbledore olhava tristemente para o corpo da Sra. Figg. Harry fez o mesmo.
Ninguém falou nada até que Rony e Hermione voltassem, trazendo a Profª. McGonagall e Snape. A professora, assim que entrou, olhou para onde estavam Dumbledore e a Sra. Figg, colocou ambas as mãos trêmulas na boca e sussurrou:
- Arabella!
Ela se aproximou do corpo da Sra. Figg e começou a acariciar sua face, as lágrimas rolando pelo seu rosto. Harry nunca tinha visto a professora assim e, provavelmente, ninguém ali, porque todos ficaram um pouco surpresos, todos menos Dumbledore.
Snape lançou um olhar frio para Sirius, que retribuiu o olhar. O professor de Poções ficou parado onde estava, quieto, apenas olhando para o lugar onde estavam o diretor e a professora de Transfiguração.
- Alvo... O que aconteceu? – a Profª. McGonagall perguntou com a voz embargada.
- Muitas coisas, Minerva... Mas acho que você imagina o que houve...
Ela assentiu e voltou a acariciar o rosto da Sra. Figg. Dumbledore se voltou para Snape e disse:
- Severo, você pode levar o corpo de Arabella até a ala hospitalar? Arabella terá que ficar lá por um tempo ainda, antes que resolvamos tudo... Eu mesmo gostaria de levá-la, mas tenho que resolver alguns assuntos... – ele olhou para Harry e, em seguida, para Rony e Hermione. – E os senhores, acompanhem o professor Snape e aproveitem para ficar pela ala hospitalar por um tempo. E por favor, eu peço para que não comentem o que aconteceu com ninguém, pelo menos por enquanto...
Rony e Hermione concordaram e saíram, sendo seguidos por Snape, que levava o corpo da Sra. Figg através de magia. A Profª. McGonagall queria ir com eles, mas Dumbledore não deixou:
- Você fica, Minerva. Preciso de você aqui.
Ela assentiu. Dumbledore sentou atrás de sua mesa e, com a varinha, puxou uma cadeira ao seu lado, que foi ocupada pela professora. Sirius olhou confuso para Dumbledore e disse:
- Harry precisa descansar, Dumbledore... O senhor não vai pedir para que ele conte o que aconteceu agora, não é?
- Não, não vou. Eu imagino muito bem o que aconteceu... – ele olhou profundamente para Harry, que se sentiu novamente como se estivesse sendo visto por um raio X. – E, mais uma vez, estou muito orgulhoso de você, Harry. Sei que deve ter encontrado Voldemort e eu não ficaria surpreso se dissesse que se enfrentaram...
Harry assentiu. A Profª. McGonagall arregalou os olhos e abriu a boca, espantada. Sirius parecia novamente desesperado e perguntou para Harry:
- O quê? Você enfrentou Voldemort? Duelou com ele?
O garoto mais uma vez assentiu. Sirius colocou as mãos no ombro do afilhado. Depois passou a mão no próprio rosto, num gesto de nervosismo e disse:
- Ainda bem que está inteiro... Não é à toa que é preciso ter orgulho de você...
Harry não disse nada, apenas abaixou os olhos. Sentia-se exausto e muito mal pelo que aconteceu com a Sra. Figg. Pensou que Dumbledore quisesse saber o que tinha acontecido, chegou a pensar que o diretor fosse lhe pedir para narrar os acontecimentos, como já fizera outras vezes, mas não... O que será que Dumbledore queria lhe dizer?
- Alvo... – a professora McGonagall começou. – Você vai entregá-lo a...
- Exatamente, Minerva.
Dumbledore abriu uma gaveta de sua mesa e tirou de lá de dentro um envelope. Sirius ficou boquiaberto e perguntou:
- Ela... deixou essa carta?
O diretor assentiu e olhou para Harry. Seus olhos azuis encontraram os verdes do garoto e por ali ficaram por algum tempo. Dumbledore respirou fundo e disse, pausadamente:
- Harry... o que você vai saber agora é de uma importância imensa... é uma daquelas coisas que eu lhe disse, uma vez, que só poderia contá-lo quando fosse mais velho... Essa carta... – ele mostrou o envelope. - ...foi escrita por Arabella Figg para você. Ela deixou essa carta em minhas mãos, um pouco antes de morrer. Ela me procurou alguns dias atrás e me disse que eu só deveria lhe entregar essa carta caso ela viesse a falecer. O que relatam essas linhas é um assunto muito delicado. Leia essa carta com o coração, Harry, e não com a razão. E antes que você leia, quero que saiba que Arabella o amava muito... Eu, assim como Minerva e Sirius, sou testemunha disso.
Ele entregou o envelope para Harry, que ainda lançou um olhar confuso para Sirius, a professora e depois Dumbledore. O diretor fez um gesto bondoso para que ele continuasse.
Harry olhou para o envelope em suas mãos. Olhou o verso e viu essas palavras escritas:
Para o meu querido Harry,
Um abraço de uma pessoa que gosta muito de você...
Era ela quem escrevia as cartas... Que mandava os presentes... Harry virou novamente o envelope e o abriu. Retirou vários pergaminhos e os desdobrou. A carta era enorme e tinha várias páginas. Foram essas palavras que Harry leu, boquiaberto e com as mãos trêmulas:
Harry, meu querido,
Provavelmente, quando você estiver lendo esta carta, eu já estarei morta. Eu não sei muito bem o porquê, mas pressenti que não estaria mais aqui, no futuro... Bem, talvez eu saiba o porquê... Mas... isso não importa agora... Enfim, foi por isso que escrevi essas linhas tremidas, com lágrimas nos olhos...
Na realidade, era para você nunca saber dessas coisas que vou lhe contar... Por quê? Porque eu prometi a mim mesma que nunca lhe contaria essas coisas, que você nunca saberia a verdade... E não pense que eu não iria lhe contar tudo isso por te achar "imaturo" para saber... Não! Nunca! Na verdade, você é o rapaz mais maduro para a sua idade que eu já vi em todos os meus anos de vida. E eu sei muito bem todos os sofrimentos pelos quais você teve que passar para adquirir toda essa maturidade...
Ah, tantas coisas que eu preciso lhe contar... O que eu queria mesmo era poder te contar tudo isso olhando nos seus olhos, para poder te abraçar depois, mesmo que você não me perdoasse... Mas não posso. E o único motivo é por eu ser uma completa covarde! Sim, eu sou uma covarde... Eu tive medo, eu tive tanto medo do que você poderia pensar, falar... de como você agiria quando soubesse... Eu acho que fui uma egoísta, não pensei que você precisasse saber de tudo... só pensei... em mim mesma, nos meus medos... Eu tinha e tenho medo de que você não me perdoe... mas sei que se não o fizer, você terá toda a razão...
Se você leu o verso do envelope, já deve imaginar quem eu sou. "Um abraço de uma pessoa que gosta muito de você..." Esta era a minha assinatura quando lhe escrevia. Sim, todas aquelas cartas e presentes que você recebeu durante esse ano foram mandados por mim. Eu os mandava com receio e até com uma certa relutância. Eu queria mandá-los e ao mesmo tempo não queria... Se você soubesse quantas cartas eu lhe escrevi, desde que você era muito jovem, e depois as queimei... Por medo. Essas cartas que eu lhe mandei, foi porque segui meus impulsos, não consegui controlá-los mais... Era mais fácil controlar quando você era apenas aquele garotinho que ia na minha casa quando os tios não podiam cuidar de você... Aquele garotinho que ficava segurando o novelo de lã para que eu tricotasse e que ganhava como recompensa um... pedaço de um bolo encruado... eu nunca fui muito boa em bolos... além disso, você ainda tinha que agüentar os meus gatos e o cheiro deles... E você nunca reclamou! Era mais fácil naquela época, mas agora... agora você cresceu e não é mais aquele garotinho, você já um rapaz e logo será um homem... Ficou muito mais difícil olhar nos seus olhos e fingir ser quem eu não sou! Você devia me achar uma doida, decerto. Eu sempre mudava meu comportamento, às vezes eu era fria, mas outras vezes, não. O que eu tentava era fingir, fingir para que você não desconfiasse, não descobrisse quem eu era... Mas às vezes eu não conseguia fingir e seguia meus impulsos. Eu simplesmente não conseguia me controlar e... agia como eu era de verdade.
Todo esse ano, eu te via constantemente na escola, nas minhas aulas... E como era difícil olhar para você e tentar ser impassível! Era tão difícil te chamar de "Sr. Potter" na frente dos outros... Por que, para mim, você sempre foi o Harry, somente o "Harry". O pequeno Harry que eu peguei nos braços quando era apenas um bebê... E como me doía ser tão fria com você, tão distante... era tão difícil fingir... Eu mandava que você ficasse depois das aulas com a desculpa que "você tinha que aperfeiçoar seus métodos de defesa..." Não nego que isso realmente se fazia necessário, do jeito que é inevitável você passar por perigos, aquelas aulas, se já não te serviram, algum dia te servirão. Mas esse não era o meu real motivo... A verdade é que eu queria ter você por perto, eu precisava! E eu fingia, mas o que eu queria mesmo era te abraçar e te chamar de meu n... Bem, não vale a pena adiantar as coisas, logo você vai saber... Eu vou lhe contar a verdade, Harry. Toda a verdade.
Já faz mais de cinqüenta anos desde o dia em que ingressei na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Eu era apenas uma garotinha naquela época, não era essa velha esquisita de cabelos brancos e sim uma garotinha de cabelos ruivos e olhos verdes... Essa descrição te lembra alguém?
Meus pais eram bruxos e eu era o que chamavam e chamam ainda de "sangue-puro". Se bem que isso pouco me importasse, eu estava maravilhada com a idéia de estudar em Hogwarts. Eu queria mesmo era aprender, conhecer novas pessoas, fazer novos amigos... E foi pensando assim que eu entrei nesse castelo, que foi tão importante para mim... Essa escola, para qualquer um que entre nela, é especial. Não há ninguém que não entre nesse castelo cheio de dúvidas, de anseios, de expectativas e não saia, depois de alguns anos, com saudade e muitas histórias a contar. Foi assim comigo e eu tenho certeza de que será assim para você e qualquer um. Foi em Hogwarts que eu conheci pessoas que seriam, depois, tão importantes na minha vida... Foi nela que eu aprendi tudo o que sei, que fiz meus amigos... que o meu destino começou a ser traçado...
Naquela época, Hogwarts era dirigida não por Alvo Dumbledore como é agora, e sim pelo velho e atrapalhado Prof. Dippet. Alvo, ou "o professor Dumbledore", que era como eu o chamava na época, era o professor de Transfiguração e diretor da minha Casa. Eu entrei na Grifinória, como você. Foi nessa casa que eu fiz meus melhores amigos e um deles era muito especial. Ela era e é minha melhor amiga, minha confidente, meu apoio... Você a conhece, o nome dela é Minerva McGonagall. Ela sempre foi uma grande amiga, desde de me ajudar com o dever de Transfiguração (que era a matéria que ela mais gostava, por isso ela e Dumbledore se dão tão bem) até ouvir minhas confidências e oferecer seu ombro para que eu chorasse. Ela sempre foi a primeira a saber de tudo, por isso não se surpreenda se, agora, ela souber tanto quanto, ou até mais, que Dumbledore (que sempre sabe de tudo).
Mas os anos passaram e eu descobri (como qualquer menina) que os meninos não existem somente para atormentar as meninas... E o engraçado é que um pouco depois, os meninos descobrem que as meninas não existem só para serem chatas e irritantes... Mas isso acontece com qualquer jovem, é claro que hoje tudo é mais rápido e não é como naquele tempo... mas é parecido. Eu conheci um rapaz quando eu estava no meu quinto ano e ele no sexto. Nós éramos de casas diferentes, mas nos gostamos mesmo assim e começamos a namorar. Às escondidas. A única que sabia era a Minerva, eu não escondia nada dela. E depois, bem, depois o professor Dumbledore descobriu também, na verdade ele nos flagrou um dia juntos... e entendeu. Mas ele não contou para ninguém, só me dava alguns conselhos que, por eu ser tão inexperiente e apaixonada, não segui.
Namorei com esse rapaz por mais dois anos, mas ele terminou Hogwarts e foi embora. Nunca me mandou uma coruja. Foi atrás de seus próprios interesses. E eu fiquei para trás... Jovem e tola como era, fiquei inconsolável e pobre da Minerva que teve que me agüentar... Mas depois eu entendi que ele não era meu verdadeiro amor e segui minha vida.
Passou mais um ano e eu também saí de Hogwarts. Como chorei naquele dia... E eu segui um caminho totalmente diferente do que tinha planejado. Uma coisa que aprendi, é que nós sempre planejamos nosso futuro, mas tudo sempre sai ao contrário... nunca de acordo com os planos... E foi isso que aconteceu comigo.
Eu e Minerva seguimos caminhos diferentes. Ela fez uma especialização em Transfiguração e depois que Dumbledore deixou o cargo de professor de Transfiguração para ser diretor, Minerva assumiu essa cadeira para se tornar uma ótima professora. Quanto a mim...
Estudei Defesa Contra as Artes das Trevas que era a matéria que mais gostava. Fiz uma especialização muito longa, que durou sete anos, era quase como se eu estivesse fazendo Hogwarts novamente, pois durou o mesmo tempo, se bem que não fosse tão divertido quanto Hogwarts. O lugar em que eu estudei (aliás, foi nesse mesmo local que seu ex-professor, Remo Lupin, fez sua especialização, só que agora a duração do curso é menor) era um ambiente muito fechado; poucas pessoas entravam, poucas pessoas saíam. Era muito difícil alguma informação entrar lá dentro, e eu fiquei totalmente fora da realidade. Quando eu finalmente saí, percebi que as coisas tinham mudado um pouco; eu soube que houve alguns ataques a trouxas que, com toda a certeza, foram feitos por bruxos, o que não se sabia era quem fazia esses ataques. Foi por isso que o primeiro lugar que fui visitar foi Hogwarts.
Lá, encontrei muitos antigos conhecidos. Encontrei Rúbeo Hagrid (ele estudava comigo na minha época em Hogwarts, na Grifinória também, só que era dois anos mais jovem que eu e teve que sair da escola por alguns motivos que você deve saber. Na época, como todos, eu pensei que ele tivesse mesmo feito o que se falava, mas depois descobri que ele era inocente) como guarda-caça da escola; encontrei também Lorelane Hooch (a Madame Hooch que você conhece, ela também estudava na minha época, só que era um ano mais nova que eu e era da Casa Lufa-lufa; todos a chamam agora e até a chamavam naquela época de "Madame Hooch" pois ela tem ascendência francesa) como a mais nova professora de vôo; Dumbledore era o diretor e fazia um excelente trabalho já naquela época, mas a pessoa que eu fiquei mais feliz de encontrar foi mesmo Minerva.
Minerva me pôs a par de todos os novos acontecimentos. Como trabalhava em Hogwarts e tinha ganho uma posição privilegiada há pouco tempo como vice-diretora (também, ela merecia, sempre fora muito competente), ela sabia de muitas coisas que os outros não sabiam. Ela me contou que um bruxo estava começando a reunir poderes e atacava trouxas. O Ministério da Magia tinha o maior trabalho para esconder esses ataques dos trouxas e até mesmo tentava abafar os casos, para que os bruxos não descobrissem, o que era impossível. Minerva me disse que Dumbledore estava reunindo aliados também, para tentar descobrir quem era esse bruxo e impedi-lo, se possível fosse. Minerva participava desse grupo de aliados e eu me ofereci para ajudar sempre que precisassem.
Nessa mesma época, Dumbledore me ofereceu um cargo de professora substituta de Defesa Contra as Artes das Trevas na escola (Hogwarts tinha um professor fixo dessa matéria na época), mas eu recusei. Preferi começar em alguma escola menor e procurei por emprego, conseguindo um cargo como professora dessa matéria em uma escola pequena de magia, na Irlanda. Isso era perfeito para mim, porque eu estava muito próxima da Inglaterra e, devido a isso, pude ajudar na busca do misterioso bruxo que atacava os trouxas. Para isso, eu tinha que me misturar e agir como uma trouxa. Foi em uma dessas minhas "buscas" que encontrei o amor da minha vida; só que ele não era um bruxo, era um trouxa. Seu nome era Christopher e nós nos envolvemos e... logo estávamos noivos. Eu contei para ele o que eu era, e ele me aceitou, mesmo eu sendo uma bruxa. Nós logo nos casamos e passamos a morar na Inglaterra, em Londres.
Nesse momento de minha vida, já tinham se passado dez anos desde que eu tinha saído de Hogwarts. Eu tinha abandonado o cargo de professora na escola da Irlanda e tinha entrado de cabeça na busca do bruxo que atacava os trouxas que, na época, passou a expandir suas ações e atacar bruxos também. O nome de Lord Voldemort, que era esse bruxo, começou a se expandir na comunidade bruxa da Inglaterra e, depois de ataques ousados a lugarejos mágicos e até mesmo residências, algumas pessoas começaram a temê-lo e nem mais o chamavam pelo nome, começando a denominá-lo de "Você-sabe-quem" ou "Aquele-que-não-deve-ser-nomeado".
Passaram-se mais dois anos e eu engravidei de um filho de Christopher. Tive que parar de trabalhar para Dumbledore durante os nove meses subseqüentes e ele próprio, depois que minha filha nasceu, me aconselhou que me afastasse disso tudo. Seria perigoso tanto para mim, quanto para meu marido e minha filha, e principalmente para eles. Dessa vez eu segui os conselhos do mestre Dumbledore e decidi viver como uma trouxa. As únicas informações que eu possuía do mundo mágico eram as corujas que eu trocava com Minerva.
Chris era o dono de uma pequena escola primária, também era diretor e lecionava matemática. Eu comecei a trabalhar junto com ele, ajudando na administração e lecionando inglês.
Um ano se passou e Chris precisou viajar, ele estava tentando expandir a escola e até abrir outras filiais no país. Eu fiquei sozinha com minha filha, cuidando dela e da escola. Mas aconteceu algo que mudou tudo. Chris voltou muito rápido da viagem e é óbvio que eu fiquei muito feliz. O que eu não sabia era que aquele que tinha voltado não era Chris.
Você se lembra daquele rapaz que eu disse que tinha namorado em Hogwarts? Pois bem, depois eu descobri que essa pessoa que tinha aparecido não era Chris e sim ele. Como? Ele me enganou. Sabia que eu estava casada e conhecia o meu caráter, eu nunca teria coragem de trair meu marido, eu amava Chris. Um dia ele veio, com a aparência do meu marido, pois tinha usado Poção Polissuco e uma coisa que eu notei durante o tempo que ele ficou comigo, era que sempre bebia algo de um frasquinho que guardava no banheiro. Eu verifiquei e constatei que era essa a poção, afinal, eu vivia como trouxa, mas ainda era uma bruxa. Eu o desmascarei e ele contou tudo. Disse que tinha sentido minha falta e eu lhe perguntei por que não tinha me procurado antes, por que tinha me abandonado... Mas ele respondeu que tinha coisas mais importantes a fazer e eu compreendi que ele nunca me amou. E eu também nunca o amei.
Ele foi embora, mas antes disse que tinha me deixado uma marca. E tinha mesmo. Eu engravidei dele. Como me senti mal... Mesmo que tenha sido enganada, eu tinha traído meu marido... E me arrependi muito, me culpei por ter me deixado enganar... Quando Chris voltou, eu não agüentei e contei tudo. Não consegui esconder a verdade dele. E fiquei esperando que ele me mandasse embora, que se separasse de mim e talvez até não deixasse que eu ficasse com nossa filha. Mas ele não fez nada disso e foi aí que eu vi que ele sim me amava de verdade. Ele passou por cima de tudo isso e me perdoou. Compreendeu a situação. E até... ele até deu seu sobrenome ao bebê que iria nascer! Disse que ele também seria filho dele e nunca saberia que ele não era seu pai biológico. Disse que seríamos uma família, TODOS nós! Então eu tive certeza de que eu amava aquele homem e que não havia ninguém melhor que ele e que me amasse mais no mundo.
Depois de alguns meses, nasceu uma menina, que teve como padrinhos Minerva e Dumbledore. Uma menina que era idêntica a mim. Ela não era como minha outra filha, que era muito mais parecida com Chris do que comigo. Esta outra menina tinha os cabelos ruivos e os olhos verdes como os meus. E agora, Harry, você vai entender aonde eu quero chegar te contando tudo isso. O nome dessa menina era Lílian, Lílian Evans.
Sim, Harry, eu sou sua avó, sua avó por parte de mãe.
O nome da minha outra filha, minha filha com Chris, era Petúnia, sua tia Petúnia. O sobrenome de Chris era Evans. Ele deu seu sobrenome à minha filha, Lílian, sua mãe. O meu nome completo era Arabella Figg Evans e ainda é. Mas eu uso o nome Arabella Figg, o meu nome de solteira, por sua causa, Harry, para que você não me descubra. Você deve achar estranho que eu tenha me apresentado a você como "Sra. Figg", porque, na verdade, eu sou a Sra. Evans. Mas eu não podia me apresentar a você dessa maneira, senão você descobriria mais cedo, ou mais tarde. Um dia, alguém lhe contaria que o sobrenome de sua mãe quando solteira era Evans e aí... aí você descobriria a verdade e devido a tudo que aconteceu eu não queria isso. E eu também não me apresentei como "Srta. Figg", como seria o certo, porque me achei muito velha para ser chamada de "senhorita". Por isso, eu sou a "Sra. Figg" para você e o mundo bruxo, apesar de ainda ser a "Sra. Evans" para o mundo trouxa.
Bem, mesmo que agora você já saiba a verdade e, provavelmente, me odeie por eu nunca ter contado isso, eu lhe peço que continue lendo essa carta até o fim.
O tempo passou e eu continuei a viver como trouxa. As meninas começaram a crescer. Lílian era adorável, Chris a amava como amava Petúnia, que era sua filha verdadeira e Lílian o amava também. Ela também me amava muito, éramos muito grudadas. Eram poucas as vezes que Minerva ou Dumbledore nos visitavam, mas eles sempre mandavam presentes para a afilhada. A única pessoa com quem Lílian não se dava era a irmã Petúnia, aliás, Petúnia só gostava do pai. Nem de mim ela gostava, sempre era distante comigo. Já com Lílian, nem se fala. Petúnia tinha muita inveja da irmã e ficava louca de ciúmes quando Chris estava com ela. Chris amava as duas da mesma maneira, mas Petúnia não via isso e sempre achava que Lílian era a mais querida das duas. Eu bem que tentava me aproximar de Petúnia, afinal, ela também era minha filha e para completar, ela era minha filha com o homem que eu amava! Lílian, apesar de ser muito querida para mim, de eu amá-la infinitamente e ela não ter culpa de absolutamente nada, ainda era filha do outro... Mas Petúnia era filha de Chris e mesmo assim eu nunca consegui me aproximar dela, por mais que tentasse. Ela nunca gostou de mim na realidade.
Quando Petúnia completou onze anos, ela não recebeu a carta de Hogwarts. Eu achei isso muito estranho, afinal ela tinha o meu sangue, que era mágico, apesar de Chris, seu pai, ser trouxa. Mas ela não recebeu a carta e eu percebi que ela não tinha herdado minha magia, por isso ela era bem mais parecida com o pai. Já Lílian, ela sim eu tinha certeza que receberia a carta e não deu outra. Assim que completou onze anos, ela recebeu a carta e eu novamente me vi envolvida com o mundo mágico.
Lílian ingressou em Hogwarts, enquanto que Petúnia estudava em uma escola normal de trouxas. Petúnia ficou com muita inveja de Lílian, pois tanto eu quanto Chris estávamos felizes por Lílian ser uma bruxa. Chris, apesar de ser trouxa, não tinha medo nenhum da magia e às vezes até me pedia para usá-la a fim de facilitar as coisas. Ele sempre ficava maravilhado quando me via realizar algum feitiço e por isso ficou feliz quando Lílian entrou em Hogwarts. Diferente de Petúnia, que parecia abominar a magia sob qualquer forma e chegava a ter um certo medo, mas às vezes eu achava que Petúnia escondia algum segredo relacionado a isso...
Nem preciso dizer que Lílian ficou radiante de felicidade quando entrou em Hogwarts; ela nunca imaginou que era uma bruxa, sempre achou que os pais eram trouxas. Foi difícil inventar uma explicação convincente de como nós conhecíamos alguns bruxos, já que seus padrinhos eram bruxos; mas ela nunca descobriu que eu era uma bruxa e que Chris não era seu pai e que seu verdadeiro pai era um bruxo. Lílian mandava várias corujas contando como estava indo na escola. Quando ela ingressou na Grifinória eu tive certeza de que Lílian era mesmo igual a mim e não tinha nada de parecido com o pai verdadeiro. Ela estava muito feliz de estar perto dos padrinhos também, se bem que ficou combinado de que ninguém soubesse que Minerva e Dumbledore eram padrinhos dela. Minerva às vezes quase se denunciava, pois tinha um carinho especial por Lílian e os alunos reparavam isso. Não era para menos, Lílian além de ser sua afilhada, era uma excelente aluna em todas as matérias, a melhor aluna de Hogwarts na época, na verdade. Minerva tinha muito orgulho dela.
Lílian fez vários amigos e sempre mandava cartas enormes contando o que acontecia em Hogwarts. Ela era uma menina ambiciosa apesar de tudo e desde o seu primeiro ano no castelo, aspirava a ser monitora algum dia. Ela contava que tinha muita admiração pelos monitores e monitores-chefes. Ela até falava como eles eram e dizia que fazia amizade com eles, sempre os enchendo de perguntas de como era ser monitor... Ela fez amizade, quando estava no primeiro ano, com os monitores-chefes da Grifinória, que você deve conhecer; eles se chamavam Molly Gilchrist e Arthur Weasley, os Weasleys que você conhece.
Além dos monitores, Lílian fez amizade com um grupo de meninos de sua Casa e do mesmo ano que ela, os quais se entitulavam "Os Marotos". Desse grupo faziam parte Tiago Potter, Sirius Black, Remo Lupin e Pedro Pettigrew, mas você sabe quem eles são há muito tempo. Quando Lílian estava no quarto ano, começou a namorar Tiago e no seu quinto ano, se tornou monitora. No sétimo, era monitora-chefe.
Como Lílian estava em Hogwarts, eu comecei a saber muito mais sobre o mundo mágico do que antes. Agora, Lord Voldemort estava significativamente mais forte e a maioria dos bruxos estava em total estado de pânico. Os ataques a trouxas voltaram a ser freqüentes e a desculpa que se dava para eles era devido à última grande guerra que tinha acontecido entre os trouxas e os resultados dela; a maioria dos ataques de Voldemort foram atribuídos a "terroristas" pelos trouxas. Eu tinha muito medo por Lílian que estava perto de tudo isso, mas eu sabia que ela estava segura em Hogwarts. Mas eu temia também pela segurança da minha família, Chris e Petúnia, principalmente, pois eram alvos fáceis por serem trouxas. E meus medos se concretizaram.
Quando Lílian saiu de Hogwarts, eu sabia que ela estava correndo muito mais perigo, pois não tinha mais os grossos muros do castelo para se proteger. Nessa época, Petúnia se casou com um rapaz trouxa, Válter Dursley, e saiu de casa. Eu fiquei temerosa por ela, os ataques a trouxas eram muitos, e as mortes, freqüentes. Pelo menos enquanto ela estivesse comigo, eu poderia protegê-la, já que sou uma bruxa. Mas Petúnia queria seguir sua vida, e eu não pude me intrometer nisso. De qualquer maneira, ela nunca me escutaria, mas atendeu ao pedido do pai de morar por perto. Ela, quando casou, se mudou para a Rua dos Alfeneiros, que ficava muito próxima à minha casa, na Rua das Magnólias.
Assim que saíram de Hogwarts, Lílian e Tiago ficaram noivos. Um ano se passou e eles casaram. Eles estavam tão felizes! Mesmo com tudo o que estava acontecendo, todo o terror que circundava a todos, esse não deixou de ser um momento de felicidade. Chris estava muito feliz conduzindo Lílian ao altar (ele gostava muito mais de Tiago do que de Válter, o marido de Petúnia, por isso ficou mais feliz no casamento de Lílian). Aquela foi a última felicidade de Chris... Alguns meses depois ele morreu, assassinado por servos de Voldemort. Eu escapei, mas nunca me perdoei por não ter conseguido proteger meu marido.
Chris nem chegou a ver os netos nascerem. Duda, seu primo, nasceu um pouco antes de você, Harry. Mas Petúnia nunca deixou eu me aproximar dele... Já você, Harry, quando nasceu foi uma grande alegria. Lílian me chamou como sua madrinha e Tiago chamou o amigo Sirius como padrinho. Ainda me lembro como se fosse ontem quando te segurei nos braços para ser batizado... Você era igualzinho ao pai, mas tinha os olhos da mãe, que também eram meus olhos. Foi uma pena que Chris não tenha te visto nascer, porque se ele estivesse lá, eu tenho certeza que ele te chamaria de neto.
Mas nem tudo era alegria, Harry, e você sabe bem disso. Depois que você nasceu, Dumbledore descobriu que você, assim como Lílian e Tiago, eram o próximos alvo de Voldemort. Seus pais fugiram e se esconderam, obviamente. E para se protegerem usaram um Fiel de Segredo, mas usaram o errado. Na época, todos pensaram que o fiel fosse Sirius, mas agora eu sei quem era e sei que Sirius não é o traidor que dizem ser.
Como você sabe, Voldemort conseguiu encontrá-los. Matou Tiago e Lílian e depois... depois tentou te matar, mas não conseguiu... Você derrotou o Lord das Trevas e ficou conhecido como o "menino que sobreviveu".
O mundo mágico estava em festa, mas eu não. Eu tinha perdido minha filha, que eu amava tanto e tinha perdido meu genro, de que gostava muito também. Tiago era um bom marido e um bom pai e, enquanto vivo, fez Lílian muito feliz e eu gostava muito dele por isso. Você era um órfão agora, estava sem pais e sem família, eu sabia que você nunca seria inteiramente feliz. Eu me ofereci para ficar com você, mas Dumbledore disse não. Sirius também se oferecera e teve seu pedido negado, para depois ser rotulado como "traidor". Pobre rapaz, o Sirius... Eu também fiquei achando isso dele, mas depois descobri que ele passou doze anos em Azkaban sendo inocente, e sofreu tanto quanto eu ou até mais...
Dumbledore disse que não seria bom você ter ligação com o mundo mágico enquanto criança; saber que era "o menino que sobreviveu" seria demais para a sua cabecinha naquela época. Você ficou com seus tios, então, e eu fiquei por perto, para te vigiar e te proteger. Sou eu que sustento os feitiços protetores da casa de Petúnia, protegendo, assim, tanto você, quanto ela e meu outro neto Duda. Quando Dumbledore te deixou na porta deles, eu cheguei a pensar que Petúnia não fosse cuidar de você, que fosse te entregar para mim e confesso que tinha até esperança de que ela fizesse isso, afinal eu te amava e mesmo Dumbledore dizendo que o melhor para você não seria ficar comigo, eu ainda queria cuidar de você. E Petúnia nunca gostou de Lílian, sempre abominou a magia, e seu marido mais ainda, ela não gostava de você, mas... por algum motivo que eu desconheço, ela aceitou te criar, mesmo que tenha sido da forma torta que eu sei que foi.
Bem, Harry, eu finalmente estou chegando ao fim da minha história. Dumbledore tinha me autorizado a te contar uma parte da verdade mesmo enquanto criança, ele não achava justo que você não soubesse que eu era sua avó e também achava injusto eu estar tão perto de você sem me revelar como sua avó. Ele sabia que eu sofria de estar tão perto e tão longe de você. Mas fui eu que nunca tive coragem de te contar a verdade. Até Petúnia, quem diria, quis me ajudar e disse que poderia me apresentar como sua avó, contanto que você nunca contasse para Duda que eu era avó dele também. Mas eu não tive coragem e a única coisa que conseguia fazer era cuidar de você quando Petúnia não podia. Eu ensaiava te contar que era sua avó, mas não conseguia quando te via e decidi por não contar. E eu me sinto mais culpada ainda, pois talvez você pudesse ter tido uma infância um pouquinho mais feliz se eu tivesse te contado que era sua avó, mas eu não fiz isso e você sempre foi uma criança triste.
Eu vi quando você entrou em Hogwarts e era Minerva que sempre me mandava corujas contando como você estava indo na escola. Fiquei imensamente feliz por saber que você tinha feito amigos, que você estava um pouco mais feliz. E ficava muito orgulhosa sempre que sabia dos seus feitos... Orgulhosa por ver que, apesar de tudo, você é uma pessoa de caráter, com muitas qualidades.
Eu sempre fiquei assistindo a tudo, mas nesse ano, tive que voltar e encarar as coisas de frente. Dumbledore me chamou para ser professora em Hogwarts e ajudar na empreitada contra Voldemort, como eu fazia antigamente. Foi Sirius quem veio me chamar, você se lembra aquele dia que veio dormir na minha casa nas férias? Pois bem, era o Sirius que estava lá naquele dia, por isso eu falava sozinha e estava mais esquisita do que já sou. Eu não sabia que você viria, Petúnia não tinha me avisado e por isso eu tive medo... Como eu explicaria o que o seu padrinho estava fazendo na minha casa? E Sirius quase pôs tudo a perder quando foi te ver, em sua forma animaga, quando você estava dormindo. Mas eu sei que você não estava, e ficou desconfiado. E não foi somente Sirius que esteve prestes a se denunciar... eu também. Comportei-me de uma maneira muito estranha naquela ocasião, eu sei. Fui dura quando você estava olhando aquele retrato na minha sala de estar, mas fiquei com medo; aquela garotinha do retrato era Lílian e eu fiquei com receio de que você a reconhecesse.
Naquele dia nós conversamos muito sobre você. Sirius me contou o que tinha acontecido durante o seu quarto ano e disse que teríamos que te proteger agora mais do que nunca, por isso Dumbledore queria minha ajuda também. Como você tem um pouco do meu sangue, eu posso te ajudar mais que os outros. Há algum tempo, eu te encontrei nos corredores da escola e você não estava bem. Você disse que estava com dor de cabeça, mas o que doía mesmo era cicatriz, eu sei. Por isso eu coloquei a mão na sua testa e eu tenho certeza de que a dor deve ter melhorado. Quando um bruxo tem uma ligação consangüínea com um outro, qualquer um deles dois pode ajudar o outro em qualquer circunstância, ou prejudicá-lo. Mas eu nunca te prejudicaria.
Além de vir para me colocar a par dos acontecimentos, Sirius veio me trazer o Mapa do Maroto também. Ele queria devolvê-lo para você, mas sabia que, a primeira vez que você olhasse o mapa, como eu também estaria em Hogwarts, ele mostraria meu nome inteiro, revelando meu sobrenome. Sirius veio me perguntar o que eu achava disso e eu lhe pedi que modificasse o mapa. Ele, como um dos criadores do objeto, modificou-o trocando meu nome "Arabella Figg Evans" pelas minhas iniciais "A. F. E."
E você lembra aquela correntinha da sua mãe que eu te mandei no seu aniversário? Era de Lílian mesmo. Ela me pediu, um pouco antes de morrer, para que te entregasse quando você completasse quinze anos e não tive escolha a não ser fazê-lo. Lílian adorava essa correntinha, pois fora Tiago quem lhe dera de presente. Antes de morrer, na verdade foi na última vez que vi minha filha antes dela morrer, Lílian pediu que lhe entregasse se ela não estivesse viva quando você completasse essa idade. Ela disse que esse seria seu presente de quinze anos.
E foi isso, Harry. Eu passei todo esse ano ajudando Dumbledore e, por isso, às vezes eu faltava nas aulas de algumas turmas. Por todo esse ano eu tentava olhar nos teus olhos e não demonstrar nenhum sentimento, mas era difícil. Era difícil te ver todos os dias e não poder te falar a verdade. Não poder te abraçar... Ah, Harry, meu neto, eu te amo tanto! Espero que me perdoe algum dia... Mas eu sei que não mereço o seu perdão... Eu errei muito na minha vida... E paguei caro pelos meus erros... Eu errei muito com você, aliás, acho que foi com você que eu mais errei... Você terá toda a razão se não me perdoar, mas eu precisava te contar tudo isso. Não podia morrer sem te contar a verdade...
Essa é mesmo minha última carta, Harry. Nunca mais poderei te escrever. Eu rezo para que você consiga ser feliz algum dia, será difícil, mas você vai conseguir. Nunca esqueça que há muitas pessoas que te amam, Harry, muitas mesmo. Não acredite nas aparências, eu sou um exemplo disso; eu tentava ser fria com você, mas na verdade eu sempre te amei. Às vezes, são aquelas pessoas que parecem que não gostam de nós que nos amam de verdade. Eu tenho e sempre terei muito orgulho de você, meu neto. Lembre-se de fazer o que você pode e não o que as pessoas querem que você faça. Siga sempre o seu coração, somente ele pode te dar as respostas certas. Confie nas pessoas que você ama, nos seus amigos; eles são o seu apoio, sem pessoas como essas, você, como qualquer um, não é nada. Eles te farão acreditar em si mesmo. Eu te amo muito, Harry, e prometo sempre estar ao seu lado, onde quer que eu esteja.
Um abraço de uma pessoa que gosta muito de você,
Sua avó, Arabella Figg Evans.
Harry ficou paralisado quando terminou de ler a carta. Sua cabeça estava uma confusão completa, todas aquelas informações o estavam deixando tonto. A Sra. Figg, sua avó? Sua madrinha? Mãe de sua mãe? Como? A carta explicava tudo, mas mesmo assim não entrava na sua cabeça... Ela era sua avó... Todo esse tempo que passou com ela sem saber... Sempre esteve tão perto dela... Avó...
Levantou os olhos e viu que Sirius, Dumbledore e a Profª. McGonagall o observavam atentamente. Com uma voz muito baixa, que nem parecia ser sua, sussurrou:
- Ela... era a minha avó...
Foi Dumbledore que respondeu, sorrindo bondosamente:
- Sim, Harry. Ela era sua avó.
Harry sentiu que tremia. Lágrimas fartas rolavam pelo seu rosto e dessa vez ele não se preocupou em escondê-las. Elas apenas rolavam, num choro silencioso. Nunca tinha chorado dessa forma na frente de ninguém, mas não se importava, só deixava as lágrimas rolarem. Agora entendia porque tinha se sentido tão mal quando viu o corpo da Sra. Figg... E agora que sabia a verdade, sentia o coração ainda mais apertado e doendo mais.
- Ela... ela era a minha avó e... e agora ela está morta... – murmurou com a voz embargada mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa.
Sentiu Sirius apertar seu ombro e mexer nos seus cabelos, mas continuou onde estava. Olhou novamente para a carta em suas mãos e viu que o papel tremia, suas mãos tremiam. Ficou olhando para aquela carta sem vê-la, somente sentindo sua dor. E ela teve tanto medo de lhe contar... E ele não sentia nenhum rancor por ela ter lhe escondido tudo, só sentia uma dor imensa... Uma dor que não conseguiria arrancar de si.
A Profª. McGonagall levantou de onde estava, se aproximou de Harry e se ajoelhou ao seu lado. Ela segurou a mão esquerda dele, acariciando-a. Harry sentiu que as mãos dela estavam geladas e trêmulas. Com uma voz emocionada, ela disse:
- Pot... quer dizer, Harry... – Harry se virou para olhá-la, espantado. Ela nunca o tinha chamado pelo primeiro nome. – Harry... Eu sei que deve estar chocado com o que descobriu... E muitas coisas devem estar confundindo sua cabeça... Mas o que você precisa saber, o que é realmente importante, é que Arabella o amava. Eu via isso, eu sabia. Não havia ninguém que a conhecesse mais do que eu, acho que nem o marido dela a conhecia mais do que eu. Arabella fez tudo isso porque te amava, não acredite quando ela te diz que era uma covarde, uma egoísta. É claro que ela teve medo, medo de que você não a perdoasse. Mas no fundo, ela sabia que você a perdoaria, porque você é como o seu pai, quando você ama, você perdoa. – ela respirou fundo e colocou a mão no rosto dele. – Há muitas pessoas que te amam, Harry, e que sempre estarão ao seu lado. Você nunca estará sozinho, por mais que te pareça assim. Provavelmente você deve estar sentindo uma dor muito grande no seu coração, uma ferida que infelizmente nunca cicatrizará. Mas mesmo agora que Arabella se foi, você não estará sozinho, nunca! Você tem pessoas que lhe amam. Apesar de seus pais estarem mortos, eles te amaram muito e isso é algo que te acompanhará por toda a vida, Arabella te amou muito também, e, aqui, você tem seus amigos, você tem o Sirius... – ela olhou para o padrinho de Harry, que sorria. - ...você tem Alvo, que é um mestre que qualquer um leva como amigo para a vida inteira... – ela olhou para Dumbledore, que tinha os olhos cintilantes. - ...e Harry, você tem a mim também... Lílian era minha afilhada e eu a tinha como uma filha... e se eu a tinha como uma filha, o filho dela é como um neto para mim... – ela sorriu.
Harry não conseguiu dizer nada, mas as lágrimas caíam ainda mais. Começou a soluçar. Então, a Profª. McGonagall fez algo que lhe confortou muito. Ela o abraçou com força e com carinho e ele sentiu que se sua avó estivesse viva, faria a mesma coisa e do mesmo jeito.
