.: Nota da Autora :. Hmmmm... Creio que esse capítulo não requer explicações prévias. Talvez fosse mais interessante se eu buzinasse pra você depois; assim sendo, de volta à história!

Spring of '69
versão em português

IV-

Nuvens encobriam o céu e tornavam o dia mais escuro do que de costume. A fumaça negra ainda pairava sobre a cidade ao cantar do primeiro galo.

"Love is the shadow that ripens the wine... Set the controls of the heart of the sun... the heart of the sun, the heart of the-- ITAI!"

"Cale a boca, crista-de-galo! Eu quero dormir!" Megumi aturou um sapato em Sanosuke, que cantava, e acertou-o bem na cabeça.

Ao lado do motoqueiro, bem no centro da clareira, Kenshin sentava-se, a cabeça baixa, preocupada, os olhos violeta ocultos por uma neblina densa. Sanosuke não parecia perceber como o amigo estava aperreado, enquanto apenas buzinava e esfregava a cabeça. "Né suficiente não poder tocar o violão direito. Nãããããão! Agora, vou ter que me calar também. O que mais? Vou ter que passar fome?"

"A senhorita Megumi está com sono, Sano... Ficou acordada a noite toda, tentando apagar o incêndio..." A voz sem emoção de Kenshin veio trazer Sanosuke de volta à tona da realidade. O rurouni não movia os olhos ou a cabeça enquanto falava, como que envolvido por uma aura que não a sua. O motoqueiro piscou duas vezes.

"Ei, Kenshin. Todos ficamos. E fizemos o que podíamos..." Sanosuke correu os olhos à sua volta. A desolação podia ser vista dali, concreta como a fuligem que voava com o vento e o cheiro de folhas queimadas que se misturava às suas roupas. Olhando para trás, o homem viu um espaço largo entre as árvores, onde outrora estavam carvalhos altaneiros. Mas agora só havia cinzas, enegrecendo o que um dia fora verde vivo. "E ainda assim, tudo o que pudemos não foi suficiente."

Kenshin continuava estático. "Poderia ter sido pior. Devemos agradecer a Kami-sama pelas árvores ilesas."

"Também porque ninguém se machucou, né?"

"Todos se feriram, Sano. Esta é nossa casa. É o lugar que escolhemos para construir uma nova vida, para criar nossas crianças. Queimar as árvores é como se queimássemos nossas próprias vidas." Kenshin fechou os olhos e olhou-se. Sanosuke sentiu um nó na garganta. Ele jamais imaginara o quanto um lugar poderia significar para aquela gente, mas vendo o semblante triste de Kenshin, pôde até ver o amigo chorar sobre o próprio túmulo.

"As árvores vão crescer de novo, cara. Nada vai mais atrapalhar a vidas de vocês. Não fique tão pra baixo... "

"Não foi o primeiro, nem vai ser o último."

"Comé?" Sanosuke franziu a testa. "Que que 'cê quer dizer?

Kenshin enfim abriu os olhos novamente. "Há duas semanas outro foco de incêndio apareceu, a leste." Sanosuke virou-se para a direção da qual o amigo falara, enquanto este último continuou, grave. "Este servo achou que fosse um fato isolado, como tantos outros que acontecem em toda floresta. Mas este servo começou a se preocupar quando ouviu alguns rumores sobre fogo em outras cidades. Este servo nada contou aos outros, porém. Anteontem, este servo apagou um foco de incêndio, próximo à margem do rio. Este servo pretendia dizer tudo aos seus companheiros, mas não teve nem tempo de fazê-lo, antes dos acontecimentos da noite passada."

"Que que 'cê tem em mente, Kenshin?" Sanosuke inclinou a cabeça e olhou de banda para o hippie.

"Este servo tem certeza de que este incêndio não foi mera coincidência."

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Quando Kaoru foi para o colégio, seu pai estava se preparando para ir para o dojo. Suas suspeitas foram confirmadas com satisfação por Kamiya-sensei na noite anterior: finalmente tinha um novo aluno. O mestre do Kamiya Kasshin estava tão entusiasmado que a jovem não teve coragem de contar-lhe que visitava freqüentemente a comunidade hippie depois da escola e decidiu adiar o comunicado um pouco mais.

A garota caminhava calmamente, achando esquisita a densidade do ar. Quando chegou à escola, todos falavam baixo e furtivamente. Silenciosamente subiu para a sala de sua classe, onde escutou uma colega cochichar para outra. "Já soube? A floresta queimou! Dizem que foram os hippies!"

Enquanto a menina que ouvia tapava as mãos com a boca, Kaoru segurou um grito do fundo da garganta. Sentiu o coração comprimir-se, desejando sair dali e correr para a comunidade. "Kenshin..."

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"Shinomori falando."

"Larga do meu pé." Uma voz metálica tremelicou do outro lado. E antes que Aoshi pudesse perguntar quem era, ouviu o "doo-doo-doo" de abandono.

"Alô? Alô?" O advogado tentou uma resposta, mas já era muito tarde. Repôs o telefone no gancho e deitou a cabeça no travesseiro, processando a informação do rápido e incômodo telefonema. "Que ótima meio de acordar..." Pensou, despindo-se para tomar um banho.

Aoshi afundou nu na água quente, sentindo os músculos tensos relaxarem cada vez mais a cada segundo. "Maldição." Disse em voz alta, de dentro de seu controlado e elevado ego. O cheiro de seu corpo veio-lhe junto com o vapor até suas narinas, fazendo-o blasfemar: por todo ele, o odor da derrota, um cheiro que jamais exalada antes. "Preciso me afogar neste caso: agora se tornou uma questão de honra. Vou desvenda-lo, ou não poderei me considerar um onmitsu novamente."

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Por volta de meio-dia, Kaoru apressou-se por sair da escola e ir para casa: ninguém lá, o que queria dizer que o pai estava no dojo novamente. Preocupada, não se preocupou em deixar nenhuma explicação para Kamiya-sensei sobre sua saída, pois pretendia estar de volta antes dele. Chispando como uma flecha, correu para a comunidade, o coração apertado. "Espero que Kenshin e os outros estejam bem..."

A clareira estava quieta. Depois do acontecimento trágico da noite anterior, as pessoas não falavam muito e andavam devagar, mas aos poucos a rotina vinha se reestruturando. Ainda da trilha, Kaoru correu os olhos à sua volta, mas não viu nem sinal de Kenshin.

"Ei Kaoru!" A jovem virou a cabeça para encontrar o olhar de Megumi. Sorriu contente por ver que a médica estava bem.

"Oi, Megumi. Eu soube das notícias... O que afinal aconteceu de verdade?"

A médica narrou os acontecimentos, deixando a jovem surpresa e preocupada. Estava feliz por ninguém se ter machucado, mas seus pensamentos recaíam especialmente sobre o rurouni, sobre sua saúde e ânimo.

"E... onde está o Kenshin?"

Megumi apontou para a direção de onde o fogo tocara as árvores. "Deve estar lá agora. Em situações como essa, ele geralmente se isola. Mas aposto que ele adoraria falar com você. Vá em frente, garotinha."

Kaoru tremeu. Prendeu a respiração e contemplou distante o ponto indicado, talvez visualizando Kenshin ali. Sozinho. Um sorriso inconstante formou-se em seu rosto enquanto agradecia a Megumi com um discreto aceno da cabeça e deu os primeiros passos na direção de onde o fogo estivera.

A jovem não precisou andar muito para chegar ao local da destruição. Outra clareira, pouco menor do que aquela onde se fixara a comunidade, parecia ter sido criada do nada; esta outra tinha, porém, uma aparência tétrica, em nada lembrando o pouso dos hippies. Não havia grama ou verde, nenhuma flor. Meia dúzia de grandes carcaças de árvores, duas delas irremediavelmente queimadas. Uma cena que lhe lembrava uma fita em preto-e-branco do Carlitos no drive-in: o lugar desolado e monocromático, contrastando com o verde e o som distante do riacho. Seu coração doeu diante do pensamento de que esta fita não mais teria fim.

Sentado num tronco, Kenshin. Parecia dormir.

O coração empurrando sangue desastradamente para sua cabeça, Kaoru aproximou-se do homem e ergueu a mão. Hesitou por um instante, e então finalmente tocou de leve o ombro de Kenshin. "É muito bom tê-la aqui, Kaoru-dono." O rurouni disse sem abrir os olhos. Kaoru fraquejou, mas sorriu e sentou-se ao seu lado, sem nada dizer.

Assim permaneceram por alguns minutos em diante, ambos a mirar o nada à sua frente, o olhos como se passasse através da fuligem e lama. Foi Kenshin a quebrar o silêncio, estreitando-lhe a distância cada vez que enchia os pulmões. "Este servo viu muitas lágrimas e suor sobre a floresta morta a noite passada. Por isso este servo prometeu a si mesmo e a todos os seus companheiros que as árvores não serão molestadas novamente. Nem um grama de desapontamento vai pairar sobre nossas cabeças novamente."

Kaoru afirmou com a cabeça. "Se eu puder apenas ajudá-lo..." Ela abaixou a cabeça e discretamente recuou, mas pouco depois sentiu a mão quente e pesada do rurouni sobre a sua própria.

"Kaoru-dono é uma jovem muito forte, este sevo tem certeza que pode contar com você. E este servo é um homem de muita sorte, por ter uma amiga como Kaoru-dono. Muito obrigado."

Espantada, a jovem abriu mais os olhos, mas seu contato não cessou: ficou mais estreito quando a jovem descansou a cabeça sobre o ombro do rurouni, as mãos ainda entrelaçadas. Assim, ficaram por um longo tempo.

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Tarde adentro, o movimento na comunidade parecia quase normal novamente. Kaoru ensinava Yahiko como fora acertado no dia anterior, e muitas cabeças pararam seus afazeres para vê-los. Seu treinamento era um espetáculo cômico, já que o garoto e a mestra do Kamiya Kasshin não se acertaram muito bem. Fosse trabalhando e executando alguma tarefa, ou divertindo-se a assistir ao treinamento, todos na comunidade pareciam estr de volta às atividades normais.

A única que permanecia quieta numa das tendas era Misao. Seu pensamento persistia na estranha aparição do advogado na noite anterior. De alguma forma -e ela não sabia exatamente porque- ele a decepcionara. Ela nada tinha que ver com aquele homem esquisito e emburrado, isso era um fato. Mas desde a primeira -e única- vez que se cruzaram, Misao soube que, por dentro daquela aura congelada, havia uma pessoa correta: era só uma questão de derreter aquela carapaça de gelo que o envolvia como um capote.

"Pilantra de uma figa..." A garota deitou a cabeça no chão.

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Numa sala mal iluminada, o homem com um terno risca-de-giz sentava-se numa cadeira giratória, de costas para o homem de pé, em trajes típicos japoneses, de frente para as persianas semicerradas. Um charuto entre o indicador e o dedo médio, ele expelia sem emoção. "Falhou. Não deveriam ter apagado tão rápido."

"É tudo o que posso fazer." O homem em trajes japoneses baixou a cabeça, mas não humilhou seu tom de voz. "Para limparmos aquela área, vamos levar um tempinho. Pelo menos, mais do que consideramos a princípio."

O homem na cadeira não se moveu. "Eu não tenho tempo a perder. Nós não temos tempo a perder. E, até onde sei, você tem os dois interesses em jogo."

"Ela é uma de minhas razões..." O homem em trajes japoneses hesitou. "Enquanto ela-- Enquanto a comunidade estiver lá, o fogo será apagado rapidamente."

O homem no terno risca-de-giz virou-se para frente, os pesados óculos de sol mantendo seus olhos ocultos. Sua voz continuava impassível, porém picos de raiva podiam ser percebidos de quando em vez. "An'ya, não é de minha alçada como você vai limpar a área. Se eu quisesse ter algo que ver com isso, não teria contratado você ou seus homens idiotas. Apenas faça o que foi acertado no nosso acordo, mesmo se tiver de se livrar da maldita comunidade. Apenas faça." Ele girou a cadeira novamente, novamente dando as costas para o outro. "Pode ir agora."

O homem em trajes japoneses curvou-se e saiu. Em sua mente, um rosto fotografado que ele não ousava remover do fundo da memória, nem mesmo após os acontecimentos dos últimos três anos. "Minha querida Megumi..."

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.:Eu de Novo:. Tenho de me desculpar -de novo. Primeiro, por demorar tanto a postar esse capítulo. Depois, por uma mudança bem de leve sobre o que eu disse que seria o conteúdo dele. Mas eu tenho uma boa desculpa pra isso! ^_^x
Como você deve ter percebido, cada capítulo narra os acontecimentos de um dia. Este capítulo não ia ser diferente, mas ficaria muuuuuuito grande se o dia inteiro fosse descrito aqui! Daí, eu dividi em dois. Melhor, não ficou? Devo postá-los junto; no máximo, uma semana entre o quarto e o quinto.
=)
Obrigada por ler. Espero que esteja gostando!