23. UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA



Sirius saiu do quarto irritado. Não esperava que Anne ficasse satisfeita por tudo o que havia acontecido, mas esperava pelo menos gratidão dela. Por dois dias, ele não foi para o hospital. Só queria ver Anne quando ela estivesse mais calma, então só foi visitá-la quando achou que eles não discutiriam.

Sirius cumprimentou as recepcionistas com um aceno simpático, mas por trás de si, a porta de entrada se abriu, e com passos decididos, Severo Snape caminhou furioso até Sirius, o arremessando violentamente contra a parede.

- O que você fez com a minha irmã!? O que você fez com a minha irmã, Black?! - Severo gritou, atraindo a atenção de muitos que estavam na sala de recepção do Hospital St. Mungus.

Sirius empurrou Severo, mas o outro o prendeu contra a parede com mais força ainda.

- Ela amava você! - ele murmurou, furioso - Ela amava você, e você a matou!

- Eu não matei a Anne! - Sirius disse com firmeza.

- Como você tem coragem de dizer o nome dela depois do que você fez!? - ele olhou horrorizado para Sirius, e gritou - Como você consegue?! Você nunca mereceu que ela o amasse! Você nunca a amou! Se a amasse, ela não estaria morta!

Sirius olhou furioso para Severo, e o empurrou com força. Severo poderia xingá-lo, poderia odiá-lo, mas nunca poderia duvidar que ele amava Anne. Sirius não ia deixar que ele fizesse isso.

- Eu amava e ainda amo a sua irmã, Snape! - ele sussurrou, segurando Severo pelas vestes - Você não tem o direito de dizer isso, nem que eu a matei. O único culpado é você. Se não fosse por sua causa, duvido que ela se tornasse um Comensal.

Severo se soltou de Sirius bruscamente, e o olhou como um animal olharia para sua presa antes de atacá-la.

- Você não sabe do que está falando, Black. Você não faz a menor idéia do que está falando! - e depois de olhar com desprezo para Sirius, Severo deixou o hospital.

Sirius esfregou a mão no rosto, e depois de dar um suspiro cansado, ele foi para o quarto onde Anne, com o corpo de Arabella Figg, estava.

Não havia mais ninguém no quarto além dela, graças à ajuda de Julie, e ele se sentou ao lado da cama. Aquele não podia ser o corpo dela, mas ele reconhecia que era Anne quem estava dormindo, porque, apesar dela estar dormindo, ela parecia estar em alerta, como se seus olhos só estivessem fechados, pronta para atacar qualquer pessoa que se aproximasse.

Subitamente, o corpo de Arabella Figg se transformou no corpo de Adrianne Snape, mas Sirius não pegou o vidro ao lado para fazer com que ela bebesse a poção. Pela primeira vez desde que havia resgatado Anne da batalha, ele a observou, tentando adivinhar tudo o que ela havia feito depois de ter concluído Hogwarts, como havia se tornado um Comensal, mas ao pensar nisso, ele balançou a cabeça, contrariado.

Sirius queria que as coisas pudessem ser diferentes... Queria que eles pudessem voltar a ser como antes, quando se escondiam para ficar juntos, quando Anne não estava marcada... Ele acariciou os cabelos escuros dela delicadamente, sem desviar o olhar do rosto dela. Poderia ficar ali para sempre, a observado, a protegendo de tudo. Por ela, Sirius seria capaz de dar a própria vida.

Anne murmurou alguma coisa e se mexeu na cama. Imediatamente, Sirius se virou para procurar o vidro com a poção Polissuco, mas antes que ele a fizesse beber a poção, ela se sentou na cama e disse ferozmente.

- Eu não vou beber isso! - ela afastou a mão de Sirius, que se aproximava de sua boca - Eu não sou Arabella Figg!

- Você vai ter que ser Arabella Figg, a não ser que queira ir para Azkaban!

- Eu não acredito nessas ameaças estúpidas! - Anne disse com descaso.

- Se você não acredita, então me diga o que eu deveria ter feito?! Você sabe muito bem que era só você acordar e você seria mandada para Azkaban!

- Isso tudo pode ser invenção sua! - ela disse cruzando os braços - Prove que não está mentindo! - ela encarou Sirius o desafiando com o olhar.

Sirius não respondeu. Ele simplesmente se levantou e saiu, voltando pouco depois com um maço de pergaminhos na mão.

- Leia. - ele disse jogando as folhas sobre Anne - É a notícia do Profeta Diário sobre o ataque.

Anne recolheu o jornal, e leu.

"Após ataque, Comensais vão para Azkaban, e 1 morre no St. Mungus"

Anne olhou pasmada para Sirius, e continuou a ler a matéria.

"Os Comensais capturados após ataque à casa dos Potter foram julgados e condenados à prisão perpétua em Azkaban, enquanto que, no Hospital St. Mungus, Adrianne Snape, um Comensal que havia escapado, morreu depois de ter sido atendida.

O audacioso ataque à casa dos Potter aconteceu na madrugada do dia 27 de setembro, mas os Aurores, avisados por uma denúncia anônima, prepararam uma armadilha, onde 7 Comensais foram presos, até serem julgados na tarde de ontem. Bartolomeu Crouch não demonstrou piedade, e todos foram condenados à prisão perpétua em Azkaban. 'Nós estamos cuidando da segurança de nossas famílias', Bartolomeu Crouch declarou.

Somente um Comensal conseguiu fugir, mas assim que Adrianne Snape deu entrada no Hospital St. Mungus, o Ministério foi alertado, e Joseph Ackerman, um Auror, foi enviado para escoltá-la. 'Assim que ela acordar será mandada para uma prisão no Ministério, e ela ficará lá até ser julgada', foi o que Joseph Ackerman disse antes da Comensal morrer. A família de Adrianne Snape não foi encontrada para comentar o ocorrido"

Anne continuou olhando para o jornal depois que acabou de lê-lo. A última frase fez com que ela pensasse em Severo, e na dor que ele deveria estar sentindo. Na última vez que Anne havia encontrado o irmão, os dois acabaram brigando, e antes que eles pudessem se encontrar, ela "morreu".

- Para onde você pensa que vai? - Sirius perguntou quando percebeu que Anne queria se levantar.

- Vou ver meu irmão. Ele tem que saber que eu estou viva.

Sirius olhou com incredulidade para Anne, e a forçou a deitar-se.

- Você enlouqueceu? Se alguém souber que você está viva, você irá para Azkaban! Você por acaso não leu a matéria?! - ele sussurrou rispidamente - Eles só estavam esperando que você acordasse para julgar os outros Comensais! Se todos não achassem que você está morta, você estaria em Azkaban agora!

- Severo nunca deixaria eu ir para Azkaban! Ele não contaria a ninguém que eu estou viva! Mas... - ela olhou intrigada para Sirius - Por que você está fazendo tudo isso? Nós não nos vemos há mais de dois anos, e de repente, você tenta me salvar a todo o custo. O que você quer com isso? Informações sobre Voldemort? - ela perguntou olhando ferozmente para Sirius - Pois fique sabendo que se você fez isso em troca de informações, foi por nada. - ela cruzou os braços - Eu não direi nada.

- Eu não fiz isso para arrancar informações, Anne. - ele a chamou pelo nome, sem perceber, e Anne estremeceu, se sentindo pouco à vontade, mas Sirius continuou - Eu fiz isso por mim. Quando nós... - ele se calou subitamente ao se lembrar do plano de fugir com Anne após concluírem Hogwarts, mas ele falou depois de uma pausa - Quando eu vi o que o seu pai fez com você, eu prometi a mim mesmo que sempre te protegeria. - ele disse lentamente. Era difícil se lembrar que havia falhado com Anne, e muito mais ainda dizer isso para ela - Mas depois que nós... Depois que nós decidimos ficar separados, eu decidi esquecer essa promessa, mas eu não consegui. Sempre me culpei por não ter cumprido aquela promessa, e quando vi você, percebi que era minha chance de corrigir o meu erro.

Sirius olhou com determinação para Anne, sem estar arrependido, e ela abaixou a cabeça. Se soubesse que ele havia feito essa promessa, ela mesma teria tomado cuidado para que Sirius não a tivesse quebrado. Anne nunca quis ser um peso na vida dele. Além disso, se fosse procurar Severo, ela duvidava que ele a ajudasse. Provavelmente ele diria que o que aconteceu foi somente por culpa dela.

- Eu... - ela começou, mas Sirius a interrompeu.

- Olha, se você quiser ver o seu irmão...

- Você pode deixar eu falar? - ela o interrompeu olhando com impaciência - Eu não quero mais ir ver o meu irmão. Você está certo. Se Severo me ver, ele não vai me ajudar.

- Ainda bem que você percebeu isso - ele disse sem conseguir evitar um sentimento de satisfação.

- Mas eu não estou dizendo que você pode me ajudar. - ela disse desafiadoramente - Eu nunca precisei da ajuda de ninguém.

- E o que foi que eu fiz no ataque? - Sirius perguntou com um sorriso astuto.

- Eu nunca pedi nada - ela disse com descaso, mas Sirius continuou sorrindo.

- Se você não precisa de ajuda, o que você vai fazer? Ser Arabella Figg para sempre?

- Claro que não! Eu... - ela hesitou. Não sabia o que fazer.

- Eu posso sugerir o que eu estava pensando? - Anne acenou com a cabeça, e ele continuou - Minha irmã pode dizer para o médico que Arabella Figg precisa descansar por algum tempo, longe de toda essa guerra... Não vai ser difícil ele concordar. Todos pensarão que Arabella Figg estará descansando na Austrália.

- E o Ministério deixaria ela viajar sozinha? Eles não seriam tão descuidados com Arabella Figg depois do que aconteceu com ela.

- Por causa de um descuido de uma enfermeira, o Ministério só saberá que Arabella recebeu alta quando for tarde demais, e quando eles se convencerem que ela está em segurança, eles receberão a notícia de que Arabella Figg morreu na Austrália.

- Eu irei para a Austrália?! - ela perguntou com desagrado.

- Não, de jeito nenhum! - Sirius apressou-se a responder - Você vai estar escondida, até que tudo fique calmo e você possa se mudar para a América. O Ministério de lá não é tão cuidadoso quanto o inglês...

- E onde eu me esconderia? Na sua casa? Bem, vai ser divertido, sua irmã me revistando todo dia... - ela disse com sarcasmo.

- Você não vai se esconder em minha casa. Você vai ficar com os Potter.

Anne olhou surpresa para Sirius, e por uns segundos, não soube o que falar.

- Você enlouqueceu? - ela disse piscando os olhos - Eu ia matar os Potter! Como você tem a coragem de me esconder com eles?

- Eu não duvido que você mataria Tiago e Lílian, mas antes você não tinha nenhuma escolha. Agora você tem. E então, o que você decide? Você pode procurar Voldemort ou o seu irmão e dizer que está viva, ou pode começar de novo, do zero.

Anne não disse nada. Ela simplesmente esticou o braço, pegou o vidro com a poção, e o bebeu.

- Pode continuar com o que você planejou.

-x-x-x-

Era noite. O céu estava coberto por nuvens, mas isso não era nenhum problema, pelo contrário, era melhor ainda que o céu estivesse nublado, assim ninguém veria a moto voar.

- Você está bem?

Sirius perguntou virando-se para Anne. Fazia muito frio naquela madrugada de novembro, e ele estava preocupado com ela.

- Estou bem. - ela disse com impaciência - Quantas vezes vou ter que dizer?

Anne estava com sono. Detestava acordar cedo, e ela teve que acordar duas horas da madrugada. Fazia dois dias que havia deixado o hospital, e durante esse tempo, ficou na casa de Sirius enquanto ele preparava a ida dela ao esconderijo dos Potter. Ficar na casa de Sirius não ajudou muito para que ela ficasse mais animada. Ter que suportar os olhares raivosos de Julie Black por dois dias sem fazer nada em troca foi uma tortura.

- Estamos chegando? - ela perguntou - Eu estou com sono!

- Quase - Sirius disse, fazendo com que a moto atravessasse as nuvens, e eles fossem atingidos pela chuva fina que caía.

A moto sobrevoou um parque, e Anne disse, surpresa, o reconhecendo.

- Hey, aquele não é o parque de Godric's Hollow?

- Uhum. - Sirius concordou com a cabeça - Tiago, Lílian e Harry estão escondidos aqui.

- Godric's Hollow?! - Anne perguntou erguendo a sobrancelha - Os bruxos vêm até aqui porque os trouxas estão acostumados com as inúmeras famílias bruxas que vivem na região, inclusive a minha. Que espécie de esconderijo é esse?

- Justamente por isso Dumbledore achou que Tiago deveria se esconder aqui. Voldemort não atacaria os próprios aliados, e ele nunca imaginaria que Lílian e Tiago estariam escondidos tão perto.

- Foi aqui que nós... - Anne deixou escapar, mas interrompeu a frase, e abaixou o olhar.

Sirius hesitou por alguns instantes, sem saber o que dizer, então ele viu a casa onde Tiago estava escondido.

- Olha, é aquela - ele disse tentando disfarçar o próprio mal-estar, e apontou para uma casa.

Anne olhou para a direção que Sirius apontava e viu uma casa simples, um pouco mais afastada das outras, próxima a um lago. Ela não deixou de notar a luz que saía de uma das janelas.

- Eles estão esperando por nós?

- Sim, eles estão. Ehr... - ele hesitou mais uma vez, com medo da reação de Anne - Tem uma coisa que você precisa saber...

- O quê? - ela perguntou depois de um bocejo.

- Você não vai poder usar mágica enquanto estiver escondida aqui... - ele disse quase num sussurro.

- O QUÊ? - ela disse com incredulidade - Como assim, não usar magia? Porque eu não posso usar magia?

Nesse instante, Sirius estacionou a moto, e enquanto pegava a mala com as coisas de Anne, ele respondeu com impaciência.

- Eu não posso responder isso.

Anne o seguiu, com passos determinados, e disse em tom indignado.

- Por que não? Eu mereço saber, afinal, sou eu quem vai ficar sem fazer magia até Merlin sabe quando!

- Olha, se isso me envolvesse, eu contaria, mas esse não é um segredo meu, é um segredo do Tiago e da Lílian, e só eles poderão responder.

Sirius foi até à porta, e sem esperar por Anne, entrou na casa.

- Desculpe se demoramos - ele disse secamente para Tiago.

- Pouco me importa se esse é um segredo dos Potter, eu só acho que...

Anne parou de falar assim que viu Tiago Potter a encarar com uma certa raiva.

- O que foi? - ela disse desafiadoramente - Nunca me viu antes?

- Sirius, você não explicou para ela porque ela não poderia fazer magia? - Tiago perguntou tranqüilamente, mas ele olhava para o amigo como se soubesse o que ele iria responder.

- Desculpe, Pontas, mas eu pensei que seria melhor se você explicasse.

Tiago olhou sem surpresa para Sirius. Já imaginava que ele não seria capaz de enganar Anne. Tiago também não gostava de esconder a verdade, mas ele tinha que proteger sua família.

- Você deve saber que Voldemort está nos procurando... - enquanto ele falava, Tiago procurou com o olhar a Marca no braço de Anne, mas ela usava um robe que cobria os braços - Ele está usando vários feitiços para me encontrar, um deles é um detector de magia. Qualquer magia que for feita perto de mim ou do Harry poderá atrair Voldemort até aqui, e todo esforço de várias pessoas terá sido por nada.

Enquanto falava, Tiago olhava profundamente nos olhos de Anne, e ela devolvia o olhar na mesma intensidade. Percebeu no instante que entrou que Potter não a queria ali, mas se ele havia concordado, Anne não deixaria que ele a humilhasse.

- Entendeu porque você não pode fazer magia aqui?

- Entendi. - Anne respondeu com um aceno da cabeça, e encarou Tiago com seriedade - Eu só queria saber por que Voldemort quer matar você.

Tiago voltou-se para Sirius, mas antes que Potter pudesse responder, os três ouviram um choro, e uma mulher de cabelos castanhos-avermelhados entrou na sala. Era Lílian Potter, que trazia Harry nos braços, e ao lado dela, no chão, um gato de pêlos vermelhos e olhos amarelos a acompanhava. Assim que viu Anne, o gato avançou.

- Ginger! - a ruiva disse com firmeza, e o gato voltou para junto dela, enquanto que Sirius e Tiago voltaram-se para Lílian - Desculpe, eu não queria atrapalhar vocês, mas acho que alguém está procurando o papai...

- Harry, isso não é hora para um garotinho como você estar acordado... - Tiago disse quando a esposa passou o bebê para os seus braços, mas ele não parecia estar zangado, pelo contrário. Com Harry nos braços, Tiago sorria, como se tudo o que estava acontecendo fosse normal, como se ele não estivesse fugindo de um bruxo poderoso que queria matá-lo.

Depois que passou Harry para Tiago, Lílian voltou-se para Anne, a olhando com tranqüilidade.

- Oi, Adrianne. - ela estendeu a mão - Eu sinto muito nós nos reencontrarmos por causa de tudo isso...

Anne segurou a mão de Lílian, impressionada. Tiago, apesar de estar sorrindo, ainda parecia estar em alerta, mas Lílian aparentava uma calma impressionante.

- Olá...

- Você deve estar com sono, porque não vai dormir? - Lílian perguntou com um sorriso compreensivo no rosto - Seu quarto fica na segunda porta à direita daquele corredor, e se quiser tomar um banho, o banheiro fica no final do corredor.

Anne viu que Sirius estava com Tiago e Harry, então decidiu aceitar a sugestão de Lílian antes que ele se lembrasse dela e começasse uma nova discussão.

Não foi difícil encontrar o banheiro. Lílian deu uma toalha, e um roupão no qual Anne se enrolou depois que se banhou, e foi para o quarto. Sua mala já estava lá, mas Anne nem percebeu. Deitou-se e dormiu, ignorando o barulho das vozes animadas de Tiago, Lílian e Sirius.

-x-x-x-

Anne acordou, mas ficou deitada na cama, ouvindo os ecos das vozes de Tiago e Lílian vindos da cozinha, Sirius provavelmente deveria ter ido embora depois que ela dormiu. Anne não ouvia o que eles conversavam, mas pelo tom da voz de Tiago, percebeu que o casal Potter falava sobre ela. Anne deu de ombros, e sem se importar com isso, foi para a cozinha, pois estava com fome.

Assim que ela entrou, Tiago se calou, mas Lílian a cumprimentou educadamente.

- Bom dia, Adrianne! Sente-se, eu estou fazendo chá, mas você pode comer.

- Oi, Lílian, - ela olhou para Tiago - oi, Potter.

- Bom dia - Tiago resmungou sem olhar para Anne, que sorriu sarcasticamente.

Lílian terminou de fazer o chá, e sentou-se à mesa. Ela fez o possível para que Anne e Tiago conversassem amigavelmente, mas os dois faziam o máximo para ignorar a presença um do outro. Tiago só falou com Anne quando ela levantou da cadeira para voltar ao quarto.

- Você não vai ajudar a limpar a mesa? - ele perguntou com indignação.

- Eu não posso fazer magia, mas isso não quer dizer que eu vá me tornar um trouxa qualquer! - Anne disse com desprezo, sem parar de andar, mas Tiago se levantou de uma vez e a puxou pelo braço.

- Olha, quando Sirius pediu para que você ficasse aqui, eu concordei, mas você não está num hotelzinho em que todos estão aqui para te servir! Volte imediatamente e ajude Lily - ele disse energicamente, e ao lado dele, o gato olhava desafiadoramente para Anne, mas ela não se intimidou.

- Olha, Potter, eu não pedi para estar aqui, eu queria estar tão longe de você quanto você deseja, mas eu não estou, então é melhor você se acostumar com isso!

Tiago olhou com incredulidade para Anne, enquanto Lílian colocava a mão em seu ombro, tentando acalmá-lo.

- Tiago, deixa ela ir, eu posso limpar a louça sozinha...

- Como você pode ser tão ingrata com Sirius, Snape?! - ele disse ignorando Lílian - Por mim, você estaria em Azkaban, mas eu fiz isso pelo meu amigo, não podia deixar ele passar o resto da vida se culpando por não ter te ajudado! Você deveria ao menos fingir dar valor ao gesto de Sirius, já que você não se importa com o que vai acontecer com você mesmo!

Anne olhou ofendida para Tiago. Como ele podia achar que ela não era agradecida a Sirius? Por mais que ela detestasse o modo como tudo aconteceu, ela estava agradecida, pois Sirius estava certo quando disse que antes ela não tinha nenhuma escolha, mas por causa do que ele havia feito, agora ela podia começar de novo.

- Tiago Potter! - Lílian disse energicamente, os olhos brilhando - Já não é suficiente tudo o que está acontecendo, e você ainda quer criar uma briga?!

Anne não deixou de olhar com surpresa para Lílian. Era quase impossível associar aquela expressão decidida com a calma e a delicadeza costumaz da esposa de Tiago Potter.

- Você não precisa me defender, Lílian. - Anne disse, decidida - E quanto a você, Potter, se isso te deixa feliz, eu vou arrumar minhas coisas, não preciso da sua maldita piedade!

E depois de olhar desafiadoramente para Tiago, Anne virou-se e foi para o quarto.

- Anne... Espera!

- Deixa ela ir, Lily, ela não tem para onde fugir, de qualquer forma!

Lílian olhou insegura para Tiago.

- Tiago, temos que contar a verdade para ela. Ela não confia em nós tanto quanto você não confia nela, mas se dermos uma chance...

- Você está dizendo que confia nela? - ele perguntou com incredulidade.

- Sim, Tiago, eu confio. Eu senti que eu posso confiar na Adrianne. Eu posso ir falar com ela?

Tiago ficou pensativo por uns instantes, e olhou sério para a esposa antes de responder.

- Se você diz que ela é confiável, pode contar a verdade a ela. Eu nunca duvidei do seu dom.

Lílian sorriu, e beijou Tiago.

- Obrigada, meu bem.

No quarto, Anne arrumava a cama. A mala não havia sido desfeita, mas ela não queria que Tiago tivesse motivos para reclamar dela depois que fosse embora. Ela estava terminando quando ouviu alguém bater na porta.

- Adrianne, sou eu, Lílian, posso entrar?

- E quem mais seria? - Anne resmungou girando os olhos antes de responder - Pode entrar.

Lílian abriu a porta, mas quem entrou primeiro foi o gato, e Anne poderia jurar que ele a encarava com raiva, como se soubesse que ela era um Comensal.

- Sabe, eu me lembro de você no Expresso de Hogwarts... Você parecia tão segura, e eu estava tão nervosa. - ela sorriu - Você foi a primeira pessoa com quem eu falei depois que meu pai e minha mãe me deixaram na estação...

- Eu não lembro disso. - ela mentiu, sem saber o motivo, e depois de colocar o travesseiro no meio da cama, voltou-se para a outra mulher - O que você quer? - Anne perguntou rudemente, mas Lílian permaneceu calma.

- Eu queria pedir desculpas pelo Tiago... - ela falou enquanto se sentava na cama - Ele está um pouco irritado com tudo o que aconteceu, nós termos que nos esconder de repente, sem avisar a ninguém...

- Isso não justifica ele ser grosseiro comigo - Anne disse com os braços cruzados.

- Eu sei que não, Anne, mas se eu falar a verdade, talvez você consiga entender.

- Do que você está falando? - ela perguntou sem entender aonde Lílian queria chegar.

- Anne, eu preciso falar porque Voldemort quer matar Tiago e meu filho - Lílian olhou firmemente para Anne, que sabendo a seriedade do assunto, sentou-se ao lado da ruiva. - Você já deve ter ouvido falar da lenda da câmara de Slytherin, não?

- Sim, mas você mesma disse, tudo não passa de uma lenda idiota - ela disse dando de ombros.

- Infelizmente, Anne, não é só mais uma lenda idiota. Realmente existe uma câmara criada por Salazar Slytherin.

- Você está brincando... - ela disse com um sorriso zombeteiro, mas pela expressão séria de Lílian, Anne viu que a outra não estava brincando, e perguntou com surpresa - Então é verdade? Existe mesmo uma câmara de Slytherin? Mas para que ele precisaria de uma câmara secreta?

- Pelo visto História da Magia não era sua matéria preferida... - Lílian constatou, e sorriu - Quando Hogwarts foi fundada, todas as crianças descendentes de famílias bruxas eram admitidas, mas com o tempo, crianças de famílias trouxas também foram aceitas pelos fundadores. Quer dizer, menos por Salazar Slytherin. Ele achava que só os descendentes de famílias bruxas deveriam receber educação para a magia, por não confiar nas famílias trouxas, mas os outros fundadores não concordaram, e eles brigaram. Slytherin deixou Hogwarts, mas antes de ir embora, criou essa câmara secreta que só poderia ser aberta por um herdeiro seu, e então algo terrível seria liberado.

- Então Potter é o herdeiro de Slytherin? - Anne perguntou abismada.

- Não, de jeito nenhum! Voldemort é o herdeiro de Slytherin! Você não sabia?

- Ehr... - Anne gaguejou, tentando disfarçar que não sabia sobre Voldemort ser herdeiro de Salazar Slytherin - Claro que eu sabia! Só pensei que Potter poderia ser um outro descendente, afinal, Salazar Slytherin viveu há milhares de anos, até mesmo eu poderia ser herdeira dele!

- Não, pelo que eu sei, Voldemort é o último herdeiro de Slytherin.

- Mas se Potter não é herdeiro de Slytherin, então porque Voldemort quer matá-lo?

- Depois que Salazar Slytherin deixou Hogwarts, os outros fundadores procuraram a entrada da câmara, mas claro que não encontraram ela. Nenhum deles era descendente de Slytherin. Então eles começaram a se preocupar com os alunos. O que aconteceria quando um dos descendentes, ou até mesmo o próprio Slytherin, libertasse o mal da câmara secreta? Gryffindor, Ravenclaw e Hufflepuff pensaram, até que Ravenclaw lembrou-se de um feitiço antigo. Nós ainda não sabemos que feitiço é esse, só sabemos que os outros fundadores escolheram uma família que ficou encarregada de poder usar esse feitiço.

- Como assim? - Anne perguntou, tentando entender o que Lílian havia dito - Só essa família poderia usar esse feitiço contra o que tem na câmara de Slytherin?

- Exatamente. Só essa família e seus descendentes podem executar o feitiço, mas esse feitiço, de acordo com o que a Ordem da Fênix descobriu, não foi usado para deter o que há na câmara secreta. Esse feitiço foi criado para destruir qualquer descendente de Slytherin que representasse uma ameaça ao mundo mágico. Gryffindor percebeu que Slytherin estava louco, e achou que talvez algum dia pudesse nascer um descendente dele com a mesma loucura. Então eles escolheram uma família, e somente essa família seria capaz de realizar o feitiço que Gryffindor e os outros fundadores descobriram. Voldemort soube disso, e foi por isso que ele começou os ataques, tanto às famílias bruxas quanto às famílias trouxas, porque existiam descendentes trouxas da família que foi escolhida. Hoje só existem duas pessoas que podem realizar esse feitiço, e elas são meu marido e meu filho.

Por alguns instantes, Anne não soube o que falar. Pensava que Voldemort queria matar os Potter somente por capricho, ou para se tornar mais temido, mas o Lord das Trevas queria matar Tiago Potter e seus descendentes porque o resultado da guerra dependia disso. Se algum Potter sobrevivesse e usasse o feitiço lembrado pela fundadora da Corvina, Voldemort perderia a guerra. Mas se os Potter fossem assassinados, nada poderia impedir a vitória de Voldemort.

- Agora eu entendo porque vocês tiveram que fugir desse jeito... - Anne ficou pensativa por alguns instantes, e hesitou antes de continuar - Por que... Por que você está contando isso para mim? Eu teria matado você, Potter e Harry na noite do ataque.

- Eu sei que você teria me matado. - Lílian concordou, com a mesma franqueza de Anne - Mas você faria isso somente porque não se importava com mais nada. Você tinha desistido de tudo, até de você mesma, mas agora você tem algo pelo que lutar, por isso eu confio em você, Anne.

- Como você sabe disso? - Anne perguntou, intrigada.

- Eu tenho um dom, Anne... Eu posso sentir o que os outros sentem quando eu os toco, e eu senti isso quando apertei sua mão na noite passada.

- O QUÊ? - Anne levantou-se da cama, indignada - Com que direito você fez isso?

- Eu fiz com o direito que uma mãe tem de proteger o filho. Foi você mesma quem disse que teria matado minha família.

Por um breve momento, Anne olhou ofendida para Lílian, mas abaixou o olhar em seguida, e respondeu.

- Você tem razão... - ela se sentou, e quando olhou para Lílian, se surpreendeu pela tranqüilidade da outra - Sabe... Eu menti. Eu me lembro de você no Expresso de Hogwarts, mas eu não estava me sentindo nada segura. Eu estava muito assustada, na verdade, com medo de Hogwarts ser tão terrível quanto era em casa. No fim das contas, Hogwarts acabou se tornando meu lar. - ela sorriu, pensando nas coisas felizes que viveu na escola, e o quanto queria poder voltar àquela época, mas ela sabia que não podia sentir novamente a mesma felicidade que sentiu naqueles três últimos anos em Hogwarts.

- Você não vai mais embora - não era uma pergunta, era uma afirmação, e Anne confirmou com a cabeça.

- Não. Agora eu sei o que eu tenho que fazer. Tenho que lutar por mim mesma. - ela, então, percebeu que Lílian segurava a sua mão, e sorriu - Você já sabia!

- Eu não precisei do meu dom para descobrir isso! - ela disse em tom brincalhão, mas ficou séria - Você ainda pode ser feliz. Lute por isso também.

Como se tivesse levado um choque, Anne se levantou, e disse sem encarar Lílian.

- É melhor eu te ajudar com a louça. Você precisa cuidar do bebê.

E sem esperar por Lílian, Anne saiu do quarto.