Capítulo Quarenta – Todos têm sua missão na vida
Abriu os olhos. Estava tudo escuro e desfocado. Tateou com a mão esquerda ao seu lado. Depois de um tempo procurando, finalmente achou o que queria. Pegou os óculos e colocou-os no rosto. O quarto entrou em foco.
Harry olhou à sua volta e viu que estava deitado em um dos leitos da ala hospitalar. Não lembrava de muita coisa. Depois de ter lido aquela carta, sua cabeça ficou uma confusão completa. Só uma idéia vaga de o terem levado até a ala hospitalar e dado algo para ele beber, o que o fez dormir profundamente a seguir.
Tentou sentar, mas viu que alguém estava ao seu lado. Era Gina. Ela estava sentada em uma cadeira ao lado da cama, com a cabeça deitada entre os braços, na beirada do leito, dormindo. Harry viu que sua própria mão direita estava segura nas mãos da garota. Retirou a mão com cuidado para não acordá-la.
Sentou na beirada oposta da cama e olhou ao seu redor. Rony e Hermione estavam em um sofá do outro lado do quarto, dormindo um com a cabeça apoiada na cabeça do outro. Parecia ser madrugada ainda.
Levantou e conseguiu firmar os pés no chão. Quase tropeçou em algo que estava deitado ao seus pés. Era um grande cachorro preto.
- Almofadinhas... – murmurou e desviou dele para não acordá-lo.
Foi até a janela, que estava fechada, mas era possível ver o outro lado pelo vidro transparente. Pôde divisar os jardins de Hogwarts, o céu escuro, as estrelas e a lua, que começa a minguar. Concentrou o olhar no vidro da janela e viu o seu reflexo. Os olhos estavam fundos, parecia abatido e um pouco pálido. Afastou o cabelo da testa e viu a cicatriz em forma de raio, nítida. Era esquisito... e pensar que quando era pequeno chegou a gostar dela...
- Admirando o próprio reflexo? – alguém perguntou atrás dele.
Harry se virou e viu Sirius de pé, olhando para ele.
- Não deveria estar transformado, Sirius... E se alguém entra e te vê? Se a Gina acordar, ela vai tomar um susto danado!
- Por quê? Sou tão feio assim?
- Você sabe que não é disso que estou falando...
- "Disso"? Quer dizer que eu sou feio mesmo!
Harry suspirou.
- Eu não sou a pessoa mais indicada para isso, Sirius. Não fico prestando muita atenção em homens...
Sirius pareceu dar um sorriso breve.
- É, você está certo. Eu acharia estranho se prestasse...
- Sirius!
O padrinho agora definitivamente sorrira. Olhou para a Gina e disse:
- Mas se você contasse a verdade, ela entenderia...
Harry olhou para a garota, que ainda dormia profundamente, quando falou:
- Tem razão. Já está mesmo na hora de eu falar para ela sobre você. Quando isso tudo passar, eu conto.
Harry se desviou do padrinho e viu um pequeno sofá perto. Sentou por ali mesmo, não queria voltar para a cama. Sirius fez o mesmo, só que ao invés de sentar, se esparramou no sofá. Harry recostou no assento, encostando a cabeça nele e olhando fixamente para o teto por algum tempo. Num movimento automático, começou a dedilhar sobre a cicatriz.
- Por que está fazendo isso? – Sirius perguntou.
- Fazendo o quê?
- Mexendo na cicatriz.
- Não sei... Às vezes eu gosto de fazer isso, mas não se preocupe, não está doendo e nem sangrando.
- Sangrando? Por quê? Ela andou sangrando, por acaso? – Sirius tinha um leve tom de preocupação.
- Isso é besteira.
- Não é não.
Harry se virou para ver o padrinho, que mantinha os olhos fixos nele.
- Quando sangrou? – Sirius perguntou.
- Um pouco antes... – Harry sentiu um nó na garganta quando lembrou e voltou a olhar o teto, para que o padrinho não notasse. - ...um pouco antes da...
- Um pouco antes da Sra. Evans... partir?
- Sra. Evans? Você a chamava assim?
- Sim. Eu a conheci na época que Tiago namorava Lílian.
- Ah... – Harry lembrou de uma dúvida sua. – Sirius... Você sabe por que a minha cicatriz sangrou naquele... momento?
- Sei. Dumbledore me contou. A sua cicatriz, Harry, sempre vai sangrar quando alguém que possui o seu sangue ou que te ama, sangrar ou... morrer.
- Mas isso nunca tinha acontecido antes...
- Engano seu. Já tinha acontecido, apenas uma vez, mas já tinha acontecido.
- Quando?
Sirius demorou algum tempo para responder, parecia estar procurando pelas palavras certas.
- Quando... bem... mais de quatorze anos atrás.
Harry entendeu.
- Mas naquela hora... não foi porque a cicatriz foi aberta, naquele momento?
- O feitiço que abriu a sua cicatriz não produz sangue. Na verdade, esse feitiço dificilmente abre uma ferida, mas quando abre não sai sangue. É um pouco complicado, Harry, porque nunca tinha acontecido antes, e o que se sabe são alguns estudos que foram feitos a respeito... Mas de acordo com o que Dumbledore me contou, a sua cicatriz não sangraria naquele momento se... se não tivesse acontecido o que aconteceu.
- Ah... acho que entendi...
Um silêncio se formou por alguns instantes, até que Sirius o quebrou.
- No que está pensando agora?
- É que... sei lá... como será que vai ser minha vida daqui pra frente? Quero dizer, as coisas vão mudar, não vão?
- Eu já fiz essa pergunta para mim mesmo uma vez, se quer saber...
- E qual foi a resposta?
- A minha vida mudou. Aliás, a minha vida não só mudou, ela desmoronou. Eu sei que isso não é muito animador, Harry, mas foi o que aconteceu. Eu perdi meus melhores amigos, eu perdi minha família, eu perdi minha liberdade... Eu perdi até a minha moto que até hoje não sei onde está... Ah, esquece a última frase, é idiotice.
- Sirius... você não precisa falar dessas coisas, se não quiser...
- Tudo bem, Harry. Vai ser melhor para você se eu falar, porque talvez assim você... sei lá, entenda um pouco melhor as coisas, talvez te ajude... Sabe, eu me senti como você está se sentindo agora. Eu pensava que nunca mais conseguiria sorrir...
Harry mais uma vez parou de olhar o teto e se virou para ver o padrinho. Ele também estava olhando o teto.
- Mas você conseguiu sorrir... Eu já te vi sorrir, Sirius, e sei que foram sorrisos sinceros.
Sirius se virou e parou de olhar o teto também. Olhou profundamente para Harry quando perguntou:
- Você imagina quando foi a primeira vez que eu sorri depois que tudo aconteceu? – Harry negou com a cabeça. – Você se lembra... daquele momento, quando estávamos saindo da Casa dos Gritos, quando você descobriu a verdade sobre mim, e nós estávamos indo embora, indo para o castelo e eu te perguntei se você gostaria de vir morar comigo, assim que eu ajeitasse as coisas e você respondeu que...
- Eu respondi que adoraria... – Harry respirou fundo. – E se você me fizesse essa mesma pergunta agora, eu responderia a mesma coisa...
Sirius sorriu, um sorriso sincero, como fazia poucas vezes.
- Naquele momento, Harry, eu sorri pela primeira vez em doze anos... Eu sorri como estou sorrindo agora... Você entende o que quero dizer, Harry? Você vai conseguir sorrir de novo, pode demorar algum tempo, mas vai conseguir. Você só tem que acreditar em si mesmo, acreditar que há pessoas que te apoiam, que gostam de você e que querem ver o seu sorriso, acreditar que a vida pode ser melhor, que o amanhã será melhor que o hoje e que o depois de amanhã, vai ser melhor que os dois juntos! Se nós estamos aqui, Harry, é porque ainda temos algo a fazer, algo que precisamos cumprir e que só nós podemos fazer! Eu tenho algo que ainda preciso fazer, você tem... – Sirius olhou para Gina, Rony e Hermione do outro lado do quarto. – Eles também têm algo a fazer! Olha só para ela! – ele apontou para Gina. – Você não acha que ela quer ver o seu sorriso, que ela não vai sentir falta dele?
Harry olhou para Gina, que estava ainda com a cabeça apoiada na beirada da cama, dormindo.
- Você sabe quanto tempo ela passou ali, sentada naquela cadeira, do seu lado? – Harry não respondeu. – Três dias, Harry, que foi o tempo que você passou dormindo, desde aquela noite que chegou aqui. Eu vi. Eu estava aqui também e ela não saiu dali por um momento sequer. Ela não saiu dali para dormir, ela não saiu dali para comer... Eram Rony e Hermione que traziam comida para ela, porque todo mundo tentava fazê-la sair dali, mas ela não saía. Isso traz algum significado para você, Harry?
Harry apenas acenou afirmativamente com cabeça, não conseguia falar, só conseguia olhar para Gina. Levantou e foi até a cama. Sentou na beirada dela e com a ponta dos dedos, começou a acariciar os cabelos de Gina. Sentiu algo muito bom e quente, era maravilhoso saber que havia alguém que gostava tanto dele, alguém em quem sempre poderia confiar...
- Acho que é melhor você voltar a dormir, Harry... – Sirius, que já tinha levantado e estava mexendo em alguma coisa ao lado da cama de Harry, disse.
- Não tô com sono... – Harry disse e se virou para olhar o padrinho. Viu que ele estava segurando um colete que estava todo surrado e tinha um buraco enorme no centro. Reconheceu-o. – Sirius, esse colete não é... aquele que você me deu no Natal?
Sirius levantou o colete na altura dos olhos e se virou para ver Harry, olhando para o afilhado pelo buraco do colete, de modo que somente sua cabeça aparecia no buraco. Era um pouco cômico vê-lo assim.
- É ele mesmo... – respondeu. – Acho que foi bem útil, né? Somente um feitiço muito forte poderia ter feito isso nele, mas melhor fazer isso no colete do que em você, eu acho... Talvez eu compre outro para você, pode ser útil de novo...
Harry quase sorriu.
- Só você mesmo, Sirius...
Passaram-se mais alguns dias. Sirius logo teve que ir embora, disse que tinha uma coisa muito importante para fazer e depois não poderia mais voltar para Hogwarts. O que Harry achou estranho foi que, nesse mesmo dia, alguns professores se ausentaram da escola, e Dumbledore e a Profª. McGonagall incluíam-se entre eles.
Rony, Hermione e Gina continuavam sempre visitando Harry e ficando durante toda a manhã e tarde com ele. Agora que estava acordado, Harry conseguiu fazer com que Gina saísse para dormir e comer, ao invés de ficar lá todo o tempo. Foi um pouco difícil convencê-la, mas ele conseguiu.
Harry tinha contado pouco do que aconteceu naquela noite para eles. Como tinha prometido ao Espelho da Verdade, contara o mínimo, para o mínimo de pessoas possível. A única coisa que falou bastante foi sobre sua avó, e por isso os três estavam bastante empenhados em animá-lo.
Nesse momento, Rony, Hermione e Gina estavam no quarto com Harry, conversando, enquanto ele tomava uma sopa na cama, quer dizer, enrolava, porque a sopa era de legumes e Harry não gostava muito de legumes.
- Pronto, terminei! – disse, afastando o prato.
Gina levantou e olhou o prato. Ela sempre fiscalizava se ele comia tudo.
- Não, você não terminou. Falta uma colherada ainda.
Harry olhou para ela profundamente.
- Gina. Eu não quero mais comer.
- Ainda falta uma colherada. – ela repetiu em tom de que não aceitava teimosias.
Harry suspirou, raspou o prato e engoliu a última colherada da sopa.
- Agora eu acabei.
Ela olhou para o prato e fez um sinal com a cabeça, aprovando. Retirou o prato e o colocou de lado. Voltou a olhar para Harry e ergueu as sobrancelhas. Olhava para o rosto dele com uma cara de espanto e como se o examinasse.
- Que foi? O meu rosto tá sujo de alguma coisa? – ele perguntou passando a mão nas bochechas.
Gina tirou as mãos dele do rosto e passou a própria mão nas bochechas dele. Com espanto, ela exclamou:
- Harry, desde quando você tem barba? As suas bochechas estão mais ásperas!
- Como é que é?
- Ei, essa eu quero ver! – Hermione disse, se levantando. Rony a seguiu com uma expressão intrigada.
Hermione passou a mão na outra bochecha de Harry (a que não estava ocupada por Gina).
- Não é que é verdade... – ela disse.
- Ei, o que é isso, agora é festa? – Harry disse afastando as mãos das meninas.
Rony se esgueirou no meio das garotas para olhar Harry e depois exclamou, um pouco emburrado:
- Não é possível, eu sou mais velho que ele e não tenho!
- Ih, Rony, ficou pra trás... – Hermione debochou.
- Mione!
Gina riu com a irritação do irmão. Enquanto isso, Harry se levantou e foi se olhar num espelho que estava na parede. Chegou bem perto dele e viu. Tinha mesmo alguns pelinhos no seu rosto.
- Eu tive uma idéia! – Hermione disse. – Rony, Harry, fiquem um do lado do outro!
Harry se virou e Rony cruzou os braços.
- Por quê? – os dois perguntaram em uníssono.
Gina olhou para Hermione de esguelha e, como se entendesse, disse:
- Porque sim. Só fiquem um do lado do outro.
Os dois fizeram isso (Rony muito contrariado). As duas garotas os examinaram e caíram na gargalhada.
- Do que vocês tão rindo? – Harry perguntou.
Hermione se controlou um pouco e disse:
- É que... que você tá mais alto do que o Rony, Harry, você o passou!
- O quê? – Rony perguntou um pouco bravo e olhou para Harry. – Ah, não, é verdade! Eu não acredito, Harry, como você fez isso? Você fez algum feitiço para crescer?
- Não... – Harry respondeu, tentando se acostumar em olhar ligeiramente para baixo quando falava com Rony. Era coisa mínima, mas estava mais alto que o amigo. Então, pela primeira vez em dias, riu com gosto. – É tão estranho olhar para baixo para falar com você, Rony!
O amigo cruzou os braços, emburrado. – Eu vou descobrir o que você fez, Harry, e vou fazer também!
- Mas eu não fiz nada! – Harry abriu os braços e subitamente se lembrou do que o Espelho da Verdade lhe disse: que ele não iria envelhecer, talvez crescesse um pouco, mas só notaria isso alguns dias depois.
- Aceite a verdade, Rony, o Harry te passou! – agora foi a vez de Gina debochar.
- Você também, Gina!
Nesse momento, alguém pigarreou. Os quatro olharam e viram Alvo Dumbledore parado na porta, olhando para eles. Dumbledore sorriu bondosamente e disse:
- Eu não queria interrompê-los, mas eu gostaria de conversar um pouco com o Harry...
Rony, Hermione e Gina se entreolharam e saíram logo após. Dumbledore encostou a porta e entrou, se sentando na beirada da cama de Harry.
- Sente-se também, Harry.
Ele obedeceu e sentou ao lado do diretor.
- Fico feliz de ver que você está melhorando, Harry. Você estava triste demais...
- É... Gina, Rony e Hermione estão tentando me animar desde aquele dia e mais ainda desde quando eu contei para eles sobre a... sobre a minha avó... Hoje eles conseguiram.
- E eles estão de parabéns por terem conseguido. Sirius me contou que tentou te fazer ficar melhor, mas não conseguiu muita coisa... – Dumbledore sorriu. – Quer dizer que você cresceu? Eu ouvi vocês falando isso antes de entrar...
- Isso mesmo... – Harry olhou para o diretor e lembrou do que tinha descoberto sobre ele. Queria ter conversado com ele sobre isso antes, mas não tinha conseguido. – Professor... eu soube que o senhor... viu a profecia...
- Então quer dizer que ele te contou...
- O Espelho da Verdade? Sim, ele me contou.
- Eu vi sim a profecia, Harry, e posso lhe dizer que depois daquele dia a minha barba cresceu muito mais... – ele sorriu. – Eu já era um velho quando fui para aquele lugar, mas quando voltei, envelheci bem mais. – o diretor pegou na sua barba comprida. – A minha barba não era tão grande assim, foi só quando eu saí de lá que ela ficou desse jeito, e eu gostei e deixei assim mesmo.
- E por causa disso, o senhor descobriu muito mais do que eu, por exemplo.
- Pode-se dizer que sim, Harry. Quando eu entrei naquele lugar descobri muitas coisas, mas não posso te contar nem um décimo delas. Sabe que não é permitido revelar o que se descobre lá, nem se eu tentasse, conseguiria...
Harry assentiu. Passaram-se alguns minutos sem que ninguém dissesse nada, até que Dumbledore falou, com um tom triste e cansado:
- Hoje, Harry, eu fui fazer algo muito difícil. E eu sei que você vai ficar chateado quando souber, porque provavelmente gostaria de ter ido, mas não seria bom para você. – Harry olhou para o diretor atentamente. – Hoje, a sua avó foi enterrada.
Ao ouvir isso, Harry abaixou os olhos e murmurou:
- O senhor tem razão. Eu gostaria de ter ido... Mas por quê...?
- Foi difícil para mim, Harry, e eu fico imaginando o quanto seria para você...
- Eu não sou mais uma criança, professor! Ela era a minha avó, eu queria estar presente! Por que o senhor não me avisou?
- Eu sinto muito, Harry. Eu conversei com Sirius, e ele também achou melhor você não ir. Foi uma cerimônia muito dolorosa... E não seria mesmo bom para você. Nós vimos o quão triste você estava e ver aquilo só pioraria as coisas. Além disso, aquilo que foi enterrado não era Arabella, ela mesma está em outro lugar, ela está bem agora. Ela não virou um fantasma, isso quer dizer que ela acabou o que tinha para fazer aqui.
- Como assim? Algumas pessoas viram fantasmas e outras não?
- Os fantasmas, Harry, são pessoas que morreram sem terminarem o que vieram fazer nesse mundo. Eles têm assuntos inacabados e, por isso, não conseguem se libertar de seus vínculos materiais e continuam aqui. Quem cumpriu sua missão vai embora e foi isso que aconteceu com Arabella.
- Mesmo assim, eu ainda gostaria de tê-la visto pela última vez...
- O importante, Harry, é que você sempre a lembre com carinho. O resto não importa.
- Quem foi... lá?
- Eu, Sirius, Minerva... Hagrid também estava lá, assim como a Madame Hooch, nossa professora de vôo. Eles eram amigos de Arabella do tempo que estudaram em Hogwarts.
- Eu sei, ela contou isso na carta.
Dumbledore concordou e continuou:
- Além deles, estavam alguns amigos da época que Arabella trabalhava na luta contra Voldemort. Eu tentei contatar a sua tia, filha de Arabella, mas não consegui.
- Do jeito que os Dursleys são, se eles ao menos viram uma coruja, saíram correndo, ou então a tia Petúnia deu uma vassourada no pobre animal...
- Pode ser... O caso é que eles ficaram sem saber, e ela é filha de Arabella...
- Eu conto para ela quando voltar para a casa deles... – Harry parou por um segundo e encarou o diretor. – Eu vou voltar para lá, não é? Quer dizer, era a minha avó que mantinha os feitiços protetores, não era?
- Sim. E você vai voltar para lá.
- Mas quem...?
- Eu já cuidei disso. Consegui outra maneira de proteger a casa de seus tios e talvez até melhor que a anterior, se bem que não terei mais ninguém que fique perto de você por lá... Mesmo assim, não haverá problemas.
- Ah... Isso quer dizer que... Agora é que eu não poderei mesmo ir embora de lá...
- Receio que sim, Harry. Eu sei que você não gosta muito de ir para lá, mas será melhor assim. Além disso, eles são sua família, Harry.
- Uma família um pouco torta.
- Mas são sua família e você vai entender isso.
Harry não disse nada. Dumbledore continuou.
- O que você precisa fazer agora, Harry, é seguir em frente. Você não pode parar sua vida por causa do que aconteceu. Eu tenho certeza de que não era isso que Arabella gostaria...
- Eu vou tentar.
- E vai conseguir, eu tenho certeza. – Dumbledore passou a mão no cabelo de Harry. – Vai conseguir.
Harry teve alta nesse mesmo dia, um pouco mais tarde. A escola estava em polvorosa por tudo o que tinha acontecido. Fofocas e especulações corriam pelo castelo. Todos desconfiavam de que alguma coisa tivesse acontecido, e o que mais se falava era sobre como teria sido a morte da Profª. Figg. Harry tentava ficar o mais longe possível dessas conversas.
Foi no dia seguinte que aconteceu o banquete de encerramento do ano. Harry soube, por meio de Fred e Jorge, que a formatura dos alunos do sétimo ano, que acontecia sempre um pouco antes do banquete de encerramento, fora adiada para uma semana depois. Devido aos acontecimentos, a correção dos exames atrasara, e os resultados seriam entregues via coruja nas férias (Hermione estava terrivelmente ansiosa para que esse dia chegasse). Por isso, era impossível realizar a formatura, sendo ela, assim, adiada.
Enquanto isso, o banquete de final de ano era esperado ansiosamente pela esmagadora maioria dos alunos, pois seria nesse dia que Dumbledore explicaria o que realmente tinha acontecido. Harry não estava nem um pouco interessado nisso, ouvir Dumbledore falar sobre o que tinha acontecido só ia lhe trazer lembranças dolorosas.
Mas o banquete ocorreu. E como tinha sido ano passado, ao invés das faixas da Casa campeã do torneio anual, que era a Grifinória devido aos pontos do quadribol, havia várias faixas pretas, simbolizando luto. Talvez por isso, os alunos estivessem bem menos barulhentos do que de costume. Depois de terminada a refeição, Dumbledore pediu a atenção de todos e se levantou. A cadeira ao lado dele, que geralmente era ocupada por Arabella Figg, estava vazia.
- Alunos, sei que todos devem estar ansiosos por explicações. Talvez não sejam todos... – Dumbledore olhou rapidamente para Harry, que já sabia o que estava por vir. – ...mas a maioria. A primeira coisa que preciso explicar é o porquê de eu ter voltado para Hogwarts. Aconteceram algumas coisas aqui que o conselho da escola compreendeu que talvez não acontecessem se eu estivesse presente. Por isso, mesmo que alguns membros do conselho estivessem contra... – Dumbledore passou o olhar pela mesa da Sonserina e Harry viu Draco Malfoy se mexer incomodado no assento. - ...a maioria deles optou por me restituir ao cargo. Além disso, há algo mais importante que deve ser explicado. E é sobre a morte de alguém muito querido para todos nós, alunos e professores. – Dumbledore indicou o lugar vago ao seu lado. Harry sentiu como se uma pedra de gelo estivesse no seu estômago. – Estou falando de Arabella Figg.
Alguns sussurros percorreram o salão, e Dumbledore pediu silêncio para continuar.
- A professora Figg partiu do convívio entre nós, mas não foi naturalmente. Ela foi assassinada por ninguém menos que Lord Voldemort.
Agora eram gritos que ecoavam no salão, de todas as mesas, menos a mesa da Sonserina. Dumbledore pediu silêncio novamente e todos atenderam aos poucos.
- Eu sei que é terrível, mas é a verdade, e a verdade tem que ser dita. Eu já tinha avisado antes que Voldemort tinha retornado e, infelizmente, eu sei que essa não foi a primeira, nem a última morte. Estamos enfrentando tempos negros. Poucos de vocês aqui eram nascidos da última vez que isso aconteceu e se eram nascidos, eram muito pequenos para lembrarem. Mas os bruxos e até mesmo os trouxas passaram por tempos negros até quatorze anos atrás, quando tudo acabou.
Todos os olhares, de todos os alunos, de todas as mesas e até mesmo dos professores, se voltaram para Harry, que abaixou os olhos e não olhou ninguém. Dumbledore notou e rapidamente puxou a atenção para si mesmo:
- Mas, infelizmente, não acabou definitivamente. Voldemort retornou e com força total, como tinha antes. Talvez até mais agora. Durante esse ano ele esteve planejando maneiras de conseguir mais poder e mais aliados. Ele voltou a atacar as pessoas, voltou a matar. Mas mesmo assim, não podemos desistir, não podemos deixar de acreditar! O mal foi vencido da outra vez e pode ser vencido novamente! Só depende de nós, todos e cada um de nós. O amanhã melhor depende essencialmente das nossas escolhas, dos caminhos que iremos seguir. Podemos seguir o caminho certo, podemos seguir o errado. E podemos nos omitir, que não é seguir caminho algum. Cada um de vocês é importante, cada um pode ajudar. Da sua própria maneira, mas não importa, porque toda e qualquer ajuda é importante e necessária! E isso é importante para vocês também, porque é a vida de vocês, é o mundo em que vivem! Alguns aqui estão indo embora e irão seguir suas próprias vidas agora. – ele olhou para cada aluno setimoanista. – E eu espero que façam a escolha certa, porque esse momento é decisivo. Mas não é só para os que estão indo embora, é para todos. Até mesmo para aqueles que começaram tudo agora e que têm a vida toda pela frente, que têm tudo para aprender. – ele olhou para os alunos do primeiro ano. – Tudo, porque sempre temos algo a aprender. Sempre. Não importa a idade, não importa o quanto já se tenha estudado ou vivido, sempre temos o que aprender. E sempre temos que escolher. Mas a verdade é que nunca sabemos quando será o momento da escolha mais importante de nossas vidas. Pode ser hoje, pode amanhã, pode já ter sido. E mesmo que tenha sido, sempre há uma maneira de se arrepender e tentar melhorar. E se não aconteceu, vocês podem se lembrar das palavras desse velho caquético que tem como único intuito ajudá-los, para que sejam felizes. Sigam o caminho certo, e não o fácil. E será a consciência de vocês que mostrará o caminho certo, o caminho a ser seguido. E o que vier pela frente, o que o destino nos reservar, enfrentaremos, e espero que seja do mesmo lado. O lado do bem.
Fez-se silêncio. Depois de alguns instantes, Dumbledore disse:
- Que o amor os acompanhe aonde forem.
- Eu me sinto tão estranha voltando para casa...
Hermione fez esse comentário quando ela, Rony, Gina e Harry estavam colocando suas coisas nas carruagens que os levariam até a estação de Hogsmeade.
- Eu estou indo embora de casa... – Harry disse.
- Mas você sempre pode ir para a nossa casa, Harry, para a Toca. – Rony convidou.
- Isso mesmo. Você vai, não é? – Gina fez uma expressão chorosa.
- Não sei... Eu agradeço, mas talvez esse ano eu não possa ir... Depende do que Dumbledore disser...
Gina fez uma expressão desanimada. Harry não disse, mas pelo que conversou com Dumbledore, parecia que esse ano ele não queria que Harry fosse para a Toca.
- Quer dizer que os quatro iam embora sem se despedirem? – alguém perguntou.
Eles se viraram e viram Hagrid tentando fazer uma expressão reprovadora.
- É claro que íamos nos despedir de você, Hagrid. – Rony disse.
- Ah, bom!
- Anh... Hagrid... – Hermione começou a falar e pegou Spi, o pequeno Splooty, que estava junto com Bichento no cesto. – Será que eu posso levar o Spi para casa, nas férias?
Hagrid sorriu.
- Claro, Hermione. Ele é seu, leve-o para onde quiser e só me prometa que vai cuidar bem dele.
A garota sorriu e acenou afirmativamente com a cabeça.
- Será que eu posso "roubar" o Harry um pouquinho? – Hagrid perguntou, dando uma piscadela para Gina. – É que eu preciso falar uma coisinha com ele...
- Ah... Vou pensar... – Gina falou fingindo estar em dúvida.
- Por favor, Gina... – Hagrid pediu em tom brincalhão.
- Tá bom. Mas que seja rápido!
- Sim, senhorita!
Harry, então, colocou a gaiola de Edwiges que estava carregando no chão e acompanhou o amigo até ficarem um pouco mais afastados. Hagrid parou, respirou fundo e fez uma expressão mais séria, quando falou:
- Anh... Harry... eu queria me desculpar por não ter ido falar antes com você sobre... bem sobre o que aconteceu com a sua... avó... Eu sinto muito pelo que aconteceu...
- Imagina, Hagrid...
- Mas eu quero pedir desculpas, eu devia ter ido falar com você, mas é que Dumbledore pediu que eu o ajudasse, bem... ajudasse com o...
- O enterro?
- É... Sabe, eu era colega de Arabella no tempo de Hogwarts... Até que eu... tive que sair, você sabe... Ela era uma boa pessoa, mesmo que... bem, não importa, já passou. Eu nem sabia que ela sua avó... Sempre que eu via Lílian, eu me lembrava de Arabella, mas nunca liguei as coisas... Foi Dumbledore que me contou alguns dias atrás... Ele me disse que ela te deixou uma carta. Como você está, Harry?
- Ah... bem...
- Fale a verdade, Harry.
- Eu... bem... eu fiquei bem mal quando soube de tudo e quando eu a vi... daquele jeito...
- Você a perdoou?
- Na verdade eu nem cheguei sentir algum tipo de rancor... O que dói, Hagrid, é que... eu nunca tive família... Eu tenho os Dursleys, mas eles não são minha família, eles não gostam de mim... nunca gostaram... Mas ela... ela era minha família, ela gostava de mim... Eu nunca pude chamar a minha mãe de "mãe", o meu pai de "pai", e eu poderia ter feito isso com ela, eu poderia tê-la chamado de "avó", mas eu não pude... E não posso mais...
Hagrid, então, apoiou as duas grandes mãos nos ombros de Harry e disse:
- Eu tenho certeza que ela só quis o melhor para você, Harry. Talvez ela tenha errado, talvez não, mas ela tentou acertar, isso é o que importa. E o que ela queria, o que todos queremos, é que você continue a viver como sempre fez. Que você não deixe de sorrir. Faça isso por ela, por seus pais, por aqueles que te amam, pelos seus amigos... faça isso por mim, afinal eu te considero um grande amigo, Harry.
Harry sorriu.
- Eu também te considero um grande amigo, Hagrid. Nos dois sentidos. – e piscou para o outro.
Hagrid abriu um grande sorriso e abraçou Harry com tanta força, que ele chegou a pensar que quebraria as costelas. Quando se afastou do abraço, Hagrid disse:
- Eu sei, Harry, eu sei.
Os dois, então, voltaram para onde estavam Rony, Hermione e Gina. Hagrid disse:
- Bem, então, boas férias para vocês! Aproveitem que estão longe dos chatos dos sonserinos!
- Eu que o diga... – Rony disse, mostrando a língua. – Eca, como são chatos!
- E você, Harry... – Hagrid cutucou-o. – Mande notícias, Edwiges sabe o caminho para o castelo. E se aqueles Dursleys implicarem, você só precisa lembrá-los que eu posso... te visitar... Aposto que aquele seu primo gordinho iria se borrar de medo!
- Pode deixar, Hagrid.
Os quatro entraram na carruagem e acenaram para Hagrid enquanto iam embora. Harry olhou pela janela e viu o castelo se distanciar. Sentia-se bem melhor. É claro que sentiria muita falta de sua avó, assim como sentia dos pais, mas iria seguir em frente como sempre fez. Olhou para o seu lado e viu Gina sorrir e apertar sua mão. Sorriu também. Sim, tinha muitas pessoas importantes ao seu lado...
- E pensar que essa foi a última vez que andei nesse trem... – Fred comentou, fingindo um tom choroso.
- Ah! Acabou, não voltaremos mais para aquele castelo, irmãozinho! – Jorge disse, fingindo chorar no ombro do irmão gêmeo.
- Eu não acredito que vocês dois estão brincando até nesse momento! – Gina repreendeu.
Harry, Rony, Hermione, Gina e os gêmeos estavam descarregando seus pertences do Expresso de Hogwarts. Quando saíram do trem, os gêmeos começaram a fazer esse teatro, mas no fundo estavam chateados de deixarem Hogwarts de vez.
- Ah, irmãzinha, a gente tem que levar as coisas na brincadeira para não se chatear... – Fred disse.
- E vamos aproveitar e nos despedir do pessoal. Olha lá as meninas e o Lino! – Jorge disse, apontando para Angelina, Alícia, Katie e Lino Jordan.
- Esses dois são malucos! – Hermione comentou e depois perguntou: - O que eles vão fazer agora que saíram de Hogwarts?
- Acho que vão tentar vender aquelas tais "Gemialidades Weasley", estão até cogitando abrir uma loja... – Rony respondeu. – É claro que a minha mãe não sabe disso...
- Olha só quem está aqui... – ouviram uma voz arrastada atrás deles. Era Draco Malfoy.
- Tava bom demais pra ser verdade... – Rony disse.
- O que você quer, Malfoy? Perdeu alguma coisa? – Harry perguntou.
- Eu não, Potter, mas você sim. Eu soube que você perdeu sua "vovó"...
Harry sentiu o sangue subir. Como Malfoy, logo Malfoy, sabia disso, se ele mesmo não sabia até pouco tempo atrás?
- O quê? Como você sabe disso? – Harry perguntou.
- Eu tenho meus informantes, Potter. E eles são muito bons! Mas eu fiquei decepcionado, ela não precisava morrer, quem devia ter morrido era você!
- Escuta aqui, seu... – Gina estava vermelha de raiva, mas alguém a interrompeu.
- O que está fazendo aqui, Draco?
Todos, até Draco Malfoy, se viraram para olhar quem era e foi com surpresa que constataram que Lúcio Malfoy estava parado atrás deles. Malfoy foi parar ao lado do pai bem rápido, como um cachorrinho treinado, e não falou mais nada. Lúcio Malfoy nem deu pela presença de Rony, Hermione e Gina e disse, olhando somente para Harry, com raiva:
- Como vai, Sr. Potter?
- Bem. E o senhor, Sr. Malfoy? – Harry respondeu somente por educação.
- Muito melhor do que imagina... Meus pêsames pela morte de sua avó. – ele disse isso sem emoção e cinicamente.
- Obrigado.
- Eu e Draco precisamos ir, não é, Draco? – ele segurou as vestes do filho, que estava envergonhado da situação. – Passar bem, Sr. Potter.
- O senhor também, Sr. Malfoy.
E os dois, pai e filho, se afastaram.
- Como eles sabiam disso? – Hermione perguntou.
- Eu não faço a mínima idéia... – foi a resposta de Harry.
- Ei! Crianças, aqui! – alguém chamou do outro lado. Era a Sra. Weasley.
- Será que a minha mãe nunca vai deixar de nos chamar de "crianças"? E pior, na frente de todo mundo! – Rony reclamou.
Os quatro foram até onde estava a matrona dos Weasleys, e ela beijou cada um deles quando chegaram.
- Onde estão Fred e Jorge? – ela perguntou.
- Foram falar com os amigos. – Gina indicou o lugar onde estavam os gêmeos.
- Ah, depois eu vou chamá-los. – ela olhou para Harry e Gina. – E vocês dois, hein? Parabéns por estarem juntos! Será muito bem-vindo à família, Harry, mesmo que você já seja! – a Sra. Weasley sorriu. – Eu soube por Gina, que me mandou uma carta, se bem que o Rony também tenha mandado uma, esse irmão ciumento...
- Eu não sou ciumento!
- Tá bem, a gente acredita... – Hermione zombou.
- Bem, eu vou buscar aqueles dois! – a Sra. Weasley disse, se referindo aos gêmeos. – Vão atravessando a passagem!
Ela foi chamar os gêmeos enquanto Harry, junto com Gina, Rony e Hermione, ultrapassavam a barreira para o mundo dos trouxas, deixando o mundo dos bruxos para trás. Harry, sentindo que não deixava apenas o mundo dos bruxos e sim, a melhor parte de sua vida, pois sua vida pertencia ao mundo da magia.
FIM
Continua em "Harry Potter e a Terra das Sombras"
