Capítulo 16

Ken via todo seu plano ir por água abaixo. Não fazia idéia que Li e seu pessoal resistissem tanto. Nem esperava que seu inimigo continuasse lutando tão bem. Mas isso era o que ganhava por subestimá-lo. Sempre soubera que Xiaolang era um homem de coragem e fibra. Era imbatível na luta com espadas e no combate corpo a corpo. E mesmo sangrando como um porco, lá estava ele, de pé, orgulhoso e prepotente. A chegada da polícia só fazia piorar sua situação.

Começando a desesperar-se, de medo e dor, passou a pensar num modo de fugir quando viu a garota de cabelos castanhos claros e olhos verdes se aproximar de Xiaolang. Sato havia lhe dito que ela e Li iriam se casar. Um sorriso diabólico surgiu em seus lábios. A mulher estava distraída, só pensava em chegar no noivo e Li havia relaxado com a entrada dos soldados. Então, assim que Sakura passou por ele, estendeu o braço bom e puxou-a pelos cabelos, fazendo-a gritar.

"Xiaolang!".

"Sakura!", foi a resposta aflita de Li.

"Sua noivinha vai comigo, Xiaolang...", Ken anunciou, pegando os cabelos de Sakura com firmeza. "Ninguém se aproxima ou ela morre!".

Andando para trás, começou a retroceder em direção ao portão, arrastando a moça consigo. Depois que se cansasse dela, a mataria. Não... talvez não... O melhor era usar e abusar dela o quanto podia e depois mandá-la de volta à Li. Quem sabe prenhe de um filho seu? Seu sorriso maléfico aumentou. Queria poder ver a cara de Li quando a noivinha voltasse, embuchada. Não conteve uma gargalhada.

"Larga ela, Ken!", ouviu Li gritar. "Seu problema é comigo, não com Sakura!".

"Ah! Eu sei!", respondeu, sentindo a vitória perto. "Mas levar sua garota vai se bem mais divertido!".

"Me solta!", esperneava Sakura, tentando se soltar, mas cada vez que se mexia, ele lhe puxava ainda mais os cabelos. Seus olhos estavam cheios de lágrimas de dor.

"Não se preocupe, Li...", zombou Ken. "Ela vai voltar... Quando eu terminar com ela!". Novamente, deu uma gargalhada sinistra e com um forte puxão, fez a moça cair e passou a arrastá-la pelos cabelos.

"Xiaolang!", Sakura berrou em desespero.

"Grite, pequena! Grite o quanto quiser! Seu noivo é um inválido... Não pode fazer nada para ajud--". Ele parou de falar quando sentiu uma dor infernal e a lâmina fria de uma espada atravessar-lhe o ventre. Arregalou os olhos ao ver seu sangue escorrer profusamente do ferimento. A pessoa que segurava a espada girou-a, fazendo a dor aumentar estupidamente. Soltou sua presa e se virou para ver seu agressor.

"Você...", falou com dificuldade, devido ao sangue se saiu de sua boca. "Sua cadela maldita!". Antes de perder todas as forças, agarrou-a pelo pescoço, encarando-a com um olhar flamejante. "Maldita!".

A pequena se debatia em seus braços, enquanto a estrangulava, olhos cheios de pavor. Ken sentia suas energias se esvaírem e o ferimento doer ainda mais. Tirou a kunai de Black Linx da bota. Estivera guardando aquela pequena faca para matar a ladra traidora com ela, mas teria que fazer uma mudança de planos.

Gritos angustiados foram ouvidos e houve uma comoção no pátio. Ken percebeu que pessoas se aproximavam e por isso, com o restante de suas forças, enfiou a kunai na barriga dela.

"Se vou morrer... você vai comigo... maldita...", murmurou, enfiando e rodando a faca no ventre dela, como ela lhe fizera momentos atrás. O sangue quente dela escorreu por sua mão. "Maldita...", gemeu mais uma vez, sentindo a escuridão envolvê-lo e seu corpo tombar. E ele sangrou até a morte, ali no pátio da casa do homem que jurara destruir, rodeado por pessoas que o odiavam.

De repente, Ken sentiu-se leve e cheio de energia. De alguma maneira havia sobrevivido ao golpe da garota. Mas olhando em volta, deu-se conta da dura realidade. Avistou seu corpo estendido no chão. Ele estava morto. Percebeu também o tamanho do estrago que ele e seus homens fizeram na mansão Li. Havia dezenas de corpos estendidos pelo chão, e poças de sangue. Sentiu um prazer mórbido. Pelo menos, havia arrasado com aqueles vermes. Ia dar uma gargalhada quando seu espírito foi engolido por sombras estranhas e sinistras.

"O que estão fazendo?! Saiam!", gritou, entrando em pânico.

A única coisa que as sombras emitiam era um lamúrio, um tipo de um gemido sofrido, que dava mais medo em Ken. Tentando se libertar, começou a se mexer e xingar. Foi quando enxergou uma luminosidade, morna e aconchegante, tão diferente do frio súbito que o envolvera, que congelaria seus ossos... se ainda os tivesse.

Pode distinguir uma imagem no meio da luz. Era um portão dourado. Por trás dele, um belo jardim, com flores e muitas pessoas, vestidas de branco. Um grupo se aproximou do portão e este se abriu, dando passagem. Eles sorriram felizes quando um espírito flutuava na direção deles. O abraço que a alma recebeu foi muito caloroso. Outro espírito se aproximou e também foi recebido com alegria.

"O que...? O que é aquilo?", Ken perguntou a si mesmo.

"Aquilo é o paraíso...", respondeu a voz chorosa de uma das sombras. "É para onde vão as pessoas que merecem a paz e a felicidade eterna... Como aquela menina...".

Voltando-se novamente para a luz, Ken a viu... Lá estava ela, linda como no primeiro dia em que a vira ou ainda mais bela, correndo para os portões, indo se encontrar com a família. A alma dela estava resplendorosa, era a mais radiante de todas que Ken vira passar ali. O sorriso que ela tinha no rosto era tão grande e repleto de amor que o bandido sentiu um ódio profundo. Ele a matara para que ela sofresse tanto quanto ele, mas no final, ela ia para o paraíso.

"E eu?", inquiriu outra vez. "O que vai acontecer comigo?".

"Você ainda pergunta?". E ele sentiu-se sendo puxado, tragado... Berrou, esperneou, mas não houve jeito... Ken Ryu foi levado para o inferno.

* * *

Ninguém tinha visto ela se aproximar. Ninguém dera falta dela no pequeno grupo dos sobreviventes daquele batalha sem sentido. Ficou à sombra, olhando seu inimigo mortal travar um duelo com o corajoso Sr. Li, que mesmo cego, dava grandes problemas à Ken.

Viu o momento em que Sakura tentou se aproximar de Xiaolang, distraída com a chegada da polícia. E também viu quando Ken pegou a japonesa pelos cabelos. Sentiu seu estômago contrair de ódio e nojo. Se o bandido fugisse com a prima da Srta. Tomoyo, esta sofreria tanto quanto ela própria sofrera nas mão daquele cafajeste.

Um brilho metálico prendeu a atenção de seus olhos por uns instantes. Foi quando tomou uma decisão. Não deixaria ninguém mais sofrer nas mãos de Ken. Nunca mais. Com passos silenciosos, tomou a arma na mão e seguiu lentamente na direção do homem em fuga. Era como se, subitamente, tivesse ficado invisível. Todos os olhos estavam voltados para Sakura. Ninguém tinha reparado nela.

Parou a alguns passos de Ken e, com toda sua coragem e força, enfiou a espada na barriga dele. Com a memória da morte dos pais e do irmão viva em sua mente, empurrou um pouco mais a espada. Aquele era o fim de uma vida de crueldades, ela estava se certificando disso. Porém, o que não esperava era que o homem que odiava virasse para ela, com olhos ardentes, cheios de fúria e ódio. Sentiu a mão dele agarrá-la no pescoço, como uma garra de ferro. O ar foi faltando em seus pulmões. Bateu com os punhos no braço dele, mas ele, mesmo ferido, era mais forte que ela.

Sentiu as coisas escurecerem ao seu redor, mas ouviu o grito aflito da Srta. Tomoyo e do Sr. Hiragiisawa. Eles que foram tão gentis, tirando-a de seu cativeiro e cuidando dela. Eles que lhe mostraram que ainda havia gente boa num mundo tão cruel. Sentiu-se triste por morrer sem ter agradecido. Sentiu suas energias serem drenadas pouco a pouco, conforme seus pulmões não agüentava mais a falta de ar. E quando a kunai entrou em seu abdômen, tudo se apagou. Nem sequer registrou as palavras rancorosas de Ken.

Um silêncio pesado se fez no pátio da mansão Li. Parecia que até mesmo os cavalos da força policial sentiram necessidade de ficarem quietos, diante do impacto da cena. Sakura, ainda de joelhos no chão, estática no mesmo lugar em que Ken a largara, assistira tudo com olhos arregalados, cheios de choque. De onde estavam, Tomoyo e Eriol gritaram, mas não puderam evitar a tragédia final. Sato largou a espada que trazia, sentindo uma íntima satisfação. Ken finalmente morrera e pelas mãos de alguém que merecia vingar-se tanto quanto ele mesmo. Pela primeira vez em anos, Sato Hiroshi abaixou a cabeça e, triste com a morte de uma pessoa tão inocente, orou pela alma dela.

Pela alma de Wong Dae.

* * *

Li sentia a escuridão o asfixiar. Nunca, em aqueles anos de cegueira, sentira um ódio tão grande de sua própria condição. O corpo fraco e debilitado pelos inúmeros ferimentos, em especial pelo profundo corte do lado direito, não resistiu mais e fraquejou. Sentiu os joelhos baterem com força no chão de terra batida, enquanto algumas gotas de chuva começavam a cair sobre todos, como se viesse finalmente encerrar aquele dia maldito.

"Sakura...", murmurou antes de cair de uma vez no chão.

A moça virou a cabeça e viu o homem que amava caído. "Xiaolang...". Os pingos da chuva se misturavam com as lágrimas que ainda teimavam em cair. Erguendo-se, foi ao encontro de Li e ajoelhou-se ao lado dele. "Xiaolang...". Com certa dificuldade conseguiu virá-lo e, gentilmente, tocou na face suja de lama e sangue, que a chuva devagar ia lavando.

Eriol e o inspetor Kim se aproximaram do casal, enquanto Tomoyo, Sato, Lau Ma e o resto dos sobreviventes oravam por seus mortos.

"Sakura?", chamou o médico.

"Ele está morrendo, Eriol...", sussurrou ela, colocando a cabeça de Li no colo.

"Vamos cuidar dele, não se preocupe", afirmou Eriol, pondo uma mão reconfortante no ombro da amiga.

Sakura concordou com a cabeça e olhou em volta. Ao seu redor tudo era tristeza e devastação. A chuva ia apagando as chamas das poucas construções que ainda restavam de pé. O estábulo fora completamente destruído, mas a mansão, milagrosamente, fora poupada. Haviam cadáveres estendidos pelo pátio. Uma parte dos policiais e os restantes dos homens de Li recolhiam os corpos dos conhecidos. Os bandidos que ainda estavam vivos eram amarrados em fila, para serem levados ao palácio do prefeito, onde certamente seriam executados. Fechou os olhos, nauseada e seu desejo de partir se intensificou. Não conseguiria viver num lugar que tivesse tantas lembranças ruins.

"Srta. Sakura?", era a voz de Zhang. "Deixe-nos levá-lo para dentro", pediu o cozinheiro apontando para Li. Sem reagir, a governanta permitiu que Eriol e Huike levassem Xiaolang para um lugar seco.

Sentindo-se totalmente sozinha e desamparada, permaneceu no mesmo lugar, deixando a chuva regelar seus ossos. Um abraço caloroso, no entanto, fez Sakura sair de seu estado de auto-comiseração. Voltando à realidade, notou que Min Soo e Pei Pei estavam à seu lado, enquanto Yuelin a abraçava.

"Acabou, Srta. Sakura", falou a garota, com voz abafada. "Nós ganhamos".

"Sim, Yuelin... Finalmente acabou...". Mas Sakura não sentia alegria por ter vencido aquela batalha. Tinha sido uma vitória amarga, com grandes perdas.

* * *

Kim olhava para o casal abraçado à sua frente. Lau Ma era filha de um velho amigo de infância seu, Ming Su. E naquele momento, a jovem sofria duplamente - pela perda do irmão e pela prisão do namorado.

Conformado, Sato aceitava seu destino. Sentia apenas não poder ficar com sua pequena e assim faltar com a promessa que fizera. Era um homem honrado, sabia que tinha feito coisas erradas e precisava pagar por elas. Havia matado gente, em nome de uma vingança que acabara nem ao menos realizando.

"Não posso perder você também...", soluçou Lau Ma contra a armadura de Sato.

Ele a abraçou apertado, sem palavras para dizer. Não era muito bom em confortar mulheres e a situação que se encontrava não lhe permitia dar muito conforto à Lau Ma de qualquer modo.

O inspetor pigarreou, separando o casal. "Vamos indo", ordenou.

"Inspetor Kim!", Eriol se achegou dos três.

"Dr. Hiragiisawa. Algum problema?".

"Este homem não deve ser preso", disse o médico, categoricamente, apontando para Sato. "Ele foi um valioso aliado para nós. Sem a ajuda dele, não teríamos nos preparado e enfrentado Ken e seus homens. E pelo relato dos rapazes, ele não matou nenhum dos nossos homens. Pelo contrário, ele defendeu e protegeu Lau Ma, lutando contra os próprios companheiros".

"Isso é verdade?", perguntou Kim, olhando para o guerreiro silencioso.

"Sim...", falou Lau Ma, se aproximando mais. "Por favor, tio Luoyang... Não leve Hiroshi...".

"Sabe o que está me pedindo, garota?".

A jovem fez sim com a cabeça. Ela sabia que estava intercedendo por um criminoso, mas também sabia que Hiroshi deixaria a vida de crimes para trás.

"Nós nos responsabilizamos por ele, Inspetor", afirmou Eriol. "Se Li estivesse em condições, diria o mesmo, tenho certeza. Sabemos que Sato não é uma má pessoa. Foi apenas vítima das circunstâncias e precisaremos de toda ajuda possível para construir e reerguer tudo o que foi perdido".

O policial olhou para o japonês. "Vê, meu rapaz. Essas pessoas estão o defendendo, responsabilizando-se por seus atos. O que tem a dizer?".

"Fiz muitas coisas erradas", admitiu Sato. "Confesso e não nego, mereço castigo. Mas também estou disposto a mudar de vida. Fiz uma promessa e pretendo cumpri-la".

Kim fitou o rapaz com admiração e respeito. "Percebo porque esta menina o protege... Você é um homem honrado. Creio que já sofreu castigos demais apenas convivendo com esta corja... Vou permitir que fique, mas saiba que estarei de olho em você".

Um sentimento de alegria e alívio se apossou de Lau Ma ao ouvir as palavras do amigo do seu falecido pai. Jogou-se nos braços de Hiroshi e abraçou-o apertado. O japonês retribuiu o abraço e inclinou-se para beijá-la, sem se importar com a chuva ou com as pessoas em volta. Estava recebendo uma nova chance para viver e não a desperdiçaria.

* * *

Por todo aquele dia, os amigos e empregados de Li arrumaram o que havia sobrado. A chuva, que continuava a cair, ajudara a limpar o pátio. Os homens levaram os corpos para uma parte afastada e os enterraram lá. Na casa, as mulheres e crianças oravam por aqueles que haviam partido.

No quarto de Li, com móveis improvisados, Sakura velava pelo sono inquieto do guerreiro. Xiaolang estava com febre, suava e tremia muito. Por vezes, murmurava coisas sem sentido, agitando-se, o que causava um grande risco da ferida voltar a sangrar.

"Como ele está?", perguntou Tomoyo, entrando no aposento.

"Nada bem...", confessou Sakura, desanimada.

"Eriol seguiu para a vila", anunciou a outra. "Ele, Sato e os outros vão buscar os móveis e o restante das coisas da casa. E Min Soo e Zhang estão improvisando algo para comermos".

"O que vamos fazer agora, Tomoyo?", perguntou a moça de olhos verdes, que estavam inchados de tanto chorar. "Estes últimos acontecimentos... A luta... Tudo isso ficará marcado em nossa memória".

"Sim... Quase morremos e perdemos tantas pessoas queridas... Vovô... Dae... Mu Bai... Será difícil sem eles...".

As duas ficaram em silêncio, ruminando seus próprios pensamentos. "Não quero continuar aqui... Não conseguirei viver num lugar com lembranças tão amargas, com tanto sofrimento...", disse Sakura por fim.

"Vai deixar Xiaolang?", perguntou Tomoyo, surpresa.

"Ele me mandou embora daqui".

"Mas Sakura...".

"Ficarei apenas até que ele se recupere... Depois partirei. Deve haver algum lugar onde eu possa arrumar um trabalho... talvez como preceptora, ou até mesmo como empregada doméstica...".

Pasmada, Tomoyo olhou para a prima. Pensara que Sakura iria permanecer ao lado de Xiaolang, sem se importar com as conseqüências. Mas parecia que as palavras duras do guerreiro causaram um efeito pior do que ele previra.

"Vovô tinha negócios no Japão...", disse a ex-ladra. "Agora com a morte dele, nós teremos que assumi-los...".

"Nós?", estranhou Sakura. "Por que nós?".

"Vovô a reconheceu como neta antes mesmo de virmos para a China, Sakura. Tenho documentos para confirmar, se quiser. A herança é tanto minha quanto sua".

"Tomoyo... Não estou entendendo...". Era a vez de Sakura fitar a prima, assombrada. Afinal, onde ela queria chegar?

"Preciso voltar ao Japão, Sakura. Já que você quer tanto ir embora, pensei então se não quer vir comigo. Assim, pode se inteirar dos negócios e me ajudar".

"Está falando sério?".

"Sim... Não me sinto preparada para enfrentar aquilo tudo sozinha... Mas sei que juntas conseguiremos".

As moças se encararam e um forte elo se fez entre as duas. Não estavam apenas ligadas por laços de sangue, mas sim por uma relação que certamente iria florescer numa grande amizade.

Sakura deu um leve sorriso. "Irei com você". Depois olhou para Xiaolang. "Pensei que pudesse ser feliz aqui, mas me enganei... Quero começar uma nova vida, longe de tudo que possa me trazer lembranças ruins".

"Inclusive Li?".

"Principalmente ele".

* * *

Alternando entre estados de consciência e inconsciência, delírio e lucidez, Xiaolang perdeu completamente a noção do tempo. Recebera com pesar a notícia do falecimento dos amigos e companheiros, sentia-se um pouco responsável por aquelas mortes, já que Ken só invadira a mansão por sua causa.

A única coisa que o reconfortava era a presença de sua flor. Sakura estava ao seu lado, dia e noite, alimentando-o e cuidando para que ele se recobrasse com mais rapidez. Podia sentir dos dedos dela passarem por sua pele cada vez que ela trocava uma atadura, bem como o perfume dela assim que ela se aproximava demais. Entretanto, sabia que a situação entre eles não era uma das melhores. Deveria se desculpar pelo modo que se dirigira à ela, pelas coisas que dissera, mas era orgulhoso demais. Toda vez que resolvia tomar a iniciativa, sentia as palavras fugirem e preferia ficar quieto. Deste modo, sem perceber, ia a afastando de si.

As dores de cabeça eram constantes e fortes, e os olhos ardiam cada vez mais. Apesar dos protestos de Eriol, estava decidido a continuar com o tratamento. O amigo aplicava o soro quatro vezes ao dia e aos poucos Li foi notando um certo progresso. Primeiro, passou a distinguir dia e noite, sem problema. Logo, passou a perceber vultos e movimentações perto de si. E lentamente a luz foi retornando aos olhos de Xiaolang. Apenas quem sabia disso era Eriol, que acompanhava calado e amuado os avanços da visão do amigo. Não conseguia aceitar o fato de Xiaolang querer guardar segredo, mas como prometera, nada revelaria até que Li resolvesse contar a todos que estava voltando a enxergar.

Uma manhã, enquanto discretamente observava o vulto de Sakura mover-se pelo quarto, Li escutou uma comoção do lado de fora do aposento. Passos e vozes animadas de um grupo de pessoas chamaram sua atenção.

"O que está acontecendo lá?".

"Não sei...", disse Sakura, parando o que fazia. "Espere um pouco, que vou verificar".

Sakura saiu e seguiu em direção ao som. Ao chegar na sala, deparou-se com uma bela e elegante mulher, circundada pelos empregados de Li, que pareciam conhecê-la muito bem. A recém chegada era alta e esbelta, tinha o talhe e o porte de pessoas abastadas. Era claro que tinha uma origem nobre.

"Srta. Sakura!", exclamou Yuelin, puxando a manga da túnica da governanta. "Veja quem está aqui. É a Senhora Li!".

Olhos negros fitaram Sakura. "Então, você é a Srta. Sakura Kinomoto...". Aquele olhar tão intenso causou um calafrio na jovem.

"Sim, senhora!", disse Yuelin animada. "Ela é noiva do mestre Li!".

A sobrancelha da mulher se ergueu, em muda surpresa. Não esperava que seu filho viesse a ter um relacionamento com alguma moça com tanto comprometimento. Aquela moça diante de si devia ser especial ao ponto de penetrar na casca protetora de Xiaolang.

"Como vai, Srta. Kinomoto?", perguntou, com educação. "Eu sou Li Yelan, mãe de Xiaolang".

Sakura inclinou-se graciosamente, com as mãos unidas no peito. "Seja bem vinda, minha senhora".

"Eu gostaria de ver meu filho... Onde ele está?".

"Ele está no quarto, repousando", respondeu Sakura.

"Yelan!", uma voz soou do outro lado do aposento. Era Eriol que chegava, acompanhado por Tomoyo e Sato.

"Eriol!". Os dois se abraçaram e se olharam com carinho.

"O que está fazendo aqui?".

"Vim assim que pude. Recebi a mensagem de Xiaolang e fiquei muito preocupada. O que aconteceu por aqui? Olhe esta casa...".

"Ainda estamos arrumando... Muitas coisas foram perdidas".

"Vocês deveriam ter me avisado antes...", disse Yelan com severidade.

"Seu filho soube resolver os problemas... Do modo dele, é claro...".

A Senhora Li sorriu. Eriol era como seu segundo filho. Tinha por ele uma grande estima e confiança. "Vamos ao quarto de Xiaolang... E conte-me tudo o que houve por aqui...", disse, estendendo a mão, que Eriol prontamente aceitou, conduzindo-a à ala oeste.

"Nossa... Quem é ela?", perguntou Tomoyo, quando o casal sumiu da vista.

"É a mãe de Xiaolang...", respondeu Sakura baixinho. Sentia que as coisas iriam mudar, com a presença da matriarca da família Li na mansão. Queria ter partido antes.

* * *

Na manhã seguinte, Yelan se sentava com Min Soo na cozinha. Juntas, relembravam os velhos tempos, enquanto tomavam uma xícara de café. A copeira fora criada da família de Yelan por muitos anos e sua companheira durante a adolescência e juventude.

"Estou feliz que tenhas vindo, senhora", disse Min Soo.

"Queria ter vindo antes, querida amiga...", respondeu Yelan. "Mas quando recebi o aviso de Xiaolang já era tarde demais...".

"E como estão as meninas?".

"Elas já são mulheres e você continua a chamá-las de meninas!", riu a elegante mulher. "Estão bem. Shiefa teve um menino meses atrás. É uma bela criança, o marido está muito orgulhoso. Fuutie, Fanrei e Fenmei continuam as mesmas... Nem sei como conseguiram se casar...".

"Grande influência da família...", zombou Min Soo, o que resultou numa risada da parte de Yelan.

"Sim... Talvez tenha sido isso... Meus genros morrem de medo de mim... Nenhum deles me encarou como aquela menina fez... Xiaolang tem bom gosto. Ela é muito bonita...".

"Decerto... mas sinto que as coisas não estão bem entre eles... Já conseguiu falar com o jovem Mestre?".

"Não... Quando cheguei no quarto, ele estava dormindo. O que sabes, Min Soo?".

"Minha intuição nunca me falha, minha senhora... Sinto que o jovem Xiaolang ainda sofrerá bastante antes de ser feliz com a Srta. Sakura".

"Ele a ama, Min Soo?".

"Sim, minha senhora, ele a ama muito. É a mulher da vida dele. A luz que o fará sair daquelas trevas...".

"Então por que ele ainda vai sofrer?".

"Por que o jovem mestre tem um gênio difícil e é orgulhoso como poucos que já vi".

"Isso é de família", Yelan sorriu com tristeza, lembrando do falecido marido. "Eu só queria que meu filho fosse feliz...".

"Ele será, minha senhora... Só depende dele...".

* * *

No dia seguinte, depois de ter pensado bem na conversa que tivera com Min Soo e de ter tido uma boa conversa com o próprio filho, Yelan caminhava pela casa, tentando encontrar um jeito de ajudar seu Xiaolang. Andando pelo corredor, passou pelo quarto de Sakura, que estava com a porta aberta, e avistou a moça arrumando suas poucas coisas, conversando com Lau Ma. Sabia que não devia espiar, mas não resistiu. Silenciosa, parou e escutou.

"Mas por quê? Por que tens que ir, Srta. Sakura?", perguntou a empregada. "Mestre Li ainda está se recuperando...".

"Agora, tem alguém que cuidará dele bem melhor do que eu...", respondeu a japonesa, referindo-se a Sra. Li. "Não sou mais necessária".

"Isso não é verdade! Precisamos de sua ajuda! Por favor, senhorita, não vá!".

"Será melhor assim, Lau Ma...".

"Melhor para quem?", perguntou Yelan, entrando no quarto. Tinha ouvido o suficiente para entender o que estava acontecendo e resolveu inteferir. "Desculpem-me a intromissão, mas não pude deixar de ouvir... Por que pretende ir embora, Srta. Kinomoto? E o meu filho?".

Olhando para a matriarca da família Li, Lau Ma achou melhor aproveitar a deixa e sair. Aquela conversa renderia muita coisa. "Com licença, Senhora", disse, curvando-se antes de se retirar e ignorando o olhar de súplica de Sakura para que não a deixasse ali com aquela mulher. Yelan era o tipo de pessoa que causava grande impacto sobre os outros, assim como seu filho. Seus olhos negros pareciam ver além das imagens.

"Quer conversar?", perguntou a Sra. Li.

"Não há nada para conversar...", disse Sakura desviando os olhos.

Yelan deu um sorriso condescendente. "Não é o que me parece...".

"Senhora Li", Sakura se sentou, suspirando. "Muitas coisas aconteceram... Coisas que não prefiro comentar".

"Desabafar faz bem".

Olhando outra vez para a mãe de Xiaolang, Sakura teve a impressão de que a mulher já sabia de tudo. "Seu filho e eu somos noivos... Ou éramos... Não sei dizer", confessou. "No dia que Ken veio nos atacar, Xiaolang me disse palavras rudes, me humilhou... Dizem que ele fez isso apenas para me proteger, mas isso não faz com que doa menos ou que eu o perdoe facilmente. Quase morri por causa das mentiras dele... Ele partiu meu coração, sem piedade. Me senti tão... tão suja e usada... totalmente humilhada". A última palavra saiu num fio de voz.

"Entendo...", falou Yelan. Começava a apreciar aquela jovem corajosa. Ela estava partindo, mesmo amando Xiaolang. Sakura também tinha orgulho. Min Soo estava certa: a solução daquele impasse estava nas mãos de seu filho. "Quando pretende partir?".

"Eu e minha prima seguiremos para Shangai amanhã".

"Prima?".

"Sim, Tomoyo Daidouji. A senhora a conheceu ontem".

"Ah! Aquela moça bonita de cabelos longos e olhos violeta...".

"É. Tomoyo tem negócios a resolver em Tóquio. De certa maneira, eu também estou envolvida com eles. Vamos voltar juntas".

"E o noivado?".

Outra vez, Sakura desviou o olhar. "Não sei se ainda haverá casamento depois de tudo".

"Posso lhe dar um conselho, Sakura?", perguntou Yelan, olhando a jovem nos olhos e tomando as mãos dela entre as suas. "Não desista de seu amor por Xiaolang. Não é todo dia que encontramos alguém que nos ame de verdade, que é capaz de renunciar a própria felicidade por nós...". Vendo o olhar incrédulo de Sakura, a Sra. Li sorriu e continuou. "É assim que vejo a atitude de Xiaolang, minha cara. Ele mentiu, disse-lhe coisas que não queria, arriscou a única chance que tinha de ser feliz para salvar sua vida, Sakura... É um grande sacrifício, não acha?".

As palavras da mãe de Li tocaram fundo no coração de Sakura.

"Não vou impedi-la de partir, minha querida", prosseguiu Yelan. "Apenas lembre-se do falei, está bem? Não desista do meu filho... Dê-lhe uma nova chance quando se sentir preparada. Terei muito orgulho em tê-la como minha nora um dia...".

"Senhora Li...".

A mulher sorriu doce e sabiamente antes de levantar e se afastar. Quando chegou na porta, parou e olhou a jovem. "Faça uma boa viagem, Sakura". E saiu, sem olhar pra trás.

* * *

No quarto de Xiaolang, Eriol trocava um curativo. Obrigara Li ficar em repouso absoluto para que os pontos não arrebentassem, mas era difícil manter o guerreiro parado por muito tempo. Li era um homem de ação, para ele ficar parado era uma tortura.

"Pare de se mexer!", Eriol ordenou pela enésima vez e como todas as vezes anteriores, recebeu um 'humpf' como resposta.

"Você está apertando demais", reclamou Xiaolang, segundos depois.

"Tem que ficar bem firme", o médico resmungou de volta, mal humorado.

"É impressão minha ou você está zangado comigo, Eriol?".

"Engraçado como que pra certas coisas você é bem esperto, Xiaolang... Mas para outras...".

"O que está insinuando?".

"Ele não está insinuando nada", disse Yelan, entrando no quarto e interrompendo pela segunda vez no dia uma conversa. "Ele se refere à sua situação com a Srta. Sakura".

"Isso é assunto meu, mãe. Por favor, não se meta".

"A vida e a felicidade do meu filho, meu único filho, são assuntos meus sim...", respondeu a mulher, com uma expressão séria. "Xiaolang, por anos você ficou aqui sozinho e agora, quando finalmente aparece uma mulher que gosta de você, a única coisa que faz é repeli-la".

"Li é um cabeça dura!", interferiu Eriol. "Bastava pedir desculpas e pronto. Mas não... Ele fica aí, todo cheio de orgulho e o que acontece? Ela vai embora!".

"Sakura vai embora?!".

"Sim, seu idiota!", disparou Eriol. "É o que estou tentando lhe dizer desde que entrei neste quarto!".

Desligando-se da mãe, do amigo e de tudo à sua volta, Xiaolang mergulhou em seu mundo escuro, pensando em Sakura, sua flor, a mulher que amava. Ela estava partindo... Era o que ele queria, certo? Não. Ele só queria afastá-la dali enquanto Ken ainda podia ameaçá-los. Agora que tudo estava calmo outra vez, o que mais queria era levantar daquele colchão e correr atrás de sua Sakura, casar com ela, poder ver seu rosto lindo, seu sorriso, seus olhos... Os olhos verdes que todos diziam ser tão belos... Mas ela ia embora...

"Meu filho...", Yelan sentou-se ao lado dele, acariciando os cabelos castanhos rebeldes, como fazia quando ele era pequeno. "Converse com ela... Diga-lhe o que sente... Peça desculpas e ela ficará, tenho certeza".

Li negou com a cabeça, seu orgulho falando mais alto. "Não há mais nada para ser dito, mãe. Fiz o que achei ser correto, não tenho porque pedir desculpas".

"Seu teimoso! Teimoso e orgulhoso!", rosnou Eriol, sem paciência.

"Sim, Eriol, sou orgulhoso e teimoso. Agi segundos meus princípios! Por que pedirei desculpas? Por me preocupar com ela?".

"Você mentiu, homem! Por Kami! Você disse um monte de mentiras a pobre da Sakura! Ela acreditou em você! Será que não percebe? Se não pedir desculpas, irá perdê-la!".

"Sakura devia ter mais fé no meu amor... Que culpa eu tenho se ela acreditou?".

"Um dia, você vai se arrepender por ter sido tão orgulhoso... Mas eu estarei bem longe para ver isso", disse o médico saindo.

"Aonde vais, Eriol?", perguntou Yelan, apreensiva.

"Arrumar minhas coisas. Parto amanhã. Acompanharei as moças até Tóquio. Com sua licença, Sra. Li".

Mãe e filho ficaram sozinhos no grande aposento. "Você está afastando todos outra vez, meu filho... Por que?".

"É melhor que sigam com suas vidas a ficarem presos à um inválido como eu, mãe".

"Acredita mesmo nisso, Xiaolang?".

"É o melhor, mãe. É o melhor para todos".

* * *

Sato martelava a madeira, preparando novas baias para o estábulo recém construído. O trabalho esforçado do grupo já estava rendendo bons furtos. Em duas semana de serviço, já haviam colocado de pé o galpão para guardar as colheitas e o estábulo. E Sato sentia-se bem ao voltar a trabalhar numa fazenda, ao ajudar aquelas pessoas que sofreram tanto nas mãos de Ken.

"Hiroshi!".

Virou-se e enxugou a testa com a manga da camisa. Lau Ma se aproximava, trazendo um cântaro de água. Ele bebeu metade em longos goles e a outra metade jogou no alto da cabeça, deixando o líquido fresco escorrer por seu corpo, refrescando-o.

Lau Ma acompanhava os movimentos do futuro marido com olhos ávidos. O relacionamento entre ela e Hiroshi era oficial, esperavam apenas passar o tempo de luto para legalizarem a união.

"Se continuar me olhando assim, vou levá-la ali pra trás e esquecer desse maldito luto", disse Sato, fitando-a com igual paixão.

Abaixando a cabeça, Lau Ma sentiu o rosto esquentar. "Desculpe...".

"Não, pequena...", ele a pegou pelo braço e, segurando o queixo com delicadeza para que ela o fitasse novamente, continuou. "Não precisa pedir desculpas...". Foi brindado com um sorriso doce, que o fez inclinar-se e beijá-la em cheio nos lábios.

Sem se importar com a roupa molhada do noivo, Lau Ma passou os braços pelo pescoço dele, diminuindo ainda mais o espaço que os separava. Suspirou quando sentiu a mão de Hiroshi soltar seu cabelo do coque que costumava usar, enquanto a outra, nas costas, a mantinha segura. Quando se afastaram, a expressão sonhadora da jovem logo se tornou abatida.

"O que foi?", ele perguntou.

"A Srta. Sakura... Ela vai embora amanhã, junto com Mestre Eriol e a Srta. Tomoyo...".

Sato entendeu a tristeza da noiva. Sakura era uma pessoa admirável. Por trás da aparência delicada, havia uma mulher de fibra. Ela contribuíra, e muito, na reconstrução dos galpões perdidos e na reorganização da casa. Tomava conta de Li e ainda tinha tempo de ajudar, como podia, os demais empregados. Exercia sua função de governanta com uma postura invejável. Estava sempre presente para ouvir, atender as crianças ou auxiliar de algum modo. Naquelas duas semanas que estava morando ali, Sato aprendera a gostar da jovem noiva do mestre da casa.

"É uma pena...", disse ele, passando a mão pelos lustrosos cabelos de Lau Ma.

"Sim... Eu queria tanto que ela ficasse para nosso casamento...".

"Talvez ela volte logo...".

"Não sei, Hiroshi. Ela me pareceu tão magoada...".

"A mágoa passa, pequena... E um dia, ela vai voltar".

"Tomara que esteja certo, Hiroshi... Tomara...".

* * *

O dia seguinte amanheceu nublado. O tempo parecia refletir o clima da mansão. No pátio, todos se despediam das jovens japonesas e do médico. Sakura esforçava-se para manter um sorriso no rosto e não render-se as lágrimas que lhe ardiam nos olhos. Meio inconscientemente, olhou para a porta, esperando ver ali Xiaolang. Não havia perdido a esperança mas ali, no último momento, ele não apareceu. Subiu na carroça com a prima e o amigo e acenando, deu adeus à uma parte de sua vida. Sabia que seu coração permaneceria ali, com aquele homem teimoso. Talvez um dia, quando a dor amenizasse, ela voltaria, para reaver o que era seu.

Deitando em sua cama, sozinho no quarto, Li ouvia os ruídos, o barulhos dos cascos dos cavalos batendo contra o chão, levando sua amada para longe. Um pouco antes, Eriol havia entrado ali, para se desculpar e se despedir. Xiaolang fizera o amigo prometer que cuidaria de Sakura, pois quando estivesse totalmente curado, iria buscá-la. E então não a deixaria jamais.

"Filho?", a voz de Yelan soou no aposento.

"Sim?".

"Eles já foram", disse ela, sentando-se ao lado dele na cama.

"Eu sei".

"Xiaolang...".

"Por favor, mãe", Li respirou pesadamente. "Não diga nada, está bem?".

"Sim, meu querido...", ela concordou. "Mas quero que saiba que não está sozinho, meu bem. Você tem a mim, a suas irmãs, seus sobrinhos e seus amigos. Ficarei aqui até que você fique bom".

"Obrigado, mãe".

Li sentiu os lábios da mãe tocarem sua testa com suavidade. "Não precisa agradecer, meu pequeno... Faço isso por amor...".

Voltando a mergulhar na sua escuridão, Xiaolang deixou as lembranças e as sensações que tinha de sua flor dominarem sua mente. 'Um dia, Sakura... Um dia nos reencontraremos... Então você será minha... Para sempre...'. E pensando nisso, ele dormiu.

* * *

Seis meses depois...

Sakura olhava para os rostos sorridentes das crianças sentadas à sua frente. Apesar de ser sua rotina diária encontrar com aquelas pequenas criaturas, tão inocentes e puras, a jovem se sentia abençoada toda vez que recebia sorrisos de seus alunos, como naquele momento. Ela acabara de contar uma das inúmeras histórias que aprendera com o pai. Eram lendas sobre antigos reis, grandes tesouros, perigosos piratas. Podia afirmar com certeza que eles adoravam cada um destes contos, por causa dos olhinhos brilhantes e cheios de expectativa.

Um vulto na porta chamou sua atenção. Levantando-se, Sakura mandou que os alunos guardassem o material e dispensou a turma. Depois foi ao encontro do homem que a esperava - Yukito Tsukishiro, um dos sócios de seu falecido avô e agora, sócio dela e de Tomoyo.

"Teve uma boa aula, Srta. Kinomoto?", ele perguntou cordialmente, oferecendo-lhe o braço.

"Sim, Sr. Tsukishiro", respondeu Sakura com um sorriso. "Adoro lecionar... Estar com crianças é tão revigorante! Me sinto mais disposta e cheia de energia...". Ela parou de súbito e corou. "Oh, desculpe-me... Acho que me empolguei... Sempre me empolgo quando falo das minhas crianças".

Desde que chegara em Tóquio com Tomoyo e Eriol, Sakura dava aulas numa pequena escola que havia perto do escritório onde a prima e o marido trabalhavam. Sabia que deveria estar ajudando a cuidar dos negócios também, mas sabia que não tinha Dom para o comércio. Graças ao convite de Kaho Mizuki, diretora da escola, Sakura começou a ensinar as letras para crianças menores e estava adorando cada aula.

"Tudo bem, Srta. Kinomoto", ele sorriu, galantemente. "Dá gosto vê-la tão feliz com sua turma".

Sakura corou mais um pouco e agradeceu. O caminho que levava até o escritório dos Hiiragisawa não era longo. Todos os dias, Yukito ia buscá-la e deixá-la com a prima e naquele dia não fora diferente. Sakura gostava da companhia do jovem advogado. Ele era advogado de Masaki e cuidara do testamento e do espólio do falecido Sr. Amamyia. Alto, de cabelos grisalhos e olhos castanhos, repletos de bondade, Yukito era um ótimo partido e várias mães de alunos já haviam perguntado da bela professora se, um dia, ela e o advogado se casariam.

Balançando a cabeça, Sakura tratou de afastar aqueles pensamentos. Sempre que era perguntada sobre casamento, pensava em Li. Por mais que achasse Yukito interessante e gentil, ele nunca seria como Xiaolang. A presença dele não despertava nela nenhum anseio, nem fazia as pernas dela tremerem ou o coração palpitar. Yukito era apenas um amigo, nada mais.

"Srta. Kinomoto?".

"Hã?".

"Está tudo bem?".

"Sim... Desculpe... Eu me distraí... O que houve?".

"Chegamos", disse ele, apontando para o prédio.

"Oh!", Sakura sentiu vontade de bater na própria testa. Estivera tão distraída com os próprios pensamentos que nem percebera que havia chegado a seu destino. "Muito obrigada por me acompanhar, Sr. Tsukishiro", ela agradeceu polidamente. "O senhor gostaria de entrar e beber alguma coisa?".

"Se não for incômodo...".

"Claro que não... Por favor, entre", Sakura abriu a porta e fez sinal para que Yukito entrasse. Foram saudados por Takashi Yamazaki, secretário de Eriol.

"Olá, Yamazaki!".

"Olá, Srta. Sakura".

"Meus primos estão aqui?".

"Sim... Eles estão com uma visita, mas creio que a senhorita pode entrar sem problemas".

"Obrigada", Sakura sorriu, antes de se dirigir à porta. "Eriol, Tomoyo, sou eu", disse, batendo e abrindo a porta, sem esperar resposta.

Assim que pôs os pés dentro do aposento, Sakura sentiu um calafrio, um arrepio percorrer-lhe todo o corpo. Seu olhar seguiu de Eriol, recém casado com Tomoyo, que estava sentado ao lado desta atrás da mesa, para um homem parado ao lado da grande janela, que dava vista para grande parte da cidade de Tóquio. Ele estava de costas, mas ela o reconheceria em qualquer lugar. Os cabelos castanhos rebeldes, os ombros largos, a postura ereta e imponente. Ele estava vestido com um terno inglês, assim como Eriol, que lhe caia tão bem quanto as túnicas chinesas ou a armadura de guerra. E quando ele virou, Sakura se sentiu completamente sugada por um par de olhos cor de âmbar, que pareciam que soltariam faíscas a qualquer momento, devido a intensidade dos sentimentos que haviam neles.

Por um instante que pareceu uma eternidade, Xiaolang ficou ali, absorvendo todos os detalhes de sua amada. Estava no Japão há uma semana, mas somente agora tomara coragem de procurar os amigos. Soubera através de uma carta, que Eriol e Tomoyo haviam se casado. Determinado a resolver sua vida de uma vez, deixou Sato e uma Lau Ma bem grávida tomando conta da mansão enquanto partia para a terra do sol nascente, em busca de sua flor. E ali estava ela, muito mais linda do que sua mente pudera imaginar. Tudo nela era lindo: os cabelos castanhos presos numa grossa trança, as mãos pequenas que pressionavam o coração, como se quisesse acalmá-lo, os lábios rosados entreabertos... Mas o que havia capturado a total atenção do guerreiro era os olhos, os grandes olhos verdes, cuja cor não se podia comparar com nada que ele já havia visto na vida.

"Sakura...", disse ele, por fim, sentindo a voz seca e rouca.

"Xiaolang?", foi tudo o que ela murmurou antes de desmaiar.

* ~ * ~ *

Continua....


N/A: Oi, gentem! E aí, tudo beleza?

Ai, nem sei o que dizer... Desculpem-me por esta demora! U_U' Passou muito mais tempo que eu havia imaginado... ¬¬ Estou ocupada com as faculdades, sem mencionar que meu bebê estava doentinho. O bom é que metade deste capítulo estava escrito no famoso caderninho e foi só acrescentar algumas cenas e pronto.

Ah! Acho que por essa ninguém esperava, né? Sakura se mandou para o Japão... Largou Xiaolang sozinho... Bem, depois de tudo aquilo que ele falou, é bem compreensível... E agora apareceu mais um pretendente... Será que depois de tudo que eles passaram, Li ainda vai ter que disputar Sakura com Yukito?

Bem, eu tinha planejado fazer o casamento de Eriol e Tomoyo e Sato e Lau Ma um pouco mais detalhado... Quem sabe eu não faça um capítulo extra... Mas achei melhor, neste momento, dar mais atenção ao nosso casal protagonista. Isso é um romance e eu vinha negligenciando os dois há um tempinho.

Quero dedicar este capítulo a todos aqueles que esperaram pacientemente por esta atualização e a todos que estão acompanhando e comentando a história. Chegamos a 140 revisões!! Que máximo! Obrigada, pessoal! Obrigada pelos comentários, pelas palavras gentis... São elas que me dão força pra continuar esta história, mesmo que demore um pouco...

Um grande beijo a todos! E não esqueçam de deixar um review, ok?!

Andréa Meiouh

Em: 09/05/2003