O AGENTE HUMANO - PARTE 6

BODHI

Como cordilheiras, as gigantescas colméias negras cobriam o horizonte.O céu negro rugia, com a eterna tempestade explodindo violentamente e castigando a superfície apocalíptica com uma chuva inclemente. Apesar do infernal clima, milhares de sentinelas ignoravam a paisagem em seu eterno cuidar dos milhões de óvulos vermelhos que como colares rubros, cobriam as Usinas de Força das Máquinas. Óvulos que guardavam em si uma humanidade adormecida, que servia de fonte de eletricidade para a Matrix. Aranhas mecânicas, sentinelas, e centenas de outras máquinas com as formas mais variadas possíveis, realizavam incessantemente o seu trabalho de cuidar dos gigantescos óvulos.

Era uma paisagem que não fora feita para olhos humanos, e as máquinas que aqui trabalhavam sequer tinham sensores capazes de detectar humanos andando pelas colméias negras. Isso facilitava a vida de dois seres que caminhavam entre os óvulos vermelhos, carregando enormes armas de pulso.

__Eu sempre me sinto mal aqui. Pôxa, cada recipiente que a gente passa é uma pessoa que podia estar livre!__exclama Tank, olhando para uma bela moça ruiva que estava dentro de um óvulo à sua esquerda.

Morpheus, sem diminuir o ritmo do andar, respondeu:

__A liberdade ainda é para poucos Tank. Vamos, estamos perto do nosso objetivo.

Com o constante passar das aranhas-babás, os dois guerreiros tinham que caminhar lentamente, se escondendo de tempos em tempos para não chamar atenção. Depois de algum tempo, Morpheus, usando um pequeno computador de bolso, se aproximou de um óvulo.

__Pelas informações do Oráculo, é este aqui.

Tank olhou para dentro do óvulo. Pelo vidro espesso e molhado com a gosma protéica que protegia o corpo dos Adormecidos, o operador viu a silhueta de um menino de cerca de dez anos. Seu corpo magro estava em uma posição fetal e os olhos estavam completamente fechados.

__Esse é um dos Potenciais?

__Sim Tank, um dos mais talentosos. Seu nome é Bodhi, e suas habilidades impressionaram até mesmo Neo. Agora me ajude aqui.

Utilizado-se de ferramentas especiais, Morpheus soltou as prensas que fechavam o óvulo. Com um forte barulho, causado pela saída brusca de parte da gosma protéica que envolvia o menino, o óvulo se abriu. Morpheus puxou o menino e disse para Tank:

__Tank, segure o braço dele assim...__e passou o pulso do menino para o operador, que olhava para Morpheus sem entender o que estava se passando.

Morpheus tirou uma seringa da pequena mochila que tinha em suas costas e, colocando a agulha na sua ponta, enfiou a injeção em um pequeno frasco que continha um líquido vermelho. Quando a injeção estava cheia com o líquido, ele jogou o frasco fora e aproximou a seringa do braço esquerdo do menino. Tank protestou:

__Morpheus! Você vai matá-lo!

__Ele é um Potencial, ele vai resistir.

__Mas injetar a Solução de Liberação em um adormecido é morte na certa! Ele tinha que tomar a pílula vermelha de dentro da Matrix, não do lado de fora!

__Eu só preciso de alguns segundos. A Profecia vale mais do que as nossas vidas. Ser um Potencial significa isso, doar a própria vida em prol da liberdade da humanidade. Estou apenas fazendo o que deve ser feito.

E com isso, Morpheus injetou o líquido vermelho, a essência da pílula que despertava os humanos, em Bodhi, o pequeno Potencial.

Nada ocorreu nos primeiros momentos, porém, depois de alguns segundos, o corpo do menino começou a entrar em convulsões. Uma aranha-babá, que estava por perto, percebeu os estranhos movimentos e se aproximou do óvulo. Tank, ao perceber a presença do monstro mecânico, disparou sua arma de pulsos em sua direção. Com um guincho quase animalesco, a máquina mexeu-se freneticamente enquanto raios azuis dançavam em sua superfície. Segundos depois, caía inerte no chão, entre dois óvulos vermelhos, onde uma senhora negra e um adolescente oriental sonhavam com a Matrix.

__Ele vai morrer!__gritava Tank, tentando segurar o menino. Os olhos de Bodhi abriam e fechavam rapidamente, com os globos oculares completamente revirados para cima. Todos os seus músculos estavam tensos, e as mãos abriam e fechavam rapidamente. Morpheus parecia alheio a tudo isso, observando com atenção o pequeno computador que tinha nas mãos. Tank percebeu que Morpheus havia conectado um cabo que saía de seu computador portátil em um dos plugs que Bodhi tinha nas costas.

__Só mais alguns segundos...

O corpo de Bodhi parou de tremer e para o horror de Tank, estava enrijecendo! O menino morria vagarosamente e não havia nada que Tank podia fazer. Mais uma morte em suas mãos e ele completamente impotente. Tinha sido assim com Dozer. Tank olhou para Morpheus. Como ele podia fazer algo tão brutal? O operador viu que o capitão tinha no bolso direito de seu cinturão outra seringa, contendo um líquido azul.

Sem um segundo de hesitação, Tank empurrou Morpheus para o lado e pegou a seringa de sua mão. Morpheus caiu no chão, e por pouco evitou que o computador portátil o acompanhase.

__Tank!__gritou.

Porém o operador nem ao menos prestou atenção. Tank enfiou a seringa com o líquido azul no braço do menino, próximo ao local onde Morpheus havia usado para a injeção anterior. Aos poucos, com a introdução do líquido, o corpo de Bodhi foi respondendo, perdendo a lividez da morte e normalizando suas funções corporais.

__Como você pôde fazer isso Morpheus! Ele é apenas uma criança!

Morpheus olhou severamente para Tank.

__Tank, isso que você fez está muito próximo de uma traição!Se você não pode confiar em mim, acho que não devia ficar em nossa nave! Mas não importa, eu consegui a localização dos Potenciais.

__Mas como?

__A Solução de Liberação que injetei em Bodhi percorreu por toda sua rede neural, indo até onde o seu corpo virtual está. Eu apenas rastreei esse caminho e consegui o local exato onde estão os Potenciais. Agora é só ir resgatá-los. Vamos voltar para a nave. Temos que passar isso para Trinity.

__E quanto a Neo? O que isso vai ajudá-lo?

__Como eu já disse antes, Neo sabe cuidar de si mesmo. Você já ouviu falar dos shamãs?

__Não...__ respondeu Tank, ainda atônito com as revelações de Morpheus.

__Eram feiticeiros de tribos primitivas que recebiam poderes especiais depois de passarem por transes de iniciação. Neo é um shamã e agora está fazendo o que todos os shamãs fizeram desde o início da humanidade...

__O quê?

__Ele está caminhando no Vale da Morte para encontrar o seu Totem, a fonte do seu poder. Agora vamos embora. Me ajude a fechar isso aqui.

Tank segurou a borda do casulo. Porém, no momento exato em que ia fechar o óvulo, ele viu algo impressionante. Surpreso, gritou para Morpheus, que estava recolhendo a parafernália que haviam trazido:

__Morpheus! Venha! É impossível!!!

__O que foi?__ disse Morpheus, levantando-se rapidamente. Quando o capitão se aproximou do óvulo, se assombrou com o que viu...

Os olhos de Bodhi estavam abertos e conscientes!

__Sente-se Defrag.

O albino parou por um momento. Seraph estava impassível, porém Defrag sentia o olhar do oriental, apesar de escondido sob um pequeno óculos de lentes redondas, fixo em sua direção. Intrigado com a velha em sua frente, Defrag se aproximou do banco.

__Era você que estava me chamando. Foi você que me falou das passagens escondidas naquele prédio.

A velha senhora olhou para Defrag e sorriu.

__Essa foi a segunda vez. Já tinha te encontrado antes, é uma pena que não se lembre. Você realmente não quer uma bala?

__Não, não quero velha. Eu quero...

__Saber se eu sou o Oráculo, não? Essa é uma pergunta que não posso responder. Eu apenas respondo as perguntas que trazem as pessoas para mim, e você não está aqui por causa dessa pergunta.

__Não compreendo. Escute aqui, você é o Oráculo ou não? Será que vou ter que destruir todo esse lugar para ter a minha resposta?

O rosto da senhora modificou-se imediatamente para uma expressão irritada. Seraph saiu de sua posição porém com um gesto, a velha senhora ordenou para que o oriental parasse. Defrag olhava ansioso para Seraph, enquanto a velha respondia:

__Esses seus modos não o levarão a nenhum lugar. Seja educado como estou sendo com você. Vamos, Defrag, me faça a pergunta que o trouxe até aqui. Quem sabe a resposta não é algo que você queira ouvir?

Confuso Defrag, olhou a velha. Ele tinha acessado os arquivos sobre o Oráculo, durante o seu treinamento com os Agentes, mas tudo que havia descoberto era que se tratava de um programa exilado, um dos mais antigos de dentro da Matrix. Outra coisa que se destacava era a ordem para que os Agentes não interferissem nas ações do Oráculo, sob pena de serem deletados. Porquê o sistema da Matrix deixava um programa que claramente ajudava os rebeldes. com esse grau de independência? Defrag abriu a boca para perguntar, porém o Oráculo foi mais rápido:

__Existem muitos níveis de liberdade, e muitos níveis de destino. Destino e liberdade às vezes se unem, às vezes se separam. Minhas ações são para harmonizar esse processo. Mas não é por isso que você veio aqui.

__Você leu meus pensamentos?

__Pensamentos e falas são a mesma coisa na Matrix. Aqui tudo é infinito, todo e qualquer pensamento é registrado na Matrix, sendo expressado ou não. Mas isso também não lhe interessa, não é mesmo? Bem, você ainda não está preparado. Lamento. Tenho que ir agora. Me procure quando souber a pergunta que te move, a pergunta que lhe dá a razão da sua existência.

__Então você já sabe que matei o seu protegido.__disse Defrag, com um sorriso.

__Tem certeza?

O sorriso sumiu do rosto de Defrag mais rápido do os confusos pensamentos que corriam em sua mente.

__Você está mentindo, velha. Eu mesmo quebrei o pescoço dele, com essas mãos aqui.

__Deixe-me ver essas suas mãos...

E sem que Defrag pudesse reclamar, a velha pegou as duas mãos do albino e as olhou cuidadosamente. Depois as soltou e com uma expressão de desdenho, disse:

__Lamento meu caro, mas essas mãos ainda são incapazes de matar o Escolhido.

__"Ainda"? Como "ainda"? Quer dizer que Neo está vivo?

__Não foi isso o que eu disse. Só posso lhe dizer que com essas mãos, você não conseguirá matar o Escolhido.

__Mas você disse "ainda"...Quer dizer que eu terei esse poder, certo? Se você é o Oráculo, é isso que você está me dizendo. Que eu matarei Neo!

__Agora que é conveniente você decidiu acreditar que sou o Oráculo. Mãos são chaves dentro da Matrix. Com a chave certa, pode se tirar ou dar a vida. Mas acho que você está mais interessado em tirar. Se é isso que você quer, você precisa de uma nova mão. Ou de uma nova chave, tanto faz.

A velha se levantou e pousou sua mão no ombro de Defrag.

__É uma pena que você não quis sentar.

E se virou, andando em direção à saída da pequena praça. Seraph se aproximou, tomando a velha pelo braço. Defrag estava confuso, porém não conseguia agir. Sua mente estava em chamas, pensando nas palavras que acabara de ouvir. Antes que a velha e seu guarda-costas saíssem da praça, Defrag gritou:

__Sou mais poderoso que Neo?

A senhora parou imediatamente e, sem se virar, respondeu:

__Muito bem! Você encontrou a sua pergunta, porém a resposta é muito mais difícil. Eu diria que suas forças residem em lugares diferentes. Quem reconhecer de onde vem a própria força, será o mais poderoso. Assim foi e assim sempre será.

E o Oráculo saiu pelo pequeno portão da pracinha. Defrag, como se acordasse de um transe, correu para o portão, mas ao abri-lo, viu que dava para uma paisagem idílica, cheia de montanhas com cumes nevados. Ao longe, Defrag podia ver um castelo se erguendo entre as montanhas. O Oráculo havia lhe mostrado uma nova passagem por dentro da Matrix. E aquele castelo, como Defrag havia visto nos bancos de dados da Matrix, era daquele que também tinha poder sobre a Matrix. O Oráculo havia lhe dado acesso até aquele que poderia lhe dar o poder de matar o Escolhido. Matar para sempre.

E com um impulso, Defrag voou em direção ao castelo de Merovíngio.

(continua)

Escrito por Nitro (Newton Jr.)

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