O AGENTE HUMANO - Parte 4 : "DEJA VU!"

Os controles do helicóptero Black Hawk respondiam aos mínimos comandos de Morpheus. Tank havia carregado sua memória com os conhecimentos necessários para pilotá-lo e para Morpheus era como se tivesse feito isso sua vida inteira. Mas ele jamais tinha visto o céu verdadeiro, o céu real. Apenas a feia manta negra que circundava o planeta, e que servia de moldura para as gigantescas Usinas de Força das Máquinas, as Usinas que alimentavam a Matrix com a eletricidade de seis bilhões de seres. O céu azul da Matrix parecia infinito, mas era apenas uma jaula onde não se podia ver as grades. Morpheus não tinha prazer algum em voar naquele céu.

Contornando o prédio do Oráculo, Morpheus iniciou as manobras para aterrisar no último andar. Tank havia lhe fornecido as informações do prédio, e a estrutura parecia forte o suficiente para agüentar o peso do Black Hawk. Porém, algo estava errado. Trinity já era para ter se comunicado com ele. Seguindo os pensamentos gerados por sua ansiedade, Morpheus baixou a altura de seu helicóptero até a altura do andar onde ficavam os Potenciais. Circulando lentamente o edifício, Morpheus foi se aproximando vagarosamente da janela que dava para a sala de onde ficavam os Potenciais. Um sinal em seu comunicador indicou que Tank havia hackeado o computador do Black Hawk.

__Morpheus! Morpheus! Deu tudo errado! Trinity está com mais três Agentes dentro do prédio!

No mesmo momento em que Tank falava, Morpheus viu Trinity dentro da sala, com um Agente em sua frente, apontando uma arma para sua cabeça.

__E Neo? Onde ele está?__ perguntou Morpheus, enquanto teclava rapidamente no computador de bordo do Black Hawk.

__Ele parece estar lutando contra algo com um poder impressionante! Se move mais rápido do que um Agente, mas o código aparece como um humano, porém todo distorcido, como as leituras de Neo!

Morpheus sentiu um frio percorrendo a sua espinha, lembrando do que a Oráculo disse a Neo, quando ele foi lá pela primeira vez. "Será que existe outro Escolhido", pensou, enquanto acionava as metralhadoras de 50 milímetros que estavam posicionadas nas laterais direta e esquerda do helicóptero.

__Tank! Entre em contato com Trinity em três!

__Ok Morpheus! Um segundinho...ok...pronto!

__Um...dois...três!

Momentos antes, Trinity levantava as mãos e as colocava na nuca, enquanto o Agente apontava uma arma para sua cabeça. Ela podia tentar desarmá-lo, mas se falhasse, morreria imediatamente. E se o Agente quisesse matá-la, já teria atirado no momento em que entrara na sala. Parece que ele estava esperando os outros chegassem. Uma espera que, de acordo com o barulho da porta sendo jogada ao chão com um pontapé, havia terminado. Um dos Agentes que entraram, disse:

__Bom trabalho, Agente Morris. Vamos levar a terrorista para a Central.

__Ela vai ficar com o Sr. Defrag, como o ordenado?__disse o Agente Morris.

__Sim, mas antes precisamos da informação em sua mente.__respondeu o Agente Brown.

Trinity se virou, ainda com as mãos na nuca, e disse, olhando para Brown:

__Eu me lembro de você. Lembro de ter colocado uma bala na sua cabeça.

O Agente Brown olhou para Trinity e disse:

__Uma memória desnecessária, que terei prazer de apagar. Você receberá novas memórias, terrorista, e será novamente a Senhorita Mary Evans, assim que recuperarmos o seu corpo e o inserirmos novamente em nosso mundo. Vocês humanos são patéticos, baseiam suas identidades em memórias e acontecimentos. Vocês mudam demais, não possuem consistência palpável. Um desperdício de código, se me permite dizer.

O Agente Morris segurou a mão de Trinity e a dobrou por trás de suas costas, torcendo seu pulso.

__AAAAHHHHH! Desgraçado!__gritou Trinity.

__Temos que ir Agente Brown__ falou o Agente Morris, olhando para o Agente Brown. Porém, Brown estava olhando para a janela. Morris acompanhou o seu olhar e viu um enorme helicóptero negro flutuando do outro lado da janela!

__Mas o que...__murmurou o Agente Morris.

O telefone de Trinity tocou.

Da janela, uma tempestade de balas varou a sala e antingiu os Agentes em cheio, destroçando a parte superior dos seus corpos. Ao mesmo tempo, Trinity abaixou com uma abertura completa e projetou o seu tronco à frente, rente ao chão. Ao seu lado, os pedaços dos Agentes caiam, e, assim que chegavam ao chão, eram cobertos com raios elétricos azuis que surgiam espontaneamente, transformando nos corpos mutilados dos infelizes que tiveram suas mentes tomadas. Tudo estava terminado em menos de dois segundos. Quando Trinity se levantou, massageando o pulso, haviam dois homens idosos e uma mulher loira destroçados aos seus pés. Olhando para a janela, ela viu o helicóptero, onde Morpheus gesticulava freneticamente.

Ignorando a dor de seu pulso, Trinity correu em direção a janela e pulou. Girando o corpo, ela agarrou nos mísseis Hellfires que ficavam embaixo das metralhadoras, e com um pouco de esforço conseguiu entrar dentro do Black Hawk.

__Eles pegaram os Potenciais, Morpheus, muito antes de chegarmos! Foi uma armadilha!__ falou Trinity.

__Ainda não nos venceram, Trinity.__ respondeu Morpheus, e ligando o seu comunicador, gritou__Tank! Ache uma linha segura o mais próximo e o mais rápido possível!

__Já fiz isso, Morpheus. Está no segundo prédio a noroeste do prédio do Oráculo. Já estou enviando as coordenadas para o computador da sua aeronave.

Ao ver o Morpheus movendo o helicóptero em direção ao prédio indicado por Tank, Trinity protestou:

__NÃO! E Neo? Vamos deixar ele assim? Temos que voltar, Morpheus!

__Neo sabe cuidar de si mesmo, Trinity! Vamos que eu tenho uma idéia de como achar os Potenciais, mas tem que ser de dentro da nossa nave.

Trinity virou o rosto para o outro lado e colocou suas duas mãos no vidro da janela do Black Hawk. Tentando ver o que acontecia na parte da frente do prédio, Trinity murmurava uma prece, uma oração conhecida apenas por aqueles que já se apaixonaram na vida.

__Volte para mim.

Os golpes se sucediam em uma seqüência absurda. Metade da rua estava completamente destruída com o combate entre Neo e Defrag. Carros completamente incendiados, prédios com enormes buracos, postes de luz dobrados, todos testemunhas do nível de destruição gerado pelo combate. Porém a violência continuava sem trégua. Os habitantes do bairro, desesperados, procuravam fugir de suas casas, em um caos que impedia a chegada dos vários carros de polícia que se dirigiam para o local.

Defrag desferia uma seqüência de socos e chutes com a intenção de nocautear Neo, porém todos os golpes eram desviados e seguidos de contra-golpes que procuravam minar suas defesas. Neo era muito mais poderoso do que os Agentes haviam lhe mostrado, mas Defrag tinha tido um treinamento melhor que o Escolhido. E a Matrix estava do seu lado, o que era uma garantia de vitória. Aproveitando um chute de Neo em seu peito, Defrag pegou a perna do Escolhido e com um giro, o laçou em direção à parede de um prédio há cerca de vinte metros de distância. Neo deu um mortal para trás em pleno ar o que fez com que atingisse a parede não com as costas, mas com os pés, o que lhe deu impulso para voltar voando em direção a Defrag.

Antecipando esse ataque, Defrag esperou até que Neo estivesse próximo para desviar com um salto mortal para frente, atingindo a nuca do Escolhido com o seu calcanhar. Neo acabou trombando com a parede que estava por trás de Defrag, entrando para dentro do prédio. Defrag, ajeitando seu casaco branco disse:

__Você é poderoso, Neo, mas desajeitado. Não tem elegância, não tem técnica. Luta com muita emoção. Provavelmente, pode até ser mais poderoso do que eu. Porém, você não está apenas me combatendo. Está lutando contra a Matrix também...

Neo levantou em meio aos pedaços da parede que derrubara com seu choque, e limpando o pó que ficara seu casaco preto, respondeu:

__Como você pode estar do lado deles...Você é um de nós...

O sorriso sarcástico do rosto de Defrag desapareceu instantaneamente.

__ Um de vocês? UM DE VOCÊS? Isso é uma coisa que eu jamais serei, Neo! Você acha que os homens estão presos em uma jaula feita de impulsos elétricos...Mas não faz a menor idéia do que é estar preso na carne...Não sabe o que é ter uma mente superior e ser desprezado por causa do corpo em que ela está presa! O que você chama de prisão, eu chamo de liberdade! O que é a Matrix, você se pergunta; bem eu te digo que a Matrix é a liberdade dos limites da carne!Aqui sou livre! Aqui sou DEUS!__e no momento em que Defrag terminou de dizer isso, partiu correndo em direção a Neo, que pego de surpresa, foi jogado para dentro do prédio através do buraco que acabara de criar.

Nesse momento, um dos carros de polícia que tentavam passar pela multidão que fugia dos prédios do quarteirão, chegou no local. Quatro policiais desceram do carro, e um deles se comunicava pelo walkie-talkie com a delegacia:

__Carro 31 acaba de chegar no local dos distúrbios. Quais são minhas ordEEEEEEEEEEEEEAARRGGNNNGNNNNNN!!!!!___grita o policial, e logo depois, o Agente Brown completa a frase ___Aqui é o Agente Brown, mantenha seus homens longe desse perímetro e evacuem os quarteirões. Outros Agentes lhe fornecerão mais instruções.

Esmagando o walkie-talkie com sua mão direita, o Agente Brown olha para os demais Agentes, todos completamente incorporados nos outros dois policiais. O quarto policial, gritando, sai correndo para longe do carro de polícia, apenas para ser alvejado na nuca pelo Agente Morris. O Agente Brown, colocando a mão no comunicador de seu ouvido direito, recebia informação dos demais pontos da Matrix. Segundos depois, olhando o prédio onde Neo e Defrag se degladiavam, comentou:

__Não vamos interferir diretamente com o combate. As ordens são para evacuar do local. A Central irá reformatar essa área.

__Mas o Sr. Defrag ainda não terminou o combate.__disse o Agente Morris.

__A eliminação da Anomalia é prioridade. Vamos para a Central. Parece que está havendo um problema com as Anomalias-crianças.

Os três Agentes entraram dentro do carro de polícia e se afastaram do lugar. O Agente Brown dirigia por entre as barricadas policiais que isolaram o quarteirão, levando instintivamente a mão até a sua têmpora. Pela segunda vez Trinity escapara dele. Nesse momento,o Agente Brown se permitiu algo que censurava no Agente Smith: ele sentiu ódio. E gostou da nova sensação.

Dentro do prédio, Neo lutava contra Defrag em uma pequena sala de jantar. Neo se movimentava com muita velocidade, chutando as cadeiras da sala em direção ao albino. Defrag desviava dos ataques com elegância, seu casaco branco desenhando círculos no ar. O albido segurou na geladeira que estava do seu lado e a derrubou em cima de Neo, que se aproximava com um salto do lugar onde ele estava. A geladeira caiu no chão com um estrondo, mas Neo conseguiu desviar a tempo de se apoiar nela com o pé esquerdo e chutar o rosto de Defrag com o pé direito. O impacto foi tão forte que o albino foi lançado através da parede para o quarto que estava atrás da sala.

Defrag caiu em cima de uma escrivaninha, destruindo-a por completo e derrubando uma gaiola que estava ao seu lado. Com o impacto, o canário que estava dentro da gaiola fugiu através de um amassado na parte superior e saiu pela janela. Neo, vendo que o albino estava aturdido, o levantou pela gola de seu casaco branco e o encarou. Com o movimento, os óculos partidos de Defrag caíram, o que fez com que Neo pudesse observar os olhos quase brancos do albino. Ele já tinha visto aqueles olhos antes...

__Marc? Marc Hauser? Mas como...Porquê?

Urrando, Defrag deu uma cambalhota para trás, se livrando do casaco e da pegada de Neo. Neo jogou o casaco para o lado e adotando uma postura marcial, se preparou para o ataque de Defrag. O albino, impecável em seu terno completamente branco, assumiu a mesma postura. No momento em que os dois iniciaram uma nova onda de combates, um canário que estava dentro da gaiola fugiu através de um amassado na parte superior da gaiola e saiu pela janela.

Imediatamente os dois pararam o ataque. Defrag olhava em torno com apreensão, enquanto Neo exclamava:

__DEJA VU!

O seu olhar viu de relance os estranhos mecanismos que haviam aparecido na sala de jantar. A reformatação da Matrix havia colocado novos elementos naquele lugar. E mesmo sem os conhecimentos técnicos convenientemente alimentados por Tank, Neo sabia para que serviam aqueles mecanismos.

__ São bombas! Esse prédio está agora completamente cheio de bombas!

Sob o olhar surpreso de Defrag, Neo se curvou, quase encostando o seu punho direito no chão, enquanto a Matrix se curvava em um círculo em torno dele. Defrag seguiu seu movimento, carregando ao máximo que podia o impulso que forçava a Matrix dar ao seu corpo. Era como se estivessem esticando o código até o máximo de sua resistência, como uma espécie de mola.

A bomba explodiu no momento em que os dois partiram em um vôo vertical, destruindo o teto do apartamento e seguindo em direção ao apartamento seguinte. O fogo da explosão os seguia de perto, forçando o aumento da velocidade dos dois. Mas a resistência de ter que quebrar teto atrás de teto para sair do prédio estava atrasando a fuga. E eram dez andares para serem vencidos.

Subitamente, Defrag se aproximou de Neo e, socando com uma força inacreditável os ombros do Escolhido com as duas mãos, aumentou sua velocidade, lançando o seu corpo para fora do prédio. Neo, atordoado pelo golpe, foi engolido pelas chamas da explosão.

Como um cometa flamejante, Defrag saiu voando do prédio no instante exato que este se transformou uma gorda estrela de pedras, fumaça, detritos e fogo. A explosão foi tão grande que causou uma dor intensa nos seus ouvidos. Momentos seguintes, onde antes havia um prédio, estava uma enorme montanha de cimento e aço retorcido. "Tenho que ter certeza que ele morreu...", pensou Defrag, enquanto descia flutuando lentamente até ao entulho.

O albino teve que tirar muitos fragmentos de paredes e chão até encontrar Neo. O Escolhido estava completamente destroçado, com a perna dobrada em um ângulo impossível, e com ferimentos por todo o corpo. Os dedos de sua mão estavam completamente quebrados e retorcidos, e um enorme ferimento em suas costas mostrava as costelas através de rasgos enormes em sua capa completamente empoeirada. Defrag sorria.

__T...rini..ty.....__murmurou Neo, entre rios de sangue que caiando de sua boca.

Dando uma gravata em Neo, Defrag cerravou os dentes de tanto ódio. O maldito ainda estava vivo. Segurando a cabeça do escolhido com as mãos, o albino preparou-se para quebrar o pescoço de Neo com um único movimento.

__Bem, Neo...Agora é hora de morrer, desgraçado!

CRACK!

(continua)

Escrito por Nitro (Newton Jr., 30-05-03)

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