21. ESCURIDÃO



Dias depois da reunião no castelo Malfoy, Anne foi convidada a participar de um ataque a um dos inomináveis. Ela foi. O primeiro convite foi seguido por mais outros dois, até que finalmente ela recebeu um convite para uma reunião com Lord Voldemort.

A coruja havia chegado quando Anne estava trabalhando, então foi Bartolomeu que recebeu o recado, e a avisou assim que ela chegou ao apartamento.

- Chegou isso para você. - ele disse beijando Anne no rosto quando ela entrou - Ele quer se encontrar com você amanhã!

Anne tomou o pergaminho das mãos do rapaz, mas não o leu. Enquanto olhava para o papel, ela pensava em todas as coisas que havia feito nas últimas semanas. Havia matado, havia torturado, tudo para provar que poderia fazer isso e que depois poderia simplesmente esquecer tudo e voltar à antiga rotina, mas aquilo a afetou mais do que ela poderia entender.

No começo, Anne descontava todas as suas frustrações no que fazia. Cada tortura era a sua vingança contra o pai, contra todas as coisas que ela quis mas não pôde ter, mas aos poucos, Anne foi perdendo o controle. Matar estava se tornando habitual.

- O que ele quer?

Bartolomeu abraçou Anne.

- Ele deve ter percebido que você é uma das melhores agentes que ele poderia ter. E uma das mais bonitas também... - ele disse beijando o rosto e o pescoço de Anne, mas ela o afastou, e o encarou seriamente.

- Ele quer que eu... - ela disse, incrédula - Quer que eu me torne um Comensal?!

- Qual é a surpresa? - o rapaz disse sorrindo - Mais cedo ou mais tarde isso aconteceria, Adrianne! Ele deve estar bastante satisfeito com você, demorou mais de um mês para ele me dar a marca.

Anne se soltou dos braços de Bartolomeu, e sentou-se no sofá. No dia seguinte iria se encontrar com o bruxo mais temido da atualidade, e teria que jurar fidelidade a ele, por mais que fosse contra os propósitos de Voldemort. Ela não se importava tanto com o que iria acontecer com os trouxas, mas não achava que os bruxos deveriam ser dominados somente por uma única pessoa, muito menos por Voldemort. Só havia um jeito de evitar ter que ir à reunião: fugir e deixar tudo para trás.

- O que foi? - Bartolomeu sentou-se ao lado de Anne, e passou os braços sobre o ombro dela antes de perguntar num tom compreensivo - Está com medo?

Anne balançou a cabeça, e olhou com insegurança para o rapaz.

- Não é isso, é que... Eu não sinto que estou preparada.

- Talvez você ainda não tenha compreendido o significado da luta de Voldemort...

- Como você soube que estava pronto, Bartô?

O rapaz ficou em silêncio. Não gostava de pensar no pai, e uma das razões por ter se tornado um Comensal havia sido seu pai.

- Quando eu era criança, eu tinha um pai que era meu herói. Daí eu cresci, e percebi que meu pai não era a grande pessoa que eu julguei que fosse. Só podia ser algum problema dele, e quando encontrei Voldemort, percebi o que era. Meu pai não tem paixão pelo que faz, só quer mandar. Lord Voldemort quer o poder, mas ele tem paixão.

Anne concordou com a cabeça. O rapaz deveria ter se decepcionado muito com o pai para ter se tornado um Comensal, mas também deveria ter tido muita coragem para fazê-lo.

- Eu acho que eu entendo, Bartô...

Bartolomeu beijou a testa de Anne.

- É por isso que eu gosto de você, Adrianne. - ele sorriu para ela - Você me entende como ninguém nunca entendeu antes.

Em seguida, Bartolomeu segurou a mão de Anne e a entrelaçou à sua. Então Anne percebeu que Bartolomeu teria ficado com ela mesmo se ela não quisesse ser um Comensal, pois o que ele precisava era de carinho e compreensão, da mesma forma como ela sempre precisou e só soube disso quando conheceu Sirius.

As mãos de Anne encostaram delicadamente no rosto de Bartolomeu, e antes de beijar os lábios dele, sussurrou.

- Eu amo você, Bartô.

Enquanto se beijavam, Anne decidiu que não iria fugir, pois viu em Bartolomeu o que ela deveria ter sido quando estava com Sirius, e fugir seria como se abandonasse o que ela havia sido.

-x-x-x-

Anne abriu os olhos, sem reconhecer onde estava. Há poucos minutos estava no apartamento, com Bartolomeu a encorajando. No instante seguinte, ele a aparatou, e agora estava naquela floresta.

- Por que você me aparatou?

- Só os Comensais sabem onde fica a câmara de Lord Voldemort, mas logo você vai saber onde estamos.

Anne concordou com a cabeça, e seguiu o rapaz pela floresta. Não ouviram nenhum som nem viram algum animal enquanto caminhavam, e isso fazia aquela floresta parecer mais assustadora que a Floresta Proibida de Hogwarts. As árvores pareciam estar observando tudo o que ela e Bartolomeu faziam, e sentindo uma onda de medo, ela cruzou os braços num gesto defensivo.

Os dois caminharam naquele labirinto de árvores por quase uma hora, até que encontraram uma clareira com uma árvore ao centro. Bartolomeu andou na direção da árvore, e voltou-se para Anne.

- Segure minha mão.

Anne olhou com dúvida.

- Nós vamos entrar na árvore?

- Não! - ele respondeu em uma risada - Vamos logo, já devemos estar atrasados.

E sem esperar pela resposta de Anne, Bartolomeu segurou a mão de Anne e caminhou em direção à árvore. Eles a atravessaram, mas ao invés de pararem do outro lado da árvore, Anne e Bartolomeu se viram em uma sala de entrada de um luxuoso castelo.

- Mas... Onde estamos, como viemos parar aqui? E a árvore?

Anne perguntou muito confusa, e Bartolomeu sorriu, se divertindo com isso.

- A árvore não existe, ela é uma ilusão. Na verdade, ela é um disfarce para a porta do castelo.

- Castelo? - ela perguntou com surpresa, não esperava que o esconderijo de Voldemort fosse tão grandioso.

- Claro, o que você esperava?! - ele riu - Uma caverna no meio da Floresta Proibida?

Nesse momento, uma porta abriu, e Lúcio Malfoy foi até o casal.

- Vocês estão atrasados. - ele disse severo - Milorde estava perguntando por vocês.

- Tivemos um problema para encontrar a entrada - o rapaz respondeu com humildade.

- Se encontrar a entrada fosse fácil, aquele idiota do Dumbledore já saberia onde fica o castelo de Lord Voldemort - ele disse repreendendo Bartolomeu, e antes que o rapaz pudesse responder, Malfoy entrou pela porta.

- Maldito bastardo... - Bartolomeu murmurou antes de entrar pela mesma porta.

Anne hesitou por alguns segundos, mas seguiu o rapaz, e entrou em um salão.

No salão, quinze bruxos encapuzados conversavam entre si, mas o que atraiu a atenção de Anne foi o bruxo com quem Malfoy conversava. Era Lord Voldemort. À primeira vista, ele não parecia ser o bruxo poderoso que aterrorizava tantos bruxos. Seu corpo magro e pálido poderia ser quebrado em dois facilmente, mas os olhos vermelhos irradiavam toda a força que o bruxo tinha.

Lord Voldemort estava sentado em uma espécie de trono, e encarava todos os bruxos ciente de sua posição superior. Seus gestos, seu olhar, tudo deixava claro quão poderoso ele era.

Assim que viu Anne entrar, Lord Voldemort ergueu a mão, e Malfoy se calou. Com um gesto discreto, mas imperativo, ele chamou Anne. Bartolomeu apertou a mão de Anne com força, e sussurrou no ouvido dela.

- Vá até ele, e não esqueça de demonstrar respeito.

Com a perna tremendo e dando passos curtos, Anne foi até Voldemort. Foi somente aí que ela viu a enorme cobra que estava aos pés do bruxo, mas tentando se controlar, ela se ajoelhou na frente dele.

- Milorde... - ela disse, e se levantou.

- Ouvi falar muito de você, Snape... Seus serviços foram de grande valia para mim... - ele disse num tom frio enquanto a analisava - Seu pai foi um dos meus melhores Comensais, mas ele errou quando não viu o potencial que havia em você.

- Obrigada, milorde. - as palavras saíram de sua boca sem que ela percebesse - Estou honrada em servi-lo.

Anne ajoelhou-se mais uma vez, e depois que ela se afastou, Lord Voldemort levantou-se. Os bruxos no salão se calaram, e olharam para o Lord das Trevas.

- Mais uma vez nos reunimos, meus caros Comensais, e mais uma vez nos reunimos para celebrar nossos avanços. Ontem, um dos amigos íntimos de Potter aliou-se a nós. Ele será um aliado de grande valor. Temos duas missões em andamento, e as duas indo muito bem. Além disso, poderosos bruxos irão unir-se a nós hoje.

Malfoy entregou uma varinha a Voldemort orgulhosamente.

- Snape, venha a mim.

Anne voltou-se para Bartolomeu, com esperança de que ele a levasse para longe dali, mas ele só acenou com a cabeça, indicando que ela deveria ir. Ela mordeu os lábios, e enquanto tentava parecer decidida, ela caminhou novamente até Voldemort.

O bruxo apontou a varinha na direção de Anne, e como se estivesse enfeitiçado, ela ergueu o braço esquerdo. Voldemort disse um feitiço, mas Anne não ouviu. Não conseguia tirar os olhos do poderoso bruxo, e começava a entender o que Bartolomeu quis dizer quando disse que Voldemort tinha paixão, mas ela enxergou algo que o rapaz não viu. Ela viu que o Lord das Trevas não se importava com nada além da paixão pelo poder.

Assim que Voldemort disse o feitiço, ele encostou a varinha na pele de Anne. Por um segundo, ela sentiu o que Voldemort sentia, mas quase ao mesmo instante, o feitiço percorreu todo o seu corpo, até parar no braço esquerdo. A dor que Anne sentiu foi incalculável. Sem se importar com os Comensais, ela deixou que as lágrimas de dor caíssem, mal conseguindo manter-se ajoelhada. Seu rosto empalideceu, e no braço de Anne, em vermelho vivo, estava o desenho de uma caveira com uma cobra saindo de sua boca.

Voldemort olhou para Anne com os olhos semicerrados. Com certeza havia fúria e ódio nela, mas havia uma coisa que ele não conseguia identificar.

- Agora estamos unidos. Eu verei o que você verá, e você sempre virá a mim quando necessário. Seja bem-vinda, Adrianne Snape.

Lord Voldemort se sentou, e Bartolomeu foi até Anne, ajudando-a a se levantar, enquanto os outros Comensais aplaudiam furiosamente.

-x-x-x-

Por três dias, Anne não conseguiu dormir. A dor no braço era terrível, e se não fosse os cuidados de Bartolomeu, ela não sabia se teria conseguido suportar.

No quarto dia, Anne, já se sentindo melhor, levantou-se da cama.

- O que a senhorita pensa que está fazendo? - Bartolomeu perguntou quando viu Anne - Você ainda está fraca, volte para a cama, Adrianne.

- Bartô, eu já estou me sentindo melhor! Se eu ficar deitada naquela cama, eu nunca vou ficar boa.

- De jeito nenhum, mocinha. Volte para a cama, eu vou fazer uma sopa.

- Eu estou enjoada de comer só sopa!

- Você não estaria dizendo isso se eu não estivesse cuidando de você. - ele foi até Anne, e passando a mão na cintura dela, a levou de volta para a cama - Eu não quero que nada aconteça com você, querida.

Bartolomeu beijou os lábios de Anne, e em seguida, saiu do quarto. Ela estava um pouco cansada, e fechou os olhos, mas o barulho de vozes vindas da sala fez ela se sentar na cama.

- Onde está a Anne? Eu tenho que ver ela!

- Você não pode, ela ainda está fraca!

- Não importa como ela esteja, eu vou falar com ela, quer você queira ou não!

Anne se levantou, mas antes que saísse do quarto, Severo entrou, sendo seguido por Bartolomeu, que parecia bastante contrariado.

Os dois irmãos se encararam. Desde que havia deixado o castelo Snape, Anne não recebia nenhuma notícia de Severo, e agora ele estava na sua frente. Ela sentiu um impulso de abraçar o irmão, mas ele desviou o olhar para o braço esquerdo dela.

- Então é verdade? - ele disse com raiva - Você recebeu a Marca!? Porque?

Os lábios de Severo se contraíram em uma linha fina, e Anne o olhou com fúria.

- Como você se atreve a querer satisfações depois de tanto tempo sem responder às minhas cartas, Severo?! Você pensou o que, que eu ia receber você como se não tivesse acontecido nada?

- Anne, você faz a menor idéia do que você fez?! - ele perguntou com fúria - Claro que não! - Severo disse com desprezo - Você nunca pensa no que vai acontecer depois que mete uma idéia idiota na cabeça!

- Desculpe, mas você também não tem uma Marca em seu braço? - Anne perguntou em tom ofendido.

- Eu fiz isso por você! - ele disse num sussurro raivoso.

- Você não tem o direito de pôr a culpa em mim, Severo! Eu nunca pedi que você fizesse nada por mim!

Severo fechou o pulso, e disse entre os dentes, em tom ameaçador.

- Eu pensei que eu estava te protegendo, Anne, mas eu nunca pensei que deveria ter te protegido de você mesma. Você não faz idéia do que está fazendo com a sua vida.

- Como você mesmo disse, essa é minha vida, e eu faço dela o que bem entender!

- Está bem. Destrua a sua vida. Eu não farei mais nada para impedir você.

Em seguida, Severo aparatou, e Anne fechou os olhos, sentindo as pernas fraquejarem, mas Bartolomeu a segurou.

- Eu estou bem, Bartô!

- Eu disse que você ainda não estava forte, Adrianne! - ele a repreendeu.

- Não foi culpa sua, Bartô... Severo teria entrado de qualquer jeito.

- É melhor você se deitar, e descansar. Você já teve emoções o bastante por hoje.

Ele deitou Anne na cama, a cobriu, e a beijou na testa antes de sair do quarto, mas ela não dormiu. Severo estava certo quando disse que ela não sabia o que estava fazendo consigo mesma. Anne não imaginava que sentiria uma dor tão forte como aquela. Bartolomeu pareceu sempre tão tranqüilo, nunca demonstrou sentir dor nenhuma. Ele deveria ter um autocontrole muito alto para não demonstrar o que a Marca de Voldemort fazia com ele. Anne não sabia se seria capaz de fazer o mesmo, mas tentaria.

Quase sem perceber que o fez, Anne dormiu.

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Anne andava pelos corredores do prédio do Ministério de Magia sem saber como conseguia encarar todos aqueles bruxos, e imaginando o que eles fariam se vissem a Marca no seu braço esquerdo, mas, precavida, ela usava uma veste azul-escuro que cobria totalmente os braços.

Depois de uma semana sem ir ao trabalho por causa das dores no braço, ela estava de volta ao Ministério, e sem prestar atenção à mesa vazia ao seu lado, começou a trabalhar. Ela ficou organizando os arquivos até que ouviu passos, e logo depois, a familiar voz de Meg.

- Finalmente resolveu aparecer, Adrianne!

- Meg!? - ela disse, surpresa - Já voltou das férias?

- Agora não é mais Meg. É senhora Brocklehurst! - ela disse sorrindo, e para que a colega não pensasse que havia algo errado, Anne sorriu também.

- Como foi a viagem?

- Maravilhosa! Adrianne, se algum dia você puder ir para a Grécia, você deve ir. As poções gregas são inacreditáveis, eles têm uma tradição mágica fascinante!

Nesse momento, Anne sentiu o braço esquerdo arder, e levou a mão a ele, deixando a dor transparecer numa expressão de dor.

- O que foi, Adrianne? - Meg perguntou em tom urgente - Levante essa manga, eu examino o seu braço.

A dor se espalhava por todo o braço, que já estava dormente, e foi com dificuldade que Anne sorriu.

- Não, Meg, realmente, eu não preciso... - ela sentiu uma dor mais forte, e fez outra careta de dor - Já vai passar.

- Não é melhor você ir procurar um médico?

Tudo o que Anne queria era ficar longe de Meg. A colega era inteligente, e com certeza não iria acreditar em qualquer desculpa que ela inventasse.

- Boa idéia. Eu vou agora mesmo para a enfermaria.

Anne apressou-se em concordar, e antes que Meg se oferecesse para acompanhá-la, ela saiu do escritório e foi para o banheiro.

Depois de se trancar em um box, Anne levantou a manga, percebendo porque o braço doía. A Marca estava em vermelho-vivo, e ela se lembrou do que Bartolomeu havia dito. Quando a Marca estivesse num vermelho forte, significava que Voldemort queria encontrar os Comensais, e que ela só deveria aparatar. A Marca a levaria até o Lord das Trevas.

Com um suspiro, Anne tentou ignorar a dor, e pensando com determinação que algum dia suportaria os efeitos da Marca como Bartolomeu, aparatou, sem saber que nunca conseguiria se acostumar à Marca.

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Aos poucos, Anne se tornou um dos melhores Comensais de Voldemort. Ela tinha a frieza necessária para torturar e matar, e era eficiente nos ataques. Alguns Comensais a invejavam, especialmente os novatos, que queriam saber o que precisavam ter para serem como a jovem. Eles não sabiam que Anne agia assim porque havia desistido de lutar. Ela não se importava com o que aconteceria no mundo bruxo por causa dessa guerra, ou com Severo, Bartolomeu, e principalmente, não se importava com o que iria acontecer com ela.

Não faria diferença se sobrevivesse ou não, se Voldemort conseguiria atingir os seus objetivos ou se seria derrotado, pois ela já havia perdido sua liberdade. E o irônico é que ela havia saído de casa para lutar por sua liberdade, mas agora estava presa a um bruxo por uma Marca em seu braço.

- Querida, chegou uma coruja para você.

Anne largou o livro que estava lendo e pegou a carta que a ave trazia.

- Aquele idiota do Crabbe vai pôr tudo a perder se continuar me mandando corujas! - ela disse com raiva.

- O que foi dessa vez? - Bartolomeu perguntou colocando as mãos no ombro de Anne e massageando-os - Merlin, nunca vi alguém mais incompetente que esse Crabbe!

- Ele é um inútil. Não sei como ele conseguiu se tornar um Comensal. Talvez Voldemort sinta piedade, afinal!

Anne se soltou das mãos de Bartolomeu e voltou a ler. O rapaz olhou com impaciência para ela. Ele observou que ela o tratava com frieza, quase indiferença, e quando ele a beijava, Bartolomeu sentia que ela não correspondia com o mesmo desejo de quando acabaram de se conhecer.

- Adrianne, eu quero...

Mas Bartolomeu não terminou a frase. Uma outra coruja entrava no apartamento, sobrevoando o teto com nervosismo, até que soltou o pergaminho que segurava nas patas.

- Não me diga que é o Crabbe outra vez? - Anne perguntou com impaciência.

- Não... - Bartolomeu disse, a voz tremendo - É minha mãe, ela passou mal. Eu preciso vê-la.

- Mas e a missão? O que eu digo para eles? - ela perguntou com irritação.

- Você é a encarregada da missão, não deve dar satisfações a ninguém além de Voldemort. Se alguém perguntar, diga que eu fui designado para uma missão de última hora - Bartolomeu disse em tom impaciente.

Anne ergueu as sobrancelhas e perguntou irritada.

- Sinceramente, você acha que alguém vai acreditar nisso? E minha imagem de líder? Quem vai me obedecer se eu não consigo nem mandar no homem que dorme comigo?

- Sinceramente, eu não me importo! - ele disse com raiva, e aparatou.

Anne olhou irritada para o ponto onde Bartolomeu estivera. As brigas entre os dois eram cada vez mais comuns, e ela sabia que era ela quem estava errando, mas não se preocupava em mudar. Anne se sentiria melhor se Bartolomeu fosse embora de uma vez por todas. Ela não queria ter que se preocupar com ninguém.

Anne continuou lendo até que se aproximou a hora em que deveria encontrar-se com os outros Comensais. Ela e outros treze Comensais se encontrariam na floresta onde o castelo de Voldemort ficava escondido à meia noite e iriam até a casa dos Potter com a missão de matar Potter e o bebê que havia nascido três meses antes. Voldemort não aceitaria que essa missão falhasse. O espião de Voldemort havia dito que os Potter souberam, através de um espião de Dumbledore infiltrado na Ordem das Trevas, que estavam sendo perseguidos, e o Lord das Trevas queria os Potter mortos antes que eles conseguissem se esconder.

Anne não sabia o motivo pelo qual Voldemort queria matar os Potter, e não se importava. Só estava preocupada em concluir a missão, e se não conseguisse, não perderia nada. Estava morta há muito tempo.

Um pouco antes da meia noite, Anne chegou na floresta, e caminhou até a clareira. Aos poucos, os outros treze Comensais chegaram, entre eles, Lúcio Malfoy, Phillip Crabbe e Augustus Avery, que foram falar com Anne.

- Temos más notícias. Parece que os Potter não estão em casa. - Malfoy disse com um sorriso satisfeito. Não achava que Anne deveria liderar a missão - Acho melhor adiar a missão.

- De forma nenhuma, Malfoy! - Anne disse determinada - Essa pode ser nossa última chance de pegar os Potter antes que eles se escondam. Nós acamparemos em algum lugar próximo, e quando eles voltarem para casa, atacaremos.

Malfoy olhou com raiva para Anne. Não poderia fazer nada além de concordar, não queria ser tomado por covarde.

- Está bem, mas se algo der errado, a culpa será totalmente sua.

- Eu assumirei o que acontecer, tanto a derrota quanto a vitória.

Ela deu as costas a Malfoy, e se afastou. Não queria que o outro bruxo visse como aquela missão a afetava. Tiago Potter era amigo íntimo de Sirius, e talvez encontrasse o rapaz lá. Ele nunca abandonaria uma pessoa querida. Exceto ela, ela pensou com tristeza, mas balançou a cabeça, ignorando esses pensamentos.

-x-x-x-

Os catorze Comensais acamparam em um terreno próximo à casa dos Potter. Eles estavam protegidos graças a inúmeros feitiços, inclusive o feitiço para impedir que eles não fizessem magia, que Anne havia estudado meses antes. Fazia frio, e o céu nublado indicava que poderia chover.

Alheia a isso, Anne estava em pé, observando a casa dos Potter. Qualquer sinal de pessoas em casa, ela ordenaria o ataque, mas nada acontecia. Ela se recusava a acreditar que os Potter já haviam fugido, mas era isso que parecia ter acontecido.

- O que você encontrou? - Anne perguntou quando Crabbe voltou. Ele havia sido mandado até a casa dos Potter para verificar se havia alguém na casa.

- Não tem ninguém lá... - ele cruzou os braços tentando se esquentar - Nossa, essa deve ser a noite mais fria do ano!

Anne fechou os olhos, se segurando para não apontar a varinha para o bruxo e matá-lo ali mesmo.

- Você viu alguma comida, roupa?

- Não... Eu não entrei na casa... - ele olhou aturdido - Eu deveria ter entrado?

Anne olhou com raiva para o bruxo, que se encolheu.

- Saia. Da minha. Frente. Seu idiota!

Crabbe não esperou que Anne mudasse de idéia, e se afastou.

- Ele não fez o que deveria ter feito, não é?

A voz de Malfoy soou atrás de Anne, e ela voltou-se para o bruxo, que continuou.

- Você deveria ter calculado certos imprevistos, mas acho que a culpa não é sua. - ele fez uma pausa - Voldemort não deveria ter escolhido você como líder de uma missão tão importante.

Anne ergueu a varinha com fúria, mas antes que pudesse dizer um feitiço, viu Crabbe em frente a uma fogueira, enquanto um raio iluminou o acampamento.

- Seu incompetente!

Enquanto ela caminhava furiosa em direção ao bruxo, ouviu-se um trovão, e a chuva começou a cair.

- Idiota! O terreno está protegido, mas qualquer um que ver a fumaça dessa fogueira saberá onde estamos! - ela brigou com o bruxo, ignorando a chuva que a ensopava.

- Pe... perdão, eu, er, eu... - Crabbe gaguejou, nervoso, mas mesmo assim, Anne continuou.

- Quem indicou esse imbecil para a missão!? - ela voltou-se para os outros Comensais com o rosto vermelho de raiva - Quem foi?!

A chuva e a escuridão faziam com que ela não enxergasse nada, mas um outro relâmpago fez com que Anne visse o sorriso satisfeito de Malfoy, e num instante ela percebeu a verdade. Ele havia indicado Crabbe para a missão porque sabia que ele iria estragar tudo, e assim, Anne saberia o que Voldemort fazia com um Comensal que fracassava. Ela apontou a varinha para Malfoy, sem saber que o bruxo escondeu uma informação o tempo todo. A Ordem da Fênix sabia que eles atacariam os Potter naquela noite.

- Malfoy, seu maldito...

O final da frase de Anne foi substituído por um grito de um dos Comensais, enquanto os outros olhavam aturdidos. No instante seguinte, eles ouviram uma voz feminina dizer um feitiço, e a varinha de Anne foi para longe, enquanto que ao redor dos Comensais, vários bruxos surgiram do nada, todos apontando as varinhas e gritando feitiços.

- Maldição! - Anne disse com raiva, ajoelhando-se para procurar a varinha, e ignorando a batalha que acontecia ao seu lado - Maldição, maldição!

Os bruxos da Ordem da Fênix haviam descoberto o plano de Voldemort, e assim que viram a fumaça, foram ao esconderijo dos Comensais, esperando a hora certa para atacar, e sob as ordens de Arabella Figg, os bruxos da Ordem da Fênix começaram o ataque.

Malfoy aparatou assim que percebeu que estavam sendo atacados, e o imitando, Crabbe e Avery também desapareceram. Anne só não os imitou porque precisava encontrar a varinha. Os outros estavam aturdidos demais com o ataque surpresa para escaparem.

Ao lado de Anne, alguns Comensais eram atingidos pelos feitiços Crucio, Impedimenta e Estupefaça, mas os que continuavam em pé começaram a reagir e a lançar feitiços contra os bruxos da Ordem de Dumbledore. Em pouco tempo, a vantagem dos bruxos da Ordem da Fênix havia desaparecido, e era impossível dizer quem havia perdido mais bruxos.

Anne continuava procurando sua varinha, só se lembrando que estava no meio de uma batalha quando um Comensal caiu em sua frente, ainda tremendo por causa do feitiço, com o rosto manchado de sangue, e o pavor que sentia no olhar. Ela ignorou o homem à sua frente, e continuou a tatear na lama, mas não conseguia encontrar a varinha.

Anne estava quase desistindo quando viu sua varinha perto do pé de um Comensal. Ela correu até a varinha, segurando-a antes que o homem pisasse nela, e se levantando em seguida. Estava prestes a aparatar, mas um feitiço Impedimenta a atingiu antes que pudesse desaparecer, jogando-a para longe.

Por alguns instantes, ela não conseguiu se mover, mas estava decidida a não deixar ser dominada pela vontade de ficar parada. Juntando toda a sua determinação, Anne se concentrou para que o feitiço não fizesse efeito. Nunca havia feito algo tão difícil. Era tentador ficar simplesmente deitada, vendo tudo acontecer, mas ela conseguiu resistir. Apesar disso, não estava em condições de aparatar. O esforço a deixou tonta, e além de se sentir fraca, não enxergava direito. Também não conseguia se levantar, mas sabia que quando se sentisse melhor, poderia levantar.

Anne piscou e balançou a cabeça, desorientada. Ela fechou os olhos, e quando os abriu, as imagens voltaram a entrar em foco. Foi então que ela percebeu que uma pessoa estava indo a sua direção. Ela parou de respirar por alguns segundos. Era Sirius.

Fazia mais de dois anos que ela não via Sirius, mas o coração bateu acelerado do mesmo modo que batia quando o via em Hogwarts, e sem querer, desejou que ele sentisse o mesmo. Anne se amaldiçoou por isso, e olhou para Sirius com uma mistura de fúria e orgulho.

Enquanto ele se aproximava, Anne o observou melhor. O rosto dele estava pálido, mas seus olhos ardiam, transmitindo uma determinação que fez Anne se lembrar do dia em que ele disse que ela iria para a casa dele no final do sétimo ano, mas havia algo mais. Era como se nesses dois anos, ele tivesse vivido vinte. Ele não parecia feliz. Anne não deixou de sentir pena dele e de si mesma, do que os dois haviam se tornado.

Sirius caminhou até Anne segurando a varinha com firmeza, e ela disse, mantendo o mesmo olhar.

- Acabe logo com isso. Eu sei o que você vai fazer, não precisa ter piedade de mim só por causa do passado.

Sirius não disse uma palavra. Ele apontou a varinha para Anne, e de repente, o olhar em seu rosto mudou. Era como se pedisse desculpas por algo errado que fosse fazer. Anne olhou intrigada para ele, sem entender nada, ou talvez entendendo até demais. Ele iria matá-la. Anne conhecia aquele olhar de culpa misturada com arrependimento. Naquele momento, ela daria tudo para que as coisas pudessem ser como antes, quando eles se escondiam na sala para ter aulas de animagia e ela se sentia viva. Anne praguejou novamente por pensar nessas coisas quando estava prestes a morrer.

A varinha na mão de Sirius tremeu, e de repente, Anne não ouviu mais nada. Não era um feitiço, simplesmente os sons dos gritos desesperados haviam desaparecido, e ela se sentiu estranhamente calma. Anne não sentia mais nada, nem medo, nem arrependimento.

Sirius falou, mas Anne não entendeu o que ele disse. Em seguida, ele fechou os olhos, e ela teve a impressão de ter visto uma lágrima brilhante sair de seus olhos. Sirius abriu a boca novamente, e mais uma vez Anne não ouviu o que ele disse, mas pelo movimento dos lábios dele, ela entendeu o que Sirius havia dito, e olhou surpresa para ele antes de ser atingida pelo feitiço. Em segundos que duraram uma eternidade, ela sentiu em todas as células do seu corpo o máximo de dor que uma pessoa poderia suportar. Em seguida, só restou a escuridão.

-x-x-x-

Quando Anne abriu os olhos novamente, sentiu como se tivesse ficado desacordada apenas por um segundo, mas havia ficado quase uma semana sem abrir os olhos. A cabeça, provavelmente o lugar onde o feitiço a acertara, doía mais que tudo, e ela não conseguia enxergar direito. Anne percebeu que havia alguém ao seu lado quando essa pessoa se levantou e saiu. Ela fechou os olhos. O que mais queria era dormir outra vez, mas antes, queria saber onde estava. Sabia que não estava morta, muito menos em Azkaban, a não ser que o Ministério tivesse contratado um decorador que mudou o visual da prisão para um hospital.

Ao sentir que alguém havia se sentado ao seu lado, ela abriu os olhos, e assustou-se por ver Sirius.

- Por que você me trouxe até o hospital?

Se Anne assustou-se quando viu Sirius, ela ficou mais assustada ainda quando ouviu a sua própria voz, porque aquela não era a sua voz. Era uma voz doce, de mulher, mas de uma mulher idosa.

- Sirius Black, o que você fez comigo?!

Ela perguntou com autoritarismo, mas Sirius ignorou o tom de voz de Anne.

- Calma, eu vou explicar tudo, entenda, eu fiz isso...

Anne interrompeu Sirius. Antes de desculpá-lo, se é que iria fazê-lo, teria que saber o que ele havia feito.

- Não me interessa as suas desculpas idiotas, eu quero saber tudo o que aconteceu! - ela praticamente gritou, mas começava a achar a "sua voz" familiar.

Sirius passou os dedos entre os cabelos, e abriu a boca para falar, mas antes disso, como se lembrasse de um compromisso urgente, olhou para um relógio e pegou um copo com um conteúdo escuro.

- Primeiro beba isso.

- Eu não vou beber coisa nenhuma! Eu nem sei o que é isso! - ela disse, furiosa.

- Não me obrigue a fazer você beber isso à força! - ele disse determinado.

- Você não se atreveria! - ela disse com autoritarismo, mas ao falar, descobriu quem era a dona da voz com a qual falava.

Anne preparou-se para protestar, mas Sirius fez com que ela bebesse o líquido, ou então engasgaria. Quando terminou de beber, ela disse com raiva, enquanto tentava se sentar.

- O que eu estou fazendo no corpo da professora Figg?

Sirius a deitou.

- Fique calma. Eu vou contar tudo.

Ela estremeceu. A voz dele não demonstrava nenhum sentimento, só um pouco de cansaço. Não havia nem preocupação por Anne. Ela se calou, e Sirius começou a contar o que havia acontecido.