Capítulo 10

O grito exaltado de Masaki assustou os jovens enamorados, despertando-os imediatamente. Xiaolang levantou-se num pulo, colocando-se em posição de luta, disposto a proteger Sakura com unhas e dentes. Já esta, que estava bem confortável no colo do noivo, caiu no chão assim que ele se ergueu, numa posição nada elegante. Esfregando o bumbum dolorido, ela também se levantou e deparou-se com o olhar zangado do homem que acabara de descobrir que era seu avô.

"Senhor Amamiya? O que está fazendo aqui?", perguntou, confusa.

"O que estou fazendo?!", explodiu Masaki. "Estava procurando por você! Fiquei preocupado com seu sumiço ontem e saí para descobrir seu paradeiro. Só não esperava encontrá-la numa situação tão comprometedora! Como pôde, Sakura? Isso vai arruinar sua reputação!".

"Mas eu não fiz nada!", exclamou a moça, ultrajada.

"Olha lá como fala com ela, velho", grunhiu Li, fechando as mãos em punhos. Saíra de sua posição de defesa ao saber que aquele homem era o seu hóspede. Mas mesmo sendo parente de sua flor, ele não tinha o direito de falar daquele modo com Sakura. Esforçou-se para não se atirar em Masaki.

"E você, seu insolente...", o senhor voltou-se para Xiaolang, sem saber quem este era na realidade. "Como pôde desonrar minha neta desse jeito? Fique sabendo que Sakura agora tem alguém para zelar por ela, e não permitirei que se aproxime dela outra vez!".

"Sr. Amamiya!", bradou Sakura, cobrindo a boca com as mãos, olhos arregalados. Como aquele senhor tinha coragem de se dirigir a Xiaolang daquele modo?

Os lábios de Li se curvaram num leve sorriso, falso e petulante. Estava levemente surpreso com a explosão do homem. Mas logo relaxou. Masaki não sabia quem ele era. Deixaria ele pensar que tratava com um simples empregado. Afinal, Xiaolang se vestia exatamente como os outros na casa, com roupas simples e discretas. Não ostentava nenhum luxo em seus trajes, podia muito bem se passar por um serviçal. Só queria poder ver a cara do homem quando descobrisse que era o dono da casa e seu anfitrião.

"Venha, Sakura", comandou Masaki, pegando-a pelo pulso. "Vamos embora daqui. Não quero mais vê-la com esse homem".

"Espere!", protestou a jovem. "O senhor não pode fazer isso. Ele é meu-".

"Vá com ele, Sakura", Li a interrompeu. "Depois nós conversamos".

Ela apenas o fitou de volta, desejando ardentemente poder se livrar do avô e abraçá-lo. Sem poder fazer mais nada, acompanhou, ou melhor, foi puxada por Masaki para fora do aposento.

Li permaneceu no lugar, o sorriso em seus lábios desaparecendo. Apesar de estar zangado com Amamiya pelo estúpido comportamento, tinha que admitir que o homem tinha um pouco de razão. A reputação era a única coisa que importava a uma mulher. Tinha que se casar com Sakura o mais rápido possível, antes que o velho interferisse na vida dela. Torceu para que Mu Bai retornasse logo da cidade.

* * *

Tomoyo havia acordado cedo naquela manhã também. Para falar a verdade, ela dormira muito pouco. Não conseguira pregar os olhos direito, pensando no que faria. Se cumprisse a vontade de Ken, estaria destruindo sua própria família e as pessoas que tão gentilmente lhe trataram. Encontrava-se num terrível dilema.

Estava sentada na cama, olhando para a janela quando ouviu a porta se abrir e o seu médico entrar. Sentiu um friozinho na barriga. 'Ele não é meu médico!', repreendeu-se mentalmente. 'Ele foi apenas educado e cuidou de mim. Cumpriu seu trabalho, afinal ele é médico! Tenho que parar de pensar nele'. Eriol fora o outro motivo que manteve a jovem acordada.

"Bom dia, Srta. Daidouji", ele cumprimentou, sorridente.

"Bom dia, doutor", respondeu ela, inclinando a cabeça com educação. "A que devo a honra de sua visita?".

"Vim apenas dar uma olhada na minha paciente", ele se sentou na cama, ao lado dela. "Dormiu bem? Como está se sentindo?".

"Bem", ela disse. 'Mentirosa!', gritou uma vozinha em sua mente. Provavelmente sua consciência. 'Você mal fechou os olhos! Teve a noite repleta de pesadelos!'. "Estou apenas com dificuldade para respirar. Dói um pouco".

"Hmm...", ele murmurou, tocando-a no lado, causando um leve tremor na moça. "São as costelas. Você fraturou algumas... Deve manter a atadura bem apertada. Informe-me se sentir algo mais, certo?".

"Claro doutor".

"Por favor, não me chame assim...", disse Eriol, sorrindo galantemente.

"Ué? Você não é um médico?", Tomoyo estranhou. "Como que quer que eu o chame?".

"Me chame de Eriol".

Tomoyo sentiu as pernas enfraquecerem com o olhar que ele lhe dirigiu. Ainda bem que estava sentada. Mas quando ia responder, seu avô entrou no quarto, acompanhado por uma jovem, que ele puxava pelo braço. Tomoyo notou que a outra parecia bem contrariada.

Sakura parou de se debater quando viu que estava sendo observada por Eriol e Tomoyo. Sentiu o rosto corar levemente. Não gostava de ser o centro das atenções. "O senhor pode me largar agora", pediu ela. "Eu não vou fugir".

"Decerto que não", replicou Masaki. "Mas vai me explicar algumas coisas".

"É melhor eu sair", disse Eriol, percebendo que o clima não era um dos melhores. Precisava conversar com Xiaolang. "Mais tarde eu volto para ver como está passando, Srta. Daidouji. Com sua licença".

Tomoyo apenas assentiu com a cabeça e quando ficaram sozinhos, ela se voltou para o avô. "Vovô, o que está fazendo?". Estava abismada com o comportamento do homem. Masaki sempre fora uma pessoa cordial, pelo menos com ela. O que teria acontecido? E quem era aquela jovem que estava com ele?

"Pergunte a ela o que ela estava fazendo?", respondeu o senhor.

Tomoyo se virou para a outra moça e passou a fitá-la com interesse. Ela tinha olhos verdes e cabelos castanhos, presos num coque frouxo. A roupa estava meio desalinhada, como se ela tivesse acabado de acordar. 'Ela é encantadora', pensou com um pequeno sorriso.

Sakura também estava olhando para a jovem na cama. Ajudara Eriol e Lau Ma a cuidar de Tomoyo e também se preocupara com ela, afinal sabia que não era fácil passar por aquela situação. Não gostava nem de lembrar do que vivenciara naquela clareira... Graças a Deus e a Mu Bai conseguira sobreviver.

"Você é a senhorita Daidouji", disse Sakura, esquecendo-se por instantes do avô birrento. "Como está? Eu sou Sakura Kinomoto".

Tomoyo arregalou os olhos. Aquela era sua prima. 'E a mulher que terei que matar', pensou, sentindo-se mal. Céus, como faria para sair daquela situação? Esforçou-se para mostrar um sorriso. "Olá... Pode me chamar de Tomoyo... Afinal de contas, nós somos primas, não é?".

Sakura sorriu mais amplamente. "É sim. E você pode me chamar de Sakura. Estou muito feliz em conhecê-la. Eu não esperava encontrar outros familiares, especialmente depois da morte de papai e Touya".

"Oh! Eu sinto muito...", murmurou a jovem de olhos violeta. "Nós não sabíamos que eles haviam falecido...".

"Já faz alguns meses...", suspirou Sakura. "Mas graças a todos aqui e ao senhor Li, estou conseguindo superar esta perda".

Em silêncio, Masaki observava as duas primas interagirem. Era como se ambas já se conhecessem há muito tempo. E era como rever Sonomi e Nadeshiko conversando. Sentiu lágrimas aflorarem em seus olhos. Por instantes, esqueceu-se do motivo que o fizera levar Sakura até ali.

No entanto, Tomoyo não se esquecera. "Mas, me diga, vovô... O que aconteceu entre você e Sakura? Pensei que o senhor fosse ficar feliz quando a encontrasse...".

"Eu estou feliz, Tomoyo", respondeu Masaki, mudando de expressão de imediato. "Só não imaginava encontrar sua prima fazendo o que eu a vi fazer".

"Mas eu não estava fazendo nada!", exclamou Sakura.

"Sentada no colo de um homem", continuou ele, como se ela nem estivesse ali. "Isso não é comportamento de uma mulher decente... Imagina se outra pessoa a pega lá, Tomoyo! Ia acabar com a reputação dela...".

"Acho que Sakura tem uma boa explicação para tudo isso, vovô", disse Tomoyo, olhando a cara de desgosto da prima.

"É claro que tenho", disparou a moça, aproveitando a brecha. "Eu não fiz nada de errado, aquele é meu noivo... Nós iremos nos casar em breve... Todos aqui sabem, não há motivos para se preocupar com minha reputação".

"Casar!?", exclamou Masaki. "Você não vai se casar com aquele petulante!".

"O quê?!". Sakura não estava acreditando no que ouvia.

"Não vou permitir que se case com um qualquer!", disse o senhor, resoluto. "Não vai se casar com ele e pronto. Vamos voltar para o Japão e cuidarei que você tenha o pretendente adequado!".

Tomoyo olhava do avô para a prima sem saber o que fazer ou dizer. Aquela atitude de Masaki era, no mínimo, chocante. Uma novidade para ela. Nunca vira o avô se exaltar tanto.

Sakura ainda tentava absorver as palavras do homem. "Que-quem o se-senhor pensa que é?", disse ela, trêmula de raiva. "Não pode simplesmente aparecer e dizer o que eu faço da minha vida!". Com respiração ofegante e olhos rasos de lágrimas, ela mal podia se conter. "Onde esteve quando mais precisei de você? Onde esteve quando minha mãe precisou de você?! Você nos deu às costas! Nos rejeitou! Agora aparece, assim do nada, e quer mandar em mim! Não! Eu vou ficar aqui e vou me casar... Quer você queira ou não!". E dizendo isto, ela saiu, pisando duro, deixando Masaki e Tomoyo estarrecidos.

"Acho que o senhor exagerou, vovô...", murmurou a moça acamada.

Respirando fundo, Masaki se sentou na cadeira mais próxima. "Mas eu só queria...".

"Cuidar dela, como fez comigo?", Tomoyo sorriu, compreensiva. Viu o avô assentir com a cabeça. "Eu sei, vovô, mas quando o senhor me encontrou eu era uma garotinha, sozinha e perdida. Sakura é uma mulher adulta... Além disso, acabamos de conhecê-la... O senhor não espera que ela obedeça a um estranho, não é?".

Masaki sabia que a neta estava com a razão, como sempre, aliás. Tomoyo sempre fora uma menina muito centrada, observadora e inteligente. Mas o homem não tinha a menor idéia do que o acometera. Simplesmente ficara furioso ao encontrar a filha de sua Nadeshiko sentada, de modo tão íntimo, no colo de um desconhecido. E para terminar, ela ainda ia se casar com ele... Isso destruía todos os planos que fizera para quando encontrasse Sakura. Tinha planejado uma viagem ao redor do mundo com os netos e o professor Kinomoto. Saber que este e Touya haviam morrido fora uma surpresa... Esse era mais um motivo para cuidar de Sakura. Ela estava sozinha no mundo. E ele, como único parente, se esforçaria para zelar por ela. E começaria proibindo aquele casamento impensado.

"Você tem razão, Tomoyo", falou por fim. "Mas não vou permitir que ela se case com aquele homem. Ele é um desaforado, um grosseirão! Não consentirei que minha neta estrague a própria vida desse jeito. Ele nunca a fará feliz".

Tomoyo apenas balançou a cabeça, desanimada. Se não bastassem todos problemas que tinha, ainda precisaria resolver mais esse pepino. Mas, uma coisa precisava concordar com o avô. Se ele e Sakura partissem para o Japão, não precisaria matá-la... E quando tudo estivesse resolvido, ela os encontraria lá. Talvez, se conversasse com a prima, pudesse convencê-la...

* * *

Eriol havia saído do quarto de Tomoyo se perguntando o que causara aquele desentendimento entre Masaki e Sakura. Sabia que a amiga ainda estava aceitando a idéia de ter uma família, mas isso não era motivo para agir daquele jeito... Era? Achou melhor conversar com Xiaolang. Era incrível como Li, mesmo sem sair de sua ala 'privativa', sabia de tudo o que acontecida naquela casa. Era bem provável que ele soubesse daquilo também. Encontrou o amigo se exercitando, na sala de treinamento.

"Bom dia, Xiaolang", cumprimentou jovialmente.

"Bom dia, Eriol", respondeu o guerreiro, sem parar de fazer seu kati. "Quando vamos continuar com aqueles seus tratamentos esquisitos?".

Eriol riu. "Por quê? Está com saudades?". Antes de Tomoyo aparecer, o médico preparava emplastros, cataplasmas, ungüentos e toda espécie de creme para aplicar nos olhos do amigo, a fim de reativar sua visão. Mas nada dera certo.

"Céus!", replicou Li. "Claro que não!".

Xiaolang parou os movimentos, respirando fundo. Aquela manhã estava exigindo muito mais de si mesmo. Estava aborrecido e queria extravasar suas emoções. Pegou duas espadas de bambu no paiol e jogou uma para Eriol. "Eu detesto aquilo tudo... Nada funcionou e nem vai funcionar".

"Tem razão", respondeu Eriol, oscilando a espada para se relembrar das velhas técnicas. Há muito tempo não treinava. "Só poderei preparar algo que seja efetivo para seu caso quando descobrir o que causou exatamente sua cegueira".

Os dois se colocaram em posição de luta, alguns metros afastados um do outro. Eriol ainda se surpreendia com a confiança dos movimentos do amigo. Era como se ele ainda pudesse ver claramente o que havia em sua volta.

"Mas eu já disse... Foi aquele maldito óleo", disse Xiaolang, esperando pelo ataque do companheiro.

Eriol aproximou a espada do corpo e erguendo-a levemente sobre o ombro esquerdo, lançou-se em direção à Li, que defendeu o golpe com habilidade. Ficaram trocando golpes, como se estivessem relembrando o estilo um do outro.

"Como faz isso?", quis saber o médico.

"Isso o quê?".

"É como se você pudesse prever todos meus movimentos...", falou Eriol, dando um giro de 180 graus e protegendo-se de uma pancada que Li proferia.

"Tenho treinado muito...", foi a resposta. "Minha percepção melhorou. E você tem que admitir... Você está lento e sua técnica está péssima".

"Ei, não pego numa espada há cinco anos", gargalhou Eriol. "E sua percepção já era boa... Ficou extraordinária agora".

Li nem se dignou a responder. Trocando o peso das pernas, balançou-se para a direita e, erguendo a espada rapidamente, acertou Eriol nos rins. O médico dobrou-se ao meio e afastou-se. "E sua força também aumentou...", gemeu o homem de olhos azuis.

"Só por que estou cego, não significa que ficarei mole... Como você", disse Xiaolang com um sorriso irônico.

Eriol se recompôs e desta vez esperou pelo ataque de Li, que não tardou a vir. A luta ia ficando mais rápida, conforme Eriol ia se aquecendo e relembrando dos anos no exército. O amigo era muito bom com espadas e com certeza ganharia aquele combate, mas o doutor daria lhe um pouco de trabalho... 'Ou uma distração', pensou, lembrando-se do que tinha ido fazer ali.

"Sabe", começou Eriol, ofegante. "Acabei de ver Masaki e Sakura... Eles não pareciam muito felizes".

Li deu um passo para trás e abaixou a espada. "O que aconteceu?", perguntou.

Hiiragisawa percebeu a expressão do amigo e pressentiu que o que havia ocorrido era mais sério do que imaginara. "Foi o que eu vim lhe perguntar", respondeu. "Eles estavam discutindo... Pararam quando perceberam que eu estava no quarto da Srta. Daidouji".

"Hm... Você estava com a moça, hein?". Novamente, o sorriso mordaz de Li apareceu. "Diga-me, ela é bonita?".

"Tão bonita quanto a sua garota", rebateu Eriol. "Afinal, elas são primas... A beleza deve estar na família... Mas não mude de assunto. O que aconteceu com Sakura e o avô?".

"Ele nos pegou dormindo juntos".

"O quê?!", espantou-se Eriol. "Como você pôde!?".

"Ei, nós não fizemos nada que você está pensando", replicou Xiaolang. "E mesmo se estivéssemos fazendo, não teria problema algum. Se eu tivesse dormido com ela, seria apenas como adiantar as coisas...".

"É... Como provar a sobremesa antes do jantar...", ironizou Eriol.

"Vou me casar com ela, Eriol. Assim que aquela maldita licença chegar...", disse o guerreiro. "Nós não fizemos nada. Estávamos apenas dormindo naquela poltrona da biblioteca. O velho entrou e nos pegou... Ainda quero saber como ele foi parar ali. Já mandei avisar que não os quero na minha ala".

"Aposto que o homem quase matou vocês do coração", riu Eriol, divertido.

"Nem me fale... Juro que me deu vontade de esfolá-lo bem ali... Há tempos eu não dormia tão bem".

"Agora entendo a raiva do Sr. Amamiya... Ele encontrou a neta numa situação comprometedora...".

"Eu já disse que vou me casar com ela, droga!", exclamou Li.

"Eu sei disso, mas acho que ele não sabe... Já pensou o que esse imprevisto pode ocasionar?", ponderou Eriol. "Como parente de Sakura, o único parente homem, diga-se de passagem, ele pode muito bem proibir o casamento de vocês".

"Ele não vai se atrever a chegar a tanto... E se chegar, eu ainda tenho uns trunfos guardados... Não se preocupe...".

"Por que será que tenho a impressão que você está planejando alguma coisa?", disse Eriol, observando o sorriso enigmático do amigo.

"Porque talvez você esteja certo", respondeu Xiaolang. "Quando chegar a hora, você saberá. Mas vamos mudar de assunto... Descobriu alguma coisa sobre a Daidouji? Ou você ficou encantado demais pela beleza dela?".

"Ainda não tive oportunidade de conversar com ela direito".

"Fique de olho nela, Eriol", pediu Li. "Tem alguma coisa por trás desse seqüestro dela e dessa súbita aparição aqui em casa...".

"Pode deixar", assentiu o amigo.

"Agora deixa de moleza e vamos terminar esse treino...". Os dois voltaram para suas posições, e continuaram a duelar.

* * *

Mu Bai e Lau Ma fizeram a viagem de volta em total silêncio. A jovem não queria perguntar o que estava incomodando o irmão e assim aproveitou para ficar recordando-se do homem misterioso que mexera tanto consigo. Talvez ele fosse um marginal... Mas havia algo nos olhos dele que fazia suas pernas amolecerem... Ele tinha um olhar tão intenso... Era como se pudesse ver além de si mesma e chegar até o profundo de sua alma... 'Com certeza ele se encontraria lá... Não consigo parar de pensar nele. Droga!', pensou chateada.

"Lau Ma".

"Sim, irmão?".

"O que você estava fazendo parada no meio da feira?", ele perguntou.

"Nada...", ela respondeu rapidamente. "Estava apenas pensando no que faltava comprar...".

"Mentira!", disparou Mu Bai. "Eu vi você olhar para aquele homem. Quem é ele, Lau Ma?".

"Homem? Que homem?". Ela não podia acreditar! Como ele descobrira? Será que ela era tão previsível e indiscreta a ponto de todos perceberem suas ações?

"Não se faça de desentendida, irmã!", rebateu o assistente de Li. "Eu conheço você muito bem. E vi o modo guloso como ele olhava pra você... Fique longe dele, Lau Ma".

"Mas eu não sei do quê está falando, Mu Bai...".

"Fique longe dele", ele a interrompeu. "E tem mais, você não vai mais à cidade sem mim. É uma ordem".

Lau Ma apenas balançou a cabeça, concordando. 'Ótimo', pensou ela, abatida. 'E nem cheguei a descobrir alguma coisa sobre ele...'.

* * *

Sato cavalgava rápido, seguido por Guang. Logo ambos chegaram a fazendinha onde a gangue estava abrigada. Apearam e dirigiram-se para a casa, de onde podiam ouvir gritos de pavor.

"Mestre Ken está se divertindo com a cadelinha de novo...", disse Guang, com seu gosto sádico. "Espero que ele deixe um pouco para nós".

Sato sentiu o sangue ferver com o comentário do parceiro. Com passos apressados, afastou-se dali antes que fizesse alguma besteira. Chegou ao campo onde os homens montaram um ringue e treinavam alguns golpes. Deu um sinal a um deles, que se achegou trêmulo, temendo o olhar frio do segundo no comando da gangue. O pobre coitado nem viu o que o acertou. Com três poderosos socos, Sato o derrotou.

"Fraco", grunhiu Sato, deixando o oponente cair no chão. "Não tem nenhum homem de coragem aqui para me enfrentar?!", perguntou voltando-se para o restante do grupo, que assistia tudo atemorizado. Ninguém estava disposto a encarar Sato numa luta, ainda mais com o humor que ele estava. Seria um suicídio.

"Bando de covardes...", resmungou o guerreiro, saindo do ringue.

Retirou-se para seu local preferido na pequena fazenda, o rio. Aquele lugar lhe trazia memórias antigas... Coisas que preferia esquecer, mas que não podia, não conseguia. Se fechasse os olhos, ouviria as súplicas de Akane...

'Jure, Hitoshi... Por mim, por eles...'.

Aquelas palavras estavam impetradas em sua mente e em seu coração. E sim, ele faria o que ela pedira. Ele havia jurado e cumpriria seu juramento. E pressentia que seu momento se aproximava. Ken estava tão preocupado com seu plano para matar Li Xiaolang que estava descuidando da própria defesa... A gangue nunca ficara tanto tempo no mesmo lugar, era deveras perigoso. Talvez os deuses estavam lhe dando uma ótima oportunidade para cumprir sua palavra.

Seus pensamentos se voltaram para a moça na feira. Lau Ma. Ela o fazia lembrar-se tanto de Akane... O jeito alegre, o sorriso doce... Akane sempre fora sua razão de sorrir e de sonhar com um futuro melhor, no entanto ela conhecera o terror e não resistira a tantos ferimentos. Sato sabia que o destino que estava reservado a Lau Ma era o mesmo que Akane tivera. A esta, ele não pudera salvar, mas talvez pudesse ajudar a outra, livrá-la do mesmo fim.

Tirou a roupa e entrou no rio, desejando que as águas frias pudessem lavar sua alma atormentada. Voltou a pensar em Lau Ma... Ela era bonita... Pequenina e delicada... O que sentia por ela era bem diferente do que sentia por Akane, completamente diferente. Apenas isso poderia explicar a imensa vontade de pulverizar Guang quando este a olhou com uma luxúria indisfarçável. Foi difícil manter o controle. Não queria que aquele idiota tocasse em Lau Ma.

Seus ouvidos treinados escutaram passos. Alguém se aproximava. Virou-se para a margem e avistou a filha do dono da fazenda, a única da família a sobreviver ao ataque. Ela estava com o rosto vermelho e inchado, com um filete de sangue escorria pelo canto da boca. Estava vestida com roupas rotas e sujas, que mal escondiam suas formas jovens e os hematomas das agressões de Ken. Ela ainda não o avistara na água, pois vinha olhando para o chão.

"Ei, você está bem?", ele perguntou quando ela se ajoelhou na beira do rio e começou a se lavar. Sobressaltada, a garota se afastou alguns passos, olhos cheios de lágrimas. Sato podia ver terror neles. "Não se preocupe", continuou ele, com voz baixa e calma. "Não vou lhe fazer mal". Ela se afastou mais um pouco, sacudindo freneticamente a cabeça. Estava tão cheia de medo que jamais acreditaria nas palavras de Sato.

"Quer se divertir com meu brinquedo, Sato?".

Era Ken que chegava, com um sorriso perigoso nos lábios. Estava com a túnica aberta e Sato pôde ver inúmeras cicatrizes e a serpente preta tatuada no peito largo. A mesma serpente que fora obrigado a tatuar nas costas.

"Não, mestre", respondeu Sato friamente. "Eu estava apenas me lavando".

Ken se aproximou da garota e a agarrou pelos cabelos, puxando-os de modo que ela o encarasse. "Vá se lavar em outro lugar, Dae", ordenou. A pequena não precisou ouvir duas vezes. Assim que ele a largou, Dae saiu correndo.

"Ela não me parece muito bem", comentou Sato, enquanto observava a garota sumir entre os arbustos. Na gangue de Ken, poucos homens podiam falar abertamente com o chefe sem apanhar ou ser castigado. Sato era um deles. Esforçara-se para ganhar a confiança do líder da quadrilha e conseguira, se tornando seu assistente e braço direito.

"É... Ela não vai durar muito tempo...", resmungou Ken, também entrando na água. Depois de um mergulho, ele se virou para Sato. "Guang me falou o que aconteceu na cidade...". Sato se perguntou o que exatamente o imbecil de seu parceiro havia dito.

"Então Xiaolang já mandou buscar as coisas da vadia e do vovôzinho dela...", continuou o chefe. "Tudo está seguindo de acordo com o planejado, não acha?".

"Sim, mestre".

"Há um serviço que quero que faça, Sato. Você é o único que posso confiar para isso. O restante do bando é monte de bosta, uns idiotas...".

"E o que é, mestre?".

"Quero que mande um recadinho para Black Linx", Ken sorriu, com um brilho maligno em seus olhos. "Diga a ela para não se esquecer do nosso acordo e que estamos de olho nela...".

* * *

N/A: E aí, pessoal!! Eis aqui o capítulo dez. Espero que tenham gostado.

Finalmente Sakura e Tomoyo se conheceram. O que a jovem ladra vai fazer agora que sabe que terá que se livrar da própria prima. Será que Masaki ainda será contra o casamento quando descobrir que o noivo é ninguém mais que Li Xiaolang? E quem é Akane? Que tipo de relação ela tinha com Sato? Muita água ainda vai rolar neste conto... Aguardem e confiram!!

Quero agradecer de coração as pessoas que estão acompanhando minha história. Já chegamos à 100 reviews e comentários (da ff.net + do CCS Guia, sem mencionar os e-mails...)! Obrigada, muito obrigada! Estou tão feliz que estou escrevendo a história aonde posso: dentro do ônibus, tomando café... Às vezes acordo de madrugada com a cabeça cheia de idéias e passo tudo para meu caderninho... ^_^

Aproveitando o espaço, quero divulgar uma nova história minha! O nome é 'Uma segunda chance' e para quem gosta de fics de DBZ, ela está disponível na Fanfiction.net (o endereço para meu profile lá é: http://www.fanfiction.net/profile.php?userid=175210). É uma comédia romântica que resolvi escrever para espairecer minhas idéias. Esse suspense de 'Luz' está me consumindo...

Bem, e como faço em todos os capítulos, quero dedicar este à Kath, à Lullaby e à Isinha. Obrigada, garotas, pela paciência, por terem ouvido minhas idéias malucas e pelas sugestões maravilhosas. Também quero dedicar à Jubasmile (adorei seu e-mail, Ju!), à Saki Kinomoto e à Nanninha Li pelo apoio. Muito obrigada, meninas!

Vou ficando por aqui, essas minhas notas estão ficando maiores a cada capítulo. Um beijo a todos e até o próximo capítulo.

Andréa Meiouh