16. MARCAS
Andrew Snape olhou para os filhos sem demonstrar nenhum sentimento. Somente Anne recebeu um olhar de desprezo quando obedeceu a ordem que o pai havia dado de segurar a mão dele. Já na estação trouxa, os irmãos Snape foram levados pelo pai até uma rua sem saída, pouco usada pelos trouxas e desconhecida dos bruxos, ideal para o que ele pretendia fazer. Se um bruxo fosse visto aparatando já seria o bastante para causar pânico para os trouxas, mas um bruxo aparatar e fazer com que dois adolescentes aparatassem causaria pânico até na comunidade bruxa. Aparatar outras pessoas era algo que somente os bruxos das trevas faziam.
Em poucos segundos, Andrew, Severo, Anne e seus malões estavam na sala de entrada do castelo Snape. Os dois irmãos pegaram seus malões e começaram a ir para seus quartos quando a voz do pai fez com que Anne e Severo parassem.
- Severo, pode ir para o seu quarto.
- Sim, senhor - ele respondeu com firmeza e saiu sem sentir pena por deixar Anne sozinha com o pai, a imagem dela beijando o seu maior inimigo ainda estava na sua cabeça.
- E quanto a você... - Andrew continuou quando ficou à sós com a filha - dê-me a sua varinha.
Instintivamente, Anne colocou a mão em que segurava a varinha para trás, o rosto vermelho de raiva, e os olhos a brilhar. Não estava disposta a deixar que o pai fizesse com ela o que havia feito nas férias passadas.
- Não! - ela gritou, afastando a varinha para trás instintivamente - Eu não vou deixar você fazer aquilo outra vez!
- Já chega! - Andrew disse com rispidez - Estou cansado de sua impertinência e rebeldia! Eu já fui tolerante até demais com você! - ele semicerrou os olhos cruéis e apontou a varinha para a filha antes de dizer o feitiço num grito contrariado - Estupefaça!
A luz vinda da varinha de Andrew acertou Anne. Por alguns segundos, a garota tentou lutar contra o feitiço, mas a dormência que sentiu no corpo a impediu de ficar de pé, e ela caiu inconsciente.
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Anne acordou com a cabeça doendo e sem enxergar direito. Demorou alguns segundos para as imagens entrarem em foco e ela olhar ao redor imaginando o porquê de estar deitada na cama do quarto e não na sala de entrada do castelo Snape. Antes que ela pudesse impedir, o que havia acontecido surgiu em sua mente como um raio, e num salto ela pulou da cama para a porta do quarto, mas apesar de ter empurrado a porta com violência, não adiantou muito. Ela havia sido trancada no quarto pelo pai outra vez.
- Droga! Desgraçado! Eu odeio você, Andrew Snape!
Anne praguejou furiosa contra o pai, esmurrando a porta somente para descarregar a raiva que sentia, até que a porta abriu subitamente e o elfo Skippy entrou, olhando para Anne como se nada de anormal estivesse acontecendo, enquanto que a garota dava alguns passos para trás.
- Senhorita Adrianne, senhor Andrew pedir para Skippy trazer comida para senhorita quando senhorita acordar.
- Eu não estou com fome! - a garota disse com raiva, sem pensar que o elfo não era o culpado pelo que estava acontecendo.
- Skippy ter que deixar comida aqui, ser a tarefa que senhor Andrew mandar Skippy fazer - dizendo isso, o elfo colocou a bandeja em cima da cama da garota, voltou para a porta, andando em passos miúdos e silenciosos.
- Pouco me importa o que você vá fazer! Eu sei que eu não vou ficar aqui, trancada nesse quarto!
- Senhorita Adrianne não poder! Senhor Andrew falar que senhorita Adrianne não poder sair daqui!
- Quem você pensa que é para me dar ordens? Você é menos que um empregado, você só é uma coisa que cumpre ordens em troca de nada! - em cada palavra dita por Anne havia todo o desprezo que ela sentia pelo elfo, que ouvia tudo com uma expressão de culpa no rosto.
- Perdão, senhorita Adrianne, perdão... - o elfo disse olhando com culpa - Mas senhorita dever obedecer ordens de senhor Andrew.
Anne olhou com mais raiva ainda para o elfo antes de quase acertar a cabeça dele com uma das xícaras que havia na bandeja.
- Seu inútil, saia da minha frente!
- Sim, senhorita Adrianne, Skippy sair, Skippy não querer atrapalhar! - o elfo respondeu com humildade.
Obedecendo às ordens de Anne, o elfo saiu do quarto antes que a garota pudesse impedi-lo, deixando ela novamente trancada no quarto, reclamando sozinha, até que Anne percebeu o quanto estava com fome. A garota comeu rapidamente, e logo depois, dormiu.
Quando Anne acordou pela segunda vez, a cabeça já não doía, mas a idéia de sair do quarto estava mais forte ainda, e o sono fez surgir um plano de procurar uma passagem no quarto. Se aquilo era um castelo, ela pensou, então deveria ter uma passagem secreta em algum lugar, poderia ser até mesmo em seu próprio quarto. Hogwarts também era um castelo e lá havia tantas passagens quanto estudantes nos dormitórios.
O plano fez com que uma nova energia dominasse Anne, e ela começou a procurar por uma passagem pelo quarto. Em pouco tempo, o quarto estava irreconhecível. Ao invés da organização meticulosa e organizada de Anne, as roupas estavam no chão, os móveis fora de lugar, e os quadros encostados ao chão. Só a cama permanecia no mesmo lugar, mas porque ela era pesada demais para que a garota conseguisse movê-la.
Já havia passado um certo tempo desde que Anne havia começado a procurar pela passagem, e cansada de procurar sem conseguir encontrar nenhum sinal de passagem, a garota olhou aturdida para a bagunça no quarto, sem saber quem iria arrumar aquilo.
- Droga... Será que aquele elfo estúpido vai voltar?
Quase imediatamente depois de Anne ter falado, o elfo entrou no quarto.
- Senhorita Adrianne precisar de algo?
A garota não escondeu sua surpresa. O elfo deveria estar do lado de fora para que ajudasse quando ela precisasse de qualquer coisa. Ela controlou a sua surpresa, e recuperou o tom sério antes de falar ao elfo.
- Arrume o meu quarto Skippy - ela sentou na cama, mas assim que sentou-se, um brilho surgiu nos olhos, e ela levantou-se de supetão. - Skippy, esqueça a arrumação. Eu quero que você afaste a cama.
Sem contestar a ordem, o elfo afastou a cama de Anne com um pouco de dificuldade. Quando ele terminou, a garota sorriu. Na parede onde antes estava encostada a cama, havia um retângulo no formato de uma porta, mas não havia nenhuma maçaneta. A garota queria entrar na passagem imediatamente, mas o elfo havia começado a arrumar o quarto.
- Skippy! Saia do meu quarto.
- Mas senhorita Adrianne, se senhor Andrew ver o quarto assim, senhor Andrew...
- Eu resolvo qualquer coisa, Skippy. Agora saia imediatamente do meu quarto, ou eu vou castigar você!
Por um segundo, o elfo olhou assustado para Anne, mas pensando no castigo, o elfo saiu apressado do quarto.
Agora que estava sozinha, Anne observou melhor a parede. Cada vez mais ela tinha certeza de que era uma passagem, mas como ela a abria?
Com uma curiosidade misturada a uma certa insegurança, ela foi levando a mão lentamente até à parede. Assim que a ponta do dedo encostou em uma das retas, o retângulo desenhado na parede se transformou em uma porta, que se abriu.
Anne entrou na passagem mal conseguido controlar a ansiedade, e o medo também. Se Andrew Snape descobrisse o que ela havia feito, ele não deixaria que ela não recebesse uma punição. Mas nem a ameaça do castigo impediria que a garota entrasse na passagem.
A passagem era a entrada de um túnel escuro e úmido que Anne percorreu sem se importar por estar ficando suja, ou por um pedaço do tecido do seu robe ter ficado preso e ela ter rasgado sua roupa, ou por achar que estava demorando a encontrar o fim do túnel. Anne continuou andando até que, quando menos esperava, bateu a cabeça em algo duro. Com as mãos, ela percebeu que naquele ponto, o diâmetro do túnel diminuía. A garota se abaixou, e depois de dar alguns passos, encontrou novamente outro retângulo desenhado na parede, e da mesma forma que fez para entrar, encostou a mão dentro do retângulo.
Já fora do túnel, Anne olhou pela janela e viu que era noite. No céu, uma lua-crescente mal-iluminava o lugar, e quase sem perceber, a garota pensou em Remo Lupin. Se naquele momento estivesse em Hogwarts, estaria na sala secreta tendo mais uma aula de animagia com Sirius.
Os passos que ela ouviu ao longe fizeram ela deixar esses pensamentos de lado. A cada segundo, os passos se tornavam mais fortes, e ela conseguia ouvir a voz do pai conversando com outra pessoa. Rapidamente, ela voltou ao túnel antes de ser vista, ainda ouvido as vozes, mas sem entender o que elas diziam.
No corredor, Andrew Snape conversava com um homem loiro, de olhos pequenos e ar superior, que fingia não perceber os olhares raivosos de Andrew.
- Não se preocupe, Snape, seu filho vai ficar bem... Algumas pessoas são fracas e não suportam o feitiço...
- Não seja tolo, Malfoy. - o pai de Anne disse com rispidez - Severo estava ansioso para receber a Marca. Ele só ficou doente. Qualquer um pode ficar doente.
- É, Snape, você tem razão... - o homem disse com um sorriso irônico - Qualquer um pode ficar doente...
Andrew olhou com ódio para o homem que caminhava ao seu lado.
- A propósito, Malfoy, porque seu filho não recebeu a Marca?
O rosto do homem empalideceu, e pela primeira vez ele pareceu hesitante.
- Er... Lúcio ainda não sabe todos os feitiços importantes, então eu pensei que o feitiço da marca pudesse atrapalhar.
Andrew sorriu satisfeito consigo mesmo por ter feito desaparecer o ar de triunfo do rosto de Malfoy.
- Então meu garoto será o único estudante de Hogwarts fiel a milorde...
Escondida na passagem, Anne ouviu os passos se distanciando, mas esperou um pouco antes de sair do túnel. Quando teve certeza de que já era seguro, ela saiu. Tudo estava calmo e silencioso, e foi com cuidado que ela andou pelo corredor até a porta do quarto do irmão. Sorrateiramente, Anne abriu a porta do quarto de Severo.
O quarto estava escuro e abafado, mas a garota pôde perceber que havia alguém deitado na cama, e pelos gemidos, Anne sentiu que Severo estava muito mal. Preocupada, ela se aproximou da cama do irmão, e vendo a varinha dele na cabeceira ao lado da cama, ela a segurou sem hesitar.
- Lumus.
Uma luz fraca iluminou o quarto, e Anne conseguiu ver o irmão. Ao ver Severo, ela não conseguiu esconder o quanto estava impressionada. A garota abriu a boca e deu alguns passos para trás, sem acreditar que aquele era seu irmão. Severo estava encolhido na cama, incrivelmente pálido, e não parava de suar. Sua respiração era difícil e ele deveria estar com frio, pois tremia.
- Merlin... O que fizeram com você, Sev... - ela exclamou num sussurro, levando a mão à boca horrorizada.
Ao ouvir o apelido de infância, Severo abriu os olhos lentamente.
- O que.. - a voz não passava de um murmúrio, e ele parou para tomar fôlego -... você está fazendo aqui?
- Eu vim te ajudar, eu sabia que você deveria estar precisando de mim, você estava sozinho com...
- Eu não pre... - ele parou para respirar - Eu não preciso de você!
- Como não precisa?! - ela colocou a mão na testa dele - Você está ardendo, só pode estar com febre! Eu não vou deixar você assim!
- Vá embora! Eu não quero você aqui! - ele disse num tom baixo, mas decidido.
- Porque não? - o rosto dela se tornou ameaçador, e logo ela descobriu porque o irmão agia assim - Eu já sei! Ele disse que iria te machucar se você me ajudasse, não foi?
- Papai não fez nada! Vá embora!
- Eu não vou até você deixar eu te ajudar! - ela falou quase gritando, sem perceber que bateu o pé no chão com força.
- Deixe-me em paz! - Severo disse com firmeza, ficando um pouco mais cansado - Vá atrás do Black, talvez ele explique tudo!
O rosto de Anne embranqueceu, e ela olhou aturdida para o irmão.
- O que... Do que você está falando?
- Eu sei sobre você e o Black. - a voz saiu num tom de desprezo, magoando Anne - Eu vi vocês na enfermaria depois do acidente na final de quadribol.
A garota piscou aturdida, demorando para entender o que o irmão havia dito, até que ela percebeu porque o irmão a evitava desde aquele dia.
- O que você viu não tem nada a ver com você. - a voz dela soou estranhamente fria aos ouvidos da garota - Eu amo Sirius, é verdade, mas eu ainda sou sua irmã.
- Você deixou de ser minha irmã quando me traiu.
- Eu nunca traí você, Severo! Eu continuo sendo sua irmã, eu...
- Se você gostasse e se preocupasse mesmo comigo, você não me decepcionaria como me decepcionou quando eu vi você beijando o cretino do Black!
Anne apertou a mão com fúria, sem acreditar que o irmão poderia ser tão persistente em não querer enxergar a verdade.
- Severo, diga-me, onde eu estou agora? Eu não estou aqui, no seu quarto? Não existe nada nesse mundo que faça eu deixar de ser sua irmã. Eu sempre serei Anne, e você sempre será Sev para mim.
Severo, que evitava encarar Anne desde que havia percebido que ela estava no seu quarto, voltou lentamente o rosto para a irmã depois de um longo silêncio. Ele não iria dizer nada, mas não era preciso. Anne entendeu que ele não havia gostado de descobrir sobre ela e Sirius daquela forma, e que guardar o que havia visto por tanto tempo só fez crescer o ódio dele, mas pelo menos ele olhou para ela. Depois de suspirar com alívio, Anne perguntou ao irmão.
- O que ele fez com você?
- Ele não fez nada. Eu quis fazer.
Subitamente, o tom de voz dele voltou ao normal. Severo sentou-se na cama, e, afastando o cobertor, ele mostrou à irmã o braço esquerdo.
Anne arregalou os olhos, impressionada. No braço do irmão havia uma marca de uma cobra saindo de um esqueleto em cor vermelho vivo. A garota conhecia muito bem aquela marca.
- Isso não é a...
- Sim, Anne. É a Marca do Lorde das Trevas. E agora eu sou um aliado dele. Eu sou um Comensal.
Demorou alguns instantes para Anne assimilar o peso real daquelas palavras, até que ela falou num tom incrédulo.
- Pelo amor de Merlin, Severo! Porque você fez isso?
Severo virou o rosto, sem coragem de olhar para Anne. Responder a essa pergunta seria dizer que apesar de tudo, ainda amava a irmã.
- Para salvar você.
Como um raio, Anne percebeu a verdade. Durante todo esse tempo em que achou que Andrew ameaçava Severo dizendo que iria machucá-lo, ele dizia para o rapaz que se ele não o obedecesse, iria machucar a irmã dele, a própria filha.
- Você não deveria ter feito isso! - a voz da garota saiu num sussurro raivoso - Eu não me importo comigo, eu poderia suportar qualquer coisa, mas você... Olhe como você está! - ela agora parecia determinada - Tem que ter um jeito de reverter isso! Você não pode ficar assim, Sev!
- Anne! Ele ia matar você! - Severo disse sem entender como a irmã poderia ainda querer protegê-lo depois das coisas que ele havia dito, mas começando a aceitar a presença da irmã sem sentir tanto desprezo assim.
- Eu vou cuidar de você - a garota disse decidida, percebendo os sentimentos do irmão, e achando que nada que ela fizesse seria o bastante para recompensar as mentiras que ela havia contado. - Você não me defendeu em vão. Eu vou levar sua varinha, mas eu volto logo.
- Use minha capa. Está no baú.
Anne foi ate o baú, que ficava ao pé da cama, e desapareceu depois que a vestiu. Ela saiu do quarto sem ser vista, pois o corredor continuava vazio. Não havia sinal de Andrew ou do outro bruxo em lugar nenhum, então a garota começou a procurar a sala de Poções do castelo.
A garota encontrou a sala em poucos minutos, e lá mesmo preparou uma poção revitalizante. Com a poção preparada, ela voltou para o quarto do irmão.
- Beba isso. - ela disse entregando a poção para Severo - É uma poção revitalizante, só que eu fiz um pouco mais forte.
Severo bebeu a poção com avidez. À medida que bebia, o rosto voltava à cor normal.
- Como você está, Sev?
- Melhor. - ele disse com a voz mais forte - Você deveria ir embora agora. Se o pai ver você...
- Eu não vou ir agora, Sev. Eu quero cuidar de você! E além do mais, eu vou ter que voltar aqui todos os dias, você sabe como são as poções revitalizantes.
- Tem que tomá-las por uma semana, e se eu interromper, eu vou ficar pior do que estava.
- Exatamente. E isso não vai ser nada bom. Você estava horrível quando eu cheguei.
- Está bem. Eu acho que não tem outro jeito. - agora que estava se sentindo bem, Severo voltou a tratar a irmã com frieza, mas Anne fingiu não perceber essa mudança.
- Então amanhã eu voltarei. Tchau, Sev.
- Tchau.
Mesmo preocupada, Anne saiu do quarto do irmão, mas determinada a voltar no dia seguinte.
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Durante uma semana, Anne foi para o quarto do irmão através da passagem. Sempre que o elfo deixava o jantar à noite, a garota pedia para ele afastar a cama, e de dia, Skippy colocava a cama no lugar de sempre. Dessa forma, Anne conseguiu dar a poção para o irmão até o último dia, apesar das mudanças de humor de Severo. A lembrança de que seu maior inimigo, Sirius Black, estava namorando secretamente com a sua irmã o incomodava, por isso, às vezes, ele não conseguia deixar de ser rude com a irmã.
Anne sabia o que Severo deveria estar sentindo, por isso, suportava tudo calada. Ela achava que ele tinha razão em estar zangado, mas achava que ele deveria ao menos aceitar o que estava acontecendo. Pelo menos, ele não a evitava e era esse pensamento que ela usava para não se zangar com o irmão.
No sétimo dia, Severo estava quase que totalmente recuperado. Ao contrário do garoto pálido e cansado que Anne encontrou, Severo agora estava com um aspecto saudável e com um olhar atento a tudo.
- Você está melhor mesmo, Sev? - a garota perguntava pela terceira vez, somente para ter certeza absoluta.
- Estou, Anne! - o rapaz respondeu com impaciência - Tanto que até Andrew percebeu.
Anne ergueu a sobrancelha, curiosa.
- Ele percebeu?! E o que ele falou?
- Ele não suspeitou de nada, Anne. Eu disse para ele que não seria um feitiço qualquer que iria me derrubar, e ele pareceu bastante satisfeito.
Anne concordou com a cabeça, um pouco preocupada, mas pelo menos Andrew não suspeitava de nada. Ela ficou em silêncio por um tempo, até que seus olhos pararam sobre a marca. O desenho não estava mais tão forte quanto no primeiro dia, mas ainda era tão assustador quanto no dia que Anne a viu. Um arrepio percorreu o corpo da garota quando ela imaginou a pessoa que havia feito aquela marca em Severo, e ela não conseguiu segurar a pergunta que há tempos queria fazer.
- Como ele é? - ela perguntou sem retirar os olhos da marca.
- Ele quem?
-Você-Sabe... - ela não terminou a frase, lembrando-se do que Sirius havia dito - Voldemort.
Severo desviou o olhar de Anne com mágoa. Não gostava de lembrar do que havia acontecido na noite em que recebeu a marca, mas respondeu para que a irmã não pensasse que ele sentia isso.
- Ele é assustador. Parece que ele sabe o que estamos pensando, mas isso não faz a menor diferença para ele. Ele só está interessado no que podemos oferecer. Dá para perceber que ele é poderoso no instante em que o vemos.
Anne percebeu o desconforto do irmão, e se calou. O silêncio se tornou desagradável, e antes que Severo ficasse zangado, a garota decidiu ir embora.
- Eu vou embora. Amanhã eu volto para ter certeza de que a poção fez efeito.
- Faça como quiser - Severo respondeu dando de ombros com descaso.
Anne olhou com angústia para o irmão, pensando até quando ele iria agir dessa forma. A garota saiu do quarto e foi para a passagem. Enquanto voltava para o próprio quarto, ela pensou que dificilmente Severo esqueceria o que havia acontecido com a rapidez que ela queria que ele o fizesse. Quase como um protesto, ela pensou porque as coisas não poderiam ser como na época em que eram crianças, quando eles não faziam a menor idéia do que iria acontecer no futuro, quando Andrew era somente um pai ausente que deixava que a governanta cumprisse seu papel de pai. Mas as coisas haviam mudado. Anne e Severo nunca mais seriam os mesmos, e agora também não havia governanta para protegê-los de Andrew.
- Estamos sozinhos... - Anne disse e entrou no quarto soltando um suspiro.
Quando ela abriu os olhos e observou melhor o quarto, seu rosto empalideceu. Apesar da boca estar aberta, não saiu nenhum som dela. Anne só olhava fixamente para a sua frente, onde estava Andrew Snape lançando um olhar severo para a filha.
- O que deve fazer um pai que estava indo ao quarto da filha para saber se ela precisava de alguma coisa e não a encontra no quarto, quando o pai dela disse claramente que ela não deveria sair do quarto? - ele perguntou com frieza, enquanto Anne engolia em seco - E quando eu entro no quarto de minha filha, descubro que foi exatamente isso que ela fez, desobedecendo minha ordem, e, ainda por cima, eu descubro que você usou uma passagem e o elfo para desobedecer minhas ordens de você não sair do seu quarto - o pai praticamente gritou as últimas palavras, fazendo Anne fechar os olhos, assustada - Realmente eu subestimei você. - ele disse depois de uma pausa - Nunca pensei
que você fosse capaz de encontrar essa passagem, muito menos de sair do seu quarto.
Anne encarou o pai sem saber se a raiva que sentia era por causa do pai tê-la achado incompetente ou por causa das ações dele.
- Se você não pensou em cuidar de Severo, eu pensei! Ele estava doente, e foi tudo sua culpa! Você é um irresponsável! Seria melhor se você não fosse meu pai nem o de Severo! Eu queria que...
Mas Anne não terminou a frase. Antes que ela fizesse isso, a mão de Andrew acertou com força a face esquerda da filha.
Anne levou a mão ao rosto, e olhou com raiva para o pai antes de gritar.
- Eu odeio você! Odeio você! Eu quero que você morra!
Andrew mordeu o lábio, mas isso não foi suficiente para conter a sua raiva. Por mais duas vezes, Andrew atingiu o rosto da filha com a mão.
- Essa foi a última vez que você me ofendeu dessa forma, Adrianne! - ele disse, ríspido - Você vai aprender a não ser impertinente e a tratar as pessoas com mais respeito!
Andrew segurou o braço de Anne e, com força, jogou a filha na cama, deixando-a deitada com o rosto virado para o travesseiro, sem se importar com a dor que ela deveria estar sentindo.
Anne tentou sair da cama, mas Andrew não deu oportunidade para a filha fugir. Antes que ela fizesse isso, ele retirou da capa que vestia um cinto longo e fino de couro. Ao longo do cinto, havia vários espinhos de ferro que fizeram a garota estremecer de medo. Ela não podia acreditar que o pai iria fazer o que ela imaginava que ele iria fazer, mas ela não teve tempo para ter medo. Logo Andrew fez a filha deitar-se novamente com o rosto voltado para o colchão, e começou a acertar as costas de Anne com o cinto.
Assim que sentiu os espinhos do cinto entrando em sua pele pela primeira vez, Anne mordeu o lábio com força, fazendo-o sangrar. Ela não queria chorar, não queria que Andrew tivesse essa satisfação.
- Você não vai me ver sofrer... - ela sussurrou sem que o pai a ouvisse - Você não vai fazer eu chorar...
A garota continuou murmurando até que a dor foi mais forte, e ela, sem conseguir segurar mais as lágrimas, chorou. Era um choro silencioso, mas Andrew não se comoveu, e só parou quando achou que já era o suficiente.
- Espero que eu não tenha mais problemas com você.
Andrew foi embora enquanto Anne olhava fixamente para a parede. Uma última lágrima caiu antes que ela fechasse os olhos.
-x-x-x-
No dia seguinte, quando Anne acordou, a porta do quarto estava aberta. Ela sentia dores por todo o corpo, mas queria saber o que estava acontecendo, então levantou-se. Sua varinha estava em cima da cômoda ao lado da cama, e ela a segurou antes de sair do quarto.
Silenciosamente, Anne caminhou até o corredor que levava à sala de entrada, de onde achava estar vindo as vozes que ouvia, e quando alcançou a escada, parou ao ver o pai conversando de costas para a escada com uma senhora baixa e gorda, bastante familiar à Anne.
- Minha querida Adrianne! - a mulher exclamou com surpresa, e subiu as escadas correndo, sufocando Anne num abraço bastante apertado que só fez aumentar ainda mais as dores que ela sentia.
Anne olhou decepcionada para a mulher quando ela a soltou, e um sorriso amarelo surgiu no seu rosto.
- Oi... tia Tulipa...
- Como você cresceu, amorzinho! Parece que faz séculos desde a última vez que nós nos encontramos. Eu me lembro exatamente, foi três anos antes de você ir para Hogwarts. Foi no ano em que meu Fluffy quebrou a patinha...Ou foi quando Sweety teve filhotinhos?
Enquanto a tia ficava perdida em pensamentos, Anne pensou no motivo dela estar ali. Andrew, que acabava de subir as escadas, pareceu ter lido os pensamentos da filha e respondeu a dúvida da garota.
- Adrianne, eu e seu irmão teremos que viajar outra vez, e como eu não quis deixar você sozinha, sua tia aceitou gentilmente o meu convite para cuidar de você até nós voltarmos.
- Mas... - Anne olhou perplexa, sem conseguir imaginar em ter a tia cuidando dela - Como assim?
- Sua tia irá cuidar de você enquanto eu e Severo viajaremos. - Andrew respondeu com visível irritação - Será que você é estúpida o bastante para não entender isso? Espero que você seja mais esperta para obedecer às ordens de sua tia. Se você não se comportar, Tulipa tem toda minha aprovação para castigar você - Andrew sorriu sarcástico, e aos olhos de Anne, o pai nunca pareceu tão cruel como naquele momento.
- Não seja bobo, Andrew! Eu e Adrianne vamos nos divertir muito levando meus bebês para passear. Ela também pode me ajudar a costurar. Estou tecendo um casaquinho novo para Kelley. Acredite-me, nós vamos nos dar muito bem.
- É, eu acho que sim... - Andrew respondeu sem parecer convencido - Bem, Tulipa, eu tenho que ir. Severo está me esperando.
Andrew começou a caminhar pelo corredor, mas a voz de Tulipa vez o homem parar.
- Andrew, você não vai se despedir da sua filha?
Por alguns segundos, Andrew Snape pareceu não ter compreendido o que Tulipa havia dito, mas devido ao olhar curioso da velha senhora, ele não teve outra alternativa a não ser ir se despedir da filha.
- Adeus, Adrianne. - ele disse friamente antes de beijar o rosto da filha, e pelo olhar do pai, a garota percebeu que não deveria fazer nada, mas olhou para o pai com revolta, sem conseguir acreditar que um dia depois de espancá-la ele era capaz de beijá-la como se nada tivesse acontecido - Até a volta, Tulipa.
- Adeusinho, Andrew! - a mulher disse acenando para Andrew, que se afastou sem ver o gesto de Tulipa.
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Fazia duas semanas que Andrew e Severo tinham viajado, e duas semanas que Tulipa cuidava de Anne. Apesar da garota ter toda liberdade para sair do castelo e entrar quando quisesse, Anne sentia-se tão presa quanto antes. Tulipa não dava um segundo de sossego para a sobrinha. A tia, para infelicidade de Anne, havia levado seus quatro cães para o castelo Snape, e diariamente a garota tinha que dar banho neles, pois Tulipa não confiava nos elfos, além de levá-los para passear várias vezes ao dia. Anne ainda tinha que suportar ver as fotos dos cachorros e escutar as histórias entediantes que tia Tulipa contava. Mas de forma nenhuma a garota queria que Andrew voltasse. As costas de Anne ainda doíam, e os machucados ainda estavam cicatrizando, por isso a garota dormia de bruços. A última pessoa que Anne queria ver era Andrew. E felizmente, quem entrou no quarto da garota depois de bater na porta não foi o pai.
- Senhorita Adrianne, Senhorita Adrianne, senhorita ter que descer imediatamente, senhorita Tulipa chamar você!
O elfo disse enquanto invadia o quarto de Anne, que não fez um movimento.
- Senhorita Adrianne? - preocupado, o elfo foi até a cama da garota e a cutucou.
- Skippy... - ela disse num murmúrio sonolento - Quantas vezes eu vou ter que dizer para você não fazer isso?
- Ser Senhorita Tulipa, ela querer ver você embaixo!
- Diga a ela que eu estou dormindo. E diga que eu não quero ser incomodada. Agora vá embora, diga isso para aquela bruxa velha, e não volte mais aqui, a não ser que você queira receber roupas!
O elfo olhou aterrorizado para Anne.
- Não, senhorita, Skippy ser bom, Skippy obedecer.
Fazendo várias mesuras, o elfo saiu do quarto da garota, e Anne, num suspiro aliviado, voltou a dormir. Até que a porta do quarto abriu mais uma vez.
- Skippy, eu disse para você ir embora!
- Adrianne! Eu pensei que Andrew havia ensinado você a receber melhor uma visita!
Quando a voz horrorizada de Tulipa se calou, Anne sentou-se com os olhos arregalados. Se havia entendido bem, a tia havia dito que ela tinha uma visita.
- Uma visita?! - ela perguntou incrédula - Para mim?
Tulipa não respondeu para a sobrinha, pois parecia estar ocupada falando com alguém que estava atrás dela. Os dois pareciam estar discutindo, e a discussão acabou somente quando Tulipa deu passagem para a pessoa que estava atrás dela entrar no quarto.
Se Anne ficou surpresa quando a tia disse que ela tinha uma visita, ela ficou mais surpresa ainda quando viu quem era a visita.
- O que você está fazendo aqui?
Com um sorriso brincalhão, Sirius Black respondeu.
- Se você não quer me receber, eu posso voltar em um outro dia...
- Não! Claro que não! - a garota gritou antes de sair da cama e abraçar o rapaz, uma atitude que Tulipa visivelmente reprovou, mas que não fez a menor diferença para Anne, até que a mulher resolveu interferir.
- Muito bem, que bom que você gostou de ver seu amigo, mas antes de vocês conversarem, você deve se vestir, Adrianne.
- Er... - a garota voltou-se para a tia, lembrando-se que ela estava no quarto - Claro, era o que eu ia dizer agora... Eu vou me arrumar e depois nós conversamos, então.
- Tudo bem. - Sirius piscou - Eu vou esperar, mas só se você não demorar.
- Perfeito, querida! Assim eu e Goyle podemos conversar mais!
- Goyle?! - a garota disse com surpresa, chamando a atenção de Tulipa e fazendo Sirius olhar com repreensão para ela.
- Adrianne, não seja boba! É o nome do seu amiguinho, não é?
- Sim, er... é claro que é, Goyle! Eu acho que eu... - ela fingiu um bocejo - Ainda devo estar com sono... Mas logo eu desço.
- Demore o tempo que precisar, querida. Estaremos na sala de visitas.
Anne mal conseguiu piscar antes que Tulipa empurrasse Sirius para fora do quarto, e o levasse para a sala de visitas. O mais rápido possível, Anne se vestiu, quase sem acreditar que Sirius estava na sala de visitas.
Depois que ela se arrumou, Anne desceu. Quando ela entrou na sala de visitas, encontrou a tia balançando o corpo de tanto rir, e Sirius com um sorriso animado.
- Adrianne, querida, porque você não disse antes que tinha um amigo tão espirituoso? Escondendo os seus melhores amigos, não é? Mas você está certa. Temos que ter cuidado com quem queremos bem - ela disse piscando o olho para Anne de modo maroto.
- Bem... ninguém nunca perguntou pelos meus amigos... - a garota respondeu corando levemente.
- Pois Andrew não sabe o que está perdendo. Goyle até já se ofereceu para levar meus bebezinhos para passear!
Sirius voltou-se para Anne, e disse pedindo desculpas com o olhar.
- Sua tia disse que você adorava os cães, então achei que seria uma ótima forma para passarmos o tempo.
- Oh, Goyle, Adrianne vai adorar levar meus fofinhos para passear com você junto! - assim que Tulipa terminou de falar, os quatro cães entraram na sala - Oh, meus bebês são tão espertos! Já sabem que vão ir passear. - Tulipa segurou um dos cães e levou-o até Sirius. Imediatamente, o cão começou a lambê-lo, deixando Anne irritada. Durante os últimos dias, os cães só haviam tentado mordê-la - Só fiquem fora por meia-hora! Meus fofinhos têm que comer.
- Está bem, tia Tulipa! - Sirius disse sorrindo para a mulher e depois saiu da sala com Anne e os cães.
- Tia?! - Anne perguntou com surpresa e ao mesmo tempo achando engraçado ver Sirius chamar uma mulher que não era sua tia de tia.
- Ora, não seja boba! - o rapaz disse imitando a voz de Tulipa, fazendo a garota rir, enquanto os dois saiam do castelo Snape.
- Mas o que você veio fazer aqui? - ela perguntou depois que conseguiu parar de rir.
- Eu vim visitar você, eu não disse que viria?
- Mas e se alguém estivesse aqui? Severo ou meu... - ela fez uma pequena pausa. Já fazia muito tempo que não dizia essa palavra - pai...?
- Meu pai é um Auror, esqueceu? O dever dele é saber de tudo o que está acontecendo, e eu ouvi ele dizer que seu pai tinha viajado com seu irmão, então eu vim ver você. Eu só não esperava encontrar alguém como sua tia, mas eu até que me saí bem.
- Você tinha que dizer que seu nome era Goyle?
- Sua tia é do tipo de pessoa que respeita dinheiro e poder, então para eu conquistar a simpatia dela, eu disse que era o Goyle, fingindo ser um filho de uma família rica e respeitável. - ele sorriu e piscou para Anne - E também eu tenho meu charme natural...
- Seu convencido! - ela reclamou, mas em seguida, segurou a mão de Sirius e disse com seriedade - Eu gostei muito de ver você, Sirius. Eu estava com saudades.
- Eu também senti sua falta, Annie. Por isso eu vim.
Os dois se encararam e sorriram um para o outro despreocupadamente antes de se beijarem.
- Mas eu também vim por outro motivo. - Sirius disse depois que se beijaram.
- Que motivo?
- Ah, não, depois eu conto. Primeiro temos que passear com os cachorros da sua tia.
- Isso não é justo! Você começou a falar, tem que terminar, Sirius!
- Depois você vai saber, baby.
- O que eu tenho que fazer para você me falar?
- Que tal esperar vinte minutos, Annie?
- Eu estou falando sobre você me falar agora, Sirius Black! - Anne parou de andar e cruzou os braços.
- Eu queria que você fosse menos impaciente! - ele disse num suspiro.
- Você vai falar ou não? - a garota perguntou ficando impaciente.
- Hum... - o rapaz ficou pensativo por alguns segundos - Não!
- Por que não, Sirius? - a garota perguntou com impaciência. A discussão estava começando a irritá-la.
- Primeiro os cachorros...
- Estou começando a achar que você dá mais importância a esses cachorros do que a mim! - ela disse fazendo uma careta irritada.
- Não é isso, Annie! É que eu não quero que a sua tia fique andando atrás de nós. Eu quero ficar sozinho com você, entendeu?
- Entendi... - ela concordou com a cabeça, mas voltou a olhar para Sirius com determinação - Mas você podia me dizer que outro motivo é esse!
- Se eu falar você vai querer largar esses cachorros aqui mesmo. E eu sei que você está querendo fazer exatamente isso mesmo sem eu falar o tal motivo.
- E isso é um problema? - a garota perguntou com um sorriso maroto no rosto - Cachorros são uma peste! - Sirius olhou magoado para a garota, e ela apressou-se em se corrigir. - Bem... nem todos os cachorros são uma peste. Ah, Sirius, os cachorros da tia Tulipa sempre me mordem!
- Eles estão com ciúmes, Annie. - ele disse segurando o queixo dela com a mão - Eles sabem que você prefere outro cachorro.
- Convencido - ela disse olhando mal-humorada para Sirius.
- Só estou dizendo a verdade, baby - o rapaz respondeu com uma ingenuidade fingida.
Anne andou de braços cruzados por alguns instantes antes de soltá-los.
- Eu odeio quando você tem razão!
Com um sorriso superior no rosto, Sirius virou-se para Anne e a beijou.
- Bem, acho que esses cachorros já passearam o bastante. Vamos voltar para o castelo.
Antes de entrarem no castelo, Tulipa saiu e foi até os dois jovens.
- Ow, meu bebezinhos, estão tão corados! O passeio deve ter sido ótimo! Vamos entrar, a mamãe preparou um lanchinho delicioso! - a mulher virou-se para Sirius e Anne como se somente agora os tivesse notado - Vocês também querem comer alguma coisa?
- Não, tia. - Anne apressou-se em responder - Eu vou mostrar as redondezas para Si - antes que ela terminasse, Sirius cutucou a garota. - Goyle.
- Está bem, queridinha, mas não demore muito, está ficando frio, e o que os pais do seu adorável amiguinho vão dizer se ele voltar para casa doente?
- Não se preocupe, tia Tulipa. - Sirius disse - Eu nunca fico doente. - ele apontou para os cachorros - É melhor você dar logo comida para eles, eles estão ficando inquietos.
- Você tem razão, amorzinho. - ela voltou-se para os cães - Vamos, meus queridinhos.
Seguida pelos cachorros, Tulipa voltou para o castelo. Assim que a tia entrou, Anne olhou imperativa para Sirius.
- Pronto, minha tia já está ocupada, não tem mais cachorro nenhum por aqui, qual é a desculpa que você vai inventar agora?
- Não tenho mais nenhuma desculpa. Vem comigo, Annie. - os olhos do rapaz brilharam quando ele segurou a garota pela mão.
Anne teve dificuldade em seguir os passos largos de Sirius. Os dois só pararam quando chegaram aos fundos do castelo.
- Aqui está. Eu comprei antes de vir para cá, queria que você fosse a primeira a ver - Sirius disse andando na direção de uma moto preta.
- Nossa... - a garota disse enquanto deu pequenos passos, ficando ao lado de Sirius - É demais! - ela olhou da moto para Sirius - Como seus pais deixaram você comprar uma moto?
- Se dependesse deles, eles não teriam deixado, mas eu já fiz dezessete anos. - ele sorriu para Anne - Quer dar uma volta? Eu trouxe comida, nós podemos fazer um piquenique, se você quiser.
- É claro que eu quero! Estou cansada de ficar nesse castelo! Para onde vamos?
- Ow, calma, garota! Nós vamos para um parque que fica aqui perto, em Godric's Hollow. Tem trouxas por lá, mas eles estão acostumados com magia.
- Então não vai ter problema nenhum se alguém ver uma moto voadora.
- Exatamente. Podemos ir sem nenhum problema. Quer dizer... - a empolgação desapareceu de Sirius - E a sua tia?
- Ela se preocupa mais com aqueles malditos cachorros do que comigo.
Sem mais nenhuma coisa impedindo o passeio, Sirius e Anne subiram na moto. A viagem até o parque de Godric's Hollow foi calma e divertida. Anne ficou maravilhada com a vista, e quando a moto aterrisou no parque, a garota desceu animada.
Sirius encontrou um bom lugar para eles ficarem, e com um feitiço, logo a comida estava posta no chão, em cima de uma toalha. Os dois, então, começaram a comer, e enquanto comeram, conversaram calmamente, agora que estavam sozinhos. Mas em um momento, Sirius percebeu que Anne estava mais reservada que o normal.
- Aconteceu alguma coisa, Annie? Você está um pouco distante... O que foi? - Sirius olhou gentilmente para a garota, segurando a mão dela.
Anne abaixou a cabeça. Havia tantas coisas a serem ditas, tantas que deveriam ser mantidas em segredo. Ela sentia culpa, mas não poderia contar para Sirius que Severo era um comensal. Ela continuou pensativa, sem saber o que responder para deixar Sirius menos preocupado.
- Sirius, Severo descobriu sobre nós.
Pela reação de Sirius, a garota respirou aliviada. Ele acreditou que era isso que a perturbava.
- Como ele descobriu? - o rapaz perguntou preocupado, mas não como antes.
- Foi depois da final de quadribol... Quando você me salvou, mas eu fui para a enfermaria... Quando eu acordei, Severo foi me ver, nós discutimos, e ele saiu irritado, mas depois ele voltou, e viu quando nos beijamos.
Sirius fechou a mão com raiva.
- O que ele fez? Ele contou para o seu pai? Annie, se o seu pai encostou um só dedo em você, eu não vou me segurar!
Anne estremeceu. Qualquer dúvida que ela tinha entre contar ou não contar o que Andrew havia feito com ela para Sirius desapareceu depois disso. Ela não queria colocar Sirius em risco, e se o rapaz tentasse algo contra Andrew, com certeza ele estaria em desvantagem.
- Calma, Sirius, não aconteceu nada. Severo não disse nada para ele. A única coisa que aconteceu foi que eu e meu irmão discutimos mais uma vez.
- E o seu pai? Não suspeitou de nada?
- Não, ele e Severo viajaram antes que ele pudesse perceber qualquer coisa. - a conversa começava a incomodar a garota, e ela mudou o assunto - E as suas férias, como foram até agora? Devem ter melhorado muito depois que você me viu.
Sirius olhou sério para Anne. A tentativa dela de mudar o assunto da conversa não passou despercebida, e isso fez ele ter certeza de que Anne estava escondendo alguma coisa.
- Annie, o que ele fez?
Anne desviou o olhar do de Sirius. Não conseguiria enganar se ele a olhasse daquela forma.
- Não aconteceu nada, Sirius! Se algo tivesse acontecido, eu falaria, com certeza! Eu confio em você mais do que em qualquer outra pessoa. Agora, se você não confia em mim e acha que eu estou escondendo algo, eu não posso fazer nada.
Sirius abaixou a cabeça, sentindo-se um bobo por ter achado que Anne estava escondendo algo e por tê-la pressionado tanto. Ele olhou para a garota pedindo desculpas com o sorriso, e para confortá-la, ele passou o braço pelas costas de Anne, mas assim que a pele do rapaz encostou na pele da garota, Anne estremeceu de dor.
- Está com frio? - Sirius disse percebendo o mal-estar de Anne.
- Não, é só... - ela se virou para o rapaz com um sorriso trêmulo que ao invés de acalmá-lo só deixou Sirius inquieto - Não foi nada. - ela respondeu com firmeza, recuperando o auto-controle, mas continuava pálida.
A garota não retirou os olhos de Sirius. Queria ter certeza de que ele não tinha se importado com o que havia acontecido, e que já tinha esquecido tudo. Se ele insistisse, ela não estava muito certa de que conseguiria esconder o que realmente havia acontecido com ela por muito tempo.
- Acho que devemos ir embora - o rapaz disse enquanto levantou-se, subitamente frio.
Sirius estava magoado por achar que Anne estava escondendo algo. O rapaz pensava que os dois já haviam superado a fase em que eles escondiam segredos um do outro, mas ele estava enganado. Porém, o rapaz decidiu não pressionar Anne. Quando ela tivesse pronta, ela falaria. E ele sentiu que não seria agora.
- Espera, Sirius. - a garota disse com tanta urgência que o rapaz sentou-se outra vez - Eu não quero ir agora...
Sirius disse um palavrão em pensamento, sentindo culpa por ter pensado que Anne estava escondendo algo. É claro que ela só deveria estar com medo de voltar para o castelo. Até ele teria medo de voltar para aquele castelo. A mágoa que sentiu desapareceu para dar lugar a um sorriso reconfortador, e sem perceber, colocou o braço outra vez nas costas de Anne, e como da outra vez, a garota estremeceu de dor.
- O que está acontecendo, Annie? - Sirius olhou bastante intrigado para a garota. Dessa vez, viu claramente o olhar de dor que ela fez - Você se machucou?
A garota deu um sorriso sem graça e nada convincente.
- Exatamente. Eu me machuquei com os cachorros de tia Tulipa.
- Annie, você já mentiu melhor. O que aconteceu? Você vai me dizer ou eu vou ter que brigar com você mais uma vez?
Anne mordeu o lábio com força e abaixou a cabeça, mas isso não impediu que algumas lágrimas caíssem. Ela estava hesitante, não sabia se contava a verdade ou não. Ela ficou assim até que levantou a cabeça, virou-se de costas para Sirius, e levantou a blusa que vestia.
Sirius olhou com horror. Pelas costas da garota, haviam várias feridas que ainda estava cicatrizando. Só pelo olhar o rapaz percebeu quanto o elas deveriam doer, e então entendeu porque Anne se afastou quando ele a tocou. Sirius fechou o punho com raiva. Sabia que só Andrew poderia ter feito aquilo. Naquele instante, ele odiou o pai da garota como nunca havia odiado ninguém antes, até mesmo mais do que a Voldemort. Sirius o odiou porque ao invés de proteger a filha, Andrew a machucava, e ficou sem entender porque um pai fazia algo assim com a filha. Somente um ódio imenso era capaz de fazer algo assim, e esse tipo de ódio só podia ser imaginado quando a pessoa era capaz de odiar na mesma medida. Naquele momento, Sirius prometeu a si mesmo que protegeria Anne para sempre. E não iria deixar para depois.
- Para onde o seu pai viajou? - ele perguntou sério, olhando firme para Anne.
- Sirius, você não vai atrás dele! Eu não vou deixar!
- Onde. Ele. Está.
As palavras saíram com tanta determinação que a garota não conseguiu mais lutar.
- Eu não sei. Ele não disse para onde estava indo. E se eu soubesse, não diria. Eu não vou deixar você morrer.
Sirius olhou com fúria para Anne.
- Como você pode querer proteger ele depois do que ele fez? Ele pode ser seu pai, mas ele não tem direito de fazer algo assim com você, Annie!
- Sirius, entenda, ele não se importa com isso! Se você fosse atrás dele, ele... ele... - a garota não terminou a frase, a idéia de Andrew tirar Sirius dela para sempre a assustou mais do que tudo.
- Ele nunca mais faria coisa alguma contra você!
- Não, Sirius, ele faria pior. Ele me castigaria com mais violência do que dessa vez.
- Annie, se seu pai machucou você, eu não posso ficar aqui parado esperando para que ele faça o mesmo outra vez! Eu tenho que proteger você desse... - o rapaz relutava em terminar a frase, com medo de talvez magoar Anne, mas ele não conseguiu ficar calado -...desse monstro!
- Ele não quer ficar perto de mim, Sirius! Ele está viajando por causa disso, e com certeza ele vai voltar três dias antes das aulas começarem! Não estrague tudo!
- Eu estou querendo proteger você, e você quer me impedir?! O que aconteceu com você? Você quer que seu pai mate você?
- Ele não correria esse risco, Sirius. Eu estou segura aqui, de certa forma! E quando eu estiver em Hogwarts, ele não vai poder me atingir.
Sirius abaixou os olhos, pensando que tudo o que Anne havia dito não poderia ser mais contraditório. Ela estava segura porque estava na mesma casa do homem que queria vê-la morta. Mas ele concordou que em Hogwarts Andrew não poderia machucá-la. Quando o sétimo ano começasse... O sétimo ano... Imediatamente, Sirius olhou com urgência para Anne.
- Mas e quando não tiver mais Hogwarts? Esse é o nosso último ano, esqueceu?
Anne olhou quase com desespero para Sirius. Durante os últimos dias, ela havia pensado muito nisso, e não encontrou nenhuma solução. Ela terminaria Hogwarts, e depois disso, não teria como fugir de Andrew.
- Depois eu penso nisso, mas, por favor, esqueça o meu pai!
- Se seu pai tocar um dedo em você, eu juro, ele não vai ter muito tempo para pensar no que fazer com você.
Anne assustou-se com o tom de voz de Sirius. Pela primeira vez, ela pensou que se o rapaz encontrasse com Andrew estando nesse estado de fúria, talvez ele tivesse alguma chance.
- Sirius, não faça nada! Em novembro eu faço 17, e eu vou poder fazer o que bem quiser!
Sirius olhou para Anne com o rosto iluminado.
- Você faz 17 em novembro?
Se fosse outra situação, ela ficaria irritada com ele, achando que ele tinha esquecido o dia do aniversário dela, mas naquele momento, ela só respondeu com impaciência.
- Sim, e daí?
- Quando terminarmos o sétimo ano, você vai para minha casa comigo. - ele disse determinado.
- Você enlouqueceu! - Anne disse com surpresa, levantando-se de uma vez - Ele vai vir atrás de mim, e você não vai poder fazer nada!
- Seu pai não vai poder fazer nada porque você vai ser maior de idade, e pelas leis, você vai poder fazer o que quiser.
- Isso é loucura, Sirius! O que seus pais vão dizer? O que as outras pessoas vão dizer?
- Pouco me importa o que o mundo pense! Eu me preocupo mais com você do que com eles!
- Não vai dar certo, Sirius, ele...
- Ele não vai fazer nada - o rapaz disse, mais determinado ainda. - Eu não vou deixar, minha família não vai deixar, e se ele tentar, como você disse, ele é que sairá prejudicado. Então? O que você diz, Annie?
A garota ficou pensativa. Ela achava que Sirius tinha um pouco de razão, mas Anne ainda tinha medo do pai.
- Eu não sei... É tudo tão arriscado... Eu tenho medo...
- Você não precisa ter medo de nada. - ele disse, e em seguida, abraçou a garota - Eu vou cuidar de você. - ele beijou a testa de Anne - Está decidido. Quando terminarmos a escola, você vai para casa comigo, e nada vai me impedir.
Abraçada a Sirius, Anne só podia desejar que tudo aquilo se tornasse realidade, e que ela ficasse longe de Andrew para sempre. Naquele momento, não passava pela cabeça dos dois que nada daquilo iria acontecer. Nem que eles seriam os culpados.
Andrew Snape olhou para os filhos sem demonstrar nenhum sentimento. Somente Anne recebeu um olhar de desprezo quando obedeceu a ordem que o pai havia dado de segurar a mão dele. Já na estação trouxa, os irmãos Snape foram levados pelo pai até uma rua sem saída, pouco usada pelos trouxas e desconhecida dos bruxos, ideal para o que ele pretendia fazer. Se um bruxo fosse visto aparatando já seria o bastante para causar pânico para os trouxas, mas um bruxo aparatar e fazer com que dois adolescentes aparatassem causaria pânico até na comunidade bruxa. Aparatar outras pessoas era algo que somente os bruxos das trevas faziam.
Em poucos segundos, Andrew, Severo, Anne e seus malões estavam na sala de entrada do castelo Snape. Os dois irmãos pegaram seus malões e começaram a ir para seus quartos quando a voz do pai fez com que Anne e Severo parassem.
- Severo, pode ir para o seu quarto.
- Sim, senhor - ele respondeu com firmeza e saiu sem sentir pena por deixar Anne sozinha com o pai, a imagem dela beijando o seu maior inimigo ainda estava na sua cabeça.
- E quanto a você... - Andrew continuou quando ficou à sós com a filha - dê-me a sua varinha.
Instintivamente, Anne colocou a mão em que segurava a varinha para trás, o rosto vermelho de raiva, e os olhos a brilhar. Não estava disposta a deixar que o pai fizesse com ela o que havia feito nas férias passadas.
- Não! - ela gritou, afastando a varinha para trás instintivamente - Eu não vou deixar você fazer aquilo outra vez!
- Já chega! - Andrew disse com rispidez - Estou cansado de sua impertinência e rebeldia! Eu já fui tolerante até demais com você! - ele semicerrou os olhos cruéis e apontou a varinha para a filha antes de dizer o feitiço num grito contrariado - Estupefaça!
A luz vinda da varinha de Andrew acertou Anne. Por alguns segundos, a garota tentou lutar contra o feitiço, mas a dormência que sentiu no corpo a impediu de ficar de pé, e ela caiu inconsciente.
-x-x-x-
Anne acordou com a cabeça doendo e sem enxergar direito. Demorou alguns segundos para as imagens entrarem em foco e ela olhar ao redor imaginando o porquê de estar deitada na cama do quarto e não na sala de entrada do castelo Snape. Antes que ela pudesse impedir, o que havia acontecido surgiu em sua mente como um raio, e num salto ela pulou da cama para a porta do quarto, mas apesar de ter empurrado a porta com violência, não adiantou muito. Ela havia sido trancada no quarto pelo pai outra vez.
- Droga! Desgraçado! Eu odeio você, Andrew Snape!
Anne praguejou furiosa contra o pai, esmurrando a porta somente para descarregar a raiva que sentia, até que a porta abriu subitamente e o elfo Skippy entrou, olhando para Anne como se nada de anormal estivesse acontecendo, enquanto que a garota dava alguns passos para trás.
- Senhorita Adrianne, senhor Andrew pedir para Skippy trazer comida para senhorita quando senhorita acordar.
- Eu não estou com fome! - a garota disse com raiva, sem pensar que o elfo não era o culpado pelo que estava acontecendo.
- Skippy ter que deixar comida aqui, ser a tarefa que senhor Andrew mandar Skippy fazer - dizendo isso, o elfo colocou a bandeja em cima da cama da garota, voltou para a porta, andando em passos miúdos e silenciosos.
- Pouco me importa o que você vá fazer! Eu sei que eu não vou ficar aqui, trancada nesse quarto!
- Senhorita Adrianne não poder! Senhor Andrew falar que senhorita Adrianne não poder sair daqui!
- Quem você pensa que é para me dar ordens? Você é menos que um empregado, você só é uma coisa que cumpre ordens em troca de nada! - em cada palavra dita por Anne havia todo o desprezo que ela sentia pelo elfo, que ouvia tudo com uma expressão de culpa no rosto.
- Perdão, senhorita Adrianne, perdão... - o elfo disse olhando com culpa - Mas senhorita dever obedecer ordens de senhor Andrew.
Anne olhou com mais raiva ainda para o elfo antes de quase acertar a cabeça dele com uma das xícaras que havia na bandeja.
- Seu inútil, saia da minha frente!
- Sim, senhorita Adrianne, Skippy sair, Skippy não querer atrapalhar! - o elfo respondeu com humildade.
Obedecendo às ordens de Anne, o elfo saiu do quarto antes que a garota pudesse impedi-lo, deixando ela novamente trancada no quarto, reclamando sozinha, até que Anne percebeu o quanto estava com fome. A garota comeu rapidamente, e logo depois, dormiu.
Quando Anne acordou pela segunda vez, a cabeça já não doía, mas a idéia de sair do quarto estava mais forte ainda, e o sono fez surgir um plano de procurar uma passagem no quarto. Se aquilo era um castelo, ela pensou, então deveria ter uma passagem secreta em algum lugar, poderia ser até mesmo em seu próprio quarto. Hogwarts também era um castelo e lá havia tantas passagens quanto estudantes nos dormitórios.
O plano fez com que uma nova energia dominasse Anne, e ela começou a procurar por uma passagem pelo quarto. Em pouco tempo, o quarto estava irreconhecível. Ao invés da organização meticulosa e organizada de Anne, as roupas estavam no chão, os móveis fora de lugar, e os quadros encostados ao chão. Só a cama permanecia no mesmo lugar, mas porque ela era pesada demais para que a garota conseguisse movê-la.
Já havia passado um certo tempo desde que Anne havia começado a procurar pela passagem, e cansada de procurar sem conseguir encontrar nenhum sinal de passagem, a garota olhou aturdida para a bagunça no quarto, sem saber quem iria arrumar aquilo.
- Droga... Será que aquele elfo estúpido vai voltar?
Quase imediatamente depois de Anne ter falado, o elfo entrou no quarto.
- Senhorita Adrianne precisar de algo?
A garota não escondeu sua surpresa. O elfo deveria estar do lado de fora para que ajudasse quando ela precisasse de qualquer coisa. Ela controlou a sua surpresa, e recuperou o tom sério antes de falar ao elfo.
- Arrume o meu quarto Skippy - ela sentou na cama, mas assim que sentou-se, um brilho surgiu nos olhos, e ela levantou-se de supetão. - Skippy, esqueça a arrumação. Eu quero que você afaste a cama.
Sem contestar a ordem, o elfo afastou a cama de Anne com um pouco de dificuldade. Quando ele terminou, a garota sorriu. Na parede onde antes estava encostada a cama, havia um retângulo no formato de uma porta, mas não havia nenhuma maçaneta. A garota queria entrar na passagem imediatamente, mas o elfo havia começado a arrumar o quarto.
- Skippy! Saia do meu quarto.
- Mas senhorita Adrianne, se senhor Andrew ver o quarto assim, senhor Andrew...
- Eu resolvo qualquer coisa, Skippy. Agora saia imediatamente do meu quarto, ou eu vou castigar você!
Por um segundo, o elfo olhou assustado para Anne, mas pensando no castigo, o elfo saiu apressado do quarto.
Agora que estava sozinha, Anne observou melhor a parede. Cada vez mais ela tinha certeza de que era uma passagem, mas como ela a abria?
Com uma curiosidade misturada a uma certa insegurança, ela foi levando a mão lentamente até à parede. Assim que a ponta do dedo encostou em uma das retas, o retângulo desenhado na parede se transformou em uma porta, que se abriu.
Anne entrou na passagem mal conseguido controlar a ansiedade, e o medo também. Se Andrew Snape descobrisse o que ela havia feito, ele não deixaria que ela não recebesse uma punição. Mas nem a ameaça do castigo impediria que a garota entrasse na passagem.
A passagem era a entrada de um túnel escuro e úmido que Anne percorreu sem se importar por estar ficando suja, ou por um pedaço do tecido do seu robe ter ficado preso e ela ter rasgado sua roupa, ou por achar que estava demorando a encontrar o fim do túnel. Anne continuou andando até que, quando menos esperava, bateu a cabeça em algo duro. Com as mãos, ela percebeu que naquele ponto, o diâmetro do túnel diminuía. A garota se abaixou, e depois de dar alguns passos, encontrou novamente outro retângulo desenhado na parede, e da mesma forma que fez para entrar, encostou a mão dentro do retângulo.
Já fora do túnel, Anne olhou pela janela e viu que era noite. No céu, uma lua-crescente mal-iluminava o lugar, e quase sem perceber, a garota pensou em Remo Lupin. Se naquele momento estivesse em Hogwarts, estaria na sala secreta tendo mais uma aula de animagia com Sirius.
Os passos que ela ouviu ao longe fizeram ela deixar esses pensamentos de lado. A cada segundo, os passos se tornavam mais fortes, e ela conseguia ouvir a voz do pai conversando com outra pessoa. Rapidamente, ela voltou ao túnel antes de ser vista, ainda ouvido as vozes, mas sem entender o que elas diziam.
No corredor, Andrew Snape conversava com um homem loiro, de olhos pequenos e ar superior, que fingia não perceber os olhares raivosos de Andrew.
- Não se preocupe, Snape, seu filho vai ficar bem... Algumas pessoas são fracas e não suportam o feitiço...
- Não seja tolo, Malfoy. - o pai de Anne disse com rispidez - Severo estava ansioso para receber a Marca. Ele só ficou doente. Qualquer um pode ficar doente.
- É, Snape, você tem razão... - o homem disse com um sorriso irônico - Qualquer um pode ficar doente...
Andrew olhou com ódio para o homem que caminhava ao seu lado.
- A propósito, Malfoy, porque seu filho não recebeu a Marca?
O rosto do homem empalideceu, e pela primeira vez ele pareceu hesitante.
- Er... Lúcio ainda não sabe todos os feitiços importantes, então eu pensei que o feitiço da marca pudesse atrapalhar.
Andrew sorriu satisfeito consigo mesmo por ter feito desaparecer o ar de triunfo do rosto de Malfoy.
- Então meu garoto será o único estudante de Hogwarts fiel a milorde...
Escondida na passagem, Anne ouviu os passos se distanciando, mas esperou um pouco antes de sair do túnel. Quando teve certeza de que já era seguro, ela saiu. Tudo estava calmo e silencioso, e foi com cuidado que ela andou pelo corredor até a porta do quarto do irmão. Sorrateiramente, Anne abriu a porta do quarto de Severo.
O quarto estava escuro e abafado, mas a garota pôde perceber que havia alguém deitado na cama, e pelos gemidos, Anne sentiu que Severo estava muito mal. Preocupada, ela se aproximou da cama do irmão, e vendo a varinha dele na cabeceira ao lado da cama, ela a segurou sem hesitar.
- Lumus.
Uma luz fraca iluminou o quarto, e Anne conseguiu ver o irmão. Ao ver Severo, ela não conseguiu esconder o quanto estava impressionada. A garota abriu a boca e deu alguns passos para trás, sem acreditar que aquele era seu irmão. Severo estava encolhido na cama, incrivelmente pálido, e não parava de suar. Sua respiração era difícil e ele deveria estar com frio, pois tremia.
- Merlin... O que fizeram com você, Sev... - ela exclamou num sussurro, levando a mão à boca horrorizada.
Ao ouvir o apelido de infância, Severo abriu os olhos lentamente.
- O que.. - a voz não passava de um murmúrio, e ele parou para tomar fôlego -... você está fazendo aqui?
- Eu vim te ajudar, eu sabia que você deveria estar precisando de mim, você estava sozinho com...
- Eu não pre... - ele parou para respirar - Eu não preciso de você!
- Como não precisa?! - ela colocou a mão na testa dele - Você está ardendo, só pode estar com febre! Eu não vou deixar você assim!
- Vá embora! Eu não quero você aqui! - ele disse num tom baixo, mas decidido.
- Porque não? - o rosto dela se tornou ameaçador, e logo ela descobriu porque o irmão agia assim - Eu já sei! Ele disse que iria te machucar se você me ajudasse, não foi?
- Papai não fez nada! Vá embora!
- Eu não vou até você deixar eu te ajudar! - ela falou quase gritando, sem perceber que bateu o pé no chão com força.
- Deixe-me em paz! - Severo disse com firmeza, ficando um pouco mais cansado - Vá atrás do Black, talvez ele explique tudo!
O rosto de Anne embranqueceu, e ela olhou aturdida para o irmão.
- O que... Do que você está falando?
- Eu sei sobre você e o Black. - a voz saiu num tom de desprezo, magoando Anne - Eu vi vocês na enfermaria depois do acidente na final de quadribol.
A garota piscou aturdida, demorando para entender o que o irmão havia dito, até que ela percebeu porque o irmão a evitava desde aquele dia.
- O que você viu não tem nada a ver com você. - a voz dela soou estranhamente fria aos ouvidos da garota - Eu amo Sirius, é verdade, mas eu ainda sou sua irmã.
- Você deixou de ser minha irmã quando me traiu.
- Eu nunca traí você, Severo! Eu continuo sendo sua irmã, eu...
- Se você gostasse e se preocupasse mesmo comigo, você não me decepcionaria como me decepcionou quando eu vi você beijando o cretino do Black!
Anne apertou a mão com fúria, sem acreditar que o irmão poderia ser tão persistente em não querer enxergar a verdade.
- Severo, diga-me, onde eu estou agora? Eu não estou aqui, no seu quarto? Não existe nada nesse mundo que faça eu deixar de ser sua irmã. Eu sempre serei Anne, e você sempre será Sev para mim.
Severo, que evitava encarar Anne desde que havia percebido que ela estava no seu quarto, voltou lentamente o rosto para a irmã depois de um longo silêncio. Ele não iria dizer nada, mas não era preciso. Anne entendeu que ele não havia gostado de descobrir sobre ela e Sirius daquela forma, e que guardar o que havia visto por tanto tempo só fez crescer o ódio dele, mas pelo menos ele olhou para ela. Depois de suspirar com alívio, Anne perguntou ao irmão.
- O que ele fez com você?
- Ele não fez nada. Eu quis fazer.
Subitamente, o tom de voz dele voltou ao normal. Severo sentou-se na cama, e, afastando o cobertor, ele mostrou à irmã o braço esquerdo.
Anne arregalou os olhos, impressionada. No braço do irmão havia uma marca de uma cobra saindo de um esqueleto em cor vermelho vivo. A garota conhecia muito bem aquela marca.
- Isso não é a...
- Sim, Anne. É a Marca do Lorde das Trevas. E agora eu sou um aliado dele. Eu sou um Comensal.
Demorou alguns instantes para Anne assimilar o peso real daquelas palavras, até que ela falou num tom incrédulo.
- Pelo amor de Merlin, Severo! Porque você fez isso?
Severo virou o rosto, sem coragem de olhar para Anne. Responder a essa pergunta seria dizer que apesar de tudo, ainda amava a irmã.
- Para salvar você.
Como um raio, Anne percebeu a verdade. Durante todo esse tempo em que achou que Andrew ameaçava Severo dizendo que iria machucá-lo, ele dizia para o rapaz que se ele não o obedecesse, iria machucar a irmã dele, a própria filha.
- Você não deveria ter feito isso! - a voz da garota saiu num sussurro raivoso - Eu não me importo comigo, eu poderia suportar qualquer coisa, mas você... Olhe como você está! - ela agora parecia determinada - Tem que ter um jeito de reverter isso! Você não pode ficar assim, Sev!
- Anne! Ele ia matar você! - Severo disse sem entender como a irmã poderia ainda querer protegê-lo depois das coisas que ele havia dito, mas começando a aceitar a presença da irmã sem sentir tanto desprezo assim.
- Eu vou cuidar de você - a garota disse decidida, percebendo os sentimentos do irmão, e achando que nada que ela fizesse seria o bastante para recompensar as mentiras que ela havia contado. - Você não me defendeu em vão. Eu vou levar sua varinha, mas eu volto logo.
- Use minha capa. Está no baú.
Anne foi ate o baú, que ficava ao pé da cama, e desapareceu depois que a vestiu. Ela saiu do quarto sem ser vista, pois o corredor continuava vazio. Não havia sinal de Andrew ou do outro bruxo em lugar nenhum, então a garota começou a procurar a sala de Poções do castelo.
A garota encontrou a sala em poucos minutos, e lá mesmo preparou uma poção revitalizante. Com a poção preparada, ela voltou para o quarto do irmão.
- Beba isso. - ela disse entregando a poção para Severo - É uma poção revitalizante, só que eu fiz um pouco mais forte.
Severo bebeu a poção com avidez. À medida que bebia, o rosto voltava à cor normal.
- Como você está, Sev?
- Melhor. - ele disse com a voz mais forte - Você deveria ir embora agora. Se o pai ver você...
- Eu não vou ir agora, Sev. Eu quero cuidar de você! E além do mais, eu vou ter que voltar aqui todos os dias, você sabe como são as poções revitalizantes.
- Tem que tomá-las por uma semana, e se eu interromper, eu vou ficar pior do que estava.
- Exatamente. E isso não vai ser nada bom. Você estava horrível quando eu cheguei.
- Está bem. Eu acho que não tem outro jeito. - agora que estava se sentindo bem, Severo voltou a tratar a irmã com frieza, mas Anne fingiu não perceber essa mudança.
- Então amanhã eu voltarei. Tchau, Sev.
- Tchau.
Mesmo preocupada, Anne saiu do quarto do irmão, mas determinada a voltar no dia seguinte.
-x-x-x-
Durante uma semana, Anne foi para o quarto do irmão através da passagem. Sempre que o elfo deixava o jantar à noite, a garota pedia para ele afastar a cama, e de dia, Skippy colocava a cama no lugar de sempre. Dessa forma, Anne conseguiu dar a poção para o irmão até o último dia, apesar das mudanças de humor de Severo. A lembrança de que seu maior inimigo, Sirius Black, estava namorando secretamente com a sua irmã o incomodava, por isso, às vezes, ele não conseguia deixar de ser rude com a irmã.
Anne sabia o que Severo deveria estar sentindo, por isso, suportava tudo calada. Ela achava que ele tinha razão em estar zangado, mas achava que ele deveria ao menos aceitar o que estava acontecendo. Pelo menos, ele não a evitava e era esse pensamento que ela usava para não se zangar com o irmão.
No sétimo dia, Severo estava quase que totalmente recuperado. Ao contrário do garoto pálido e cansado que Anne encontrou, Severo agora estava com um aspecto saudável e com um olhar atento a tudo.
- Você está melhor mesmo, Sev? - a garota perguntava pela terceira vez, somente para ter certeza absoluta.
- Estou, Anne! - o rapaz respondeu com impaciência - Tanto que até Andrew percebeu.
Anne ergueu a sobrancelha, curiosa.
- Ele percebeu?! E o que ele falou?
- Ele não suspeitou de nada, Anne. Eu disse para ele que não seria um feitiço qualquer que iria me derrubar, e ele pareceu bastante satisfeito.
Anne concordou com a cabeça, um pouco preocupada, mas pelo menos Andrew não suspeitava de nada. Ela ficou em silêncio por um tempo, até que seus olhos pararam sobre a marca. O desenho não estava mais tão forte quanto no primeiro dia, mas ainda era tão assustador quanto no dia que Anne a viu. Um arrepio percorreu o corpo da garota quando ela imaginou a pessoa que havia feito aquela marca em Severo, e ela não conseguiu segurar a pergunta que há tempos queria fazer.
- Como ele é? - ela perguntou sem retirar os olhos da marca.
- Ele quem?
-Você-Sabe... - ela não terminou a frase, lembrando-se do que Sirius havia dito - Voldemort.
Severo desviou o olhar de Anne com mágoa. Não gostava de lembrar do que havia acontecido na noite em que recebeu a marca, mas respondeu para que a irmã não pensasse que ele sentia isso.
- Ele é assustador. Parece que ele sabe o que estamos pensando, mas isso não faz a menor diferença para ele. Ele só está interessado no que podemos oferecer. Dá para perceber que ele é poderoso no instante em que o vemos.
Anne percebeu o desconforto do irmão, e se calou. O silêncio se tornou desagradável, e antes que Severo ficasse zangado, a garota decidiu ir embora.
- Eu vou embora. Amanhã eu volto para ter certeza de que a poção fez efeito.
- Faça como quiser - Severo respondeu dando de ombros com descaso.
Anne olhou com angústia para o irmão, pensando até quando ele iria agir dessa forma. A garota saiu do quarto e foi para a passagem. Enquanto voltava para o próprio quarto, ela pensou que dificilmente Severo esqueceria o que havia acontecido com a rapidez que ela queria que ele o fizesse. Quase como um protesto, ela pensou porque as coisas não poderiam ser como na época em que eram crianças, quando eles não faziam a menor idéia do que iria acontecer no futuro, quando Andrew era somente um pai ausente que deixava que a governanta cumprisse seu papel de pai. Mas as coisas haviam mudado. Anne e Severo nunca mais seriam os mesmos, e agora também não havia governanta para protegê-los de Andrew.
- Estamos sozinhos... - Anne disse e entrou no quarto soltando um suspiro.
Quando ela abriu os olhos e observou melhor o quarto, seu rosto empalideceu. Apesar da boca estar aberta, não saiu nenhum som dela. Anne só olhava fixamente para a sua frente, onde estava Andrew Snape lançando um olhar severo para a filha.
- O que deve fazer um pai que estava indo ao quarto da filha para saber se ela precisava de alguma coisa e não a encontra no quarto, quando o pai dela disse claramente que ela não deveria sair do quarto? - ele perguntou com frieza, enquanto Anne engolia em seco - E quando eu entro no quarto de minha filha, descubro que foi exatamente isso que ela fez, desobedecendo minha ordem, e, ainda por cima, eu descubro que você usou uma passagem e o elfo para desobedecer minhas ordens de você não sair do seu quarto - o pai praticamente gritou as últimas palavras, fazendo Anne fechar os olhos, assustada - Realmente eu subestimei você. - ele disse depois de uma pausa - Nunca pensei
que você fosse capaz de encontrar essa passagem, muito menos de sair do seu quarto.
Anne encarou o pai sem saber se a raiva que sentia era por causa do pai tê-la achado incompetente ou por causa das ações dele.
- Se você não pensou em cuidar de Severo, eu pensei! Ele estava doente, e foi tudo sua culpa! Você é um irresponsável! Seria melhor se você não fosse meu pai nem o de Severo! Eu queria que...
Mas Anne não terminou a frase. Antes que ela fizesse isso, a mão de Andrew acertou com força a face esquerda da filha.
Anne levou a mão ao rosto, e olhou com raiva para o pai antes de gritar.
- Eu odeio você! Odeio você! Eu quero que você morra!
Andrew mordeu o lábio, mas isso não foi suficiente para conter a sua raiva. Por mais duas vezes, Andrew atingiu o rosto da filha com a mão.
- Essa foi a última vez que você me ofendeu dessa forma, Adrianne! - ele disse, ríspido - Você vai aprender a não ser impertinente e a tratar as pessoas com mais respeito!
Andrew segurou o braço de Anne e, com força, jogou a filha na cama, deixando-a deitada com o rosto virado para o travesseiro, sem se importar com a dor que ela deveria estar sentindo.
Anne tentou sair da cama, mas Andrew não deu oportunidade para a filha fugir. Antes que ela fizesse isso, ele retirou da capa que vestia um cinto longo e fino de couro. Ao longo do cinto, havia vários espinhos de ferro que fizeram a garota estremecer de medo. Ela não podia acreditar que o pai iria fazer o que ela imaginava que ele iria fazer, mas ela não teve tempo para ter medo. Logo Andrew fez a filha deitar-se novamente com o rosto voltado para o colchão, e começou a acertar as costas de Anne com o cinto.
Assim que sentiu os espinhos do cinto entrando em sua pele pela primeira vez, Anne mordeu o lábio com força, fazendo-o sangrar. Ela não queria chorar, não queria que Andrew tivesse essa satisfação.
- Você não vai me ver sofrer... - ela sussurrou sem que o pai a ouvisse - Você não vai fazer eu chorar...
A garota continuou murmurando até que a dor foi mais forte, e ela, sem conseguir segurar mais as lágrimas, chorou. Era um choro silencioso, mas Andrew não se comoveu, e só parou quando achou que já era o suficiente.
- Espero que eu não tenha mais problemas com você.
Andrew foi embora enquanto Anne olhava fixamente para a parede. Uma última lágrima caiu antes que ela fechasse os olhos.
-x-x-x-
No dia seguinte, quando Anne acordou, a porta do quarto estava aberta. Ela sentia dores por todo o corpo, mas queria saber o que estava acontecendo, então levantou-se. Sua varinha estava em cima da cômoda ao lado da cama, e ela a segurou antes de sair do quarto.
Silenciosamente, Anne caminhou até o corredor que levava à sala de entrada, de onde achava estar vindo as vozes que ouvia, e quando alcançou a escada, parou ao ver o pai conversando de costas para a escada com uma senhora baixa e gorda, bastante familiar à Anne.
- Minha querida Adrianne! - a mulher exclamou com surpresa, e subiu as escadas correndo, sufocando Anne num abraço bastante apertado que só fez aumentar ainda mais as dores que ela sentia.
Anne olhou decepcionada para a mulher quando ela a soltou, e um sorriso amarelo surgiu no seu rosto.
- Oi... tia Tulipa...
- Como você cresceu, amorzinho! Parece que faz séculos desde a última vez que nós nos encontramos. Eu me lembro exatamente, foi três anos antes de você ir para Hogwarts. Foi no ano em que meu Fluffy quebrou a patinha...Ou foi quando Sweety teve filhotinhos?
Enquanto a tia ficava perdida em pensamentos, Anne pensou no motivo dela estar ali. Andrew, que acabava de subir as escadas, pareceu ter lido os pensamentos da filha e respondeu a dúvida da garota.
- Adrianne, eu e seu irmão teremos que viajar outra vez, e como eu não quis deixar você sozinha, sua tia aceitou gentilmente o meu convite para cuidar de você até nós voltarmos.
- Mas... - Anne olhou perplexa, sem conseguir imaginar em ter a tia cuidando dela - Como assim?
- Sua tia irá cuidar de você enquanto eu e Severo viajaremos. - Andrew respondeu com visível irritação - Será que você é estúpida o bastante para não entender isso? Espero que você seja mais esperta para obedecer às ordens de sua tia. Se você não se comportar, Tulipa tem toda minha aprovação para castigar você - Andrew sorriu sarcástico, e aos olhos de Anne, o pai nunca pareceu tão cruel como naquele momento.
- Não seja bobo, Andrew! Eu e Adrianne vamos nos divertir muito levando meus bebês para passear. Ela também pode me ajudar a costurar. Estou tecendo um casaquinho novo para Kelley. Acredite-me, nós vamos nos dar muito bem.
- É, eu acho que sim... - Andrew respondeu sem parecer convencido - Bem, Tulipa, eu tenho que ir. Severo está me esperando.
Andrew começou a caminhar pelo corredor, mas a voz de Tulipa vez o homem parar.
- Andrew, você não vai se despedir da sua filha?
Por alguns segundos, Andrew Snape pareceu não ter compreendido o que Tulipa havia dito, mas devido ao olhar curioso da velha senhora, ele não teve outra alternativa a não ser ir se despedir da filha.
- Adeus, Adrianne. - ele disse friamente antes de beijar o rosto da filha, e pelo olhar do pai, a garota percebeu que não deveria fazer nada, mas olhou para o pai com revolta, sem conseguir acreditar que um dia depois de espancá-la ele era capaz de beijá-la como se nada tivesse acontecido - Até a volta, Tulipa.
- Adeusinho, Andrew! - a mulher disse acenando para Andrew, que se afastou sem ver o gesto de Tulipa.
-x-x-x-
Fazia duas semanas que Andrew e Severo tinham viajado, e duas semanas que Tulipa cuidava de Anne. Apesar da garota ter toda liberdade para sair do castelo e entrar quando quisesse, Anne sentia-se tão presa quanto antes. Tulipa não dava um segundo de sossego para a sobrinha. A tia, para infelicidade de Anne, havia levado seus quatro cães para o castelo Snape, e diariamente a garota tinha que dar banho neles, pois Tulipa não confiava nos elfos, além de levá-los para passear várias vezes ao dia. Anne ainda tinha que suportar ver as fotos dos cachorros e escutar as histórias entediantes que tia Tulipa contava. Mas de forma nenhuma a garota queria que Andrew voltasse. As costas de Anne ainda doíam, e os machucados ainda estavam cicatrizando, por isso a garota dormia de bruços. A última pessoa que Anne queria ver era Andrew. E felizmente, quem entrou no quarto da garota depois de bater na porta não foi o pai.
- Senhorita Adrianne, Senhorita Adrianne, senhorita ter que descer imediatamente, senhorita Tulipa chamar você!
O elfo disse enquanto invadia o quarto de Anne, que não fez um movimento.
- Senhorita Adrianne? - preocupado, o elfo foi até a cama da garota e a cutucou.
- Skippy... - ela disse num murmúrio sonolento - Quantas vezes eu vou ter que dizer para você não fazer isso?
- Ser Senhorita Tulipa, ela querer ver você embaixo!
- Diga a ela que eu estou dormindo. E diga que eu não quero ser incomodada. Agora vá embora, diga isso para aquela bruxa velha, e não volte mais aqui, a não ser que você queira receber roupas!
O elfo olhou aterrorizado para Anne.
- Não, senhorita, Skippy ser bom, Skippy obedecer.
Fazendo várias mesuras, o elfo saiu do quarto da garota, e Anne, num suspiro aliviado, voltou a dormir. Até que a porta do quarto abriu mais uma vez.
- Skippy, eu disse para você ir embora!
- Adrianne! Eu pensei que Andrew havia ensinado você a receber melhor uma visita!
Quando a voz horrorizada de Tulipa se calou, Anne sentou-se com os olhos arregalados. Se havia entendido bem, a tia havia dito que ela tinha uma visita.
- Uma visita?! - ela perguntou incrédula - Para mim?
Tulipa não respondeu para a sobrinha, pois parecia estar ocupada falando com alguém que estava atrás dela. Os dois pareciam estar discutindo, e a discussão acabou somente quando Tulipa deu passagem para a pessoa que estava atrás dela entrar no quarto.
Se Anne ficou surpresa quando a tia disse que ela tinha uma visita, ela ficou mais surpresa ainda quando viu quem era a visita.
- O que você está fazendo aqui?
Com um sorriso brincalhão, Sirius Black respondeu.
- Se você não quer me receber, eu posso voltar em um outro dia...
- Não! Claro que não! - a garota gritou antes de sair da cama e abraçar o rapaz, uma atitude que Tulipa visivelmente reprovou, mas que não fez a menor diferença para Anne, até que a mulher resolveu interferir.
- Muito bem, que bom que você gostou de ver seu amigo, mas antes de vocês conversarem, você deve se vestir, Adrianne.
- Er... - a garota voltou-se para a tia, lembrando-se que ela estava no quarto - Claro, era o que eu ia dizer agora... Eu vou me arrumar e depois nós conversamos, então.
- Tudo bem. - Sirius piscou - Eu vou esperar, mas só se você não demorar.
- Perfeito, querida! Assim eu e Goyle podemos conversar mais!
- Goyle?! - a garota disse com surpresa, chamando a atenção de Tulipa e fazendo Sirius olhar com repreensão para ela.
- Adrianne, não seja boba! É o nome do seu amiguinho, não é?
- Sim, er... é claro que é, Goyle! Eu acho que eu... - ela fingiu um bocejo - Ainda devo estar com sono... Mas logo eu desço.
- Demore o tempo que precisar, querida. Estaremos na sala de visitas.
Anne mal conseguiu piscar antes que Tulipa empurrasse Sirius para fora do quarto, e o levasse para a sala de visitas. O mais rápido possível, Anne se vestiu, quase sem acreditar que Sirius estava na sala de visitas.
Depois que ela se arrumou, Anne desceu. Quando ela entrou na sala de visitas, encontrou a tia balançando o corpo de tanto rir, e Sirius com um sorriso animado.
- Adrianne, querida, porque você não disse antes que tinha um amigo tão espirituoso? Escondendo os seus melhores amigos, não é? Mas você está certa. Temos que ter cuidado com quem queremos bem - ela disse piscando o olho para Anne de modo maroto.
- Bem... ninguém nunca perguntou pelos meus amigos... - a garota respondeu corando levemente.
- Pois Andrew não sabe o que está perdendo. Goyle até já se ofereceu para levar meus bebezinhos para passear!
Sirius voltou-se para Anne, e disse pedindo desculpas com o olhar.
- Sua tia disse que você adorava os cães, então achei que seria uma ótima forma para passarmos o tempo.
- Oh, Goyle, Adrianne vai adorar levar meus fofinhos para passear com você junto! - assim que Tulipa terminou de falar, os quatro cães entraram na sala - Oh, meus bebês são tão espertos! Já sabem que vão ir passear. - Tulipa segurou um dos cães e levou-o até Sirius. Imediatamente, o cão começou a lambê-lo, deixando Anne irritada. Durante os últimos dias, os cães só haviam tentado mordê-la - Só fiquem fora por meia-hora! Meus fofinhos têm que comer.
- Está bem, tia Tulipa! - Sirius disse sorrindo para a mulher e depois saiu da sala com Anne e os cães.
- Tia?! - Anne perguntou com surpresa e ao mesmo tempo achando engraçado ver Sirius chamar uma mulher que não era sua tia de tia.
- Ora, não seja boba! - o rapaz disse imitando a voz de Tulipa, fazendo a garota rir, enquanto os dois saiam do castelo Snape.
- Mas o que você veio fazer aqui? - ela perguntou depois que conseguiu parar de rir.
- Eu vim visitar você, eu não disse que viria?
- Mas e se alguém estivesse aqui? Severo ou meu... - ela fez uma pequena pausa. Já fazia muito tempo que não dizia essa palavra - pai...?
- Meu pai é um Auror, esqueceu? O dever dele é saber de tudo o que está acontecendo, e eu ouvi ele dizer que seu pai tinha viajado com seu irmão, então eu vim ver você. Eu só não esperava encontrar alguém como sua tia, mas eu até que me saí bem.
- Você tinha que dizer que seu nome era Goyle?
- Sua tia é do tipo de pessoa que respeita dinheiro e poder, então para eu conquistar a simpatia dela, eu disse que era o Goyle, fingindo ser um filho de uma família rica e respeitável. - ele sorriu e piscou para Anne - E também eu tenho meu charme natural...
- Seu convencido! - ela reclamou, mas em seguida, segurou a mão de Sirius e disse com seriedade - Eu gostei muito de ver você, Sirius. Eu estava com saudades.
- Eu também senti sua falta, Annie. Por isso eu vim.
Os dois se encararam e sorriram um para o outro despreocupadamente antes de se beijarem.
- Mas eu também vim por outro motivo. - Sirius disse depois que se beijaram.
- Que motivo?
- Ah, não, depois eu conto. Primeiro temos que passear com os cachorros da sua tia.
- Isso não é justo! Você começou a falar, tem que terminar, Sirius!
- Depois você vai saber, baby.
- O que eu tenho que fazer para você me falar?
- Que tal esperar vinte minutos, Annie?
- Eu estou falando sobre você me falar agora, Sirius Black! - Anne parou de andar e cruzou os braços.
- Eu queria que você fosse menos impaciente! - ele disse num suspiro.
- Você vai falar ou não? - a garota perguntou ficando impaciente.
- Hum... - o rapaz ficou pensativo por alguns segundos - Não!
- Por que não, Sirius? - a garota perguntou com impaciência. A discussão estava começando a irritá-la.
- Primeiro os cachorros...
- Estou começando a achar que você dá mais importância a esses cachorros do que a mim! - ela disse fazendo uma careta irritada.
- Não é isso, Annie! É que eu não quero que a sua tia fique andando atrás de nós. Eu quero ficar sozinho com você, entendeu?
- Entendi... - ela concordou com a cabeça, mas voltou a olhar para Sirius com determinação - Mas você podia me dizer que outro motivo é esse!
- Se eu falar você vai querer largar esses cachorros aqui mesmo. E eu sei que você está querendo fazer exatamente isso mesmo sem eu falar o tal motivo.
- E isso é um problema? - a garota perguntou com um sorriso maroto no rosto - Cachorros são uma peste! - Sirius olhou magoado para a garota, e ela apressou-se em se corrigir. - Bem... nem todos os cachorros são uma peste. Ah, Sirius, os cachorros da tia Tulipa sempre me mordem!
- Eles estão com ciúmes, Annie. - ele disse segurando o queixo dela com a mão - Eles sabem que você prefere outro cachorro.
- Convencido - ela disse olhando mal-humorada para Sirius.
- Só estou dizendo a verdade, baby - o rapaz respondeu com uma ingenuidade fingida.
Anne andou de braços cruzados por alguns instantes antes de soltá-los.
- Eu odeio quando você tem razão!
Com um sorriso superior no rosto, Sirius virou-se para Anne e a beijou.
- Bem, acho que esses cachorros já passearam o bastante. Vamos voltar para o castelo.
Antes de entrarem no castelo, Tulipa saiu e foi até os dois jovens.
- Ow, meu bebezinhos, estão tão corados! O passeio deve ter sido ótimo! Vamos entrar, a mamãe preparou um lanchinho delicioso! - a mulher virou-se para Sirius e Anne como se somente agora os tivesse notado - Vocês também querem comer alguma coisa?
- Não, tia. - Anne apressou-se em responder - Eu vou mostrar as redondezas para Si - antes que ela terminasse, Sirius cutucou a garota. - Goyle.
- Está bem, queridinha, mas não demore muito, está ficando frio, e o que os pais do seu adorável amiguinho vão dizer se ele voltar para casa doente?
- Não se preocupe, tia Tulipa. - Sirius disse - Eu nunca fico doente. - ele apontou para os cachorros - É melhor você dar logo comida para eles, eles estão ficando inquietos.
- Você tem razão, amorzinho. - ela voltou-se para os cães - Vamos, meus queridinhos.
Seguida pelos cachorros, Tulipa voltou para o castelo. Assim que a tia entrou, Anne olhou imperativa para Sirius.
- Pronto, minha tia já está ocupada, não tem mais cachorro nenhum por aqui, qual é a desculpa que você vai inventar agora?
- Não tenho mais nenhuma desculpa. Vem comigo, Annie. - os olhos do rapaz brilharam quando ele segurou a garota pela mão.
Anne teve dificuldade em seguir os passos largos de Sirius. Os dois só pararam quando chegaram aos fundos do castelo.
- Aqui está. Eu comprei antes de vir para cá, queria que você fosse a primeira a ver - Sirius disse andando na direção de uma moto preta.
- Nossa... - a garota disse enquanto deu pequenos passos, ficando ao lado de Sirius - É demais! - ela olhou da moto para Sirius - Como seus pais deixaram você comprar uma moto?
- Se dependesse deles, eles não teriam deixado, mas eu já fiz dezessete anos. - ele sorriu para Anne - Quer dar uma volta? Eu trouxe comida, nós podemos fazer um piquenique, se você quiser.
- É claro que eu quero! Estou cansada de ficar nesse castelo! Para onde vamos?
- Ow, calma, garota! Nós vamos para um parque que fica aqui perto, em Godric's Hollow. Tem trouxas por lá, mas eles estão acostumados com magia.
- Então não vai ter problema nenhum se alguém ver uma moto voadora.
- Exatamente. Podemos ir sem nenhum problema. Quer dizer... - a empolgação desapareceu de Sirius - E a sua tia?
- Ela se preocupa mais com aqueles malditos cachorros do que comigo.
Sem mais nenhuma coisa impedindo o passeio, Sirius e Anne subiram na moto. A viagem até o parque de Godric's Hollow foi calma e divertida. Anne ficou maravilhada com a vista, e quando a moto aterrisou no parque, a garota desceu animada.
Sirius encontrou um bom lugar para eles ficarem, e com um feitiço, logo a comida estava posta no chão, em cima de uma toalha. Os dois, então, começaram a comer, e enquanto comeram, conversaram calmamente, agora que estavam sozinhos. Mas em um momento, Sirius percebeu que Anne estava mais reservada que o normal.
- Aconteceu alguma coisa, Annie? Você está um pouco distante... O que foi? - Sirius olhou gentilmente para a garota, segurando a mão dela.
Anne abaixou a cabeça. Havia tantas coisas a serem ditas, tantas que deveriam ser mantidas em segredo. Ela sentia culpa, mas não poderia contar para Sirius que Severo era um comensal. Ela continuou pensativa, sem saber o que responder para deixar Sirius menos preocupado.
- Sirius, Severo descobriu sobre nós.
Pela reação de Sirius, a garota respirou aliviada. Ele acreditou que era isso que a perturbava.
- Como ele descobriu? - o rapaz perguntou preocupado, mas não como antes.
- Foi depois da final de quadribol... Quando você me salvou, mas eu fui para a enfermaria... Quando eu acordei, Severo foi me ver, nós discutimos, e ele saiu irritado, mas depois ele voltou, e viu quando nos beijamos.
Sirius fechou a mão com raiva.
- O que ele fez? Ele contou para o seu pai? Annie, se o seu pai encostou um só dedo em você, eu não vou me segurar!
Anne estremeceu. Qualquer dúvida que ela tinha entre contar ou não contar o que Andrew havia feito com ela para Sirius desapareceu depois disso. Ela não queria colocar Sirius em risco, e se o rapaz tentasse algo contra Andrew, com certeza ele estaria em desvantagem.
- Calma, Sirius, não aconteceu nada. Severo não disse nada para ele. A única coisa que aconteceu foi que eu e meu irmão discutimos mais uma vez.
- E o seu pai? Não suspeitou de nada?
- Não, ele e Severo viajaram antes que ele pudesse perceber qualquer coisa. - a conversa começava a incomodar a garota, e ela mudou o assunto - E as suas férias, como foram até agora? Devem ter melhorado muito depois que você me viu.
Sirius olhou sério para Anne. A tentativa dela de mudar o assunto da conversa não passou despercebida, e isso fez ele ter certeza de que Anne estava escondendo alguma coisa.
- Annie, o que ele fez?
Anne desviou o olhar do de Sirius. Não conseguiria enganar se ele a olhasse daquela forma.
- Não aconteceu nada, Sirius! Se algo tivesse acontecido, eu falaria, com certeza! Eu confio em você mais do que em qualquer outra pessoa. Agora, se você não confia em mim e acha que eu estou escondendo algo, eu não posso fazer nada.
Sirius abaixou a cabeça, sentindo-se um bobo por ter achado que Anne estava escondendo algo e por tê-la pressionado tanto. Ele olhou para a garota pedindo desculpas com o sorriso, e para confortá-la, ele passou o braço pelas costas de Anne, mas assim que a pele do rapaz encostou na pele da garota, Anne estremeceu de dor.
- Está com frio? - Sirius disse percebendo o mal-estar de Anne.
- Não, é só... - ela se virou para o rapaz com um sorriso trêmulo que ao invés de acalmá-lo só deixou Sirius inquieto - Não foi nada. - ela respondeu com firmeza, recuperando o auto-controle, mas continuava pálida.
A garota não retirou os olhos de Sirius. Queria ter certeza de que ele não tinha se importado com o que havia acontecido, e que já tinha esquecido tudo. Se ele insistisse, ela não estava muito certa de que conseguiria esconder o que realmente havia acontecido com ela por muito tempo.
- Acho que devemos ir embora - o rapaz disse enquanto levantou-se, subitamente frio.
Sirius estava magoado por achar que Anne estava escondendo algo. O rapaz pensava que os dois já haviam superado a fase em que eles escondiam segredos um do outro, mas ele estava enganado. Porém, o rapaz decidiu não pressionar Anne. Quando ela tivesse pronta, ela falaria. E ele sentiu que não seria agora.
- Espera, Sirius. - a garota disse com tanta urgência que o rapaz sentou-se outra vez - Eu não quero ir agora...
Sirius disse um palavrão em pensamento, sentindo culpa por ter pensado que Anne estava escondendo algo. É claro que ela só deveria estar com medo de voltar para o castelo. Até ele teria medo de voltar para aquele castelo. A mágoa que sentiu desapareceu para dar lugar a um sorriso reconfortador, e sem perceber, colocou o braço outra vez nas costas de Anne, e como da outra vez, a garota estremeceu de dor.
- O que está acontecendo, Annie? - Sirius olhou bastante intrigado para a garota. Dessa vez, viu claramente o olhar de dor que ela fez - Você se machucou?
A garota deu um sorriso sem graça e nada convincente.
- Exatamente. Eu me machuquei com os cachorros de tia Tulipa.
- Annie, você já mentiu melhor. O que aconteceu? Você vai me dizer ou eu vou ter que brigar com você mais uma vez?
Anne mordeu o lábio com força e abaixou a cabeça, mas isso não impediu que algumas lágrimas caíssem. Ela estava hesitante, não sabia se contava a verdade ou não. Ela ficou assim até que levantou a cabeça, virou-se de costas para Sirius, e levantou a blusa que vestia.
Sirius olhou com horror. Pelas costas da garota, haviam várias feridas que ainda estava cicatrizando. Só pelo olhar o rapaz percebeu quanto o elas deveriam doer, e então entendeu porque Anne se afastou quando ele a tocou. Sirius fechou o punho com raiva. Sabia que só Andrew poderia ter feito aquilo. Naquele instante, ele odiou o pai da garota como nunca havia odiado ninguém antes, até mesmo mais do que a Voldemort. Sirius o odiou porque ao invés de proteger a filha, Andrew a machucava, e ficou sem entender porque um pai fazia algo assim com a filha. Somente um ódio imenso era capaz de fazer algo assim, e esse tipo de ódio só podia ser imaginado quando a pessoa era capaz de odiar na mesma medida. Naquele momento, Sirius prometeu a si mesmo que protegeria Anne para sempre. E não iria deixar para depois.
- Para onde o seu pai viajou? - ele perguntou sério, olhando firme para Anne.
- Sirius, você não vai atrás dele! Eu não vou deixar!
- Onde. Ele. Está.
As palavras saíram com tanta determinação que a garota não conseguiu mais lutar.
- Eu não sei. Ele não disse para onde estava indo. E se eu soubesse, não diria. Eu não vou deixar você morrer.
Sirius olhou com fúria para Anne.
- Como você pode querer proteger ele depois do que ele fez? Ele pode ser seu pai, mas ele não tem direito de fazer algo assim com você, Annie!
- Sirius, entenda, ele não se importa com isso! Se você fosse atrás dele, ele... ele... - a garota não terminou a frase, a idéia de Andrew tirar Sirius dela para sempre a assustou mais do que tudo.
- Ele nunca mais faria coisa alguma contra você!
- Não, Sirius, ele faria pior. Ele me castigaria com mais violência do que dessa vez.
- Annie, se seu pai machucou você, eu não posso ficar aqui parado esperando para que ele faça o mesmo outra vez! Eu tenho que proteger você desse... - o rapaz relutava em terminar a frase, com medo de talvez magoar Anne, mas ele não conseguiu ficar calado -...desse monstro!
- Ele não quer ficar perto de mim, Sirius! Ele está viajando por causa disso, e com certeza ele vai voltar três dias antes das aulas começarem! Não estrague tudo!
- Eu estou querendo proteger você, e você quer me impedir?! O que aconteceu com você? Você quer que seu pai mate você?
- Ele não correria esse risco, Sirius. Eu estou segura aqui, de certa forma! E quando eu estiver em Hogwarts, ele não vai poder me atingir.
Sirius abaixou os olhos, pensando que tudo o que Anne havia dito não poderia ser mais contraditório. Ela estava segura porque estava na mesma casa do homem que queria vê-la morta. Mas ele concordou que em Hogwarts Andrew não poderia machucá-la. Quando o sétimo ano começasse... O sétimo ano... Imediatamente, Sirius olhou com urgência para Anne.
- Mas e quando não tiver mais Hogwarts? Esse é o nosso último ano, esqueceu?
Anne olhou quase com desespero para Sirius. Durante os últimos dias, ela havia pensado muito nisso, e não encontrou nenhuma solução. Ela terminaria Hogwarts, e depois disso, não teria como fugir de Andrew.
- Depois eu penso nisso, mas, por favor, esqueça o meu pai!
- Se seu pai tocar um dedo em você, eu juro, ele não vai ter muito tempo para pensar no que fazer com você.
Anne assustou-se com o tom de voz de Sirius. Pela primeira vez, ela pensou que se o rapaz encontrasse com Andrew estando nesse estado de fúria, talvez ele tivesse alguma chance.
- Sirius, não faça nada! Em novembro eu faço 17, e eu vou poder fazer o que bem quiser!
Sirius olhou para Anne com o rosto iluminado.
- Você faz 17 em novembro?
Se fosse outra situação, ela ficaria irritada com ele, achando que ele tinha esquecido o dia do aniversário dela, mas naquele momento, ela só respondeu com impaciência.
- Sim, e daí?
- Quando terminarmos o sétimo ano, você vai para minha casa comigo. - ele disse determinado.
- Você enlouqueceu! - Anne disse com surpresa, levantando-se de uma vez - Ele vai vir atrás de mim, e você não vai poder fazer nada!
- Seu pai não vai poder fazer nada porque você vai ser maior de idade, e pelas leis, você vai poder fazer o que quiser.
- Isso é loucura, Sirius! O que seus pais vão dizer? O que as outras pessoas vão dizer?
- Pouco me importa o que o mundo pense! Eu me preocupo mais com você do que com eles!
- Não vai dar certo, Sirius, ele...
- Ele não vai fazer nada - o rapaz disse, mais determinado ainda. - Eu não vou deixar, minha família não vai deixar, e se ele tentar, como você disse, ele é que sairá prejudicado. Então? O que você diz, Annie?
A garota ficou pensativa. Ela achava que Sirius tinha um pouco de razão, mas Anne ainda tinha medo do pai.
- Eu não sei... É tudo tão arriscado... Eu tenho medo...
- Você não precisa ter medo de nada. - ele disse, e em seguida, abraçou a garota - Eu vou cuidar de você. - ele beijou a testa de Anne - Está decidido. Quando terminarmos a escola, você vai para casa comigo, e nada vai me impedir.
Abraçada a Sirius, Anne só podia desejar que tudo aquilo se tornasse realidade, e que ela ficasse longe de Andrew para sempre. Naquele momento, não passava pela cabeça dos dois que nada daquilo iria acontecer. Nem que eles seriam os culpados.
