Capítulo 03

"Ela disse o quê?!", Xiaolang exclamou ao ouvir as palavras de Mu Bai.

O jovem fora falar com o patrão no lugar da irmã, pois temia uma reação explosiva. Seu mestre se tornara muito protetor da jovem japonesa mesmo sem vê-la uma única vez. Pedia sempre que lhe contasse tudo o que ela fazia durante o dia e ordenara para todos os servos que Sakura fosse muito bem tratada. Além disso, esperava ansioso o retorno do grupo de reconhecimento que partira atrás de Ken e seus comparsas. Não seria bom se a senhorita Kinomoto resolvesse partir naquele momento.

"Ela quer ir embora, mestre. Não está se sentindo aceita aqui", respondeu Mu Bai, tentando escolher as melhores palavras para não piorar o ânimo do seu patrão.

"Vocês a maltrataram? Ela deseja alguma coisa que não temos aqui?" perguntou Li.

"Não, senhor. Não foi nada disso".

"Por que diabos ela quer partir?! Responda!", Xiaolang exaltou-se.

Mu Bai engoliu em seco. "Ela descobriu que mentimos a seu respeito, mestre".

"O quê?!".

"Ela queria agradecer-lhe pessoalmente, mestre. Mas eu e Lau Ma dissemos que o senhor havia viajado. Noite passada, entretanto, ela nos viu treinar e descobriu que o senhor estava na mansão", falou o rapaz.

Xiaolang, que andava de um lado para outro como uma fera enjaulada, parou. "Ela me viu lutar?", perguntou ele.

"Sim, mestre".

Li conteve a vontade de quebrar todo o quarto. "Como foi que ela fez isso?".

"Ela escutou barulhos e saiu para averiguar. Nos viu no pátio de treinamento", disse Mu Bai.

O guerreiro chinês respirou fundo, tentando controlar a ira. "Como na outra noite...".

"Mestre, por que não a deixa se aproximar? Tenho certeza que ela compreenderá sua situação...", Mu Bai não pode terminar a frase, pois foi interrompido pelo grito de Xiaolang.

"NÃO! Não a quero aqui. Não quero a piedade e compaixão dela. Não preciso disso, entendeu? Não preciso!".

* * *

Sakura caminhava lentamente pelo jardim. Sentiria falta daquele lugar quando estivesse longe. Adaptara-se bem ali. Fizera novos amigos e fora bem cuidada. Passou pela ala oeste. Como sempre, as janelas daquela parte da casa estavam fechadas e as cortinas cerradas. Toda a mansão era bem arejada e iluminada, menos aquela parte. Por que? Que segredos haviam escondidos naqueles aposentos? Não agüentando mais a curiosidade, resolveu investigar por conta própria, já que ninguém falaria com ela a respeito disso.

Entrou silenciosamente na casa para não chamar atenção e encaminhou-se para a misteriosa ala oeste. Lá chegando, entrou na primeira porta que viu. Era um cômodo grande, completamente na penumbra. Sakura pode distinguir o contorno de uma mesa com uma cadeira, uma lareira apagada e uma poltrona, virada de costas para a porta. Nas paredes, imensas estantes cobertas de livros, dos mais variados tamanhos e formas. Estava numa espécie de escritório/biblioteca. Quando deu um passo para adentrar mais no aposento, uma voz profunda ressoou.

"Sua curiosidade ainda lhe trará sérios problemas...", falou um homem, sentado na poltrona.

Sakura deu um pulo e gritinho assustado. Pôs as mãos no peito, como se tentasse controlar as batidas frenéticas do coração. "Des-desculpe...", ela começou a se desculpar. "Eu não sabia que tinha alguém aqui".

"Eu creio que tinha dado ordens para que não viesse aqui, moça", retrucou o homem, sem sair do lugar.

"Se-senhor Li?!", Sakura assustou-se ainda mais, agora reconhecendo a voz como a do vulto que tinha encontrado no corredor na semana passada.

"Mas já que está aqui, acho melhor conversarmos", ele continuou, ignorando a interrupção.

Ao descobrir a identidade da desconhecida sombra, Sakura sentir o medo sumir e um novo sentimento apossou-se da jovem: indignação. "Por que não queria me receber, senhor? Eu só queria agradecê-lo pelo que fez por mim...".

"Meus motivos não lhe dizem respeito, senhorita. Tenho algo mais importante para tratar neste momento: que idéia é essa de querer ir embora?".

A indignação transformou-se em raiva. "Eu pensei que fosse uma pessoa educada, Sr. Li, mas vejo que me enganei... O senhor não passa de um rude e tosco grosseirão!", exaltou-se a moça.

"Diga-me uma coisa, senhorita, para onde vai? Não tem mais ninguém... Está sozinha neste mundo! Não tem casa, nem dinheiro, nem mesmo objetos pessoais!". Sakura tremeu terrivelmente ao ouvir estas palavras. Xiaolang continuou. "Imagina o que diriam as pessoas quando encontrarem uma mulher sem pertences nenhum, que passou mais de 10 dias na casa de um homem solteiro... Acha que conseguiria um bom pretendente assim?".

"E-eu po-posso a-arranjar u-um em-emprego...", gaguejou Sakura, extremamente abalada.

"E onde vai trabalhar? E como? Acha que alguém a aceitaria depois de tudo o que falei?", ele estava sendo duro propositalmente. E em nenhum momento, havia saído da cadeira e se levantado para falar com ela.

"E-eu, ao menos, posso tentar...".

Xiaolang parou por alguns instantes. "Além do mais, é muito perigoso partir nesse momento".

Toda a presunção daquele homem estava deixando Sakura irritada. Quem era ele para dizer o que ela tinha que fazer? Tudo bem, ele salvara sua vida, a ajudara a se recuperar, permitira que ela permanecesse em sua mansão... Ela seria eternamente grata por isso. Mas por que ele não queria recebê-la? Por que ficar naquele cômodo escuro e abafado? E ele nem sequer ofereceu uma cadeira para ela se sentar... Nem se virou para falar com ela.

Sakura respirou fundo. "Senhor, se minha presença aqui é tão desagradável, por que não quer que eu parta? Seria a solução de seus problemas...".

"Sim, eu sei", ele respondeu. "Mas não sou cruel a ponto de deixar uma moça indefesa desabrigada, ainda mais com ladrões à solta por aqui... Vou permitir que permaneça em minha casa, Srta. Sakura, mas como minha governanta. A partir de hoje, irá tomar decisões referentes à casa, à refeições e essas coisas. Pagarei um bom salário e poderá partir quando tiver juntado dinheiro suficiente".

A jovem tentava controlar a raiva. Ele parecia ter tudo arranjado e ela teria que, no final das contas, agradecer pela caridade... Mulheres não tinham opção... Não tinham direitos... Viviam aquilo que seus pais, irmãos, maridos, filhos decidiam para elas... Tinham que ser submissas e sempre aceitar e ceder... Não era uma vida fácil.

"Acho que terei mais uma dívida com o senhor...", disse ela com um sorriso triste. "Não tenho como retribuir tudo que fez para mim, Sr. Li".

"Não se preocupe com isso", ele respondeu. "Agora vá e faça o seu trabalho".

Sakura curvou-se. "Sim, mestre. Com sua licença". E começou a retirar-se.

"Um instante, senhorita", ele chamou.

"Sim?".

"Tem minha permissão para mexer no que quiser na casa... Menos na minha ala privativa. Estamos entendidos?".

"Sim, mestre... Com certeza", Sakura replicou com amargura antes de sair.

Xiaolang permaneceu no mesmo lugar, pensando. Não tinha sido uma boa idéia contratar Sakura Kinomoto como sua governanta. Logo, logo, ela descobriria a verdade... Mas também não podia mandá-la embora, não com Ken e sua gangue rondando sua mansão. Não era certo arriscar a vida dela...

'O que farei se ela descobrir tudo?', perguntou a si mesmo.

* * *

Os dias foram passando lentamente. Sakura trabalhava bastante, organizando a limpeza e a nova arrumação da mansão Li. Não havia se encontrado com o patrão outra vez, no entanto cuidava para que ele recebesse sempre a melhor refeição, que suas coisas fossem tratadas com esmero. Todas as manhãs, ela acordava cedo, passeava pelo jardim, colhia flores para arrumar na casa. Estava dando seu toque pessoal naquele lugar, transformando-o num ambiente mais alegre e acolhedor. Sempre que passava pela ala oeste, fitava-a com certa tristeza. Será que o Sr. Li estava aprovando suas mudanças? E por que ele não saía do quarto de dia? Qual era o mistério que rondava aquele homem?

Uma noite, ouviu novamente ruídos pela casa. Apesar do cansaço, não pode resistir. Levantou-se, vestiu um robe e saiu pela escuridão do corredor. Como imaginara, o barulho vinha da ala privativa do Sr. Li. Não deveria estar lá... Mas continuou caminhando. Precisava descobrir o que ou quem era Li Xiaolang, na realidade. Foi quando, de repente, trombou com alguém. A penumbra não lhe permitia ver claramente o rosto, porém Sakura sabia quem era.

"Você é incrivelmente curiosa, não?", a voz grave de Xiaolang soou baixa, bem próxima ao ouvido da moça, enquanto ele a segurava firmemente pelos braços, aconchegando-a ao peito.

Sakura não soube o que dizer. Estar nos braços daquele homem, ouvir sua voz sussurrada em seu ouvido, causava-lhe arrepios por todo corpo. Era uma sensação nova e completamente diferente...

"Você devia estar dormindo, Sakura", disse ele.

"E-eu sei", ela murmurou. "Mas não pude... Eu precisava vir aqui... Precisava...".

"Ver-me?", Xiaolang a interrompeu. "Isso foi muito, muito errado, Sakura". Dizendo isso, ele inclinou lentamente a cabeça, até que seus lábios encontrassem os dela. O toque foi leve, sutil... Como se ele esperasse por uma permissão.

Xiaolang não pode resistir mais. Aprofundou a carícia. Há tanto tempo ansiava por aquilo. Por poder saborear a boca daquela mulher que, pouco a pouco, invadira sua casa, sua vida, sua mente, sua alma. Abraçou-a mais apertado, como se quisesse se misturar completamente com ela.

Assustada, Sakura permaneceu rígida, enquanto sentia aquele homem misterioso explorar sua boca. Nunca ninguém a tocara daquele jeito. Nunca ninguém a beijara daquela forma. Tivera vários pretendentes, mas nenhum deles tomara aquele tipo de liberdade. Não sabia como reagir. Inconscientemente, fechou os olhos e deixou-se levar por aquela miríade de sensações. Seu mundo desapareceu num flash. Tudo o que importava era Xiaolang e aquele beijo glorioso, as mãos fortes dele subindo e descendo pelas suas costas, tocando-lhe o cabelo. O que estava acontecendo com ela?

Subitamente, Xiaolang interrompeu o beijo. "Isso não deveria ter acontecido", disse ele ofegante, enquanto virava-se e sumia outra vez na escuridão.

Sakura piscou uma, duas vezes. Com a respiração e o coração acelerado, ergueu a mão e tocou os lábios, inchados depois daquele momento de paixão. Como aquilo ocorrera? Num instante estava andando no corredor e noutro estava nos braços do seu patrão. Céus! Ela nem ao menos sabia como ele se parecia! Nem sequer vira o rosto dele à luz do dia! Como permitira que ele a beijasse daquela maneira? Fora até ali para descobrir respostas para suas perguntas e acabara saindo de lá com mais dúvidas ainda.

Apressado, Xiaolang seguiu pelo corredor. Não conseguia parar de pensar naquele beijo... Nela... Sakura... A doce flor de cerejeira que surgira na sua vida e a virara do avesso. Por que as coisas tinham que ser tão complicadas? Por que não havia conhecido Sakura antes? Antes do seu triste infortúnio? Estava fadado a viver uma vida solitária, sombria e vazia... E de repente, aquela mulher, como um anjo, enchia seu coração de alegria e esperança. Esperança... Pensava que não era mais capaz de sentir isso, mas estava completamente enganado.

Parou de andar e bateu numa porta à sua frente. Um rapaz sonolento abriu-a.

"Mestre Li, o que houve? Aconteceu alguma coisa?", Mu Bai perguntou preocupado.

"Vista sua roupa de batalha e encontre-me no pátio. Vamos treinar", Xiaolang respondeu frio.

"Claro, mestre... Eu já estou indo", o jovem correu para dentro a fim de trocar de roupa. Ao sair do quarto, não viu mais seu senhor. Então, seguiu direto para o pátio de treinamento. Lá estava ele, preparando-se, aquecendo-se para uma luta.

Xiaolang esperou até que Mu Bai estivesse pronto para dar início ao treino. Precisava por para fora todos os sentimentos despertados por Sakura. Lutou impiedosamente.

Depois de ser lançado ao chão três vezes, Mu Bai tomou coragem para perguntar. "Mestre Li? O que está o deixando tão preocupado?".

O guerreiro respirou fundo. "Quero que me faça um favor, Mu Bai".

"Sim, mestre".

"Quero que vá buscar Eriol Hiragiisawa para mim".

"Mestre, você vai...?"

"Sim, Mu Bai. Eu vou tentar. Eu preciso tentar. Eu tenho que tentar".

* * *

Aquele inverno seria de congelar os ossos. Em breve, começaria a nevar e ele e seus homens ainda não haviam encontrado abrigo e nem comida. As provisões que conseguiram assaltando e pilhando já estavam no fim. E o fato de estarem sendo perseguidos pelos homens de Li, pioravam ainda mais o caso.

"Mestre Ken, precisamos parar... Os cavalos estão cansados", disse Sato, seu braço direito.

"Não podemos parar agora, Sato... Vamos continuar", Ken ordenou.

Continuaram a marcha até chegarem num rancho.

"Ora, ora... Vejam só! Parece que nossa sorte está mudando", disse Ken, com um sorriso mal no rosto. Com um gesto de mão, preparou o grupo para o ataque. E, ao seu comando, vários homens galopavam rapidamente na direção da fazendinha.

Uma mulher abriu a porta para ver quem se aproximava. Ao perceber o que era, deu um grito e saiu correndo para dentro, para chamar o marido e os filhos. Não passou da sala: uma flecha certeira atingiu-a no coração.

Dois homens se aproximaram, vindos da plantação, trazendo foices nas mãos. Também não resistiram por muito tempo. Os marginais os mataram rapidamente.

Um dos atacantes apareceu, saindo do estábulo, puxando uma jovem pelos cabelos. Ken olhou para a garota com apetite. Ela devia ter por volta de dezesseis anos e tinha um corpo bem desenvolvido.

Ela chorava e se debatia, tentando escapar de seu algoz, quando percebeu um homem alto, com cabelos escuros, se aproximou dela. "Por favor, moço, ajude-me...", suplicou.

"Ajudá-la? Por que a ajudaria se foi eu quem mandou atacar sua fazenda, meu bem...", respondeu Ken friamente.

A jovem chorou ainda mais ao ver os estragos feitos e o corpo de seu pai e seu irmão, caídos no chão, no meio de uma poça de sangue.

"Leve-a para dentro e amarre-a bem", ordenou Ken. "Irei me divertir com ela mais tarde".

O homem que segurava a garota concordou um aceno e um riso cheio de luxúria. A jovem gritava e esperneava, suplicando para que a libertassem.

"O que faremos agora, mestre?", Sato se aproximou, com uma espada suja nas mãos.

Ken olhava os arredores, analisando cada pedaço. "Ficaremos aqui por enquanto. Mandem cuidar dos cavalos e prepare uma boa refeição. Estamos todos famintos. Depois da comida, escolha o melhor homem e mande-o nos trazer notícias de Li Xiaolang".

"Sim, mestre", Sato concordou com a cabeça.

Ken ficou sozinho, olhando para a floresta. "Em breve, Xiaolang... Em breve, estaremos cara a cara".

* * *

N/A: Gente... Criei outro monstro! Depois de Wing Li, agora temos Ken, um assassino impiedoso... Credo!

E então? Como ficou este capítulo? Quero saber a opinião de vocês! Mandem-me um e-mail ou deixem um review. Não custa nada, é rapidinho e só vai deixar uma escritora de fics muito feliz! Até o próximo capítulo.