Título da Fic: A Sabedoria De Um Tolo
Autora: Flora Fairfield
E-mail: florafairfield@yahoo.com
Categoria: Romance/Drama
Classificação: PG-13
Sinopse: Continuação de 'Amor da Vida Nossa': A Guerra toma conta do mundo mágico e Draco Malfoy acaba se encontrando onde nunca se imaginou: no meio da tempestade. Ele quer fazer a coisa certa, e está tentando fazer a coisa certa, mas... será que ele está preparado para isso? D/G Pós-Hogwarts
Disclaimer: Eles não são meus. São da Rowling. E eu não vou ganhar dinheiro nenhum com essa história.
N/A: Bom, eu sei que já faz quase um mês, mas realmente o que deveria ser o último capítulo da história acabou se revelando bem maior do que eu esperava e, por isso, eu acabei tendo que dividi-lo em dois capítulos. Como eu não queria torturar mais ninguém, eu primeiro terminei os dois para depois colocá-los no ar ao mesmo tempo. Além deles, eu resolvi publicar também de uma vez o epílogo da fic, que já está pronto há algum tempo, então vocês têm agora a história completa. Os meus comentários adicionais estarão no capítulo 10 e no final do epílogo.
Boa leitura!
* * *
Capítulo 9: A Hora Final"We few, we happy few, we band of brothers:
(Nós poucos, nós poucos felizardos, nós, bando de irmãos)
For he to day that sheds his blood with me,
(Porque aquele que hoje derrama seu sangue comigo)
Shall be my brother: be he ne're so vile,
(Será meu irmão: Seja ele vil)
This day shall gentle his Condition.
(Esse dia o enobrecerá)
And Gentlemen in England, now a bed,
(E cavalheiros na Inglaterra, agora na cama)
Shall thinke themselues accurst they were not here;
(Considerar-se-ão amaldiçoados por não estarem aqui)
And hold their Manhoods cheape, whiles any speakes,
(E menosprezarão sua própria honra enquanto qualquer um falar)
That fought with vs vpon Saint Crispines day."
(Que lutou conosco no dia de São Crispim)
(William Shakespeare, "Henrique V", Ato IV, Cena III)
14 de maio
Draco tocou a campainha insistentemente. Havia amanhecido há pouco tempo. Ele esperara até o sol nascer, mas agora não podia esperar mais. Ainda não tinha idéia de como iria chegar à Hogwarts, mas sabia que precisava encontrar um jeito. Se ele tivesse sorte, poderia achar nas suas coisas um pouco do pó-de-flu especial que usara na Espanha. Se não achasse, teria que quebrar a cabeça para bolar um plano. Talvez conseguisse chegar à Londres. O Nôitibus não estava mais operacional desde que a Guerra começara, então ele provavelmente teria que usar meios trouxas. E não tinha nenhum dinheiro trouxa.
Ainda estava ponderando sua situação quando a enfermeira McNeal entrou no quarto solícita:
- Há algum problema, senhor Malfoy? - Gina com certeza tinha dito para eles qual era o seu nome verdadeiro.
- Sim. Onde estão minhas coisas?
- Suas coisas?
- Sim. Minhas roupas, meus pertences, enfim, o que eu estava usando quando cheguei aqui - repetiu impaciente.
- Bom, as roupas que o senhor usava quando chegou ao ambulatório local precisaram ser cortadas...
- Cortadas?! - Draco ficou horrorizado com a idéia.
- Sim, para que o senhor pudesse ser atendido mais rápido. O conteúdo dos seus bolsos, contudo, foi mandado para cá. A moça que veio te visitar ontem também trouxe algumas outras coisas. Está tudo no armário - falou apontando para uma porta na parede em frente à cama - Mas por que o senhor está perguntando isso?
- Porque eu quero ir embora e eu não posso ir embora sem roupas, posso?
- Ir embora? O senhor não pode ir embora! O Dr. Edwards ainda está esperando a avaliação psicológica e...
- Eu não preciso de psicólogo nenhum. Só preciso ir embora!
- Mas o senhor não pode...
- Eu sou prisioneiro aqui por acaso? - perguntou mau-humorado.
- Não, claro que não. É só que...
- Então não me interessa. Eu estou indo embora - Draco interrompeu, enquanto arrancava a agulha do soro do seu braço e se levantava.
- Eu vou chamar o médico - falou a enfermeira, saindo rápido, preocupada.
- Como se isso fosse fazer alguma diferença - ele murmurou consigo mesmo, se dirigindo para o armário. Estava com o braço dobrado, aplicando pressão para parar o sangue. Abriu a porta e encontrou duas sacolas. A maior era com certeza a que Gina trouxera e continha uma muda de roupa trouxa. Nada de vestes. A outra era bem menor e continha alguns galeões, um lenço, três frascos com poções que eram para ter sido usadas na batalha e a fênix de ouro, insígnia da Ordem. Nada de pó-de-flu e nada de varinha.
Rapidamente, Draco juntou tudo e entrou no banheiro. Lavou o sangue que tinha escorrido do seu braço e amarrou o lenço em cima firmemente. Depois, lavou o rosto e se vestiu. Gina trouxera apenas uma calça preta, um suéter cinza e um casaco. Por último, penteou o cabelo com um pente que encontrou no banheiro mesmo e colocou as poções e os galeões nos bolsos da calça. Segurou a fênix entre os dedos por alguns instantes, fitando-a. Era hora de parar de fugir. Ele achara antes que já tinha esquecido sua vontade de simplesmente ir embora, mas quando a possibilidade de levá-la junto se apresentara, a tentação fora grande demais. Ele queria derrotar Voldemort, mas também queria sobreviver à Guerra. No fundo, sabia que Gina tinha razão. Da mesma maneira que ela não poderia abandonar sua família, ele não poderia abandoná-la. No fim, independente de todo o resto, nós simplesmente não podemos escapar dos nossos destinos.
Guardando, então, a insígnia em um dos bolsos do casaco, Draco saiu do banheiro apenas para encontrar James sentando em sua cama, olhando-o.
- O que houve? - Malfoy perguntou.
- Eu falei para o Dr. Edwards que você já tinha ido embora. Eles devem estar procurando lá fora, então seja cuidadoso.
- Você...
- Ei, não se preocupe - o outro falou com um sorriso - Eu estou apenas tentando me livrar de um companheiro de quarto realmente mau-humorado.
- Obrigado - Draco agradeceu sinceramente e, sem perder nenhum segundo, saiu do quarto.
O corredor estava relativamente vazio. Apenas um paciente sendo empurrado em uma cadeira de rodas, mas ninguém conhecido. A pior parte seria se orientar naquele prédio, sem conhecer nada nem sobre o local, nem sobre os trouxas. Pelo que vira através da janela, Malfoy sabia que devia estar no alto, provavelmente seis ou sete andares, mas não tinha nenhuma idéia de onde ficavam as escadas. Continuou pelo corredor mais alguns passos quando ouviu uma voz conhecida. Era a voz da enfermeira McNeal. E ela estava se aproximando. Sem hesitar, Draco abriu a primeira porta que viu no corredor e entrou.
Virando-se, deu de cara com dois pares de olhos arregalados e indagadores que o fitavam silenciosamente. Um pertencia a um velho que estava deitado na cama e o outro, a uma mulher mais nova, que parecia filha dele. Colocando no rosto sua melhor expressão inocente e seu sorriso mais charmoso, ele disse:
- Ah, me desculpem! Eu acho que entrei no quarto errado.
- Eu acho que sim - concordou o velho, ligeiramente mau-humorado.
- Eu estou um pouco perdido aqui - Draco continuou sorrindo, um idéia se formando - Esse prédio parece um labirinto! Será que vocês saberiam, por favor, me informar onde ficam as escadas? - acrescentou, ainda sorrindo na direção da mulher.
- Seguindo o corredor para a direita, é logo depois da recepção. Uma porta à esquerda - ela informou rapidamente.
- Recepção?
- É. Você sabe, onde ficam as enfermeiras.
- Ah, sim, claro. Muito obrigada - respondeu Draco, sorrindo - Com licença - e saiu, prestando atenção aos dois lados do corredor. A enfermeira McNeal tinha passado para a esquerda, então seria relativamente seguro chegar perto da recepção. Ou pelo menos, ele assim esperava.
Com um suspiro, Draco invocou seu ar usual de superioridade e sua expressão de 'não quero ser perturbado' e continuou andando como se fosse o dono do hospital até passar a recepção. Para a sua sorte, ninguém o parou, ninguém o questionou. Provavelmente, assumiram que ele era um visitante comum. Era bom saber que ele ainda conseguia representar tão bem quanto antes.
Mais alguns passos e Malfoy notou à sua esquerda uma porta com uma placa que tinha desenho de escadas. Sem hesitar, abriu-a e entrou. Uma inscrição na parede indicava que ele realmente estava no sétimo andar. Calmamente, então, para não levantar suspeitas, começou a descer os degraus.
Para a sua surpresa, não cruzou com ninguém descendo nem subindo. Aquele devia ser um hospital bem pouco movimentado para não estar cheio de pessoas entrando e saindo, mas ele não reclamou disso. Pelo contrário. Ficou contente por não ser perturbado. No térreo, olhou para os dois lados antes de sair, mas não viu no saguão de entrada nenhum conhecido. Apenas viu várias pessoas misturadas, pedindo informações em um balcão ou então esperando em filas para entrar no que parecia ser uma sala retangular pequena que ele não tinha absolutamente nenhuma idéia de por que existiam. Esses trouxas gostam mesmo de inventar coisas estranhas!
Com cuidado, então, Draco saiu e começou a caminhar em direção à porta, ainda prestando atenção a tudo ao seu redor. Quando estava praticamente na saída, entretanto, olhou na direção de uma das filas e viu de relance uma sombra de vermelho. Parou imediatamente, mal acreditando nos seus olhos. Ela estava ali! Ela tinha voltado por ele! Nos segundos que Malfoy levou para processar essa informação, a fila começou a andar. Sem perder mais tempo, então, ele se aproximou dela e a segurou pelo braço, chamando:
- Gina! - em resposta, ela se virou surpresa, com os olhos arregalados - Venha comigo - Draco acrescentou, puxando-a levemente - Vamos sair daqui.
- O médico já te liberou? - ela perguntou quando pareceu ganhar o controle sobre sua voz.
- Não exatamente - ele respondeu, sem parar de andar.
- Draco!... - Gina começou, tentando puxar seu braço de volta.
- Vamos sair daqui primeiro, okay? - Malfoy a interrompeu e, tomando o silêncio dela por um consentimento, continuou puxando-a para fora do hospital. Uma vez na calçada, os dois continuaram andando, lado a lado. Alguns passos depois, Virgínia finalmente abriu a boca:
- Draco, o que está acontecendo? Você já está fugindo?
- Mais ou menos - ele respondeu. Realmente estava fugindo do hospital e dos médicos, mas não estava fugindo da Guerra.
- Draco! Eu não vou deixar você fazer isso! - ela exclamou, parando e fazendo-o encará-la.
- Fazer o quê?
- Fugir! Eu sei o que eu falei! Sei que disse que nunca mais ia te procurar, mas eu não posso deixar você fazer isso! - Virgínia exclamou, gesticulando, com as bochechas coradas e os olhos brilhando.
- Mas, Gina... - Malfoy ainda tentou falar, mas foi interrompido:
- Não! Pode parar! Eu não quero ouvir! Eu vim aqui hoje pra te levar de volta nem que eu tenha que te arrastar pelas orelhas e é isso que eu vou fazer! Eu não vou deixar você me abandonar, Draco Malfoy! Não vou mesmo! Se você quiser ficar em Hogwarts e não quiser se arriscar na missão, tudo bem, mas eu não vou deixar você jogar tudo fora! Você vai voltar comigo agora, entendeu? - ela falou rápido, irritada, sem dar tempo ao outro de responder. Malfoy apenas a observou com um olhar divertido. No fim, não conseguiu mais se controlar. Quando Gina terminou seu pequeno discurso, ele apenas se inclinou sorrindo e a beijou, passando os braços ao redor da sua cintura. Ela pareceu surpresa a princípio, mas logo se acostumou, levantando-se nas pontas dos pés e abraçando-o também enquanto correspondia ao beijo com a mesma intensidade.
- Ainda bem - ele murmurou depois que os dois se separaram, mas ainda segurando-a firmemente pela cintura - porque eu já estava achando que ia ter que andar a pé até Londres para conseguir chegar ao Beco Diagonal e de lá, à Hogwarts - completou num tom leve, divertido.
- Mas, Draco... então... quer dizer, você... mas você disse que...
- Weasley, essa sua eloqüência é mesmo impressionante - ele comentou, com ironia.
- Muito engraçado, Malfoy. Eu estou morrendo de rir - Gina respondeu com cara de quem não tinha achado graça nenhuma - Mas você sabe exatamente o que eu estava querendo dizer...
- Eu mudei de idéia. Posso?
- Pode não. Deve - ela falou, encarando-o - Você estava indo mesmo para Hogwarts?
- Estava - ele respondeu sinceramente - Estava indo atrás de você, pequena.
- Bom - Virgínia sorriu, levantando-se de novo nas pontas dos pés e apoiando sua cabeça no ombro dele - Muito bom - repetiu. Os dois ficaram assim, abraçados, sem se importar com as outras pessoas que passavam na rua durante algum tempo. Draco estava tão inebriado por ela que não perceberia se o céu desabasse sobre sua cabeça. Um dia, ainda descobriria como aquela garota conseguia ter tanto poder sobre ele! Era algo tão absurdo, tão errado e ao mesmo tempo tão certo que chegava a ser desconcertante.
- Eu sou um estúpido, não sou? - ele perguntou, lembrando-se de que no dia anterior cogitara a possibilidade de nunca mais vê-la. Como ele poderia em sã consciência abrir mão dela?
- É - Gina respondeu simplesmente.
- Você deveria ter descordado de mim, sabia? - Draco retrucou.
- Por quê? O que você falou é verdade - ela respondeu, levantando a cabeça e encarando-o - Você é estúpido e arrogante e orgulhoso e metido e irritante e mau-humorado e...
- Calma, Weasley, você fica aí listando as minhas qualidades e daqui a pouco todas as garotas que estão passando na rua vão querer me agarrar...
- Eu não disse? - ela soltou uma gargalhada seca - Você faz questão de ser arrogante até quando está sendo insultado! - continuou com um tom brincalhão.
- Se eu sou assim tão ruim, então o que você está fazendo aqui?
- Digamos que você tem potencial - ela respondeu com um sorriso maroto - Agora vamos, nós precisamos ir embora.
- Ir como? - ele perguntou, recusando-se a soltá-la. Tê-la em seus braços era por demais agradável.
- Eu tenho uma chave de portal, mas nós não temos muito tempo se vamos usá-la. Precisamos encontrar um beco ou algo do gênero. Um local pouco movimentado.
- Está bem - Draco respondeu e deu-lhe um leve beijo nos lábios antes de soltá-la - Vamos procurar um lugar deserto - ele falou, arcando as sobrancelhas de um jeito sugestivo, dando um segundo sentido a sua frase. Um sentido que Gina entendeu plenamente.
- Realmente, Malfoy, você é um caso perdido! - ela exclamou, ruborizando, enquanto os dois caminhavam, de mãos dadas, em direção ao destino que lhes aguardava e que eles enfrentariam juntos.
Alguns passos a mais e eles avistaram do outro lado da rua um vão - não chegava a ser um beco - entre dois prédios altos. Atravessaram e, tentando disfarçar suas intenções, entraram no espaço vazio, que estava escuro e com um cheiro desagradável proveniente de algumas latas de lixo. Rapidamente, Gina tirou do bolso do casaco uma pequena caixa, que se assemelhava a uma caixinha de jóias. Abrindo-a, ela retirou dali de dentro o que parecia ser um pequeno broche de prata no formato de uma fênix, como a de ouro que era usada como insígnia da Ordem, só que menor. Quando Gina colocou a fênix na palma de sua mão, os olhos do broche - que pareciam dois pequenos diamantes - brilharam de um azul intenso.
- O que diabos... - Draco começou surpreso. Ele nunca havia visto algo assim antes.
- Eu explico depois. Agora encoste na fênix também porque nós não temos muito tempo - ela interrompeu puxando a mão dele. Poucos segundos depois, Draco sentiu o mundo ao seu redor começar a girar e, quando olhou em volta de novo, se encontrava aos pés da escadaria principal de Hogwarts. Como um bruxo puro-sangue, ele estava mais do que acostumado a viagens desse tipo.
- Que raio de chave de portal é essa??? - ele perguntou ainda surpreso.
- Eu também não sabia que existia algo assim. São bem raras. Chaves de portal programáveis que a Ordem usou na guerra contra Grindelwald, mas sobraram poucas delas.
- E por que não fizeram mais?
- Eu fiz a mesma pergunta. Lupin disse que a pedra usada nos olhos da fênix é muito rara e não é encontrada no Reino Unido.
- Lupin?
- Quem você acha que me deu, ou melhor, emprestou, essa chave do portal? Quem você acha que me convenceu a voltar hoje depois que eu contei o quão estúpido você tinha sido ontem?
- Você contou para ele??!!
- Mais ou menos. Na realidade, ele veio perguntar e eu não consegui mentir. Também não era algo que eu pudesse confiar a qualquer um, não é mesmo? - ela disse como se estivesse explicando as coisas para uma criança. Draco não estava nem um pouco confortável com a sua vida particular se tornando tema de conversa entre as pessoas, fossem elas quem fossem. Ele pretendia reclamar, mas antes que conseguisse, Gina fez algo que matou todas as palavras que planejavam sair da sua boca: ela se levantou na ponta dos pés e lhe deu um beijo leve nos lábios.
- Então vai ser assim? - perguntou Draco distraído com a proximidade dela.
- Assim como? - Gina devolveu a pergunta sem se afastar.
- Sempre que eu ficar com raiva, você vai desviar minha atenção com um beijo?
- Não custa nada tentar. Por quê? Você está reclamando? - ela sussurrou se esticando para beijá-lo de novo.
- De maneira alguma - ele disse, abraçando-a. Os seus lábios já estavam praticamente se tocando quando eles ouviram passos se aproximando. Tiveram apenas tempo para se separarem antes que Snape os avistasse.
- Sr. Malfoy - ele falou no seu tom usual. Apenas alguém que o conhecesse muito bem seria capaz de perceber a nota de alívio pelo outro estar vivo e são que havia em sua voz - É bom tê-lo de volta - completou, observando a cena ao seu redor. Qualquer pessoa seria capaz de perceber o que estava no ar.
- É bom estar de volta - Draco respondeu, dando um leve sorriso. Sentia-se bem por ver Snape novamente, também são e salvo.
- Bom, eu tenho que encontrar o Lupin... - Gina começou, procurando uma desculpa para se afastar. Provavelmente, os dois tinham coisas para falar que não diriam na presença dela.
- Deixe que eu entrego a ele - Draco a interrompeu impulsivamente. De certa forma, também queria ver o outro. Precisava agradecê-lo.
- Está bem - a garota respondeu, lançando-lhe um olhar interrogativo antes de entregar-lhe a pequena caixinha - Com licença - completou, começando a subir as escadas para a enfermaria.
- Sabe onde eu posso encontrá-lo, Severo? - Malfoy perguntou assim que ela saiu do alcance auditivo.
- Provavelmente nos aposentos dele - o outro respondeu deixando transparecer na voz sua clara desaprovação.
- Ora, ele não é assim tão ruim - Draco replicou.
- Talvez não. Para um lobisomem da Grifinória. Mas eu estou esquecendo, claro, que você tem se dado muito bem com os grifinórios ultimamente...
- Não com todos eles, Severo. Apenas com uma em particular - ele respondeu, começando também a subir as escadas para ir falar com Lupin. Snape o acompanhou.
- Sim, mas uma Weasley, Draco? - o outro perguntou, fazendo uma cara que deixava clara a sua desaprovação e a sua perplexidade diante daquilo.
- Não me pergunte, Severo, porque nem eu sei explicar - Malfoy respondeu sinceramente - Mas não se preocupe. Nossos filhos vão estar na Sonserina.
- Eu não teria tanta certeza. Aquele terrível cabelo vermelho tende a ser dominante.
- O cabelo vermelho não é terrível! - Draco respondeu indignado.
- Ah, não?
- Pelo menos não nela. Nos irmãos dela, continua sendo tão detestável quanto sempre.
- Por falar nos irmãos dela, você já parou para considerar o que eles vão fazer com você quando descobrirem?
- Não é o meu pensamento favorito no momento. Já basta saber que Voldemort ainda pode me matar. É melhor não pensar nos Weasleys também.
- Draco, você tem certeza do que está fazendo? - Snape perguntou abruptamente.
- Não. Eu não tenho certeza de nada - Malfoy respondeu encarando-o - exceto talvez de que a idéia de viver sem ela é pior do que a de não viver - e após uma pausa - Você desaprova tanto assim?
- Não é questão de desaprovar - Snape respondeu, sem mudar a expressão - É só que, bem, ela é uma Weasley, pelo amor de Deus! - Draco não conseguiu evitar uma risada. Aquela frase poderia ter saído dos seus próprios lábios há pouco tempo atrás.
- Eu sei, Severo, eu sei - ele falou, ainda rindo, e continuou andando na direção dos aposentos de Lupin, deixando um confuso Snape para trás.
Quando chegou diante da porta que procurava, hesitou por um instante, sem saber exatamente o que o levara ali, mas logo desistiu de tentar entender e apenas bateu na porta. Logo, um Lupin cansado e abatido a abriu e, assim que viu Draco parado no batente, deu um grande sorriso.
- Draco! No meio de tantas notícias ruins, ao menos uma boa! - exclamou, apoiando sua mão no ombro do outro afetuosamente - É bom tê-lo de volta, filho.
- Obrigado - ele respondeu sinceramente.
- Todos nós achamos que você havia sido capturado.
- Eu quase fui. Um trouxa me salvou.
- Um trouxa? - Lupin perguntou arcando as sobrancelhas.
- É. Fazer o quê? Mas isso não importa agora.
- Tem razão. Entre um pouco. Sente-se. Nós ainda temos algum tempo antes da reunião.
- Um Conselho da Ordem? - Draco perguntou, entrando no quarto.
- Não exatamente. Ninguém sabe direito o que fazer já que... bom... - o outro continuou, subitamente com uma expressão abalada - O que Gina te disse?
- Não muito. Apenas que Dumbledore está morto.
- Sim. Voldemort o matou. Agora, tudo o que nós sabemos é que Harry tem que destruí-lo, mas nós não estamos fazendo muito mais do que discutir.
- Isso não é muito produtivo, é?
- Não, mas o golpe que nós sofremos foi muito forte. Nós perdemos mais do que um líder. E agora não temos ninguém que nos una.
- Corrija-me se eu estiver enganado, mas teoricamente essa não deveria ser a tarefa do precioso Potter?
- Teoricamente - Lupin respondeu ignorando o tom desdenhoso do comentário do outro - Mas, no momento, ele não está sendo de grande ajuda.
- Perfeito! Exatamente quando nós mais precisamos dele...
- Eu não seria tão rápido em julgá-lo, Draco. Imagine se fosse a Gina...
- Se fosse a Gina, eu já teria destruído Voldemort com as minhas próprias mãos. Ou morrido tentando! Não estaria em nenhum tipo de estupor. Mas, é claro, ele é o Menino-Que-Sobreviveu, então ele pode tudo...
- Draco... - Lupin começou em tom de reprovação.
- O quê? Por acaso eu estou falando alguma mentira?
- Você está falando apenas o seu lado da história e uma história normalmente tem muitos lados. As coisas não são assim tão simples.
- Seriam se ele não fosse o tão perfeito Potter!
- Dá pra parar? Sinceramente, Draco, eu pensei que o seu humor fosse melhorar um pouco agora que...
- Que eu estou com ela? Acredite, não há nada de errado com meu humor. Você só não pode esperar que eu passe a gostar do Potter por causa disso! Eu nunca vou gostar dele!
- Nunca é muito tempo.
- Nunca - Malfoy respondeu firmemente, sem nem piscar.
- Está bem. Conhecendo você, acho bem provável mesmo.
- Será que dá pra nós não falarmos dele mais do que o necessário? - Draco perguntou, irritado.
- Como quiser. Você veio aqui por algum motivo em particular?
- Na realidade, sim - o outro respondeu, tirando do bolso a caixinha com a chave do portal - Eu vim devolver isso.
- Ah! Imagino que tenha sido de grande ajuda - Lupin disse, pegando o objeto.
- Foi - o outro respondeu sério - Eu queria agradecer.
- Por isso? Não precisa. Eu também queria você de volta aqui. Nós precisamos do maior número de aliados que pudermos conseguir. Muitos outros além de Dumbledore morreram na batalha.
- Não é só isso que eu queria agradecer. É que... bem... - Draco começou desconfortável. Realmente não estava acostumado com essas coisas - Gina disse que você a convenceu a voltar para me buscar quando ela já tinha dito que não iria.
- Não precisa agradecer por isso também. Imaginei que você provavelmente se arrependeu de tê-la mandado embora no momento em que Gina saiu pela porta. Não é assim que você funciona? - Lupin perguntou com um ar divertido.
- Mais ou menos - Draco respondeu carrancudo.
- Não se preocupe. Agora, eu tenho que te dizer: aquela menina vai te dar trabalho, garoto...
- Como assim? - ele perguntou de má vontade e irritado por ter sido chamado de 'garoto'.
- Ela é teimosa como uma porta. Não foi nem um pouquinho fácil convencê-la. Eu tenho que te dizer isso, Malfoy. Você realmente está bem arranjado - completou com um sorriso.
- E eu não sei? Só espero que essa teimosia dela sirva de alguma coisa quando seus irmãos descobrirem sobre nós.
- Eles já sabem.
- O quê? E eu ainda estou vivo?
- Eles não te encontraram, encontraram?
- Meu Deus - Draco falou, preocupado. Ele sabia que Ronald Weasley sabia e tinha o outro que lhe dera o soco no corredor, mas não tinha idéia de que todos já haviam descoberto - Eu estou frito.
- Também não é para tanto. Agora, vamos. Nós temos que ir para a reunião.
- Sem chance. Eu vou ficar escondido aqui.
- Draco, você não pode.
- Tem razão. Eu estou desarmado. Preciso pegar minha varinha primeiro…
- Draco!
- 'Tá bom, 'tá bom. Eu vou para o raio da reunião, mas realmente preciso pegar minha varinha antes. Não vou ficar andando por aí desarmado.
- E onde está sua varinha? Não estava com você na batalha?
- Aquela eu perdi, mas eu tenho outra - e notando o olhar interrogativo de Lupin - É uma longa história. Onde vai ser a reunião?
- Na sala dos professores.
- Tudo bem. Eu te encontro lá - Draco disse, estendendo a mão para o outro apertar.
- Até logo - Remo respondeu.
O castelo estava aparentemente vazio. Draco saiu dos aposentos de Lupin e seguiu, virando dois ou três corredores, até chegar ao seu quarto sem encontrar ninguém. Parou um segundo diante da gárgula na entrada da sala de Dumbledore. Era estranho pensar que o diretor não estava mais ali. De certa forma, Malfoy esperava que Dumbledore fosse estar sempre por perto. Ele parecia tão velho quanto se podia imaginar e, ao mesmo tempo, não aparentava velhice. Lupin tinha razão ao dizer que eles perderam mais que um simples líder. Por mais reservas que Draco pudesse ter quanto a Dumbledore, ele não podia deixar de admitir que a idéia de que ele não estava mais ali, olhando por todos, era assustadora.
Com um suspiro resignado, ele continuou até seus aposentos. A porta estava destrancada e suas coisas estavam todas lá, exatamente onde ele as deixara. Ajoelhando-se no chão, Draco puxou uma caixa preta que estava embaixo da cama. A caixa não era muito grande nem muito pesada. Era apenas grande o suficiente para conter duas varinhas. Ali era onde ele as guardava: as duas varinhas que recolhera do chão das masmorras no dia, mais de três anos atrás, em que recebera a visita do seu eu do futuro, na Mansão. Uma das varinhas era a sua própria e serviria como substituta perfeita para a que ele perdera. A outra pertencera ao seu pai. Segurando-a entre os dedos, Draco contemplou a ironia da situação. Lúcio fora um fiel servo de Lorde Voldemort e, agora, sua varinha poderia muito bem ser usada contra seu antigo mestre. Draco não havia pensado nisso antes. Era uma idéia tão óbvia! Com um sorriso irônico, então, colocou a varinha sobre a cama, junto com a sua. Abriu, depois, o armário, ainda satisfeito consigo mesmo por ser capaz de fazer algo que com certeza deixaria Lúcio para morrer, se ele já não estivesse morto, e pegou as vestes do seu uniforme da Ordem. Vestiu-as com cuidado e prendeu a fênix de ouro na roupa. Se ia aparecer na reunião, ao menos apareceria decentemente vestido. Por último, guardou as varinhas nos bolsos das vestes e saiu de novo do quarto, dessa vez em busca da sala dos professores.
- Nós temos que fazer alguma coisa logo! - Draco ouviu a voz de Snape através da porta. A reunião já havia começado. Xingando-se mentalmente por atrasar-se, Malfoy abriu a porta tentando não fazer muito barulho. Foi inútil, claro, e, assim que ele pôs os pés na sala, todos os pares de olhos se viraram na sua direção. Escondendo seu desconforto e colocando sua melhor expressão de superioridade no rosto, Draco ignorou os outros e se dirigiu para o canto, no final da sala, onde Gina estava sentada. Sem dizer uma palavra, ele se colocou ao lado dela, cruzou os braços e esperou que alguém falasse alguma coisa.
- Bom, como eu estava dizendo - continuou Snape como se nada tivesse acontecido - nós precisamos fazer algo logo - Draco nunca o agradeceu tanto em toda sua vida por desviar a atenção dos irascíveis irmãos de Virgínia - Enquanto nós perdemos tempo aqui, discutindo, Você-Sabe-Quem está se fortalecendo. Nós precisamos agir antes que ele se recupere completamente do feitiço que Dumbledore lançou.
- Você não está falando nada que nós já não saibamos, Severo - Black interrompeu secamente.
- Então por que você ainda está parado aí? - retrucou o outro. Draco podia notar que a situação era potencialmente explosiva. Em qualquer outra situação, ele teria adorado ver Snape acabar com Black, mas ali não era hora ou local.
- Nós ao menos sabemos onde Voldemort está escondido? - interrompeu, então, chamando atenção para si.
- Diga-me você - Weasley finalmente falou, desvencilhando-se de Granger - Afinal de contas, o que nos garante que você não estava escondidinho com ele esse tempo todo, Malfoy, e agora só voltou para nos atrapalhar?
- Não seja ridículo, Weasley - Draco respondeu calmamente quando, por dentro, estava queimando. Como o outro ainda ousava questionar a sua lealdade após tudo o que ele fizera pela Ordem? - Você deveria deixar todo o raciocínio a cargo da sua namorada. Todos aqui sabem que pensar nunca foi o seu forte.
- Ora, seu... - o outro começou, enquanto os Weasley da sala se levantavam de seus lugares. Apenas uma deles, obviamente, tinha intenção de defender Draco.
- Rony, por favor - Gina disse, colocando-se entre o irmão e o outro - Você sabe muito bem que não está sendo razoável. Fui eu quem encontrou Draco. Ele estava em um hospital trouxa e...
- Ah, sim, claro! E nós deveríamos acreditar em você porque sua opinião com relação a ele é assim tão imparcial, não é mesmo, Gina? - Weasley disse, furioso e cheio de veneno na voz. Draco não agüentou ouvir isso. Não agüentou o tom irônico e o desprezo na voz do outro. Não agüentou a idéia de que a lealdade de Virgínia poderia ser questionada simplesmente por causa da sua associação com ele. Uma coisa era ele ter que agüentar essas insinuações de todo mundo. Outra completamente diferente era Gina também ter de enfrentá-las. Então, deixando-se levar pela raiva como poucas vezes antes na sua vida, Draco tirou-a do caminho e deu um soco firme e certeiro no rosto de Ronald. Antes que qualquer pessoa na sala pudesse impedi-lo, ele agarrou o outro, que ainda estava tentando se recuperar, pelas vestes e pressionou-o contra o tampo da mesa. Todos estavam assustados ao redor. Estavam acostumados com Malfoy soltando tiradas sarcásticas ou sendo mal-educado e rude com as pessoas em geral, mas definitivamente não estavam acostumados a vê-lo assim: completamente fora de si e, ao mesmo tempo, como se tivesse perfeito controle sobre seus atos.
- Você pode falar o que quiser de mim, Weasley - começou, sua voz firme e clara - Mas se abrir sua maldita boca para falar mais um 'ai' ou insinuar qualquer coisa sobre a sua irmã, eu te mato - completou friamente. Depois, jogou o outro com força no chão, ignorando o sangue que escorrera para suas mãos do nariz quebrado de Ronald e saiu da sala. Não olhou ao redor. Não queria ver nenhum olhar de ódio sendo lançado na sua direção. As pessoas na sala estavam temporariamente paralisadas com a surpresa, mas logo se recuperariam e, aí, seria provável que um dos irmãos dele quisesse vir tirar satisfações. Ou até os cinco juntos.
Poucos passos depois, ouviu a porta da sala se abrir e uma voz conhecida chamando-o:
- Draco! - ele fechou os olhos. Não queria falar com ninguém naquele momento.
- Gina, volte para a sala.
- Mas, Draco... - ela continuou, caminhando na direção dele.
- Seu irmão precisa dos seus cuidados, não é mesmo? - interrompeu rudemente. E, em seguida, vendo a expressão nos olhos dela: - Eu não estou com raiva de você, Gina. Só estou com raiva em geral, então é melhor você voltar para a sala antes que eu acabe falando ou fazendo algo de que vou me arrepender depois, entendeu?
- Gina - os dois ouviram a voz do pai dela, que acabara de sair da reunião chamando-a de volta. Draco não falou nada. Apenas virou-se e continuou seu caminho.
- Onde eu te encontro depois? - Virgínia perguntou na direção dele, sem segui-lo. Malfoy não pôde deixar de sorrir. Uma boa parte dele estava muito feliz em saber que ela saíra da sala por sua causa num segundo, sem hesitar.
- Eu vou estar nos meus aposentos - respondeu, sem se virar, sabendo que, agora, Gina voltaria com o pai, mas que, mais tarde, ela estaria com ele. E essa era uma certeza extremamente feliz.
Já tinha escurecido, contudo, quando Draco ouviu batidas leves na sua porta. Ele estava sentado perto da janela, consideravelmente mais calmo e entediado. Quase arrependera-se de ter feito o que fizera na reunião. Se ainda estivesse lá, com um pouco de sorte, poderia ter assistido a uma briga de tapas entre Severo e Black. Ao menos, isso teria sido mais divertido.
- Pode entrar - falou, sabendo que era Gina que chegava. Ela abriu a porta e entrou, fechando-a em seguida.
- Está escuro aqui dentro - disse, pegando a varinha para, com um feitiço, acender as velas que deveriam iluminar o quarto.
- Eu não percebi.
- Por que será que isso não me surpreende? - ela disse, com um sorriso, se aproximando e sentando na poltrona oposta a de Draco.
- O que você está querendo insinuar? - perguntou o outro de mau humor.
- Nada, seu rabugento. Estou apenas brincando!
- Foi para isso que você veio aqui? Para me chamar de rabugento?
- Não, Draco. Nada disso - ela respondeu com um suspiro resignado - Francamente, eu é que deveria estar mau humorada, não você. Você não foi obrigado a ficar naquela reunião ouvindo todos brigando, sem decidir absolutamente nada!
- Vocês ficaram lá até agora e não decidiram nada? - ele perguntou surpreso, esquecendo momentaneamente que ainda deveria estar com raiva.
- Não. Eventualmente, nós decidimos algo. Não poderíamos mais postergar isso.
- Então, o que vai acontecer?
- Snape pediu pra você encontrá-lo nas masmorras depois de falar comigo pra discutir isso. Ele vai te explicar tudo.
- Quando vai ser a ação?
- Amanhã - ela respondeu, encarando-o. Seu olhar deixava transparecer todo o seu receio.
- Não se preocupe. Nós já saímos de situações piores - Malfoy disse, pegando as mãos dela. Vendo-a assim, tão vulnerável, tudo o que ele queria era abraçá-la e fingir que a Guerra já havia terminado.
- Eu sei, é só que... bem... nós não deveríamos ter que fazer isso... as coisas deveriam ter terminado na batalha. Eu estou cansada...
- Eu também, minha pequena, eu também - ele disse, puxando-a para dentro de um abraço forte.
- É melhor você ir falar com Snape - Gina disse com a voz mais firme - Eu também tenho que ir, fiquei de encontrar Sirius e Harry para...
- Você não vai conosco, vai? - ele perguntou, encarando-a, subitamente preocupado.
- É claro que eu vou, Draco.
- Quem mandou você ir? - perguntou o outro, já preparando-se para matar o desgraçado.
- Ninguém. Eu fui voluntária...
- O quê? Você está maluca???
- É claro que não! Você não pode realmente esperar que eu fique para trás quando todas as pessoas que importam algo para mim vão atrás de Voldemort, pode? - ela perguntou, se levantando.
- Mas é exatamente isso que eu espero que você faça! - ele retrucou, também se colocando de pé. Estava furioso.
- Esqueça, Draco! Você acha que meus irmãos e meu pai não tentaram me fazer mudar de idéia? Eles não conseguiram, conseguiram?
- E daí? Será que eu não importo nem um pouquinho a mais do que eles?
- Ah, não comece com essa história...
- Não comece? Quem começou foi você!
- Me dê um motivo, um bom motivo, um que não envolva o seu próprio medo, para que eu não vá, Draco! Só um!
- Você quer um motivo? Pois bem: se você for, ao invés de eu ter me preocupar apenas comigo, vou ter que me preocupar com nós dois! Nós dois! E se, por acaso, alguém lançar alguma maldição na sua direção, a tentação de me jogar na frente será grande demais. E aí? O que você vai sentir sabendo que poderia ter evitado a minha morte, simplesmente se tivesse atendido ao meu simples pedido para que você ficasse aqui, segura em Hogwarts, hein? Como você se sentiria sendo a responsável pela minha morte? - ele terminou, friamente.
- Você é muito cruel - ela disse após uma pausa.
- Nada que você já não soubesse, querida.
- E se eu não for e você morrer? Como eu vou me sentir achando que poderia ter feito algo para evitar se apenas estivesse lá?
- Gina - ele falou, aproximando-se e colocando suas mãos sobre os braços dela - Eu te prometo que, se houver uma forma humanamente possível de sair vivo de lá, eu vou sair. Se por acaso eu não conseguir, eu garanto que não haveria mais nada que você nem qualquer outra pessoa pudesse fazer para ajudar.
- Jura?
- Juro.
- Sem heroísmos, então?
- Por favor! - ele riu - Você acha mesmo que eu hesitaria antes de usar Potter como bucha de canhão? Ainda mais sabendo que você está me esperando aqui, na volta? - ele completou, inclinado-se para beijá-la.
- Eu te amo - ela sussurrou, interrompendo-o.
- Eu também te amo, pequena - ele respondeu, e depois, finalmente a beijou, abraçando-a com força para tranqüilizá-la, querendo dizer que tudo ficaria bem, que eles ficariam juntos. Querendo se convencer disso ao mesmo tempo - Eu vou falar com Snape agora - Draco disse, beijando de leve o nariz dela e a soltando-a - Me espera aqui?
- Eu tenho que encontrar Sirius e Harry...
- Gina!
- Eu preciso dizer a eles que não vou, não preciso?
- Ah, bom.
- Mas eu te encontro aqui depois, está bem?
- Está bem - ele falou, dando-lhe um último beijo leve antes de se dirigir para a porta.
- A propósito - ela o interrompeu - obrigada - e vendo que ele não percebera ao que ela estava se referindo: - Por me defender antes, na reunião.
- Peraí! Deixa eu ver se entendi bem: você está me agradecendo por bater no seu irmão estúpido? - ele perguntou com um sorriso - Por favor, disponha! A qualquer hora do dia, ou da noite... - acrescentou rindo, enquanto passava pela porta, em direção às masmorras.
Eles sabiam onde Voldemort estava escondido. E sabiam quantos comensais estavam com ele. Quando Draco voltou para o quarto naquela noite, ele já sabia exatamente qual era o plano e o que ele teria de fazer. Gina estava esperando-o, como ela dissera que estaria, mas Draco não queria discutir a missão com ela. Não queria passar mais tempo do que o necessário falando sobre o que não poderia ser evitado. Tudo o que ele queria era abraçá-la e esquecer. E foi isso o que ele fez. No dia seguinte, saiu de manhã cedo, antes da aurora, sem acordá-la. Deu-lhe um leve beijo na testa, mas simplesmente não conseguiu se despedir. Abriu a porta repetindo silenciosamente para si mesmo que aquela não seria a última vez que a encontraria e, com um derradeiro olhar em direção à cama, deixou o quarto.
Daí para frente, tudo aconteceu muito rápido e, ao mesmo tempo, muito devagar. Estavam todos prontos: a nata da Ordem de Fênix, os melhores, os mais confiáveis. Todos preparados para acabar com tudo de uma vez por todas. Snape estava lá, com uma expressão entediada que, pela primeira vez, disfarçava mal o que ele estava pensando. Granger e Weasley estavam lá, e Lupin, e Black, e outros. Vários outros, com expressões duras ou receosas, olhares perdidos ou determinados, mas prontos. Potter também estava lá, um pouco afastado de todos. Ele estava sério. Parecia ter compreendido de uma vez por todas que aquela Guerra não era uma brincadeira de criança, que ele não sairia ileso dali, de um jeito ou de outro. Parecia um homem condenado, indo encarar o seu destino com uma resolução férrea e triste. Extremamente triste. Por menos de um segundo, Malfoy chegou a sentir pena dele. Naquele dia, não parecia haver muita felicidade no mundo sobrando para Harry Potter. Logo, contudo, lembrou-se de que se tratava de Potter e de que ele não merecia nada além de escárnio e rancor e, por isso, se recompôs.
Draco colocou-se silenciosamente ao lado de Snape. Após o incidente da reunião no dia anterior, ninguém parecia muito feliz em vê-lo, mas o seu lugar estava assegurado sob o comando do ex-professor de poções. A um sinal de cabeça de Black, eles aparataram.
A casa era velha e estava mal cuidada. Os jardins estavam abandonados, pisoteados. As paredes, descascadas. O lugar como um todo tinha uma aparência sombria e desoladora. Antes da Guerra começar, havia existido ali uma pequena cidade. Agora, ela estava praticamente vazia. Todos os trouxas foram torturados e mortos ou fugiram. Sobraram apenas os comensais. Aquele era o refúgio de Voldemort. O local onde ele se escondera, esperando recuperar suas forças. Não era exatamente uma fortaleza - e por isso, atacá-lo não seria tão difícil. Era mais um santuário.
- Para uma pessoa que odeia tanto o pai, Lorde Voldemort com certeza passa tempo demais na casa dele - dissera Draco quando Snape lhe falara do local.
- É uma questão se sentimentalismo - interviera Lupin, que estava presente - Quando nós estamos em dificuldade, temos a tendência de voltar para lugares que carreguem algum tipo de significado para nós - Draco e Snape tinham encarado-o com olhares igualmente incrédulos, tendo dificuldade em imaginar um Voldemort que fizesse qualquer coisa por motivos sentimentais, mas mesmo assim, fosse qual fosse o motivo, o fato era que Você-Sabe-Quem buscara refúgio na antiga casa dos Riddle, a casa de seu pai. O pai que ele mesmo assassinara sem nenhum remorso.
Eles aparataram do lado de fora dos portões. Não poderiam aparatar do lado de dentro, por causa dos feitiços colocados pelos comensais. A idéia era simples: Voldemort estava no interior da casa e precisava ser destruído, algo que apenas Potter poderia fazer. Eles, portanto, precisavam abrir caminho por entre os inimigos para que Potter pudesse entrar. Nada de planos elaborados nem de complicações. Tudo muito simples. Ao menos, na teoria.
A primeira coisa, contudo, que Draco percebeu no minuto em que aparatou foi um feitiço verde passando de raspão perto da sua orelha. Pronto. Ele estava no meio de uma batalha novamente.
Por instinto, ele se abaixou buscando abrigo, o que encontrou atrás do que deveria ter sido um muro baixo há algum tempo, mas que estava agora praticamente derrubado. Os comensais já deviam estar esperando por uma expedição daquele tipo, então estavam preparados. A única vantagem que a Ordem tinha era que, na última batalha, a maior parte deles havia morrido. Sobrara apenas um número suficiente para defender seu senhor e, mesmo assim, não por muito tempo.
Lembrando-se do que deveria fazer, Draco se apoiou contra o muro e retirou dois pequenos frascos das vestes. Os frascos continham líquidos idênticos aos que ele vendia na Espanha, para os terroristas, há o que parecia uma eternidade atrás. Devagar, ele os abriu e despejou com o máximo de cuidado possível o conteúdo de um dentro do outro. As duas poções quando misturadas tornavam-se extremamente voláteis e, por isso, aquele era um trabalho delicado que Snape não confiara a nenhuma outra pessoa. Depois, com um gesto único, forte e rápido - o mais rápido que conseguiu - Malfoy lançou o frasco com o explosivo contra os muros da casa.
A explosão foi terrível. Como previsto, ela ocorreu antes que sequer o frasco pudesse encostar no muro, só pelo simples movimento, mas, mesmo assim, foi letal. Estilhaços voaram para todos os lados. O barulho foi suficiente para deixar todos os que estavam perto com zumbidos nos ouvidos. Os comensais estavam atordoados. Mesmo alguns membros da Ordem que não estavam devidamente protegidos sofreram ferimentos. Draco, na última hora, fora atingido no rosto por um pequeno pedaço de pedra que voou e estava sangrando. O objetivo, contudo, fora brilhantemente alcançado: no muro, havia agora um grande buraco. Se a casa dos Riddle fosse uma fortaleza, ela poderia, agora, considerar-se perdida, porque, por aquele buraco, os soldados inimigos poderiam entrar e aniquilá-la. Como não era, contudo, sua situação encontrava-se ainda mais crítica.
Ao verem o caminho aberto, os membros da Ordem começaram a entrar na casa, aproveitando que os comensais ainda estavam atordoados com o que acontecera. Malfoy esperou um pouco e se juntou a eles. Sua posição era na retaguarda, perto de Snape, de Granger e Weasley, e de Potter. Black estava na frente agora, abrindo espaço entre os inimigos que avançavam. E avançavam. E avançavam. Estavam desesperados e lutavam como homens desesperados, sem medir esforços para matar e destruir. Uma vez dentro dos muros, qualquer formação que eles tinham esperança de conseguir manter foi rompida. Eles se separaram, buscando abrigo e enfrentando seus oponentes. Draco, por sua vez, lutou com a sua cota de comensais da morte naquele dia terrível. E matou a sua cota também. Ele odiava aquilo tudo: a Guerra, a matança, o medo; mas, durante toda a sua vida, nunca conseguiu sentir muito remorso por aquelas vidas que tirara. Isso sempre pareceu motivo para se envergonhar e, muitas vezes, ele simplesmente fingia entender quando as pessoas falavam em culpa e ressentimento e arrependimento por tudo aquilo. Do seu ponto de vista, uma vez que o primeiro feitiço era lançado, não havia mais escolha: era matar ou morrer; e ele nunca poderia se arrepender por ter sobrevivido.
Levantando o rosto após se abaixar para desviar de um feitiço lançado na sua direção, Malfoy não pôde deixar de notar uma figura silenciosa escapando incólume por uma das laterais, em direção à entrada da casa. Xingando mentalmente o homem com todos os palavrões de que conseguiu se lembrar, Draco levantou-se, desvencilhou-se de um comensal que vinha na sua direção e o seguiu, procurando reprimir a sua sensação crescente de que aquilo não acabaria bem.
- Potter - ele sibilou, agarrando o braço do outro quando finalmente o alcançou, já no interior da residência. Eles estavam no térreo e o lugar, que parecia vazio, era fracamente iluminado pela luz do sol, deixando tudo na penumbra - Você deveria ter esperado - Draco estava furioso.
- Por quê? Todos sabem que, no fim, isso é entre Voldemort e eu.
- Se você quer se sacrificar, problema seu, Potter. Mas e quanto a nós? Você pode muito bem cair numa armadilha e morrer. E aí? O que vai ser de nós então, seu grifinório des...
- Harry! - os dois se viraram apenas para encontrar a silhueta de Black delineada contra a luz.
- Pronto! - exclamou Malfoy com ironia - Agora a festa está completa!
- O que está acontecendo aqui? - Sirius perguntou, sério, varinha em punho. Ele nunca confiara em Malfoy e a cena que tinha diante de si podia dar vazão a um número ilimitado de interpretações.
- Nada, Sirius, eu... - Potter começou, mas foi logo interrompido pelo barulho seco da porta, que se fechou com um baque. Surpresos e temerosos, os três olharam para a entrada estarrecidos. Logo, contudo, suas atenções foram desviadas pelo som de uma voz que mais parecia o sibilar de uma cobra:
- Ora, mas vejamos o que nós temos aqui... três ratos numa ratoeira... - a figura de Voldemort erguia-se, imponente, no meio da sala, onde antes não havia nada. Ele parecia inteiro, completamente recuperado e seu rosto se contorcia no que deveria ter sido um sorriso, se ele ainda guardasse alguma semelhança com qualquer coisa parecida com um ser humano.
Potter deu um passo a frente, decidido. Carregava sua espada embainhada na cintura e sua varinha em punho. Continuava sério, como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros e Draco não podia deixar de concordar que realmente estava.
- Então nós nos encontramos de novo, Voldemort - Potter cuspiu o nome do outro com tamanho ódio que chegou a surpreender até Malfoy. Ele não imaginara que o Menino-Que-Sobreviveu fosse capaz de odiar alguém daquela forma.
- Sim, criança. De novo. Mas não se engane: eu não vou deixar de trapacear apenas porque você veio me procurar na minha casa - sibilou Você-Sabe-Quem e, assim que ele terminou, como que esperando a deixa, os três começaram a sentir o cheiro. Cheiro de fumaça. A casa estava queimando. Rapidamente, Draco avaliou a situação: eles estavam presos, encurralados. Voldemort estava com eles e o fogo logo consumiria tudo. Definitivamente, eles eram como ratos numa ratoeira. Draco não acreditou. Por que diabos ele resolvera seguir o imbecil do Potter??? Aonde isso o tinha levado? "Nós estamos perdidos", ele murmurou consigo mesmo pouco antes de Voldemort levantar o braço e lançar o primeiro feitiço. Sim, eles estavam perdidos, mas o pesadelo estava apenas começando.
