Capítulo 17

Aos poucos, os sentidos de Sakura foram retornando. Percebeu que estava deitada e sentiu um pano úmido em sua testa. Abriu os olhos e percebeu que estava numa pequena saleta, um cômodo reservado no escritório, feito para a hora de descanso. Virou a cabeça e deparou-se com os orbes violetas de Tomoyo, cuja preocupação era claramente visível.

"Como se sente?", perguntou a jovem Sra. Hiiragisawa.

"Um pouco tonta...", respondeu Sakura. "O que aconteceu?".

"Você desmaiou, não se lembra?".

Respirando fundo e fechando os olhos, Sakura forçou a memória em busca dos últimos acontecimentos. Lembrou-se do dia na escola. Yukito a buscara no final da aula e juntos caminharam até o escritório. Lembrou-se de ter cumprimentado Yamazaki como sempre fazia e depois abriu a porta do escritório do marido da prima, para dar de cara com...

"Oh, Kami!", abriu os olhos num estalo. "Diga pra mim que foi um sonho, por favor", gemeu, aflita.

Tomoyo fitou-a com pena. Sakura tentava se sentar e parecia ainda mais pálida.

"Por favor, diga pra mim que Xiaolang não estava lá na sala do Eriol...", implorou a moça com voz fraca.

"Sinto muito, Sakura", respondeu Tomoyo, inclinando a cabeça para o lado, sentindo a tristeza da prima. "Mas aquele Li não é um sonho. Ele está mesmo aqui".

"Oh...", Sakura murmurou, apertando levemente as têmporas, já sentindo uma pontada de dor de cabeça. Por seis longos meses, tentara recomeçar sua vida, mas sempre com a pretensa ilusão que um dia, Xiaolang apareceria para buscá-la. Agora que ele estava realmente ali, não sabia o que fazer. E percebera de imediato que havia algo diferente nele, nos olhos dele. Ele voltara a enxergar? Será que o soro funcionara direito? Sentira-se mergulhando naquele olhar intenso e, naquele mesmo instante, a pequena paz de espírito que conquistara com duras penas a abandonara por completo.

"O que ele quer?", perguntou pra prima.

"Não faz nem idéia, Sakura?".

"Ele veio... por mim...?", essas palavras escaparam dos lábios de uma Sakura atônita. "Mas por que?".

"Bom.... Teoricamente, vocês ainda estão comprometidos...".

"O que quer dizer?".

"O noivado não foi desfeito, foi?".

Sakura sentiu seu mundo girar. "Não... Não foi... Mas achei que.. Ele não disse nada quando partimos... Pensei que...".

"Houvessem terminado?".

"Sim...".

"E se ele não pensa assim? E se Li ainda a considera noiva dele?".

Não, ele não podia pensar desse jeito... podia? Sakura sentiu outra pontada de dor na cabeça. Batidas na porta se seguiram às palavras de Tomoyo, fazendo a professora praticamente saltar no canapé. Olhou assustada para a porta.

"Não abra, Tomoyo...".

"Mas Sakura...".

"Por favor, não abra... Eu sei que é ele!".

"E se for Eriol?".

"Eriol não bateria na porta", Sakura emendou rapidamente, agarrando as mãos da prima. "Não abra...".

"Sakura...", Tomoyo revirou os olhos. "Você não pode ficar fugindo de Li. Vocês têm que conversar".

"Eu sei! Só não estou preparada pra falar com ele agora".

As batidas se tornaram mais insistentes e a voz do homem que invadia os sonhos de Sakura todas as noites soou do outro lado. "Tomoyo? Está tudo bem?".

Levantando-se, a esposa de Eriol se dirigiu à porta e abriu, depois de lançar um olhar de desculpas para a jovem sentada. Xiaolang estava de pé, com um semblante preocupado.

"Como está Sakura?", ele perguntou.

"Bem, veja por si mesmo", disse a moça indicando o interior do quarto.

Li viu a noiva, pálida, sentada na beira de um pequeno divã, com as mãos unidas e apertadas no colo e os lindos olhos verdes arregalados. 'Ela está com medo de mim?', o guerreiro se perguntou.

Tomoyo pigarreou para quebrar a tensão que começava a se formar. "Vou falar com Eriol e o Sr. Tsukishiro... Por que vocês não conversam um pouco?", sugeriu antes de sair.

Sakura sentiu vontade de matar a prima, quando esta a deixou sozinha com Li.

"Está melhor?", ele indagou, se aproximando lentamente.

Concordando com a cabeça, Sakura desviou o olhar. "Você está enxergando de novo...".

Não foi uma pergunta, Xiaolang percebeu. "Sim".

"Você não nos disse que o soro estava fazendo efeito...". Era impressão dele ou a voz dela tinha um leve tom magoado?

Ela se importava com o fato de não estar perto quando ele voltou a ver?, ponderou Xiaolang fitando a pequena figura, que parecia se encolher mais no canapé a cada passo que ele dava. Sua Sakura parecia tão frágil, sentada ali, trêmula e pálida. O que mais queria era abraçá-la e beijá-la, afastando o medo daqueles olhos.

"Eu não sabia se as reações que tive ao tratamento era positivas ou negativas... Achei melhor não dar falsas esperanças à ninguém. E se tivesse dado errado?".

"Como sempre, você tomou a decisão pelos outros...", ela falou, amarga. "Não acha que gostaríamos de saber e de acompanhar seu progresso?".

"Sakura...".

"É a segunda que vez que decide por mim, Xiaolang... Eu gostaria de ter estado lá... Você não tinha o direito de esconder isso de mim!", Sakura se levantou e o encarou, sentindo a mágoa ser substituída pela raiva. Talvez fosse mais fácil lidar com ele se estivesse aborrecida. Assim não sucumbiria aos apelos do coração, que gritava a cada batida para que ela se lançasse nos braços daquele homem.

Li parou diante dela e deixou-se embriagar pela visão que era sua Sakura. Sem perceber, estendeu uma mão e tocou numa mecha de cabelo que se soltara da trança. Colocou-a atrás da pequena orelha e deixou os dedos acariciarem a bochecha macia. Por instantes, Sakura rendeu-se ao toque, fechando os olhos, saboreando o primeiro contato depois de tanto tempo. Tomando o comportamento dela como um convite, Xiaolang chegou mais perto e a abraçou, enfiando o nariz nas madeixas cor de mel, aspirando o cheiro doce das flores de cerejeira que elas emanavam, um cheiro que sempre o faria se lembrar de sua flor, sua amada Sakura.

Seria tão fácil esquecer o que passou e deixar-se levar pelo calor que o corpo forte de Xiaolang emitia, Sakura percebeu ao abraçá-lo pela cintura. Apesar de tudo, com ele se sentia segura, protegida e completa, depois de noites e noites de solidão, pesadelos e espera.

"Sakura...", a voz dele em seu ouvido era baixa e rouca, causando-lhe um gostoso arrepio. "Venha para casa... Volte comigo...".

"Casa?", ela repetiu, saindo da letargia que a acometera ao abraçá-lo.

"Sim... Eu vim buscá-la, para levá-la comigo...".

Desvencilhando-se dele, Sakura ergueu a cabeça e fitou os intensos olhos cor de âmbar. "Por que?".

"Por que o quê?", as grossas sobrancelhas se franziram, num sinal claro de que aquela pergunta não era esperada.

"Por que quer que eu volte, Xiaolang?". Se ele dissesse as palavras que ela ansiara ouvir, Sakura voltaria para a China sem nem pensar duas vezes. Mas foi outra coisa que ele falou.

"Porque você é minha, oras!".

Aquilo fez a raiva de Sakura voltar a mil. "Sua?!".

"Sim! Você é minha mulher, acha que vou deixá-la aqui, para que outros homens, como aquele advogado engomadinho, tirem você de mim?".

Sakura abriu e fechou a boca, sem saber o que dizer. Por um instante, pensara que ele diria que estava ali porque sentia a falta dela, que a amava... Mas vinha ele dizer que ela era uma reles propriedade?

"Você não está falando sério, Xiaolang? Acha mesmo que eu sou sua?", perguntou, pasmada.

"Claro! Depois do que aconteceu lá em casa, como queria que eu pensasse?", ele respondeu, erguendo uma sobrancelha.

Sentindo a cabeça doer mais um pouco, Sakura deu alguns passos para trás. Nem tentou ocultar o desgosto que sentia pelas palavras dele. "Não", ela murmurou.

"Não?".

"Não", ela repetiu, se dirigindo para a porta.

"Como assim? Sakura?", ele a seguiu e puxou-a pelo braço, fazendo-a se voltar e fitá-lo.

"Eu não vou voltar", disse ela com todas as letras.

Surpreso, Li afrouxou o aperto no braço delicado. Sakura se soltou e saiu da saleta, indo direto ao escritório de Eriol, onde encontrou a prima, o marido e o advogado conversando.

"Srta. Kinomoto, está tudo bem?", perguntou Yukito se levantando.

Eriol e Tomoyo observaram as feições da amiga e logo notaram que alguma coisa havia saído errado. Li entrou um pouco atrás dela, parecendo tão ou até mais transtornado que a própria Sakura.

"Não me sinto bem, Sr. Tsukishiro", a moça respondeu, tentando colocar uma boa distância entre ela e o noivo. "O senhor se incomoda em me acompanhar até em casa?".

"Claro que não, Srta. Kinomoto. Será um prazer... Vou chamar um coche".

E enquanto Yukito se retirava, Li fumegava de raiva. "Você não vai com ele!", disparou entre os dentes, assim que o advogado saiu.

"Você não pode me obrigar!", ela rebateu.

"Claro que posso! Sou seu homem, seu noivo! Você vai casar comigo!".

Vermelha de raiva e vergonha, Sakura mordeu o lábio inferior, enquanto suas mãos se apertavam em punhos. Como ele tinha coragem de falar aquilo assim na frente de todos?

"Eu vou para casa e você não vai me impedir", disse ela lentamente. Depois, virou-se e despediu-se de Eriol e Tomoyo, antes de passar por Xiaolang em direção a saída.

Li ia falar mais alguma coisa, mas Eriol resolveu interferir. "É melhor deixá-la ir, Xiaolang. Não vai conseguir nada fazendo Sakura se zangar".

"Você quer que eu fique aqui, enquanto minha mulher vai embora com outro?".

"Sua mulher?", Tomoyo ergueu uma sobrancelha, com uma expressão que era um misto de curiosidade e malícia.

Sem poder evitar o vermelho que coloriu suas bochechas, Li desviou o olhar. "Ela é minha noiva, vai se casar comigo. Tenho que zelar e cuidar dela, é minha obrigação".

"Não acha que está um pouco atrasado?", a ex-ladra observou, se levantando. "Estamos há seis meses aqui em Tóquio, Xiaolang... Você devia ter pensado nisso antes de falar aquelas barbaridades para Sakura". Tomoyo passou pelo amigo e também saiu da sala, deixando Eriol e Li sozinhos.

"Espero que não esteja pensando em Sakura como uma obrigação, meu amigo", disse o médico se aproximando do amigo.

"Ela não é uma obrigação, Eriol!", exclamou Li, prestes a perder a paciência. "Você sabe disso!".

"Então faça a coisa certa, Xiaolang", aconselhou o homem de olhos azuis. "Não perca Sakura por causa desse seu orgulho bobo".

* * *

A ida até a mansão Amamiya seguiu-se em silêncio, apesar das tentativas de Yukito em manter uma conversa amena. A dor de cabeça de Sakura estava bem forte e tudo o que ela queria era deitar e tentar apagar os acontecimentos daquele dia da memória.

"Srta. Kinomoto?", o advogado tornou a falar.

"Hum?".

"Aquele homem, lá no escritório... Ele lhe fez alguma coisa? A senhorita pareceu tão transtornada quando o viu...".

Sakura desviou o olhar. O que poderia dizer? "Não, Sr. Tsukishiro... Xiaolang é um velho conhecido... Apenas me assustei ao revê-lo. Não imaginei que o veria aqui no Japão".

Se ele reparou o modo familiar com que ela pronunciou o nome do estrangeiro, nada comentou. Yukito queria fazer mais perguntas, no entanto respeitou o silêncio da jovem professora. A srta. Kinomoto era, comumente, uma mulher cheia de vida e disposição. Vê-la abatida daquele jeito era novo e estranho para ele.

Chegaram à casa dela e Yukito a ajudou a descer, depois de pedir ao cocheiro que o esperasse. Entrou com Sakura na mansão e os dois atravessaram o jardim, quietos. Quando alcançaram a porta, a moça ergueu a cabeça e o fitou.

"O senhor gostaria de entrar?", ela perguntou educadamente.

"Não... Sei que não está se sentindo bem, Srta. Kinomoto. Não vou mais tomar seu tempo, nem importuná-la".

"O senhor não tomou me--".

"O melhor a fazer agora é repousar", ele a interrompeu sorrindo. "Mas eu gostaria muito que pudéssemos conversar em um outro momento...".

"Claro, Sr. Tsukishiro... Por que não aparece para jantar amanhã?".

"Eu adoraria... Então até amanhã".

"Até", Sakura se despediu, acompanhando a figura do advogado que se distanciava.

Yukito Tsukishiro era um homem bom, refinado e gentil. Por que não se apaixonava por ele ou invés de se envolver com uma pessoa tão difícil quanto Xiaolang? Suspirando, entrou em casa e fechou a porta. Olhou ao redor, para a grande sala aonde se encontrava. Mesmo depois de tanto tempo ainda se admirava com a beleza de sua nova residência. Amamiya mandara construir para a esposa uma réplica de um castelo japonês, no estilo medieval. As grandes colunas vermelhas sustentavam os telhados curvados e as paredes de madeira eram ilustradas com grandes pinturas, painéis que retratavam o dia-a-dia do campo. Passando levemente o dedo na gravura, Sakura sentiu a tensão diminuir um pouco e a dor de cabeça abrandar. A paisagem pintada naquela sala era de uma colheita de arroz num belo dia ensolarado. Era quase possível sentir o calor do sol. O artista que fizera aquele lindíssimo painel era realmente muito talentoso.

"Seja bem vinda, Srta. Sakura", disse Nakuru Akizuki, a esfuziante mulher que Eriol contratara para tomar conta da casa. "Como foi o dia no colégio?".

O bom humor de Nakuru era contagiante e logo Sakura sorria de volta à jovem governanta. "Foi ótimo, Nakuru... Aquelas crianças acabam com a energia de qualquer um, mas são tão adoráveis!".

As duas foram andando pelo corredor. "Aposto que a senhorita deve estar cansada... Gostaria que eu preparasse um banho quente?".

"Isso seria ótimo, Nakuru".

"Farei também um chá, bem fraquinho, do jeito que a senhorita gosta", disse a jovem de cabelos castanho escuro quando chegaram diante dos aposentos de Sakura. "Avisarei quando estiver pronto".

"Obrigada".

Sakura ficou sozinha no grande quarto. Retirou lentamente o quimono que vestira para dar aulas. Embora o Japão estivesse contagiado com a Revolução Industrial e muitos hábitos da corte inglesa, como decoração e vestuário, Sakura ainda preferia as roupas tradicionais, os lindos quimonos de seda. Um exemplo típico daquela dualidade era a casa de seu avô. Construída na arquitetura japonesa, tinha todas as comodidades dos móveis ingleses em seu interior, mas haviam coisas que o Sr. Masaki fizera questão de manter e uma delas era o quarto de banho, onde se encontrava o hinokiburo – a banheira de cipestre japonês – de tom amarelo pálido, lisa e sedosa ao toque.

Vestiu um roupão e soltou os cabelos, sentando-se na frente da penteadeira. Com um pente de marfim, foi desfazendo lentamente a trança e desembaraçando os longos fios. Era um ritual que Sakura fazia todos os dias, antes do banho. Batidas na porta e a voz de Nakuru avisaram que já estava tudo pronto. Deixando o pente sobre a madeira polida do móvel, levantou-se e foi tomar seu banho. Chegando no quarto de banhos, o odor de flores invadiu o nariz da jovem professora. A água quente estava repleta de pétalas de crisântemos amarelos. Surpresa, Sakura olhou interrogativamente para a governanta.

"Resolvi preparar-lhe um kikuburo, Srta. Sakura", disse Akizuki. "Para mantê-la longe dos desgastes do tempo e da idade".

"Oh, está me achando velha, Nakuru?".

"Não, senhorita", respondeu a moça, rapidamente. "Mas não custa nada prevenir, não é?".

Sorrindo, Sakura despiu-se do roupão e entrou na banheira, mergulhando seu corpo na água quente. Imediatamente, sentiu-se relaxar. Diziam que os banhos de crisântemos aqueciam, curavam e fortaleciam. Queria que aqueles crisântemos curassem a ferida de seu coração, mas isso já era desejar demais. Por vinte minutos, ficou ali, remoendo seus pensamentos. O que faria agora que Xiaolang estava no Japão? Teria que se valer de toda sua força de vontade para não cair em tentação e atender aos apelos do seu coração. Não deixara de pensar um só momento no noivo desde que o deixara. Sonhava com ele, com seus toques, com seus beijos todas as noites. Sofria por saber que, apesar de tudo o que acontecera, amava Li Xiaolang com todas as suas forças e jamais poderia esquecê-lo. Às vezes, quando estava sozinha, relembrava com riquezas de detalhes o modo gentil como se amaram na véspera da batalha contra Ken. Revê-lo só aumentara as lembranças e piorara sua situação. Agora que voltara a enxergar, Li parecia mais seguro de si, mais belo. Os olhos cor de âmbar tinham vida e intensidade, transmitiam muito do homem que ele era – determinado, forte, íntegro, honrado...

Honra... Será que era por isso que ele tinha vindo atrás dela? Apenas por honra? Ele dissera, ou melhor, afirmara com convicção que Sakura era dele. Ele estava certamente se referindo à noite que passaram juntos. Será que ele encarava tudo aquilo como um dever, uma obrigação? Cheia de dúvidas, Sakura saiu da banheira e vestiu novamente o roupão. Voltou para o quarto e se arrumou de modo simples, decidida a esquecer Li e seu comportamento, pelo menos naquele final de tarde. Anunciou à Nakuru que tomaria o chá no jardim de inverno, ao lado do pequeno lago de carpas. Estava saboreando a bebida quando ouviu passos e vozes. Ao erguer a cabeça, avistou quem menos desejava ver naquele momento – Xiaolang, acompanhado de Eriol e Tomoyo.

Enquanto o médico combinava alguma coisa com a governanta, Tomoyo se aproximou da prima.

"O que ele está fazendo aqui?", perguntou Sakura, em voz baixa.

"Sinto muito, Sakura...", disse Tomoyo, um tanto constrangida. "Eriol e eu havíamos o convidado para permanecer conosco antes de toda aquela confusão. Se eu soubesse...".

"Tudo bem, Tomoyo", a moça mentiu, não querendo preocupar a prima. Saberia resolver seus problemas por si mesma. "Esta casa é tão sua quanto minha... Ele pode ficar".

"Sakura...".

"Vou para meus aposentos, com licença".

* * *

De onde estava, Xiaolang viu Sakura se retirar do jardim. Com certeza, ela não estava contente ao vê-lo ali, apesar das palavras de Tomoyo, afirmando que se ambos estivessem juntos, debaixo do mesmo teto, teriam mais oportunidades para conversar. Li duvidava que conseguisse conversar tranqüilamente com a noiva. Toda vez que a via, sentia vontade de abraçá-la, beijá-la, passar a mão nas longas madeixas cor de mel, como naquele momento. Vê-la ali, sentada no jardim, com os cabelos soltos, brilhando ao sol do fim de tarde, trouxe a Xiaolang doces sensações. Ainda tinha na memórias todas as impressões que a presença de Sakura lhe causava. Queria poder senti-las novamente, agora adicionadas com a capacidade de poder enxergá-la. Sem perceber, soltou um suspiro.

"Tenha paciência com Sakura, meu amigo", Eriol falou, assim que moça chamada Nakuru se retirou. "A mágoa nela ainda é grande. Você precisa ter calma e paciência, senão vai acabar afastando-a de novo e, desta vez, poderá ser para sempre".

O guerreiro apenas concordou com a cabeça, olhando para o local onde Sakura havia saído. As palavras de Eriol lhe fizeram recordar as palavras de sua própria mãe, que não deixara de aconselhá-lo desde que anunciara que iria ao Japão, atrás de Sakura.

"Seja firme, mas sincero e paciente", dissera Yelan. "Conte a ela a verdade, diga-lhe como se sente e, sobretudo, peça-lhe desculpas. Ela merece ouvir estas palavras, meu filho". Li sabia o que tinha que fazer, mas falar sempre fora muito mais fácil do que agir. Por mais que tivesse ensaiado, se preparado, estar perto dela, poder vê-la causava verdadeiro rebuliço na cabeça de Xiaolang.

"Venha, vou lhe mostrar seus aposentos", anunciou o médico, chamando o amigo.

Com a esposa ao lado, Eriol foi conduzindo Xiaolang pelo extenso corredor, mostrando cada aposento da grande casa. Uma pontinha de inveja do relacionamento do casal surgiu no peito de Li, mas ele tratou de afastar logo aquele sentimento mesquinho. Eriol e Tomoyo mereciam cada momento de felicidade que podiam usufruir. Ambos tinham sofrido bastante naquela luta sem sentido contra Ken e já estava mais do que na hora de reconstruir a suas vidas.

Pararam diante de uma porta de carvalho. O olhar surpreso de Eriol não passou desapercebido à Xiaolang. Por que o médico se surpreendera? A resposta veio na forma de Sakura que abriu a porta do quarto em frente. Tomoyo arranjara para que Li ficasse no quarto defronte ao da noiva. A moça também pareceu grandemente surpresa ao vê-los parados ali, diante de seu aposento.

"Sakura", disse Tomoyo, jovialmente. "Este aqui será o quarto de Li. Será que você nos poderia fazer um favor?".

Por uns segundos, Sakura vacilou. "Hum... Claro, Tomoyo. O que é?".

"Será que você poderia mostrar a casa para Li? Infelizmente, Eriol e eu temos um compromisso e não poderemos fazer isso...".

"Ah... Está bem...".

Li olhava para as duas mulheres, com sobrancelhas erguidas. Tomoyo mentira descaradamente para Sakura. Voltando-se para o amigo, viu o sorriso conspiratório deste. Percebeu, então, o plano dos recém casados – tudo era uma desculpa para que ele ficasse sozinho com Sakura. Não sabia se agradecia ou se brigava com aqueles dois.

A voz doce de Sakura chamou sua atenção. "Você quer conhecer a casa agora?", apesar da pergunta, ela não parecia muito à vontade com o fato de ter que mostrar-lhe a casa. Era notavelmente claro que ela estava fazendo aquilo forçada.

"Não precisa se preocupar, Sakura. Tenho que arrumar minhas coisas e depois gostaria de tomar um banho...", ele declinou o convite. "Podemos fazer isso amanhã de manhã, o que acha?".

Imaginar o noivo tomando banho causou um intenso rubor nas faces de Sakura. "Oh... Cla-claro... Amanhã é domingo... Não terei aulas...".

"Você dá aulas?", Xiaolang perguntou curioso. Queria saber tudo que a amada fizera depois que saiu da mansão Li.

"Sim, numa escola perto do escritório. Sei que deveria ajudar Tomoyo e Eriol nos negócios, mas não pude resistir quando a Srta. Mizuki me convidou para trabalhar lá. As crianças são encantadoras".

Ela relaxou enquanto falava do trabalho e Li percebeu. Talvez fosse esse o caminho, falar sobre coisas amenas e que interessassem à ela antes de tocar em assuntos mais sérios.

"Ah! Todos mandaram lembranças para vocês", disse, olhando para Tomoyo e Eriol. "Especialmente Lau Ma. Ela pediu que lhes contasse que está grávida".

"Oh! Que notícia maravilhosa!", a moça de olhos violeta exclamou alegremente.

"Sim... Todos estamos muito contentes com a chegada do bebê deles... Ela também pediu que lhes convidasse para as festas de fim de ano. Segundo Min Soo, é a época que o bebê nascerá e Lau Ma gostaria muito que vocês estivessem presentes no dia do parto".

'Lau Ma está grávida...', Sakura pensava com uma pontinha de tristeza. Imaginava como seria carregar o filho de Xiaolang no ventre. Ficara muito triste quando seu ciclo descera normalmente, depois da noite que eles passaram juntos.

"Seria ótimo, não é Sakura?".

"O quê?", ela voltou à realidade. "Desculpe, não entendi...".

"Eu disse que seria ótimo passar o fim do ano com nossos amigos lá na mansão Li... Os negócios estão bem e poderíamos deixar o Sr. Tsukishiro cuidando de tudo", falou Eriol. "O que acha?".

"Não sei.... Preciso pensar..." admitiu a moça e de repente lembrou-se de alguma coisa. "Ah! Vocês têm compromisso amanhã?". Diante da negação do casal, ela continuou. "O Sr. Tsukishiro virá jantar conosco amanhã, tudo bem?".

Não, não estava nada bem!, a mente de Xiaolang gritou, sentindo uma vontade súbita de socar alguém. Como Sakura convidava homens assim para jantar na casa dela? Lutando contra um grunhido, resolveu desfazer sua mala.

"Com licença, vou arrumar minhas coisas", disse, entrando no quarto e fechando a porta.

* * *

Na manhã seguinte, Li se encontrava pronto em seus aposentos, enquanto esperava por Sakura para lhe mostrar a bela mansão Amamiya. Não demorou muito para ouvir batidas suaves na porta. Abriu e avistou sua flor, usando uma túnica verde claro, que ressaltava o tom de seus olhos. Os cabelos estavam presos numa trança. Resistiu à vontade de correr os dedos por aquelas mechas cor de mel e soltá-las daquele confinamento. Preferia a noiva de cabelos soltos.

"Bom dia", ela cumprimentou, com gentileza. "Vim buscá-lo para tomar café e para dar a volta pela casa".

"Claro, vamos".

Os dois seguiram até a sala de jantar em silêncio, onde Eriol e Tomoyo já os esperavam.

"Bom dia, Li", disse Tomoyo jovialmente. "Espero que tenha dormido bem".

Ele quase não pregara os olhos, pensando na mulher no quarto à frente, mas achou melhor não comentar isso com ninguém. "Dormi bem, sim, Tomoyo. Obrigado por perguntar", mentiu.

Sakura o fitou com os cantos dos olhos. Como ele conseguira dormir tão tranqüilo, enquanto ela não parara de se remexer na cama? Sentiu vontade de jogar a tigela de arroz em cima dele. Respirou fundo e decidiu não tomar uma atitude tão radical, afinal seria um desperdício de comida.

A refeição correu sem nenhum problema e depois Sakura levou Xiaolang para conhecer a casa. O guerreiro também ficou encantado com as belas imagens dos painéis que enfeitavam a maior parte da casa. No quarto que Tomoyo escolhera para ele, havia a imagem de uma floresta de bambus, muito bonita. Sakura andava devagar, indicando cada cômodo, cumprimentando alegremente cada empregado que cruzavam pelo caminho e Li não pode evitar o orgulho e a possessividade que o invadiram. Aquela mulher linda e gentil era sua e ele não ia perdê-la por nada nesse mundo.

O dia foi passando lentamente e os noivos conseguiram a proeza de não discutirem nenhuma vez. Li estava se esforçando em não pressionar Sakura e ela se sentia muito grata por isso. No final da tarde, Yukito chegou, trajando um elegante terno cinza, e outra vez Xiaolang sentiu vontade de socar o advogado. Mal ele sabia a surpresa que Tsukishiro lhe reservara para a hora do jantar. Estavam comendo a sobremesa quando Yukito pigarreou, chamando a atenção de todos.

"Bom, eu sei que pode parecer meio súbito...", ele começou, olhando para cada um dos presentes e sentindo a animosidade que emanava de Li. "Mas o que sinto é muito mais forte que eu podia sequer imaginar. Nunca acreditei em coisas como paixão ou amor à primeira vista, porém quando eu a vi, srta. Kinomoto, passei a ser um crédulo".

Sakura sentiu as mãos gelarem. Que diabos ele estava falando? Ousou olhar na direção de Xiaolang e percebeu que este estava pronto para saltar na garganta do pobre advogado.

"Sr. Hiiragisawa, como único parente da Srta. Kinomoto, eu gostaria de lhe pedir a mão de Sakura em casamento".

Um pesado silêncio se fez na sala. Eriol olhou para a esposa que o fitou, sem saber o que dizer. Do outro lado da mesa, Sakura apertava o guardanapo no colo. Faltava pouco para rasgar o pano no meio. A reação mais explosiva foi a de Li.

"NÃO!", exclamou o guerreiro, batendo com as mãos na mesa. "Você não vai se casar com ela!".

"O quê?", surpreendeu-se Yukito.

Sakura arregalou os olhos e encarou o noivo. "O que está fazendo?!".

"Você não vai se casar com este panaca, Sakura! Você é --".

"Não ouse, Li Xiaolang!", ela o interrompeu, se levantando, surpreendendo ao visitante que nunca tinha visto a doce professora ter um rompante daqueles. "Se abrir a boca, nunca mais olho pra você!".

Os dois travaram uma guerra de olhar tão forte, que os demais presentes na sala quase podiam sentir as faíscas que saltavam dos olhos verdes e dos olhos castanhos.

"Você sabe que tenho razão, não é?", disse Li, em um tom de voz perigosamente baixo.

"Talvez, mas isso sou eu quem deve decidir, não você. Sou adulta e capaz de cuidar de mim", ela disparou.

"Até quando vai continuar com essa infantilidade, Sakura?", ele perguntou, zangado. "Nós dois sabemos que, mais dia ou menos dia, você vai me obedecer".

Aquilo foi a gota d'água. Sakura se aproximou de Xiaolang e, com toda força que possuía, deu-lhe um tapa no rosto. Depois olhou para um chocado Yukito.

"Sr. Tsukishiro, eu ficaria muito honrada em aceitar seu pedido. Tenho certeza que o senhor nunca agirá como certas pessoas que conheço", falou ela, dando o braço para o novo 'noivo' e saindo do aposento, deixando para trás Eriol e Tomoyo abismados e Xiaolang fumegando de raiva.

"Sakura!", exclamou Li depois de se refazer do choque.

De pronto, Eriol se pôs ao lado do amigo e segurou-lhe o braço, para impedir que o guerreiro perdesse a cabeça. "Acalme-se, Xiaolang!".

"Me acalmar?", a ferocidade do homem se voltou para o amigo. "Você quer que eu me acalme depois que aquela tonta aceitou a proposta daquele... daquele... daquele idiota?!".

"Xiaolang, por favor...", Tomoyo veio à ajuda do marido. "Tente se controlar. Toda vez que perde a cabeça, você e Sakura acabam brigando. Se você não tivesse interferido, nada disso teria acontecido".

"O que vocês queriam que eu fizesse? Ela é minha noiva, raios! Vou ficar aqui parado enquanto outro chega e pede pra casar com minha mulher?!".

"Ele não sabe disso, Li!", disparou Eriol. "Acho que Sakura iria escolher o melhor momento para dizer à Yukito que não poderia aceitar a proposta, se você não tivesse se exaltado. Ponha a cabeça no lugar, homem. Nunca conseguirá nada agindo assim. Tomoyo e eu tentaremos fazer o que estiver em nosso alcance, mas você também deve colaborar".

Ofegante, Xiaolang olhou para o casal. Derrotado, passou as mãos pelos cabelos e se sentou. "Eu não posso perder Sakura, Eriol, não posso... Ela é a mulher da minha vida... Eu a amo mais que tudo...".

"Sabemos disso, Xiaolang", Tomoyo ajoelhou-se ao lado do amigo. "Mas quem precisa ouvir estas palavras é Sakura. Se você não disser, ela não vai voltar".

Fazendo um sim com a cabeça, Li prometeu a si mesmo que não desistiria. 'Não vou deixar você escapar de mim, Sakura. Não vou!', pensou ele com determinação.

* * *

Enquanto isso, Sakura e Yukito caminhavam pelo jardim. O advogado ainda estava um tanto assustado com a cena na sala de jantar. Quem era aquele chinês? A atitude possessiva que ele tivera em relação à bela professora dava a entender que era mais do que um amigo da família.

"Srta. Kinomoto...", ele começou, receoso. "Acho que meu pedido foi inoportuno...".

"Não, Sr. Tsukishiro", replicou a moça rapidamente. "Ele não veio em hora melhor!".

"Mas aquele amigo de vocês, o Sr. Li... Bem... Ele não me pareceu muito contente...".

À menção do nome do noivo. Sakura olhou para trás, averiguando se não estavam sendo seguidos. Depois olhou para o advogado, que segurava seu braço com tanta delicadeza. Não era certo envolver Yukito naquela confusão. Li era um tolo arrogante, ciumento e cabeça-dura. Estava cansada das atitudes impensadas dele no que se tratava dela. À medida que andavam, sentia-se culpada por estar se aproveitando da bondade de Yukito para fazer raiva em Xiaolang. Sim, tinha que admitir para si mesma: só aceitara o pedido de casamento para irritar Li. Aquilo não era certo.

"Sr. Tsukishiro...", disse ela, constrangida. "Tem uma coisa que eu preciso lhe contar".

* * *

Os preparativos para o casamento começaram no dia seguinte a todo vapor. Durante a conversa no jardim, Yukito e Sakura marcaram a data, deixando Xiaolang ainda mais irritado e deprimido. Toda vez que ele tentava se aproximar e falar com Sakura era rechaçado de todas as maneiras. E assim, o tempo que tinha até antes do casamento ia lentamente se esgotando.

Uma manhã, foi ao encontro de Sakura na escola. Escutara Yukito falando na noite anterior que teria que fazer uma viagem, para falar com os avós sobre o casamento e que não estaria na cidade por um ou dois dias. Aproveitando a situação, Xiaolang resolveu cercar sua flor de todos os jeitos, assim ela não teria como escapar. Tinha um plano e iria executá-lo com perfeição. Certamente, Sakura não desejaria atrair os olhares e os comentários de estranhos curiosos, brigando com ele em plena rua. Ficou esperando por ela no coche diante do prédio da escola e, logo depois que os alunos foram dispensados, a viu sair.

"Sakura!", chamou, seguindo rapidamente na direção dela

"Você!", ela exclamou ao vê-lo. "O que está fazendo aqui?".

"Vim buscá-la... Não é bom que volte sozinha para a mansão", ele explicou. "O coche está ali. Vamos?".

A contragosto, a professora o acompanhou até o carro de aluguel. "Não precisava ter vindo...", Sakura falou enquanto se acomodava no banco.

"Eu sei, mas fiz questão...", ele sorriu, sem saber como aquele pequeno gesto mexia com ela. "Também queria aproveitar a oportunidade e conversar com você".

"Não temos nada para conversar, Xiaolang".

"Você não pode se casar com Tsukishiro, Sakura. Você é minha noiva".

"Por que insiste nisso? As coisas não estão bem entre nós... Nosso noivado é apenas uma fachada...".

"É assim que se sente?", ele tentou não soar tão desanimado.

"As coisas que aconteceram entre nós, Xiaolang... As palavras que foram ditas...", ela hesitou. "Nos magoamos demais...".

"Sakura... Eu sinto muito...".

Arregalando os olhos, a jovem encarou seu acompanhante. "O quê?". Será que ela havia entendido direito?

"Sinto muito que as coisas tenham chegado a esse ponto... Nunca quis magoá-la... Eu só... só queria protegê-la".

"Xiaolang...". Sakura sentiu lágrimas nos olhos, não podia crer no que ele estava falando.

Talvez pela primeira vez desde que encontraram, os dois se fitaram sem a sombra da mágoa ou da raiva. E puderam ver, naquele olhar, os sentimentos que tinham guardados dentro do peito. Sakura virou a cabeça, desviando os olhos. Se continuasse encarando Xiaolang, não resistiria e acabaria contando toda a verdade. 'Só mais um pouco, Sakura. Só precisa agüentar mais um pouco...', pensou resoluta.

"Sakura, desfaça esse noivado tolo e volte comigo para Hong Kong...", ele pediu.

"Não posso...", ela respondeu. "Eu dei minha palavra, Xiaolang...".

"Mas Sakura, você e eu...".

"O quê?".

Por isso, ele não esperava. Não queria acreditar que ela estava renunciando a tudo o que tinham por causa daquele advogado. O que seria dele agora? O que tinha planejado tão cuidadosamente fora por água abaixo. Estava tão imerso em seus pensamentos que não percebeu que o coche parou.

"Chegamos, senhor", disse o cocheiro.

O jovem casal desceu e Li pagou ao rapaz, que partiu em seguida. Voltando-se para Sakura, pegou-a fitando-o com intensidade.

"Quer mesmo se casar com Tsukishiro?", perguntou de súbito.

Ela desviou o olhar novamente. Não, não queria mas, mesmo assim, assentiu com a cabeça.

"Então não irei mais ser um obstáculo. Desfaço aqui o nosso noivado... E quero que seja feliz", ele deu um meio sorriso. "Se Tsukishiro a ferir de alguma forma, eu venho e acabo com ele".

"Xiaolang, eu tenho...", novamente Sakura sentiu vontade de chorar. Engoliu em seco, tentando se livrar do aperto que sentia na garganta. Sabia que sua voz estava trêmula, mas não se importava.

Li pousou o dedo nos lábios dela. "Não... Não diga nada, Sakura...". Levemente, ele contornou o desenho da boca de sua amada, desejando mais do que tudo poder beijá-la e esquecer tudo aquilo. Inconscientemente, inclinou-se na direção dela. Sakura apoiou as mãos no tórax firme dele e diminuiu o espaço que os separava. Estavam prestes a se beijar quando ouviram uma voz chamando.

"Sakura!".

Era Yukito que se aproximava. Xiaolang soltou e afastou-se de Sakura, depois de fitá-la amorosamente. Sentiu um aperto no peito quando viu o advogado se achegar e dar um beijo na mão de sua flor. Havia perdido Sakura para sempre e sentia um vazio terrível dentro de si, pior do que a solidão que sentira quando estivera cego.

"Como vai, Sr. Li?", indagou Yukito, sorridente.

"Bem, Sr. Tsukishiro", Li mentiu. A vontade de arrancar o sorriso bobo da cara daquele homem era grande, mas controlou-se.

"E como foi de viagem?", a moça perguntou.

"Ótima! Arranjei tudo com meus avós, a cerimônia será depois de amanhã!".

"Depois de amanhã?!", Xiaolang e Sakura falaram ao mesmo tempo, surpresos.

"Sim! Não é maravilhoso! Consegui adiantar tudo em uma semana!", Yukito não cabia em si de tanta felicidade. "Vamos, Sakura, vamos dar a notícia para sua prima".

Li ficou observando os dois se retirarem para o interior da mansão. Num momento, se sentia completo, cheio de vida, com sua flor entre os braços. No outro, sentia-se a escória da humanidade, vendo-a partir com outro homem. Não havia mais lugar para ele na vida de Sakura. Havia desfeito o noivado e dado à ela a liberdade de decidir o que queria. Ela escolhera Yukito Tsukishiro. Não iria ficar ali para ver a mulher que amava se unir a outro. Virou-se e partiu atrás de um outro coche. Iria para o porto, ver o barco que o levaria de volta para casa. Sozinho.

Se tivesse se voltado para trás, antes de partir, Xiaolang teria visto que Sakura lhe lançara um longo olhar antes de entrar na casa. Um olhar cheio de arrependimento e desejo... Arrependimento por ter escolhido o caminho mais difícil... E desejo de poder voltar no tempo e jamais ter partido do lado de seu amado guerreiro.

* * *

"Tem certeza que quer fazer isso, Sakura?".

Nos aposentos da professora, Tomoyo dava os últimos ajustes no penteado da noiva. Sakura estava lindíssima, vestida num quimono rosa-claro, com detalhes prateados. Porém o rosto, maquiado com esmero, só transmitia pesar e tristeza. Era óbvio que ela não queria aquele casamento. Então, por que continuar com aquilo?

"Não posso voltar atrás, Tomoyo... O que seria de mim? Ele foi embora, desistiu...", ela respondeu abatida.

"Sakura, ainda dá tempo... Não faça isso... Não estrague sua vida...".

Mas a jovem parecia irredutível. Desde que ouvia a notícia que Li havia saído da mansão e comprado a passagem de volta para Hong Kong, Sakura decidira levar o casamento adiante. Na noite em que Yukito fizera o pedido, a moça contara-lhe toda a verdade, enquanto passeavam no jardim. Contou-lhe sobre a morte do pai e do irmão e como fora parar na mansão Li e se transformara numa governanta. Contou-lhe sobre como se apaixonara pelo patrão e sobre a terrível batalha contra Ken. E contou-lhe que já era comprometida com Xiaolang, mas que o orgulho e a teimosia dele mantinham-nos afastados. Yukito compreendera tudo e decidira ajudar, sugerindo o casamento falso. A idéia do advogado era apenas fingir o casório, para ver se Xiaolang revelava seus sentimentos de uma vez.

Mas algo saíra errado. Li não reagira como eles imaginaram. Sakura não esperava que o guerreiro desistisse. As palavras de Yelan vieram-lhe à mente... Por ela, Xiaolang estava sacrificando a própria felicidade novamente. Uma lágrima teimosa desceu-lhe pela bochecha. Não podia continuar com aquela farsa.

Tomoyo assistia atentamente ao conflito interior da prima. Sabia que Sakura ia escolher a melhor saída para toda aquela situação. Quando a viu erguer novamente o rosto e as lágrimas brilharem nos olhos verdes, soube que ela tinha tomado a decisão certa.

"Não posso continuar...", murmurou Sakura.

"Então não continue...".

"E se ele não me quiser mais?".

"Acha mesmo que ele a rejeitaria?", Tomoyo ergueu uma sobrancelha.

"Depois de tudo...".

"Não tenha medo, Sakura. Se você não se arriscar, nunca vai saber. E saiba que estarei sempre ao seu lado, para o que der e vier".

"Obrigada, Tomoyo".

"Certo, agora deixa de choro e vá atrás de Xiaolang!".

Sakura enxugou as lágrimas e sorriu. No fundo ainda tinha a esperança que tudo daria certo.

* * *

Enquanto isso, no porto, dois homens conversavam. Ou melhor, um falava e o outro apenas grunhia. Li não estava com humor para ouvir Eriol narrar os últimos acontecimentos na mansão Amamiya. Não queria saber do casamento de Sakura. A única coisa que desejava era que sua flor fosse feliz. Olhava a baía de Tóquio quando foi surpreendido por um soco no rosto.

"Ei!", exclamou, virando-se para o amigo. "Dá pra explicar por que está me batendo?!".

"Há muito tempo quero fazer isso... Você é um cabeça-dura mesmo...".

"Que diabos está falando, Eriol?".

"Estou aqui lhe dizendo que esse casamento não passa de uma grande mentira e você não escutou uma palavra do que eu disse".

"O que? O casamento é uma mentira?".

"Ah, até que fim! Pensei que nunca iria entender...".

"Eriol. Explique. Tudo", ordenou Li.

"Tsukishiro e Sakura estavam apenas fingindo. Não iriam se casar de verdade. Não até você desistir de Sakura e dá-la de mão beijada para o outro", Eriol falou calmamente, sem ligar para a expressão de raiva do amigo. "Nunca imaginei que você fosse tão altruísta".

"Então era tudo uma farsa? Para me enganar?".

"Não para enganá-lo, Xiaolang. Para fazê-lo deixar esse orgulho bobo de lado e se entender com Sakura".

Li não queria ouvir mais nada. Quando pusesse suas mãos naquela mulher, ela ia aprender uma lição que jamais esqueceria. Com passos firmes, seguiu até o cavalo que o amigo viera e montou.

"Xiaolang, aonde vai?".

"Vou buscar minha mulher!".

* * *

Sakura seguia pelo corredor apressada. Não se importava que o enfeite da cabeça e o véu tivessem caído no chão. O que importava era conseguir um coche e seguir até o porto. Tinha que alcançar Xiaolang antes que ele partisse. Chegou à sala e abriu a pesada porta de carvalho. Foi então que um barulho chegou aos seus ouvidos. Cascos de cavalo. Um cavaleiro se aproximava rapidamente pelo jardim. O queixo da jovem quase caiu no chão quando reconheceu o homem montado: Xiaolang.

Ele apeou diante dela e com dois passos, diminuiu a distância entre eles. Fitando-a com um olhar furioso, ergueu o braço. Sakura encolheu-se, esperando pela agressão que nunca veio. A mão dele seguiu para o cabelo dela, soltando os grampos e desfazendo o elaborado penteado que Tomoyo fizera.

"Prefiro você de cabelo solto", ele rosnou antes de colocá-la nos ombros, como um saco de batatas, e voltar para o cavalo.

"Xiaolang!", exclamou Sakura, agarrando-se com todas as forças à blusa dele. "O que está fazendo?".

"Dando uma lição na minha mulher geniosa", ele respondeu, antes de colocá-la sentada no animal e montar, atrás dela. Pegando as rédeas, saíram disparados pelo jardim e logo alcançaram a rua.

"Devagar!", gritou Sakura, grudando-se a ele. "Eu não quero morrer!".

"Vai querer morrer depois que eu terminar você, mocinha", ele replicou, com um sorriso sardônico.

Erguendo a cabeça do peito dele, Sakura fitou o rosto másculo. Os dentes estavam cerrados e uma veia saltava no maxilar. Ele estava com raiva. Mas por quê? As palavras dele não faziam sentido... Apenas se... Se ele soubesse de tudo!

"Oh, céus...", ela murmurou fraca, enfiando novamente o nariz no peito de Xiaolang, aspirando o cheiro almiscarado dele. 'O que ele vai fazer comigo?'.

"Não se preocupe, minha cara...", disse Li, como se lesse os pensamentos dela. "Não serei tão cruel...". E abaixando a cabeça para sussurrar no ouvido dela, continuou. "Talvez a faça implorar ou gritar...".

Sentindo um arrepio no corpo, sem saber se era por causa das palavras dele ou da respiração quente contra sua pele, Sakura encolheu-se um pouco mais, atracando-se à Li como se ele fosse sua tábua de salvação... ou de condenação, ela não sabia dizer.

Por onde passavam, chamavam a atenção dos transeuntes. Afinal não era todo dia que um homem galopava disparado pelas ruas carregando uma noiva. Chegaram ao porto, onde Eriol ainda esperava. Ao ver os amigos chegando, um sorriso malicioso surgiu na face do médico. Li desmontou, passou as rédeas para o amigo e jogou Sakura novamente sobre os ombros.

"Mande as coisas dela depois, Eriol".

"Claro, pode deixar", concordou o homem de olhos azuis.

"Eriol, me ajude!", gritou Sakura, ao perceber que Xiaolang se dirigia para o barco.

"Não sei se devo, minha cara...", Eriol acenou. "Talvez você me agradeça depois!".

"Xiaolang!", ela exclamou, batendo com os punhos nas costas dele. "Me ponha no chão!".

O guerreiro soltou uma gargalhada zombeteira. "Não, mocinha... Primeiro nós teremos uma conversinha...". Virando-se para um homem baixinho que estava na proa do barco, Li gritou. "Senhor Cheng!".

"Sim, capitão?".

'Capitão?', pensou Sakura atônita. Aquele barco era de Xiaolang?

"Podemos zarpar!".

"Sim, senhor!".

"Não!", a moça tornou a gritar, vendo os homens soltarem as amarras. "Xiaolang, me solta!".

"Senhor Cheng?", Li chamou o imediato outra vez.

"Sim, senhor?".

"Estarei em minha cabine... Não quero ser interrompido".

O imediato sorriu, mostrando que faltavam alguns dentes em sua boca. "Claro, senhor!".

* * *

Descendo com Sakura nos ombros até a cabine principal, Li sentia todos seus sentidos alertas. O sangue fervia em suas veias em antecipação à lição que pretendia dar em sua flor. Não iria machucá-la, mas com certeza iria enfiar naquela cabecinha quem era o homem da vida dela. Abriu a porta e entrou, parando para trancar a porta com chave.

De sua incômoda posição, Sakura observou o cômodo onde se encontravam. Parecia ser uma sala de reuniões. Uma mesa, com seis cadeiras, se encontrava no meio do recinto. Haviam alguns mapas e baús encostados num canto. Numa parede, uma estante repleta de livros, pergaminhos, mapas enrolados e outros instrumentos que ela não conhecia. Na parede oposta à porta, uma grande janela permitia a entrada da luz do sol e clareava o ambiente.

Li cruzou a saleta com passos firmes e se dirigiu a um aposento contíguo. Também trancou a porta com chave. Olhando em volta, Sakura percebeu que estavam no quarto. Uma cama imensa ocupava a maior parte do espaço. Dois baús e uma escrivaninha completavam a decoração. Nas paredes, lanternas e escotilhas conferiam a iluminação do local. Sem cerimônia, Xiaolang jogou Sakura sobre a cama.

"Ai!", ela exclamou, caindo com o quimono ligeiramente aberto, permitindo que Li tivesse uma bela visão de suas pernas. "Seu louco! O que pensa que está fazendo?".

"Já falei, Sakura...", ele respondeu, fitando-a como um predador fita sua presa. "Pretendo dar uma lição na minha mulher...". Ajoelhando-se na beira da cama, ele a pegou pelo tornozelo e a puxou para si.

Sakura soltou uma exclamação surpresa que foi abafada quando os lábios famintos de Xiaolang devoraram os seus. Sentindo o corpo todo ser dominado pelo calor e pelo desejo, fechou os olhos e, passando os braços pelo pescoço dele, retribuiu o beijo com paixão. Separaram-se quando já não tinham mais ar nos pulmões. Ele se ergueu nos cotovelos e fitou-a com tanta volúpia, que Sakura se sentiu acariciada por aquele olhar.

"Faz idéia de quanto tempo esperei por este momento? Tê-la nos meus braços assim... Inteiramente minha...", ele murmurou, contornando o rosto dela com as articulações dos dedos. "Sonhei noite após noite com você, Sakura... Tudo que conseguia pensar era em você... Só em você...".

"Xiaolang...".

"Assim que recuperei minha visão, a primeira pessoa em que pensei foi você. Em como você reagiria ao saber que eu podia enxergar outra vez... Que eu, finalmente, sou um homem completo".

"Para mim, você sempre foi um homem completo, meu amor...", disse ela, perdida nos carinhos que ele lhe fazia.

"Então por que me deixou, Sakura? Por que me enganou dizendo que ia se casar com Tsukishiro? Você não imagina a dor que eu senti sem você...".

"Se sua dor foi tão imensa quanto a minha, então eu sei exatamente como se sentiu... Sozinho, perdido, vazio...".

"Incompleto", ele terminou. "Eu amo você, Sakura. Fui um idiota ao falar aquelas coisas horríveis, mas eu só queria protegê-la de Ken. E ele quase a matou... Quase perdi você duas vezes. Naquela luta e hoje... Se eu tivesse demorado um pouco mais...".

"Eu não ia me casar", ela tentou confortá-lo.

"O quê?".

"Eu não ia me casar", Sakura repetiu. "Quando você chegou, eu estava de saída. Ia tomar um coche para me trazer até o porto. Até você...".

"Sakura...", ele tomou os lábios dela num outro beijo intenso. Afastaram-se, ofegantes.

"Pensei que fosse me dar uma lição...", ela comentou, passando a mão pelos cabelos rebeldes e macios dele. "Que fosse me fazer implorar e gritar...".

"Sim, minha flor...", Xiaolang respondeu com um sorriso matreiro. Uma mão desatava o cinto do quimono, enquanto outra a segurava pela nunca. "Vou lhe dar uma lição que nunca mais vai esquecer...".

A voz rouca e sensual dele fez Sakura estremecer, diante da promessa implícita naquelas palavras. Fitando-o nos olhos, percebeu que os orbes cor de âmbar estavam escurecidos de desejo. Um novo tremor a acometeu. Xiaolang quebrou o contato visual e passou a beijar a linha do queixo até chegar ao lóbulo da orelha. "Eu amo você, minha flor", ele sussurrou.

"Também amo você", foi a resposta palpitante dela.

* ~ * ~ *

Epílogo

O sol anunciava mais um dia de calor, um dia perfeito para um casamento, pensou Yelan dirigindo-se para os aposentos da futura nora. Sakura no meio do quarto, de pé sobre um pequeno banco e com ela estavam Tomoyo, Lau Ma, Min Soo e as irmãs de Xiaolang, Shiefa, Fuutie, Fanrei e Fenmei.

"Bom dia, mamãe", disseram as quatro ao mesmo tempo assim que Yelan entrou no quarto.

"Bom dia, meninas...", a matriarca se aproximou da noiva e sorriu. "Como se sente, Sakura?".

"Nervosa, apavorada...", a moça admitiu, com um leve rubor nas bochechas. "Mas muito, muito feliz".

"Que bom!", Yelan sorriu. Sabia que o filho e aquela jovem seriam felizes. Não se importava que ela fosse uma estrangeira. O que importava era que Sakura, com seu jeito meigo, havia tirado Xiaolang das trevas que quase o consumiam. "Está quase na hora", anunciou. "Vim lhe dar a minha bênção".

Yelan se aproximou do banquinho onde Sakura estava de pé, para ser vestida pelas mulheres da casa. De acordo com as tradições da família, a noiva usava um quimono vermelho que simbolizava alegria, prosperidade e sorte. Toda a decoração da casa era em vermelho. O penteado requintado, feito por Min Soo, também tinha um significado especial. A copeira tinha aparecido na noite anterior para o ritual dos cabelos. Cada escovada tinha seu simbolismo: votos de prosperidade, harmonia, lealdade, longevidade e fertilidade eram feitos a cada passada da escova. Ao final, o cabelo de Sakura brilhava reluzente.

Tomando as mãos de Sakura, Yelan sorriu, compreensiva. A matriarca sentia as mãos geladas e trêmulas da futura nora.

"Sabe, Sakura... Meus pais organizaram meu casamento. Eu não conhecia o noivo... Só tinha visto Li Shang uma vez, no anúncio do noivado. Eu estava tão nervosa... Mas deu tudo certo. Assim que fui levada até o templo e o vi lá de pé, imponente e orgulhoso, soube que ele era o homem certo para mim. Você e Xiaolang passaram por muitas dificuldades, tiveram que vencer muitos obstáculos, mas isso só tornará a união e o amor de vocês mais fortes. E você tem a minha bênção", e dizendo isso, Yelan beijou a testa de Sakura. "Faça meu filho feliz, Sakura".

Engolindo em seco para desfazer o nó na garganta, Sakura deu um pequeno sorriso. "Eu farei, Sra. Li".

"Chame-me de mamãe, querida", disse a mulher, com olhos brilhantes. "A partir de hoje, para mim, você é uma filha".

"Sim, mamãe".

"Está na hora", anunciou Min Soo.

Com a ajuda da prima, Sakura desceu do banco e saiu do quarto. No corredor, havia um longo tapete vermelho, por onde a noiva seria conduzida até a liteira. Estavam na residência dos Li em Hong Kong, onde vivia a maior parte do Clã Li. A casa era maior, se possível, que a grande mansão onde Xiaolang habitava.

Tomoyo sorriu para a amiga e colocou nesta o último item: o véu. Agora, Sakura estava pronta para seu casamento.

"É a segunda vez que faço isso", ela sussurrou para Tomoyo.

"Sim, mas desta vez, você está fazendo por amor", foi a resposta da bela Sra. Hiiragisawa. "Boa sorte, Sakura, e seja muito feliz".

"Obrigada, Tomoyo". As duas jovens se abraçaram e Sakura foi conduzida até o grande hall, onde uma liteira a aguardava.

A liteira, carregada por empregados da mansão Li, encerrava o cortejo matrimonial, encabeçado por Xiaolang, que ia vestido em sua armadura de gala. Atrás dele, seguiam os familiares e amigos. Todos se dirigiam ao templo particular da família, para pedir as bênçãos dos deuses e dos ancestrais à união de Li e Sakura. Um grande gongo ressoou quando chegaram a seu destino. Xiaolang desmontou e, acompanhado por sua mãe, entrou primeiramente no templo, parando diante do altar, esperando sua noiva. Os convidados foram entrando lentamente e se colocando em seus lugares.

Sakura desceu da liteira e caminhou lentamente até o altar, com o coração disparado. Através do véu, fitava seu futuro marido com olhos cheios de amor. Lá estava ele, belo e altivo. E ela soube, assim como Yelan, que estava fazendo a coisa certa, pois o homem de sua vida estava lhe esperando ali, diante de todos.

Xiaolang também experimentava um nervosismo que não era muito comum em sua pessoa. Naquela manhã fora acordado por Eriol, Sato, Zhang e alguns primos para se vestir. Eles escolheram a melhor armadura que o guerreiro possuía. Durante toda preparação, a conversa foi leve e descontraída. Zhang dava alguns conselhos de como ser um bom chefe de família, mas Eriol estragou o discurso afirmando que quem mandava na casa, na verdade, eram as mulheres, que os dominavam completamente. As risadas soaram pelo quarto. E, olhando para Sakura naquele momento, que se aproximava tão linda, Li não se importou em ser dominado por ela. Faria tudo o que estivesse ao seu alcance para fazer sua flor feliz.

Quando Sakura finalmente alcançou o altar, se curvou graciosamente diante do noivo e de sua futura sogra. Yelan se retirou, deixando o casal sozinho, envolvido num encanto tão forte que não os permitia desviar o olhar. Juntos, se aproximaram e se ajoelharam, para orar e prestar seus respeitos ao Deus Criador e aos Ancestrais da família Li. No final da orações, o casal seguiu o antigo ritual do matrimônio, trocando seus votos de amor e fidelidade. O gongo ressoou novamente, anunciando o fim da celebração.

"Bem vinda à família Li, Sakura", Yelan foi a primeira a cumprimentar o casal. Em seguida, foi a vez de Eriol e Tomoyo, como únicos parentes da noiva, e os demais convidados. Após os cumprimentos, todos seguiram até o grande pátio, onde várias mesas foram armadas e um fausto banquete os esperava. Xiaolang e Sakura sentaram num lugar de destaque, ladeados por seus parentes. Uma música animada descontraída o ambiente e brindes, em honra ao jovem casal, foram feitos.

Durante toda festa, Li e Sakura trocavam longos olhares apaixonados. A jovem não se cabia em si de tanta felicidade. Sentia que ia explodir a qualquer momento. Perguntava-se se era correto alguém ser tão feliz daquele jeito, mas todas as respostas negativas desapareciam ao menor gesto de Xiaolang. Um olhar, um sorriso, um leve toque, tudo enlevava Sakura, fazendo-a esquecer do mundo ao seu redor.

À noite, quando o banquete finalmente terminou, Xiaolang pegou a esposa no colo. Sorrindo de orelha a orelha, ele se despediu dos amigos e se retirou para o quarto preparado aos nubentes. Aquela seria a primeira noite da vida de casados deles e Li pretendia fazer dela uma noite inesquecível e especial. Depositou sua linda carga delicadamente sobre a cama. Com lentidão, foi soltando todos os grampos que prendiam os longos cabelos cor de mel até que estes cascatearam livres pelas costas dela. Em seguida, ele tirou o opaco véu que o impedira de ver o amado rosto de sua flor. E quando finalmente pode vê-la, foi brindado com um sorriso que aqueceu seu coração.

"Minha Sakura... Minha flor... Minha esposa...", ele murmurou, acariciando o rosto sorridente.

"Xiaolang... Meu amor...", a jovem respondeu, puxando o marido para perto.

O beijo que trocaram selou aquele dia de promessas e declarações. Estavam juntos. E para sempre.

* * *

Alguns anos depois...

Sentada debaixo de um pé de cerejeira, Sakura observava as crianças correrem pelo jardim. Inconscientemente, acariciava a ventre entumecido onde abrigava seu segundo filho. Na verdade, seus segundo e terceiro filhos, já que estava grávida de gêmeos, de acordo com Min Soo.

"Mamãe!", exclamou Xiaoling, seu primogênito.

Acenando de volta, Sakura viu seu menino correr para fugir de Mu Bai, filho mais velho de Sato e Lau Ma. Xiaoling tinha quatro anos e Mu Bai, cinco anos. Era amigos inseparáveis. Onde um estava, certamente o outro também estaria. E estavam sempre aprontando alguma coisa, levando os pais à beira da loucura. Mas ainda faltava um membro daquele pequeno grupo. E ela logo se aproximou, juntando-se aos dois meninos. Uma menina de lindos cabelos negros e olhos azuis escuros, como o céu da meia-noite, herdados de seu pai. Nadeshiko correu atrás dos dois amigos, suas duas tranças balançando, enquanto ria animadamente.

"Que figura eles formam, não?", soou uma voz feminina atrás de Sakura.

Voltando-se, a jovem Sra. Li deparou-se com os olhos violeta da prima. Os anos foram generosos com Tomoyo. A ex-assaltante mantinha sua beleza etérea mesmo depois de duas gestações. No seu colo, estava o segundo fruto de sua união com o Dr. Hiiragisawa: o pequeno Yamato, de apenas um aninho.

"Sim... Eles são lindos...", Sakura concordou, tornando a olhar para as crianças.

"Quando você iria imaginar que um dia terminaria assim, Sakura? Sentada no jardim, sorrindo como uma boba, vendo nossos filhos brincando...", indagou Tomoyo, sentando ao lado da grávida.

"A vida dá muitas voltas, não é?", disse Sakura. "A primeira vez que cheguei aqui, estava machucada e nem sequer via um bom futuro à minha frente".

Tomoyo balançou a cabeça, concordando. Com ela se passara a mesma coisa. "E olha o que o destino nos reservou... Encontramos a felicidade aqui. Talvez esta casa seja abençoada".

"Deve ser...", Sakura sorriu.

As duas ficaram ali, entretidas numa conversa amena até a chegada de Lau Ma. "Crianças!", chamou a atual governanta da mansão Li. "Hora do almoço! Venham lavar as mãos".

"Ah, mãe!", reclamou Mu Bai, fazendo bico.

"Nada de 'ah, mãe', mocinho", Lau Ma segurou o sorriso. "Venha, papai está nos esperando para comer".

A simples menção da presença de Sato, fez o garotinho disparar para dentro de casa. Lau Ma olhou para as amigas, sorrindo. "Ele adora aquele pai...".

Todos seguiram para dentro de casa. Sakura, no entanto, foi ficando para trás, caminhando lenta e desajeitadamente, devido ao peso da enorme barriga. Observava tudo ao seu redor, sentindo uma estranha nostalgia. Enxugou uma lágrima. Uma das coisas que não gostava da gravidez eram as crises de humor e a super sensibilidade que a acometia. Quando um par de braços fortes a enlaçou pela cintura, soltou uma exclamação surpresa. Uma risada gostosa a ajudou a identificar o recém chegado.

"Xiaolang! Nunca mais faça isso!", ela ralhou com o marido.

"Você fica linda quando está zangada, minha flor", ele devolveu, amolecendo-a com um sorriso caloroso. "Como estão minhas meninas hoje?", perguntou, passando a mão pela grande barriga da esposa.

"Como você pode estar tão certo que serão meninas?", Sakura questionou, erguendo uma sobrancelha.

"Não sei... Sexto sentido paterno talvez", Xiaolang replicou.

"E se forem meninos?".

"Aí, teremos que tentar com mais afinco até conseguirmos uma linda menina", ele afirmou. "E que ela tenha, de preferência, seus lindos olhos verdes".

Sakura suspirou contente, apoiando as coisas no peito do marido. Sentia um imenso contentamento, que deixava sua cabeça e seu coração leves.

"O que está pensando?", perguntou Xiaolang, observando a expressão sonhadora da esposa.

"Em como sou feliz aqui, com você, com nossa família e amigos...", ela respondeu, fechando os olhos. "Não trocaria isso por nada neste mundo".

Li aspirou o suave perfume dos cabelos da mulher. "Acho que devemos agradecer à Ken um dia...".

"Agradecer?", Sakura estranhou. "Por que?".

"Por que foi graças à ele que nós nos conhecemos. Se não fosse aquele ataque à caravana de seu pai, nunca teríamos nos encontrado. E eu não teria a minha Sakura, essa mulher maravilhosa que me tirou da escuridão que me consumia, a luz que iluminou minha vida".

"Ah, Xiaolang...", virando-se para ficar de frente para o marido, Sakura sorriu. Quem podia imaginar que aquele guerreiro forte e imponente poderia ser tão poético?

"Eu amo você", ele disse, tomando o rosto dela entre as mãos.

"Também amo você", ela respondeu, inclinando levemente a cabeça, à espera do beijo que não tardou a vir.

Juntos, eles passaram por tempestades e momentos difíceis, mas ambos sabiam que juntos seriam felizes. E eles serviriam de exemplo para as futuras gerações de Lis que ainda viriam, pois a bela história de amor entre uma jovem japonesa sem família e um destemido e cego guerreiro chinês seria para sempre lembrada, enquanto houvesse a esperança de dias melhores, pois juntos eles haviam encontrado o amor, esse sentimento maravilhoso que fazia tudo valer a pena.

* ~ * ~ * ~ FIM ~ * ~ * ~ *


Notas finais: Ah! Nem acredito que acabou! Foram dez meses contando esta história... E eu nem tenho palavras para expressar o que sinto!

Quero agradecer a todos, sem exceção, que leram e acompanharam este fic, que esperaram pacientemente por cada atualização, mesmo querendo muitas vezes, me socar pelo computador. Obrigada a todos vocês! Quero também agradecer à algumas pessoas especiais, cujo apoio e ajuda foi fundamental para o andamento desta história: Kath Klein, Marcelo Fantomas, Melina Moon, Felipe Gandalf, Fabi Sabbadini, Jubasmile... Grandes amigos que foram verdadeiras luzes quando minha cabeça estava cheia de dúvidas. Obrigada de coração.

A cena do casamento foi baseada no filme "O Tigre e o Dagrão" e num fanfic chamado Dimensions, eu realmente não sei se o casamento chinês era assim, do modo como descrevi. Se alguém sabe, por favor, me diga e me desculpem os erros. E as informações sobre o banho de crisântemos é verdadeira. Quem quiser mais, pode dar uma olhadinha no site DESA - Cultura Japonesa ()

Nossa... Estou tão emocionada! Minhas mãos estão trêmulas... hehehehe... Eu realmente não acredito que finalmente cheguei ao final desta saga. Ela me marcou muito e já está deixando saudades! Me envolvi demais com os personagens, em especial Sato, Lau Ma e Dae, minhas criações, meus bebês! Ah, vou parar por aqui antes que eu comece a chorar e molhar o teclado!

Um grande beijo a todos! E espero que acompanhem meus próximos contos: "Uma Nova Jornada" e "O Lobo e o Falcão". Vou colocar aqui uma palhinha, só para dar um gostinho:

Uma Nova Jornada

(Um fanfic de InuYasha)

Kagome Higurashi, uma jovem colegial aparentemente normal, teve sua vida revirada da cabeça aos pés no dia de seu décimo quinto aniversário. Neste dia fatídico, Kagome foi levada através do Poço Come-Ossos pela Mulher Centopéia, até o Japão Feudal, onde teve extraída do corpo a Jóia de Quatro Almas, antigo e poderoso amuleto que dá incríveis poderes a quem o possui. E foi lá também, que para salvar sua vida, a garota libertou InuYasha, um jovem meio humano e meio youkai.

Depois de quebrar, acidentalmente, a Jóia de Quatro Almas, Kagome se viu com uma importante missão: recuperar, juntamente com InuYasha, os fragmentos que se espalharam pelo Japão à fora, para impedir que grandes desgraças acontecessem. Orientados pela velha sacerdotisa Kaede, os dois jovens seguiram sua jornada, fazendo grandes amigos pelo caminho - Shippo, Miroku, Sango, Kirara - e terríveis inimigos - Sesshomaru, Naraki, Kagura, Kanna.

Durante esta incrível aventura, Kagome se viu, a cada dia que passava, mais e mais envolvida com o teimoso e arrogante meio youkai. Mas o coração de InuYasha já tinha dona - Kikyou, irmã mais velha de Kaede, guardiã da Jóia de Quatro Almas 50 anos antes de Kagome aparecer - que morrera ao cair numa armadilha de Naraku e que fora ressuscitada pela bruxa-youkai Urasue. Neste estranho triângulo amoroso, visto que Kagome nada mais era que a reencarnação da sacerdotisa Kikyou, a garota do futuro viu seus sentimentos por InuYasha se tornarem cada vez mais profundos. E apesar dele escolher proteger Kikyou e seguir com ela até o inferno, Kagome prometeu ficar ao lado do amado, sem se importar com as conseqüências.

Juntos, eles travaram batalhas, se machucaram e seguiram até o mundo dos sonhos onde, por causa da magia de uma bruxa, suas almas acabaram se entrelaçando e criando um forte elo. Com isso, Kagome foi capaz de purificar o sangue youkai de InuYasha, permitindo que este atingisse sua forma plena de demônio sem perder a consciência e ainda sendo capaz de usar a Tessaiga. Esse elo permitia que os dois jovens partilhassem sentimentos, dores, sofrimentos, alegrias e força. Com este novo Dom, tiveram a certeza que seriam capazes de derrotar Naraku. Só não contavam que o terrível vilão fosse capaz de juntar todos os fragmentos antes do previsto... E não esperavam a assombrosa transformação que se passava diante de seus olhos pasmos...

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O Lobo e o Falcão

(Um fanfic de Sakura Card Captor)

Numa terra distante, repleta de magia, seres humanos e seres encantados conviviam pacificamente. Entre eles, havia uma jovem dama, alegre, gentil e generosa, filha de um bondoso rei. A princesa era amada por todos e sua magnificente beleza enfeitiçava a todos. Ao completar dezoito anos, a jovem foi prometida em casamento a um poderoso duque, um homem mais velho, repleto de ganância e egoísmo.

A princesa aceitara seu destino placidamente, mas o destino conspirou para que a vida daquela gentil garota se transformasse radicalmente. Havia, entre os súditos do duque, um jovem e forte guerreiro, o capitão da guarda, conhecido por seu elegante porte e por sua coragem. Assim, quando esses dois corações puros se encontraram, se apaixonaram perdidamente. Não havia noite em que a princesa não suspirasse por seu capitão. E não havia dia em que o capitão não imaginasse uma forma de poder ficar com sua princesa. Não resistindo aos fortes apelos de seus corações apaixonados, os dois jovens se encontraram e se entregaram aos prazeres da paixão.

Mas o arrogante duque descobriu os amantes e, sedento de vingança, chamou um bruxo que lançou sobre os dois jovens um terrível sortilégio. Sempre juntos mas eternamente separados. Durante o dia, a princesa se transformaria num belo falcão, alçando vôos pelo céu azul. Durante a noite, o capitão se transformaria num temível lobo, um predador feroz. Os dois amantes permaneceriam nesta terrível condição até que pudessem encontrar uma forma de quebrar o feitiço.

Então, a partir daquela fatídica noite, os habitantes do reino passaram a ver, pelas manhãs, um cavaleiro solitário que seguia sem rumo, com seu garboso falcão; e pelas noites, uma bela dama, que caminhava acompanhada por um ameaçador lobo negro.

E é aqui que começa esta história...

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Espero que tenham gostado!

Um grande beijo e até a próxima!

Andréa Meiouh

Em 13/05/03