Por Uma Boa Causa – Capítulo 10 – Páscoa Chez Evans
Depois que Lílian descobriu e aceitou o que Remo era, o relacionamento dos dois deu uma grande alavancada e amadureceu consideravelmente. O tempo passou e os dois continuavam firmes juntos, a despeito das previsões pessimistas que muitos fizeram, principalmente Candice, a respeito do futuro dos dois como um casal.
O mês de março chegou e foi embora, e com abril, veio a proximidade da Páscoa. E do casamento de Petúnia, que afinal de contas, seria celebrado durante o feriado.
O clima em Hogwarts já estava bem melhor do que em janeiro, e a poeira do atentado ao Expresso de Hogwarts já havia baixado, e como Remo profetizara, a ferida que a morte de Victoria causara em Lílian virara agora apenas uma cicatriz que remetia a uma lembrança triste. Os ataques do inimigo, no entanto, eram cada vez mais freqüentes, e embora causassem revolta, eram geralmente contra trouxas ou bruxos que a maioria dos alunos de Hogwarts conhecia muito pouco ou não conhecia. Por mais difícil que fosse prever os próximos passos de Lord Voldemort, parecia que os ataques estavam mais direcionados para o sul da ilha da Grã-Bretanha, e de qualquer forma, ele nunca conseguira atingir diretamente Hogwarts, o máximo que conseguira fora o ataque ao trem.
Talvez por medo de embarcar no Expresso de Hogwarts, muito mais gente do que no ano anterior deixou seu nome na lista dos que permaneceriam no colégio, o que, afinal de contas, era inútil, uma vez que dificilmente o Lord das Trevas jogaria um raio no mesmo lugar, e as estações estavam agora muito bem guarnecidas por aurores – em muito maior número agora que foram importados dos Estados Unidos e de alguns outros lugares – e seria obviamente uma grande imbecilidade atacar lá novamente.
**
No meio de um dos corredores de Hogwarts, Remo Lupin tapou os olhos de Lílian Evans, sua namorada e Monitora-Chefe, que sorriu, já ciente de quem se tratava.
- Adivinha quem é? – perguntou o garoto tolamente.
- Hum... – ela fingiu que ponderava por um instante – Snape?
Remo tirou as mãos dos olhos da garota e a virou.
- Humpf... já está me confundindo com um dos seus amantes? – ele brincou, e ela riu e fez uma careta zombeteira.
Eles estavam a praticamente um milímetro de se beijarem quando Tiago Potter passou, parecendo inacreditavelmente mal-humorado e ranzinza, com algumas pastas na mão, algo que era praticamente inédito se tratando dele, e resmungou:
- Que cena ridícula...
Lílian e Remo mal tiveram tempo para se afastarem e virarem-se para o rapaz, quando ele virou outro corredor, ainda com os zilhões de pastas na mão.
- O que deu nele? – perguntou Lílian, tentando conter um sorriso; era certo para ela que os papéis dos dois estavam invertidos na cena que acabara de acontecer, e essa sensação era um tanto divertida.
- Acho que ainda é a história de ele não poder sair do colégio na Páscoa – respondeu Remo, parecendo pouco interessado.
O fato era que Tiago Potter era descendente direto de Godric Gryffindor, aliás, o único além de seu pai, Harold Potter, e isto fazia com que, em tempos de guerra como este – época esta, aliás, em que a guerra andava mais sangrenta do que nunca e sequer aparentara ter chegado a seu apogeu -, e sabendo-se da natural rivalidade entre Slytherin e Gryffindor, Alvo Dumbledore temesse que os extremistas – os tais "Comensais da Morte" – fossem fundo o suficiente para descobrir esse dado (que não era exatamente secreto, mas era escondido apenas para que os Potter pudessem ter paz enquanto andassem pelas ruas) e resolvessem assassinar o rapaz durante o período em que ele estivesse fora de Hogwarts. Sendo um homem precavido, o diretor mostrou suas razões aos pais de Tiago, que prontamente concordaram em autorizar o mantimento do garoto na escola.
Mas Tiago Potter, sendo Tiago Potter, obviamente, achava que estava acima de qualquer perigo e que não necessitava de precaução alguma. Ele era um jovem obstinado que achava que podia vencer qualquer desafio que lhe viesse pela frente. Sonserinos, quadribol, estudos, e, por que não, Voldemort também. Não era de se espantar que Tiago estivesse levemente revoltado com toda essa história. Além do mais, ele acabara de ser submetido a feitiços que o deixavam impossibilitado de deixar a propriedade de Hogwarts até que se passasse o feriado. Ou seja, ele estava proibido até de ir a Hogsmeade.
- Deve ser – fez Lílian. – Aquele lá acha que pode tudo...
- Ele andou falando que isso era um abuso... o Tiago não agüenta ficar preso, ele se sente sufocado – disse Remo.
- Mas... – Lílian abriu um grande sorriso e abraçou o namorado – Nós não estamos impedidos de ir a lugar algum, não é mesmo?
- Não – respondeu Remo, depois de um beijo rápido. – Mas o que tem isso?
- Eu sei que está meio em cima da hora para pedir isso, mas é que eu ainda tinha esperanças de eu mesma não ter de ir, mas acabou que a minha mãe insistiu tanto, que... – Lílian começou. – Remo, você quer ir lá para a minha casa neste feriado? Para o casamento da minha irmã, também...
- Casamento da sua irmã? Mas eu achei que não tinha sido convidado...
- Ora, claro que foi! – exclamou Lílian. – Afinal, quem vai pagar a festa são meus pais, e eles me deram carta branca para convidar quem eu quisesse. Eu só não falei antes porque, como eu disse, eu mesma pretendia não ir... mas já que vou, eu queria que você fosse comigo também. Vai ser bem mais fácil encarar a Petúnia assim, e... além do mais, nós já namoramos há quase quatro meses, e meus pais querem te conhecer.
- Bem...
- Ah, Remo! – Lílian fez muxoxo. – Diz logo que você vai, anda! Poxa... minha família inteira vai estar lá, e eu queria tanto que você fosse...
Remo sorriu.
- Se você quer, é claro que eu vou.
Lílian soltou uma exclamação de contentamento, o abraçou com força e o beijou.
**
Menos de uma semana depois, ela e Remo estavam desembarcando na estação King's Cross, com Sirius Black a tiracolo.
Logo que puseram os pés em Londres, os pais de Lílian se aproximaram deles, com idênticas expressões de alegria no rosto. A mãe de Lílian, Flora Evans, era uma mulher de quarenta e poucos anos muito bonita, alta e esguia, com cabelos louros cortados à altura dos ombros e olhos verdes iguais aos da filha. As duas eram muito parecidas nos traços em si.
O pai de Lílian, Adam Evans, parecia mais ser avô dela. Devia beirar uns setenta anos, tinha cabelos quase totalmente grisalhos onde ainda restava um pouco dos fios do que deveria um dia ter sido completamente ruivo. Os olhos eram castanhos e inteligentes, e ele parecia, pelo menos, um velhinho bem simpático.
Logo que pôs os olhos na filha, abriu um sorriso imenso e a abraçou com carinho.
- Minha filha! – ele exclamou jovialmente – Já estava com muitas saudades... uma pena você não ter podido vir no Natal.
A mãe de Lílian mantinha uma certa distância, mas parecia igualmente feliz em rever a garota.
- Você deve ser o Remo – disse a sra Evans a Sirius. – Muito prazer em conhecê-lo. A Lily fala muito de você nas cartas.
- Hã... na verdade, eu sou Sirius Black, mas prazer em conhecê-la, sra Evans – disse Sirius, apertando a mão da mãe de Lílian.
- Oh, me desculpe... – disse Flora Evans, virando-se agora para o verdadeiro candidato a genro. – Muito prazer, Remo.
- Prazer – respondeu Remo, tentando soar como um cara sério e respeitador.
As apresentações transcorreram de forma pouco natural, mas agradável, e em pouco, os três jovens já estavam acomodados no banco traseiro do carro vermelho do pai de Lílian. Embora Flora Evans fosse uma mulher bastante reservada e séria, o pai da garota falava por todos no carro. Era um sujeito muito engraçado, que conseguiu instantaneamente a simpatia dos dois garotos.
Quando chegaram à casa de Lílian, eles se surpreenderam com a confusão que havia lá dentro. Na verdade, não eram os únicos convidados. Aliás, na verdade mesmo, estavam muito longe disso. Parecia que a família inteira da garota havia acampado na casa.
Não era que a casa fosse pequena, longe disso, havia o quarto dos pais de Lílian, de Lílian, da irmã, um quarto de hóspedes e um escritório que também servia para o propósito. Mas todos estavam lotados. Petúnia, por ocasião de seu casamento, teve o privilégio de manter-se sozinha em seu quarto. Lílian, ao contrário, teve de dividir o seu com a avó paterna, Eleanor Evans, de noventa anos, e de quem sua mãe, Flora, tinha uma raiva incomensurável, e com Lucille Mitchell, sua tia solteirona de cinqüenta anos por parte de mãe e madrinha de Petúnia. Sirius e Remo ficaram no escritório, com um primo em segundo grau de Lílian e Petúnia, Simon Ford, de vinte e quatro anos. No quarto de hóspedes, estavam três amigas de Petúnia que moravam em Oxford, onde esta havia estudado: Marianne Krammer, Amanda Elfman e Andrea Burns.
As três e Petúnia formavam um quarteto um tanto obtuso, e era certo que mesmo apesar do noivo ser alguém tão gordo e patético como Válter Dursley, as amigas sentiam uma enorme inveja do casamento. Eram três encalhadas e uma desencalhando, o que significava que a conversa mais freqüente no quarto em que estavam era mal de Petúnia, de Válter e de tudo relacionado ao casamento.
Depois de instalados, Sirius, Remo e Lílian sentaram-se ao redor da mesa da cozinha, com o sr Evans de companhia.
- E então? – perguntou Adam. – Lar doce lar?
Lílian sorriu. Ela amava os pais e adorava sublimemente estar na casa dos pais. Mas para ela, desde os onze anos de idade, não havia nada mais parecido com lar do que Hogwarts.
- É muito bom estar aqui, papai.
Adam sorriu em resposta, e virou-se para os meninos.
- Não sei se Flora já disse isso quando os levou para o quarto onde vão ficar, mas sintam-se em casa.
Os meninos agradeceram, e Lílian, parecendo um pouco acanhada, abriu e fechou a boca umas duas vezes, como se estivesse hesitando falar alguma coisa.
- O que é, Lily? – o pai da moça perguntou. – Fale de uma vez.
- Papai... é que... sabe... a minha... hum... irmã... está em casa?
- A sua irmã saiu com a sua tia – disse Adam, se referindo à irmã de sua mulher. – Devem estar voltando.
- Ah, sim.
Então, Eleanor Evans apareceu na porta, com uma aparência jovial.
- Minha netinha! – exclamou. – Eu mal pude falar com você direito. Estava terminando um ponto complicado no enxoval da Petúnia.
Lílian se levantou e abraçou a avó com carinho. A senhora continuou:
- Você sabe, eu não imaginava que sua irmã fosse casar tão cedo e acabei deixando para bordar o enxoval de última hora. Comecei assim que ela e aquele... o Válter ficaram noivos e ainda não terminei. Mas falta muito pouco, graças a Deus.
Eleanor se soltou do abraço da neta e virou-se para Sirius e Remo, que já haviam se levantado para cumprimentá-la.
- Prazer, sra Evans, eu sou Remo Lupin – começou Remo, e depois, comentou – Duas senhoras Evans... isso é engraçado.
- Você pode me chamar de Eleanor, Remo, - disse a senhora de forma jovial. – De qualquer forma, eu sou senhora Evans há bem mais tempo que aquela...
- Mamãe! – o pai de Lílian a advertiu a tempo e ela sorriu.
- Ah, Adam! – fez Eleanor, sorridente. – Você sabe que eu adoro a sua esposa. Nós só nos... hum... bicamos por brincadeira.
- Claro que sim, vovó – Lílian disse, entre risos.
- Bem, - Eleanor continuou, parecendo ligeiramente ranzinza com a conversa que antecedera. – E quem é este outro rapaz? Não vá me dizer que você anda namorando dois, Lílian – a avó advertiu a neta em tom pretensamente severo, fazendo-a corar, mas logo amoleceu a voz e sorriu – Eu achei que as meninas só fizessem isso na minha época.
Todos riram, e então, Eleanor acrescentou:
- Obviamente eu estou brincando. Não pensem mal desta velha caduca – disse, sorrindo. – E então, rapaz, qual é o seu nome?
- Sirius Black.
- Muito bem, senhor Black. Eu suponho que todos vocês aqui estejam com fome, e por mais que adoraríamos esperar pela nossa queridíssima Petúnia, acho que não vai fazer mal ter umas pessoas a menos à mesa quando ela chegar, não é mesmo?
- Mas Flora pediu que nós esperássemos pela Pet... – começou Adam, mas foi novamente interrompido pela mãe.
- Ah, Adam, não se importe tanto com o que a sua esposa diz, querido – fez Eleanor. – Você não quer matar a sua pobre mãe, sua filha caçula e os seus hóspedes de fome, quer? E, de qualquer forma, se você também não está morto de fome como eu estou, pode esperar mais um bocado para comer com a Petúnia e as outras pessoas. Mas eu não vou.
Contrariado, Adam sentou-se novamente.
- A senhora sabe que eu não gosto de confusões, mamãe – disse Adam. – Principalmente agora que a Petúnia está para se casar e sair de casa...
- Oras, qual é o problema de almoçar antes dela? Vocês mimaram demais essas meninas... – fez Eleanor.
- Ei! – Lílian protestou. – Eu não sou mimada!
- Claro que não é, querida – disse Eleanor, entre risos. Às vezes, Lílian compreendia muito bem o motivo pelo qual sua mãe não aturava sua avó.
- Mas eu realmente não me incomodo em almoçar antes da minha irmã. Acho que seria até melhor, se quisermos evitar brigas perto do casamento dela – ponderou Lílian.
- São as palavras da sua filha, Adam – apontou Eleanor, se levantando e saindo da copa em direção à cozinha.
- Muito bem – ele concordou. – Mas, escute bem, Lílian, eu não quero espécie alguma de hostilidade entre você e Petúnia. E ignorar uma à outra também é uma demonstração de hostilidade no meu conceito. Vocês duas são irmãs, afinal de contas.
- Mas, papai! – fez Lílian. – Ela me odeia!
- E se não fosse muito doloroso dizer isso, eu diria que a recíproca também é verdadeira – comentou o sr Evans.
- Quanto a isso, eu não posso fazer nada – continuou a garota. – Desde que eu fui chamada para Hogwarts, a minha irmã me trata pior do que o de costume. Eu não sou saco de pancadas! Mas eu nunca a odiei... você sabe muito bem que eu sempre tento me aproximar dela de alguma forma.
- Lílian, a santa – zombou o pai dela. – Ok, ok, então continue tentando ser amiga dela. Vocês duas têm gênios muito difíceis.
**
Enquanto isso, em Hogwarts, Alvo Dumbledore se preocupava. Tiago Potter parecia quieto demais para o seu gosto, depois de ter sido impedido – mesmo que para seu próprio bem – de deixar a propriedade da escola.
- O que houve, Alvo? – perguntou Minerva McGonagall ao diretor. – Por que você mandou me chamar?
- Eu estou muitíssimo preocupado, Minerva – disse ele. – Gostaria que você mantesse um olho no garoto Potter.
- Tiago? – ecoou a professora. – Quanto a ele, Alvo, não há o que temer. Acho que ele finalmente compreendeu que estamos fazendo o que é melhor para ele. Tiago Potter está se comportando como um anjo.
- É isso o que me preocupa, Minerva – o diretor suspirou. – É isso o que me preocupa...
**
- É uma pena que você não possa ir conosco a Hogsmeade – disse Pedro, acompanhado de Vanessa, a Tiago.
- Pois é – concordou Tiago, com falso pesar. – Uma pena.
- Se você quiser... – disse Vanessa, hesitante. – Eu... quer dizer, eu e Pedro, poderíamos ficar aqui, te fazendo companhia.
- Não! – exclamou Tiago, num tom um pouco mais agudo do que deveria. – Não – ele repetiu, já num tom mais equilibrado. – Não quero que vocês deixem de se divertir por minha causa.
- Mas... – Vanessa insistiu, um pouco sem-graça. – Não seria problema nenhum... eu não deixaria de me divertir ficando aqui. Pelo contrário, acho que... com você... – diminuiu o tom, corando profundamente – eu ficaria muito melhor.
Tiago sorriu amigavelmente.
- Não, Vanessa. Eu ficaria realmente muito triste se vocês deixassem de ir por minha causa.
- E eu – completou Pedro, lançando a Tiago um olhar de cúmplice – tenho que comprar umas coisas em Hogsmeade.
Meio que a contragosto, Vanessa seguiu com Pedro para Hogsmeade. Tiago observou os dois sumindo no corredor.
Se tudo der certo, Vanessa, ele pensou, eu ainda encontro vocês em Hogsmeade.
**
- Será que ela já chegou? – perguntou Petúnia para sua tia Lucille, as duas carregadas de sacolas de compras.
- Creio que sim, querida – respondeu a tia. – Não diga à sua mãe que eu estou falando isso, Petúnia, mas eu realmente não sei o que a Lílian veio fazer no seu casamento.
- Eu também não sei, titia – retrucou Petúnia.
- Te atormentar, só pode. Ela sempre foi uma garota estranha.
- Tia, só a senhora me compreende na família! – exclamou Petúnia. – Mamãe e papai tratam aquela aberração como se ela fosse um prodígio.
- Ora, Petúnia, isso não é verdade! – exclamou a tia. – É só que os pais tendem a dar mais atenção aos filhos mais necessitados. E a Lílian é claramente uma garota problemática. Adam e Flora acham que você já é boa o suficiente para não precisar de tanta atenção quanto a sua irmã.
- Quem me dera se fosse isso. Meus pais não me compreendem, isso sim. Sabe, tia, às vezes eu queria que você fosse a minha mãe.
Os olhos de tia Lucille encheram-se de lágrimas. Ela própria nunca casara ou tivera filhos.
- Papai acha que eu estou me casando muito cedo – Petúnia continuou. – Mas eu mal via a hora de me livrar daquela casa. Pelo menos, sei que com Válter não vai haver uma Lílian no meio da minha vida.
- Aposto que a Lílian nunca vai casar – disse Lucille, se recompondo. – Os homens não gostam de mulheres tão atrevidas e respondonas quanto ela. Ela vai ficar velha, solteira e sem filhos.
Petúnia deu um sorrisinho por educação. Na verdade, ela procurou não pensar que a própria tia Lucille era velha, solteira e não tinha filhos, para não rir do que ela acabara de dizer.
**
Eleanor mal havia acabado de começar a servir a comida na mesa quando a campainha tocou. Adam levantou-se imediatamente, com um sorrisinho vitorioso para a mãe.
- Viu? Eu não disse que não custava esperar um pouco? – virou-se para Lílian. – Lily, querida, que tal ir abrir a porta para a sua irmã e a sua tia?
Mesmo à contragosto, Lílian levantou-se e caminhou até a porta. Eleanor apenas deu de ombros e continuou o que estava fazendo.
- Abrir a porta para a Petúnia – resmungou Lílian. – Aquela lá não perde a mania de não levar a chave de casa quando sai...
E Lílian também não perdia a mania de abrir a porta sem ver quem era, de modo que o susto foi muito maior quando ela se deparou com tia Dóris e tio Paul na sua frente.
- Oi, Lily! – exclamou tia Dóris, abraçando-a sem cerimônias. – Quanto tempo!
- Você está crescendo, hein! – completou tio Paul. – Eu ainda lembro quando você era uma menina de marias chiquinhas correndo por esta casa.
Lílian sorriu de forma um pouco forçada. Ela esperava que os tios não chegassem na parte de quando ela corria sem a parte de cima do biquíni, em Bournemouth, brincando ou brigando com o Ben.
Ben, ou Benjamin Mills, era o filho caçula de Dóris e Paul Mills, os padrinhos de Lílian, e melhores amigos de seus pais. Ele fora basicamente o seu namoradinho de infância, e vítima de todas as pancadas e golpes de magia – ainda não identificados – que ela teve na época em que ainda não sabia que era uma bruxa. Também havia sido ele o primeiro garoto que Lílian beijou na vida, aos 11 anos, às vésperas do início de seu primeiro ano em Hogwarts.
E não foi sem alguma surpresa que Lílian viu que Ben, geralmente avesso a esse tipo de comemoração, estava sentado sobre uma das malas verdes de tia Dóris, de braços cruzados, com um ar um tanto entediado por trás de seus óculos de aro fino.
- Oi, Lílian – ele a cumprimentou, fazendo um gesto preguiçoso com a mão esquerda.
- Alô, Ben – Lílian respondeu, com um sorriso rápido.
- Há quanto tempo a gente não se vê – ele disse.
- Muito tempo – retrucou Lílian, desviando somente nesse momento o olhar fixo que vinha lançando ao "primo".
- Onde está o viado do seu pai para me ajudar com essas malas, Lily? – perguntou tio Paul, com seu vozeirão e brincadeira habituais.
Lílian riu.
- Eu vou chamá-lo.
**
Tiago estava só no dormitório masculino do sétimo ano, exceto por Pedro. Além de Sirius e Remo terem ido passar o feriado na casa de Lílian Evans, Piers Woolfenden, sendo filho de Auror, havia voltado para sua casa (ou nova casa, uma vez que ele era americano e havia se mudado há pouco para a Grã-Bretanha) no feriado, medida que o Ministério da Magia sugeriu para todos os Aurores para com seus filhos, como forma de provar que não era perigoso andar no Expresso de Hogwarts.
Pedro sabia do plano, obviamente. O que Tiago precisava era apenas preparar a poção que anularia o feitiço que Dumbledore pusera nele para impedi-lo de deixar Hogwarts. Medida inútil, como se eu fosse ficar preso aqui, como se eu tivesse mesmo que ter medo daquela bicha homicida, Tiago pensou, se referindo a Lord Voldemort.
Tiago sempre fora bom aluno em tudo, quando queria. Não precisava se esforçar de verdade, mas caso se esforçasse, era visível que ninguém seria páreo para ele. Suas notas em Poções não costumavam ser muito altas, ele não tinha muita paciência para estudar a matéria, e nem para dosar corretamente os ingredientes. Mas desta vez, ele contava com um ingrediente a mais em si próprio: a dedicação. E ele estava se empenhando ao máximo para conseguir preparar esta poção, que obviamente era muito difícil. Afinal de contas, Dumbledore, conhecendo Tiago, não lhe faria um feitiço que tivesse uma contra-poção fácil de preparar.
A parte mais difícil havia sido encontrar pó de chifre de bicórnio. Mas era Audrey quem dava aula de Poções agora, e considerando o quanto ela era desorganizada, não foi difícil para ele conseguir um pouco do ingrediente.
E foi só adicioná-lo que a poção tomou uma coloração rosada. Espero que não influencie na minha sexualidade, pensou Tiago, fazendo uma careta.
E, com este pensamento, ele passou o conteúdo do pequeno caldeirão de bronze para um frasco, e bebeu tudo.
- Agora é só tirar a prova dos nove – ele murmurou para si mesmo, enquanto caminhava para fora do dormitório e em direção a uma das passagens que o levariam a Hogsmeade.
**
Nicole Ludlow era a melhor amiga trouxa de Lílian. Antes de entrar para Hogwarts, era com ela que Lílian brincava e para ela que contava seus segredos. Sobre Ben, inclusive. Se não fosse bruxa, Lílian teria ido estudar na St Mary School for Young Women, escola que Nicole freqüentava atualmente, e provavelmente, a amizade das duas teria se fortalecido. Mas não havia sido isso o que aconteceu: Lílian havia sido chamada para ir estudar em Hogwarts. As duas então se distanciaram, e se viam apenas nas férias. Não que tivessem deixado de ser amigas, apenas não era mais a mesma coisa. De todo modo, Nicole era a única trouxa fora da família que sabia que Lílian era uma bruxa.
Quando pequena, Nicole era uma menina supercomportada, o orgulho de qualquer pai e mãe. O que aparentemente não parecia justificar o atual visual e comportamento da garota: cabelos cortados rente à cabeça, como os de homem, e o louro natural substituído por uma coloração artificial preta, nunca usava saias, apenas calças jeans, geralmente rasgadas do joelho para baixo. E havia também uma tatuagem em forma de águia na base do pescoço, um verdadeiro escândalo, e também uma espécie de brinco no nariz, que ela chamava de piercing. Nicole também fumava e bebia sempre que podia. Segundo ela, ainda às vésperas da nova década, já era uma "garota dos anos oitenta". Já Lílian achava que isso tudo era porque o pai de Nicole, depois de se divorciar da mãe dela, havia ido morar na América, e Nicole passava as férias lá. Se havia uma coisa que Lílian detestava quase tanto quanto Tiago Potter, eram americanos. Bem, nem todos, na verdade.
O fato é que, em essência, Nicole permanecia a mesma garota que fora a melhor amiga de infância de Lílian, mas a sua aparência irritava Petúnia ao extremo. "Aquela drogada," era como Petúnia se referia a ela, mesmo que não soubesse de fato se a afirmação procedia. Assim que soube que Lílian havia chegado, Nicole foi visitá-la.
Toda essa descrição serve basicamente para dar uma idéia do que aconteceu quando Petúnia e tia Lucille chegaram à casa dos Evans, pouco antes do anoitecer, e Petúnia se deparou com a casa cheia de gente que ela simplesmente não conseguia aturar: Lílian, seu namoradinho idiota e um colega de escola babaca, a amiga drogada de Lílian e os Mills.
- O que significa isso? – Petúnia perguntou, possessa, assim que pôs os pés em casa e viu a sala de estar lotada de gente que ela não gostava se divertindo.
Lílian levantou-se, uma sobrancelha erguida, quase que como em desafio à irmã.
- É só gente, Petúnia – ela respondeu, com um tom de petulância na voz. – Você devia saber.
- É, eu devia mesmo – retrucou Petúnia rispidamente. – É o meu casamento, Lílian, e você sabia disso! Mas você não perde a oportunidade de querer acabar comigo, não é mesmo?
- Petúnia, pelo amor de Deus! Eu cheguei hoje da escola, eu só queria rever minha família. Você podia parar de ser tão paranóica!
- E você devia parar de tentar bancar a Santa. Por que você tinha que vir, hein? É o meu casamento!
- Você é uma doida varrida, Petúnia! Você não está vendo o escândalo que está fazendo?
De fato, todos haviam parado o que estavam fazendo para acompanhar a discussão.
- Eu... eu estou pouco me lixando! – exclamou Petúnia, irada. – Eu não me importo com o que os seus amigos esquisitos pensam.
E com isso, subiu as escadas para o seu quarto. Lílian virou-se para os outros.
- Vocês me desculpem, ela é assim mesmo.
- Como se eu não conhecesse a peça – comentou Nicole.
Remo parecia pasmo, mas Sirius tratou logo de aliviar o clima:
- E então, Lílian? O que tem de bom pra gente fazer nessa cidade aqui?
**
Tiago estava sob sua capa de invisibilidade, no corredor do terceiro andar, como estivera muitas outras vezes, quando quisera apenas ir a Hogsmeade fora do itinerário. Mas desta vez era diferente. Não eram todos os alunos que estavam proibidos de ir para lá. Era ele. Somente ele.
A estátua da bruxa corcunda estava lá. Bastava mais um passo e recitar a palavra "Dissendium", que, pronto, tudo estaria perfeito. A pior parte do plano, a poção que anulava o feitiço que Dumbledore lançara nele para impedi-lo de sair de Hogwarts, já estava feita. Por que hesitar tanto, então?
O fato é que ele hesitava, como se uma vozinha no fundo de sua cabeça estivesse chamando-lhe a atenção sobre o quanto aquilo era errado, e também a respeito de que Dumbledore não teria feito o feitiço se não achasse que fosse essencial. Mas, muito bem, estamos falando de Tiago Potter, o aluno que batera o recorde de regras quebradas na escola. Por que não desobedecer dessa vez?
Vamos lá, Potter, ele pensou consigo mesmo. O que você está esperando, cara? Ninguém tem o direito de te impedir de ir e vir! O que estão pensando? Que você é um bebê?
Muito bem, eu sou um bruxo quase formado, tenho quase dezoito anos e já sou quase dono do meu nariz. Quem o Dumbledore pensa que é? E, outra, eu sei me defender, se for necessário. Vou deixar de viadagem e ir logo.
E, afastando o que seria o "anjinho" da sua consciência, Tiago recitou a palavra mágica e entrou pela fenda que a estátua abriu.
**
Pedro Pettigrew e Vanessa Montgomery estavam sentados no Três Vassouras havia já umas duas horas. A cerveja amanteigada de Pedro permanecia no mesmo nível já havia um bom tempo, e ele parecia ter entrado em alfa, dando sempre respostas monossilábicas para as já poucas perguntas de Vanessa, e olhando num ponto fixo.
- Pedro! Pedro! – Vanessa chamou sua atenção. – Você vai ficar assim o dia inteiro, é?
- Hã... quê? Desculpa! – fez Pedro. – Eu estou... hum...
- Está...?
- Ai! Eu não sei se posso dizer!
Vanessa olhou para ele, parecendo bastante confusa.
- Quê? Desenvolva, Pedro Pettigrew!
- Bem... hum... nada.
Vanessa cruzou os braços, pegou sua bolsa e se levantou. Pedro olhou para ela, pasmo.
- Você vai embora?
- Vou – ela retrucou, chateada. – Você ficou me ignorando o dia inteiro. É como ser amiga de uma parede!
- Hum... não vá! Eu conto – ele disse, parecendo em dúvida. – Senta.
Ela sentou.
- Não enrole e vá direto ao ponto, Pedro.
- Ok – ele disse, e então, se inclinou e cochichou alguma coisa no ouvido dela.
Imediatamente, os olhos de Vanessa se arregalaram e ela abriu a boca, numa expressão de profundo choque e incredulidade.
- O QUÊ? ELE É MALUCO?!
**
Tiago Potter empurrou o alçapão do fim da passagem secreta, já na Dedosdemel, e o fechou com cuidado. Estava vestindo sua capa de invisibilidade, e não se preocupou em ser visto por bruxos normais. Então, atravessou a loja, despreocupado. Havia marcado com Pedro no Três Vassouras, e era para lá que estava indo.
Estava. Porque assim que ele pôs os pés para fora do estabelecimento, uma voz também vinda do nada (e que, se Tiago tivesse tido tempo para pensar, também suporia tratar-se de alguém sob uma capa de invisibilidade) falou:
- Estupefaça!
E então, Tiago Potter perdeu os sentidos.
**
Nicole havia sugerido uma boate mediante à pergunta que Sirius fizera. E então, ela, Lílian, Remo e Sirius iriam ao tal lugar. Lílian imaginou que devia ser alguma coisa bem no estilo de Nicole, e, portando, bastante duvidoso. Mas a vontade de ficar em casa com tia Lucille, Petúnia e suas amigas necessitadas era tão pequena, que ela não titubeou ao aceitar a sugestão da amiga.
Nicole foi à sua casa trocar de roupa, e voltou vestindo uma calça jeans completamente rasgada, sapatos cavalo-de-aço e uma blusa verde-neon (visual que Lílian julgou HORROROSO, mas preferiu nem comentar), e Lílian não havia sequer secado o cabelo.
Na verdade, quando Nicole entrou no quarto de Lílian, esta estava de calcinha e sutiã e toalha enrolada na cabeça, com uns três vestidos jogados em cima da cama.
- O que é isso? – perguntou Nicole, apontando para os vestidos. – Nós não vamos pra igreja, não, Lily.
- Como assim? – Lílian perguntou. – Não são chamativos, mas também não são tão comportados assim.
Nicole inclinou a cabeça.
- Talvez se a gente desse uma rasgadinha aqui, e eu pudesse pichar esse azul aqui com uma canetinha roxa e a gente pendurasse umas miçangas...
- NÃO! – exclamou Lílian. – Nem pense nisso.
Nicole empurrou os vestidos para um canto, e se sentou na cama.
- Você nunca foi indecisa para se vestir, Lily. Você sempre foi de pôr a primeira coisa que visse pela frente. O que houve? É o namorado, é?
Lílian sentou-se numa poltrona e suspirou, desenrolando a toalha do cabelo.
- Ai, nem sei, viu, Nic! – fez ela. – Às vezes, eu nem tenho tanta certeza se gosto dele.
- Não? – ecoou a garota, de olhos arregalados. – Como assim, não tem certeza?
- Não! Não é isso. Eu gosto. Mas eu acho que... sei lá! Não dá pra explicar direito... é tudo muito previsível... o Remo é tão maduro, mas é como se... como se não fosse bem isso que eu esperava.
- E o que você esperava?
- Não sei... às vezes eu queria que ele discutisse comigo, que me mandasse calar a boca. Mas ele é tão... tão sério, tão responsável... Eu acho que ele nem sente ciúmes de mim.
- E isso não é bom?
- Ah... – fez Lílian. – É monótono. Eu queria que a gente brigasse mais... pelo menos de vez em quando. Pode parecer estranho, mas eu sinto falta disso.
Nicole arregalou ainda mais seus olhos castanhos.
- Ok... se você diz... – disse ela. – Mas o que isso tem a ver com a sua indecisão, Lily?
- Eu fico tentando impressioná-lo, de alguma maneira. Mas eu sei que qualquer coisa que eu vestir vai estar bom pra ele – respondeu Lílian. – É esse o problema. Eu não preciso me esforçar em nada que ele vai sempre gostar de mim como eu sou.
- Então veste qualquer coisa, ué.
Lílian balançou a cabeça, como quem diz que a amiga não a entende, mas resolveu seguir o conselho dela, e vestiu a primeira saia e a primeira blusa que encontrou em seu armário.
**
As paredes eram de pedra e úmidas e havia algumas goteiras sobre o teto. Tiago Potter acordou exatamente sob a ação de uma gota caída bem em cima de seu olho esquerdo. Piscou e finalmente abriu os olhos. Não reconheceu o local onde estava, mas sentiu seus punhos fortemente presos a um banco de pedras por cordas mágicas. Merda!
Ele tentou tolamente empurrar seu corpo para a frente, a fim de se soltar, mas obviamente as cordas eram bem mais fortes que ele próprio. Se ao menos conseguisse alcançar sua varinha...
Mas isso também era óbvio. Se estava ali, naquela situação, era evidente que um seqüestrador jamais o deixaria ao alcance da própria varinha. Mas isso não significava nenhum descanso para a mente teimosa do garoto, que persistiu no seu gesto inútil de tentar se livrar das cordas que o prendiam.
Então, algo fez com que Tiago parasse. Uma figura encapuzada apareceu pelo vão do que aparentava ser uma porta, com uma varinha empunhada. Algo no fundo da mente de Tiago fê-lo pensar que aquele era o fim. Ainda assim, não sentiu medo, apenas uma certa amargura ou arrependimento de ter sido tão pouco precavido.
- Avada... – começou a criatura, apenas para que Tiago pudesse confirmar seu pensamento de segundos antes.
- Avada Kedavra!
Antes que pudesse terminar o feitiço, a figura encapuzada caiu morta no chão de pedras do cativeiro, revelando logo atrás de si outra figura com uma varinha na mão; Desta vez uma figura desprovidade qualquer disfarce e bastante familiar ao garoto. A figura que o salvara da morte certa.
- Marv?
**
A boate onde foram não era das mais bem freqüentadas, na opinião de Lílian, mas ao que parecia, Nicole estava em casa. As pessoas se vestiam de forma bem parecida com ela, e no meio de tanta gente estranha, Lílian acabou também por se sentir bem-vinda. Deve-se notar aqui que não é em qualquer lugar que bruxos se sentem dessa maneira.
Sirius também parecia bastante à vontade, mas se tratando dele, era difícil achar lugar onde ele não parecesse se sentir em casa. Remo estava da mesma maneira que sempre estava, observando demais e falando de menos.
- Venham, - disse Nicole. – Eu conheço o segurança, ele vai nos deixar passar sem ter que enfrentar a fila.
- Mas isso não é erra... – Lílian começou a perguntar, mas foi logo cortada.
- Ah, cala a boca, Lily.
Lílian deu de ombros e seguiu Nicole até a entrada. Como a garota dissera, o segurança os deixou passar sem maiores problemas.
A música era ensurdecedora e punk demais para o gosto de todos ali, menos de Nicole, aparentemente. Mesmo com uma saia cuja barra ficava um palmo acima de seus joelhos, Lílian se sentiu uma freira no meio das meninas de cabelos coloridos e roupas de couro que via por ali.
- Tem algo alcoólico aqui, Nicole? – perguntou Lílian, sentindo que não conseguiria agüentar aquela festa se estivesse cem por cento sóbria.
Nicole sorriu de orelha a orelha:
- Você tem dúvidas?
**
Ao ver Marv ali na sua frente, salvando-o do perigo, Tiago Potter sabia que deveria sentir-se no mínimo grato. Afinal de contas, havia sido salvo da morte certa. Marv era o seu padrinho e sempre funcionara como uma espécie de super-herói para ele. Não tão literalmente quanto dessa vez.
- Não, é o papai Noel – retrucou Marv, abrindo um leve sorriso. – Vamos logo embora daqui, Tiago.
Tiago apenas assentiu, parecendo ainda um pouco atordoado. Marv pôs uma mão sobre as costas do garoto paternalmente, e os dois caminharam para fora da caverna.
- Marv... obrigado.
**
- O que é isso? – perguntou Lílian, olhando torto para o pequeno copo de líquido transparente com cheiro forte, acompanhado de um saleiro e rodelas de limão.
- Tequila, você não vê? – retrucou Nicole, espantada.
- Ahn... isso parece álcool de cozinha – continuou Lílian, ainda olhando assustada para o seu copo, que, de repente, saiu de seu campo de visão direto para a boca de Sirius.
- Dá isso aqui – ele disse, bebendo a tequila toda de um gole só, sem nem guardar tempo para o ritual. Lílian e Nicole olharam para ele, assustadas.
- Uau – disse Nicole, com um sorriso, e Lílian teve a certeza de que ela estava dando em cima de Sirius. – Quanta disposição.
Lílian conteve um riso escarninho, enquanto observava Sirius para ver qual seria sua reação. Já Remo, no entanto, sabia que a cabeça de Sirius estava em outro lugar –mais precisamente no dormitório feminino do sétimo ano de Hogwarts – e que ele nem perceberia as investidas da amiga de Lílian.
- Não se tem nada de interessante para se fazer por aqui, não? – perguntou Sirius, olhando em volta. – Só essas pessoas fantasiadas, dançando? Que sem graça.
- Eu posso te mostrar uma coisa ou duas daqui – retorquiu Nicole, sempre solícita demais com Sirius.
- E eu vou aceitar – disse Sirius, e, de repente, arregalou seus olhos, prendendo a atenção em um ponto específico da festa. – Ei! Para que serve aquilo?
E apontou. Nicole seguiu seu dedo e abriu um largo sorriso.
- Aquilo é uma gaiola.
- Uma gaiola de gente?
- Não, fica aberta... quer dizer, serve para dançar.
E então, foi Sirius que abriu aquele sorriso típico dele, e que em certas ocasiões, seus amigos não apreciavam nada, nada.
- Sirius... você não está pensando...? – fez Remo, em choque.
Sirius não respondeu, mas seus olhos brilhavam daquela forma maníaca tão característica dele.
- Sirius! – Lílian deu um gritinho. – Você não vai entrar numa gaiola de dança!
- Pode deixar, Lílian. Eu só estava testando vocês – respondeu Sirius, com uma risada.
- Acho bom mesmo – fez Lílian, ainda olhando torto para o amigo. – Imagina, dançar numa gaiola...!
- Bah, estraga prazeres! – brincou Nicole, fazendo à Lílian uma falsa careta.
As duas riram, e Sirius abriu um sorriso vaidoso. Remo apenas balançou a cabeça.
- Eu acho que você vai ter que me arranjar outra paradinha estranha dessas, Nic – disse Lílian à Nicole, mas olhando de soslaio para Sirius. – Sem que alguém tome antes de mim.
- Pode deixar – respondeu Nicole, rindo.
Remo olhou para Lílian com um ar de reprovação.
- Lily, você não acha que... sei lá... isso pode ser um pouco forte demais?
- Ah, Remo! Quantos anos você tem? Setenta?
Remo arregalou os olhos, surpreso. Era como se Lílian já tivesse tomado todas.
**
As ruas de Hogsmeade àquela hora da noite mais pareciam becos, mas Tiago Potter não ligava. Não àquela altura do campeonato. Ele se sentia frustrado por ter sido um alvo tão fácil, e mais ainda por ter sido salvo. Ainda que por um homem em quem confiasse tanto quanto em seu pai.
O caminho foi percorrido, em sua maior parte, em total silêncio. Tiago podia sentir o peso dos olhos de Marv sobre ele, e arriscaria dizer que havia um certo tom de decepção neles.
- Marv... eu não queria...
- Eu sei que não, Tiago – respondeu o padrinho, num tom confortante. – Você foi apenas descuidado. Eu também já tive dezessete anos, e, arrisco dizer... era exatamente como você.
Tiago sorriu. Se havia alguma coisa que gostava em Marv, era sua capacidade de não censurar, por pior que fosse a situação. Não agia como o pai severo que Harold Potter era. E talvez por esse motivo, parecesse a seu afilhado bem mais eficiente.
- Eu só não queria... ficar preso. Eu tenho dezessete anos, Marv. Quase dezoito. Estou cansado de ver outras pessoas decidindo o que é melhor para mim!
- Eu sei como você se sente. Como eu disse, pode não parecer, mas eu já tive a sua idade.
Tiago riu, mas foi um riso sem júbilo, seco. Apenas uma leve curvatura nos lábios. Os dois ficaram em silêncio novamente, apenas andando, por mais algum tempo, até que Tiago perguntou, de súbito, aquilo que vinha matutando desde que o padrinho o salvara:
- Marv... como você sabia que eu estaria lá?
**
Já era tarde da noite, e Tiago Potter ainda não havia regressado à Torre da Grifinória. Apesar da preocupação excessiva de Vanessa, que queria logo reportar o ocorrido à McGonagall ou Dumbledore, Pedro insistiu que disfarçassem.
- Vanessa, olha... eu também estou preocupado. Já era para ele ter vindo, eu sei. Mas pode não ser nada, ele pode simplesmente estar se agarrando com alguma menina de outra casa por Hogsmeade – ponderou Pedro, ao que Vanessa o fitou, com olhar duro. – Eu só acho que não podemos dedurar o Tiago.
- Pedro, caramba! Não foi à toa que quiseram impedir que o Tiago saísse do castelo! – ela exclamou, lágrimas brotando de seus olhos. – Você não entende! O Tiago não tem noção de perigo! Ele acha que é o que, o dono do mundo? Que nada pode com ele? Ele pode estar em apuros agora, Pedro, ele pode... pode...
Então, cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar, soluçando alto. Pedro passou um braço nas costas dela, desajeitado.
- Vanessa... é só que... eu acho melhor manter as coisas do jeito que eu deixei. Fingir que o Tiago está dormindo, tudo o mais. Se descobrirem que ele fugiu, Vanessa... ele pode ser expulso!
- Mas... – ela murmurou, sob os soluços – pode ter acontecido pior, Pedro! Pior!
- Você está sendo muito pessimista – disse o garoto. – Vamos esperar um pouco mais... se ele não voltar em... uma hora, a gente fala com o Dumbledore.
Foi nesse instante, que uma voz surgiu logo atrás dos dois:
- Falar com o Dumbledore? – riu Tiago, tirando a capa da invisibilidade.
- Tiago! – exclamou Vanessa, com alívio nos olhos, e abraçou o amigo. – Que bom que você chegou! Estávamos preocupados!
- Houve um pequeno contratempo – disse Tiago, com um sorriso.
- Você está aqui nos espreitando há muito tempo? – perguntou Vanessa.
- Cheguei neste exato minuto – ele respondeu, com um sorriso.
Pedro apenas olhava para ele com um olhar pasmo, como se Tiago tivesse acabado de voltar do inferno.
- Rabicho? – Tiago riu. – O que foi? Viu fantasma?
- Quase isso, Pontas – retrucou Pedro. – Por onde você andou?
- Por aí - respondeu Tiago, apontando Vanessa com os olhos rapidamente, de modo que Pedro entendeu que a explicação ficaria para mais tarde.
- Não é um pouco idiota ficar por aí quando se está proibido de deixar a propriedade do colégio, Tiago? – reclamou Vanessa, mas não havia rancor em sua voz. – Pelo menos você está inteiro.
- Claro que estou – disse Tiago, tentando parecer indignado. – Por que não estaria?
Mas ele próprio sabia a resposta.
**
- Lílian, isso é tequila! – disse Remo, olhando espantado para o terceiro copo vazio de Lílian.
- Eu sei que isso é tequila! Hic! – exclamou uma Lílian um pouco longe do estado sóbrio.
- Você não acha que está na hora de parar?
- Não.
- Mas eu acho – disse Remo, afastando o quarto copo que o garçon acabara de trazer.
- O que você acha que é? Hic! Meu dono?
- Lílian, você está alterada.
- Não eshtou.
- Está!
- Que saco, Remo! Você não é meu pai.
- Sou seu namorado.
- Isso é mutável.
Remo olhou para Lílian por um momento, num misto de mágoa e irritação.
- Lílian, nós vamos embora agora.
Lílian fitou o namorado com desdém, levantou-se com um ar superior e disse:
- Você vai se quiser. Eu vou dançar.
O rapaz lançou um olhar inquisidor a Nicole, como se fosse ela a culpada de tudo, mas obteve como resposta apenas um revirar de ombros e um curto:
- Deixa ela, oras.
- Você não está vendo? Ela está bêbada!
- Ei! – Lílian protestou.
- É isso aí, sim. – disse Remo, tomando ele próprio a tequila de Lílian para que ela não o fizesse. – Você não vai beber mais nada.
- Não enche! – exclamou Lílian, antes de virar os calcanhares e sumir na multidão, sem que Remo tivesse tempo sequer de dizer "ai".
- Ai – disse Remo.
Nicole soltou uma risada de escárnio.
- Você não está vendo? – murmurou o garoto.
- Eu, não.
- Arght. Me arranja outra bebida dessas.
**
- Pontas? – Pedro chamou. – Você está aí, não está?
Não obteve resposta, e o quarto estava escuro. De repente, sobressaltou-se.
- Bu! – fez Tiago, e bastou para que Pedro guinchasse de medo.
- Tiago! Não faça isso!
Tiago riu.
- Você é muito medroso, Rabicho.
- O que houve com você, Pontas? Você está estranho.
- É tudo o que um plano frustrado pode proporcionar a alguém.
- Não é só isso.
- Talvez não seja. Ainda não arrumei as coisas na cabeça.
- Tiago...
- Quê?
- O que aconteceu?
Tiago suspirou e sentou-se de forma pesada na cama.
- Eu não quero falar sobre isso agora, Pedro. Você pode me dar um tempo?
Pedro baixou os olhos e sorriu, consternado. Sabia que Tiago teria falado se fosse Sirius, ou mesmo Remo.
- Claro que sim. Eu vou pro Salão Comunal – disse, e virou-se.
- Pedro?
- Sim?
- ...Obrigado.
**
- Você também, Remo? – perguntou Sirius, vendo Remo diante de um copo de tequila. – Quem diria... eu vou acabar o dia sendo o único sóbrio.
- Não se você quiser – disse Nicole, de modo um tanto provocador. – A bebida faz bem para a timidez.
Remo soltou uma gargalhada. A idéia de um Sirius tímido era simplesmente absurda.
- O que foi? – perguntou Nicole.
- O Sirius não é tímido – disse Remo o mais educadamente que alguém que bebeu duas doses seguidas de tequila podia.
- Não? – fez ela, não esperando exatamente uma resposta. Nicole também já estava bem alta com a bebida, e ficava cada vez mais evidente seu interesse em Sirius.
- Não sou – retrucou Sirius, sem perceber nada. - Onde a Lílian foi, afinal?
- Ela foi por ali – retrucou Nicole, apontando para a direção errada. – Você quer que eu vá com você procurá-la?
- Não precisa.
- Eu faço questão.
- Realmente não precisa. Fique aí tomando conta do Remo que eu vou buscá-la. Acho que todo mundo aqui passou da linha vermelha.
E então, ele foi.
**
Procurar uma garota numa rave como aquela era como procurar uma agulha no meio de um palheiro, mesmo que a garota em questão tivesse cabelos cor-de-fogo, considerando que cabelos vermelhos naturais não eram mais chamativos que cabelos tingidos de azul ou verde fosforescente. Mas Sirius não estava interessado em festas, embora mantivesse a pose. Queria ir embora, e estava ansioso por voltar a Hogwarts. Ele parou por um instante, e procurou concentrar-se na energia de Lílian. Não era difícil – para um bruxo – achar outro bruxo. Havia uma concentração de energia de onde Sirius havia vindo, mas depois de seis anos como um de seus melhores amigos, já era fácil para ele reconhecer a energia de Remo.
Por fim, percebeu um foco de energia mágica em um canto da boate. Abriu caminho até lá, e na pressa, acabou derrubando alguém. O seu "foco de magia". E não era Lílian.
- Ei! – disse a criatura em questão.
- Desculpe, eu não te vi – disse Sirius, com um risinho ao perceber de quem se tratava, de Gwen, a assistente ou qualquer coisa assim de Moody. – Você é muito baixa.
- Vá se catar, seu grosseirão – disse ela, irritada. – Eu estou aqui fazendo algo muito importante.
- É mesmo? E eu posso saber o quê? – perguntou Sirius, de modo zombeteiro, olhando para as roupas que a moça usava. Eram certamente escalafobéticas e iam além do próprio estilo dos clubbers locais, como Nicole.
- Não, não pode. – retrucou Gwen, mal-humorada. – É secreto e não é para o seu bico.
- É por isso que você está fantasiada? Para a sua missão secreta?
- Cale essa boca!
Sirius riu, olhando para a moça, simplesmente hilária com sua jaqueta verde e calça laranja. Nesse momento, um homem de sua altura aproximou-se, e este não parecia preocupado com a moda local. De fato, não parecia preocupado com moda alguma, vestido em seu kilt escocês, com cabelos compridos presos num lacinho que poderia certamente comprometer sua masculinidade e com óculos escuros em plena boate.
- Que porcaria é essa aqui? – ele perguntou, e as dúvidas que Sirius pudesse ter sobre a masculinidade do sujeito cessaram ali.
- Não há nada, Dryden. Eu só encontrei um dos alunos de Hogwarts aqui, como você pode ver.
- De Hogwarts? – fez Dryden, o cara de kilt, com um sorrisinho que Sirius não soube dizer o que significava.
- É, é. – fez Gwen, apressada. – Vamos dar o fora daqui, Dryden, que eu acho que estamos perdendo tempo, de qualquer maneira.
- Você não tinha dito que era algo muuuuuito importante? – perguntou Sirius, em tom de sacanagem. Gwen lhe lançou um olhar assassino.
- Disse, é? – ecoou Dryden, com outro sorrisinho, mas com expressão dura.
- Eu queria que ele saísse de perto – Gwen explicou-se. – E estamos perdendo tempo perto desse moleque, de qualquer maneira.
- Ah, sim. Nós podemos ir embora, se você preferir, também. Acho que eu e você temos potencial maior do que para procurar ladrão de galinha – disse Dryden.
- De modo algum, vamos ficar – disse a garota. – Eu aprendi que, por menor que seja a coisa, ela deve ser feita direito.
- Essa é a minha garota – Dryden sorriu, e puxou Gwen de volta para a multidão, e para longe de Sirius, sem um 'tchau' ou nada parecido.
Mas ela virou-se brevemente para trás, e, embasbacado, Sirius podia jurar que a havia visto mostrar a língua.
**
- Olá.
- Você falou comigo? – perguntou Lílian, mal-humorada.
- Eu não estou vendo mais ninguém por aqui.
- Eu estou. Muitas pessoas. Esta porcaria está lotada.
- É você quem interessa.
- Sem essa. Eu tenho namorado. Cai fora.
O estranho riu, uma gargalhada deliciosa. Lílian sobressaltou-se, e algo pareceu muito óbvio.
- Você é... – e então ela interrompeu a si mesma pela imprudência.
- Bruxo? – completou o estranho, com um sorriso oblíquo. – É... acho que sou.
Lílian engoliu em seco. Não era exatamente aquilo que ela queria perguntar. Era algo maior, mais grave.
- O que eu... meus amigos...?
- Isso não tem nada a ver com os seus amigos, você, e só você vem comigo. Eles vão ficar bem – disse o estranho de forma firme, olhando Lílian de forma incisiva dentro de seus olhos.
- ... sim – murmurou ela, num tom sem vida, e então, balançando a cabeça, exclamou – Não!
O estranho riu mais uma vez, e Lílian percebeu pela primeira vez que ele era jovem, quase da sua idade, e se tivesse olhado mais um pouco, mesmo em sua memória embriagada, o teria reconhecido. Ele colocou a mão dentro do bolso, e essa foi a última coisa da qual Lílian conseguiu se lembrar.
Continua...
