30. UM NOVO COMEÇO



Mais uma vez, Sirius entrou no Hospital Saint Mungus. Já havia perdido as contas de quantas vezes tinha ido para lá, mas ele passaria toda a sua vida indo ao hospital se fosse necessário, pois Anne estava lá.

O feitiço Cruccio de Rabicho não a matou como ele pensou, mas esse era o único consolo que Sirius tinha. Depois que foi atingida pelo Cruccio, Anne perdeu os sentidos, e desde então, não acordou ou demonstrou estar consciente.

Mas Anne estar viva era uma grande façanha. Qualquer outra pessoa teria morrido, mas ter sido atingida enquanto na forma animaga a salvou, de acordo com Madame Pomfrey, pois o feitiço, ao invés de matar Anne, matou o lado animago. Anne não poderia mais se transformar em pantera, senão morreria, mas era pouco provável que ela fosse acordar algum dia.

Sirius, porém, não se importava com a opinião de Madame Pomfrey, e sempre que podia, ia visitar Anne, agora que era um homem livre. Depois do ataque a Hogsmeade, Pedro havia sido capturado, sua culpa na morte dos Potter e dos doze trouxas foi comprovada, enquanto Sirius foi inocentado, e agora Rabicho estava em Azkaban.

Ele caminhou pelo corredor com ansiedade. Antes de entrar no quarto, ele sempre esperava encontrar Anne sentada, reclamando do lugar, e pedindo para sair, mas todas as vezes que foi visitá-la, ela estava deitada, o rosto pálido, e parecendo bastante cansado.

Como sempre fazia, Sirius entrou no quarto, a conversou com Anne. Apesar dela nunca responder, ele contava para ela o que estava fazendo, e como Harry estava, só evitava falar sobre a guerra que começava.

- Oi, Annie. - ele sussurrou, segurando a mão dela - Ontem foi o aniversário do Harry. Fizemos uma festa em Whitehaven, todos estavam lá, você teria se divertido. Harry parecia não acreditar, também, acho que essa foi a primeira festa de aniversário que ele teve desde que passou a morar com os Dursley... - ele fez uma pausa - Acho que ele nem se importou com os presentes, tamanha foi a alegria quando viu todos os amigos lá. Os gêmeos Weasley não conseguiam deixar ninguém sério com os logros deles, mas Hermione me surpreendeu. Ela levou uns discos trouxas, e entre eles, tinha um com a música que nós dançamos em Godric's Hollow, no batizado do Harry, se lembra? Eu me lembro de tudo, como se estivesse acontecendo agora. - ele acariciou o cabelo de Anne - Você estava um pouco insegura, como se estivesse com medo do que iria acontecer, mas mesmo assim, nós dançamos, e eu ainda consigo ouvir a música.

Ele olhou com carinho para Anne, e começou a cantar.

- My love must be a kind of blind love... I can't see anyone but you... Are the stars out tonight? I don't know if it's cloudy or bright... I only have eyes for you, Dear... The moon maybe high, but I can't see a thing in the sky... I only have eyes for you...

Enquanto cantava, Sirius não conseguiu deixar de se emocionar, e chorou. Eles não mereciam isso, Anne não merecia ficar naquele hospital, inconsciente. Queria poder trazê-la de volta, e começar a viver o que não conseguiram viver por todos os anos em que ele esteve em Azkaban.

Quando terminou de cantar, Sirius ficou algum tempo sentado, como se esperasse que Anne abrisse os olhos, mas ela não se moveu. Ele secou as lágrimas, beijou Anne na testa, e se despediu.

- Eu tenho que ir, Annie, mas eu volto logo. - ele sorriu, mas um sorriso triste - Você sabe que eu não conseguiria te deixar.

Sirius se levantou, um pouco decepcionado, como sempre ficava, e foi até a porta, mas ele não saiu. Antes que abrisse a porta, ouviu a voz de Anne, num chamado fraco.

- Seb...

-x-x-x-

A dor dominou todo o cérebro de Anne, até que ela perdeu a consciência do que acontecia ao seu redor, mas ela não estava morta. Era como se uma parte de seu corpo estivesse desligado, mas ainda havia uma pequena parte que conseguiu manter seu corpo vivo, porém, não tão forte que fizesse com que Anne percebesse que estava viva.

Era como se estivesse dormindo, mas sem conseguir sonhar, ou perceber estar vivo, até que, subitamente, ela ouviu uma voz vinda de tão longe, que quase parecia um zumbido, e recuperou a consciência.

Anne quase não podia acreditar que estava viva. Tentou se mover, porém, seu corpo parecia ser pesado demais para que conseguisse fazer qualquer sinal. Ela fez o máximo de esforço possível, mas a força quase fez com que ficasse inconsciente outra vez, então, seguindo um instinto, ela se concentrou na voz, como se aquela voz fosse a única coisa capaz de mantê-la viva.

Aos poucos, Anne ficava mais forte, e a voz foi ficando mais clara, a ponto dela conseguir perceber que o que havia feito ela voltar era o som de alguém cantando uma música.

- I only have eyes for you... I don't know if we're in a garden, or on a crowded avenue... You are here. So am I. Maybe millions of people go by, but they all disappear from view... And I only have eyes for you...

Antes da canção terminar, Anne reconheceu que Sirius cantava. Ela sentiu que ele cantava com tristeza, e tentou desesperadamente fazer com que ele visse que sabia que ele estava lá, mas ainda estava fraca.

Até a música terminar, Anne tentou fazer algum gesto, mas quando Sirius terminou de cantar, ela sentiu que não conseguiria ficar consciente por muito tempo, e começou a concentrar-se em reunir forças para uma última tentativa. Sirius tinha que perceber que ela estava consciente antes que fosse embora.

- Eu tenho que ir, Annie, mas eu volto logo. - ele disse depois que a beijou na testa - Você sabe que eu não conseguiria te deixar.

Ela ignorou as palavras dele, e uniu o máximo de forças para gritar, mas sua voz saiu num sussurro.

- Seb...

Anne esperou ouvir Sirius falar alguma coisa, mas ele não disse nada. Com receio, ele não se virou imediatamente. Tantas vezes já pensou ter escutado aquela voz que estava com medo de olhar para trás e ver que só estava imaginando coisas, mas Sirius voltou-se para trás, a tempo de ver os lábios de Anne se mexerem mais uma vez.

- ... estou aqui...

Então ele acreditou. Não era imaginação. Rapidamente, Sirius foi até a cama.

- Annie! - ele disse a abraçando, enquanto ela abria os olhos - Tudo vai ficar bem... Agora,tudo vai ficar bem...

-x-x-x-

Anne precisou de nove dias para recuperar-se totalmente, e nesses nove dias, não recebeu nenhuma visita, mas ouvia a voz de Sirius brigar com os enfermeiros que o impediam de entrar. Porém, a primeira visita que recebeu não foi a de Sirius. Foi Cornélio Fudge.

O bruxo entrou no quarto e olhou com repulsa para a mulher, deixando claro que não queria estar ali, ou talvez, Anne pensou, ele gostaria que ela não estivesse ali.

- Boa tarde, Snape - ele disse sem parecer simpático.

- Boa tarde, ministro. O que o ministro deseja? - ela disse sem conseguir evitar o tom sarcástico.

Cornélio encarou Anne com indignação por causa da atitude dela, mas não fez nada contra ela.

- Vim entregar isso. - ele retirou um pergaminho das vestes, e o entregou para Anne - É sua absolvição. Você foi julgada enquanto estava aqui, e assim como Black, você foi inocentada.

Anne leu o papel, ignorando o olhar acusador do ministro. Estava claro que ele não a considerava inocente, e que achava que ela deveria estar em Azkaban, no mínimo.

- Bem, só vim entregar sua absolvição. Eu tenho que ir - Fudge dizia evitando olhar para Anne.

O ministro foi até a porta, e enquanto ele saia, Anne respondeu.

- Apareça sempre que puder, Fudge! - e depois que ele saiu, acrescentou - Idiota presunçoso.

Anne sorriu ironicamente, e voltou o olhar para o pergaminho. O julgamento havia sido no dia quinze de maio, e ela foi julgada inocente pelo grupo de júri. Entre eles, leu o nome da antiga colega de trabalho, Margareth Brocklehurst, e ficou alegre pelo fato da antiga amiga a considerar inocente da morte de Arabella Figg e da acusação de praticar e estimular o uso das Artes das Trevas.

O pergaminho ainda estava nas mãos de Anne quando Sirius e Harry entraram.

-Oi, Anne. - Sirius sorria. - Fale a verdade, depois do Fudge, nossa visita é um presente. - e dizendo isso, ele pegou o gato acinzentado que Harry segurava e entregou a Anne.

-Snuffles! - ela quase gritou, surpresa por ver o gato que Lílian havia dado a ela. - Eu pensei que nunca mais veria ele!

-Encontramos ele em Whitehaven. E, claro, não havia um rato sequer na casa. - Sirius disse em tom brincalhão. - Mas o que o Fudge veio fazer aqui? - ele perguntou, sem qualquer traço de alegria.

-Ele não ficou muito tempo por aqui. Só entregou isto. - Anne mostrou o pergaminho. - Obrigada, Sirius. - ela olhou para Harry. - E você também, Harry. Pelo que eu li, sem seu depoimento, eu não teria tido muitas chances.

-Não foi nada. - ele olhava para Anne com uma expressão amistosa. - Se não fosse por você, Sirius ainda seria considerado culpado.

-Se não fosse por mim, Sirius nunca teria sido acusado de coisa nenhuma. - ela disse com um olhar sombrio.

Os três ficaram em silêncio, e Anne já ia pedir para eles irem embora, quando Harry falou, firmemente.

-A culpa não é sua se Rabicho não era confiável, Anne.

-Esqueça o que passou, Anne. O que importa é o agora. A nossa vida começa agora, juntos, como uma família. Eu, você, e Harry.

Anne não teve palavras para responder. Somente estendeu os braços, e foi abraçada por Harry e Sirius.

-x-x-x-

No dia seguinte, foi Dumbledore que visitou Anne. Além dele, vinham um Sirius contrariado, Mundungo Fletcher, e por último, Severo. Anne olhou para o irmão com ternura, mas ele estava pouco à vontade, evitando olhar a irmã. Anne pensou em falar com o irmão, mas antes disso, Dumbledore falou.

-Vejo que você está bem, Anne.

- Sim, Alvo - ela corou levemente ao falar o nome do diretor, afinal, quem era a amiga íntima dele era Arabella Figg, e não ela. - Quero dizer, Dumbledore.

- Nós já nos ajudamos tanto que acho que podemos deixar essas formalidades de lado, Anne. - ele sorriu gentilmente, e Anne retribuiu o sorriso - As informações que você nos passou foram muito úteis.

- Era o mínimo que eu poderia fazer, Alvo. - ela disse com um pouco de culpa. Se ela havia passado inúmera informações sobre a Ordem das Trevas, havia também passado várias informações sobre a Ordem da Fênix para Voldemort.

- É por essa ajuda que eu quero convidá-la a fazer parte da Ordem da Fênix.

Anne olhou surpresa para os quatro bruxos. Como Dumbledore podia convidá-la a fazer parte da Ordem, não tanto pelo fato dela ser como uma Comensal, mas pelo fato de tê-lo enganado.

- Mas, Alvo... Eu enganei você e a Ordem por vários anos... Passei informações para Voldemort... Como vocês conseguem confiar em mim?

- Anne, eu sinto muito decepcionar você, mas você nunca me enganou. - o diretor disse com uma expressão divertida no rosto - Arabella tinha um segredo que eu e Minerva conhecia. Ela não sabia aparatar, e na noite que você me visitou, quando aceitou cuidar de Harry, você disse que aparataria. Ora, a verdadeira Arabella não faria isso.

- Arabella tinha pavor de aparatar - Mundungo acrescentou com um sorriso travesso, de quem já havia deixado Arabella muito irritada com brincadeiras sobre o fato dela não aparatar.

Anne olhou pasma para o diretor.

- Se você sabia, como deixou que eu continuasse a proteger Harry?

- Eu conhecia o dom de Lílian, Anne, e sempre acreditei no juízo dela. Se Tiago e Lílian confiavam em você, não era por qualquer coisa. Eu confiei em você, como Tiago e Lílian confiaram, e não me arrependo. Garanto que eles também não.

- Obrigada, Alvo. - ela disse, e o seu olhar mostrava o quanto estava agradecida.

O grupo começou a se despedir, mas antes que eles fossem embora, Anne chamou o irmão.

- Severo!

Dumbledore e Mundungo trocaram olhares, e depois de Mundungo puxar Sirius, os três saíram, deixando os irmãos a sós.

Severo olhou para Anne deixando claro que não queria estar ali.

- O que você quer?

- Sev - ela disse em tom firme. - Nós precisamos conversar.

- Não há nada que eu tenha que ouvir de você. - ele disse com desagrado, parecendo mais antipático que o normal - Não faço a mínima idéia de quem é você, mas minha irmã morreu há dezesseis anos atrás. É impossível que você seja ela. - e com o rosto impassível, Severo saiu do quarto, infinitamente decepcionado com a irmã. Ele havia feito tudo para salvá-la, e ela o pagava escondendo que estava viva, fazendo Severo se sentir culpado por tantos anos. Ele não poderia acolher a irmã como se nada tivesse acontecido, quando algo havia acontecido. Ela o enganou, e para Severo, seria melhor se ela estivesse morta.

-x-x-x-

No lado de fora, Julie colcoava os cabelos castanhos atrás da orelha enquanto ouvia madame Pomfrey falar sobre Anne. A irmã de Sirius estava impressionada com a recueração da mulher. Nenhum dos que foram submetidos ao Cruciatus por longo tempo haviam se recuperado, era extraordinário o que havia acontecido com Anne.

Ao mesmo tempo, ela evitava olhar para Dumbledore, que conversava com Remo. Julie não conseguia esquecer o quanto ele a magoou quando Sirius foi para Azkaban. Ela tentava ser amiga dele, mas não poderia voltar a ter o mesmo relacionamento de antes depois de todas as coisas que ele disse.

- Ela só precisa se fortalecer e poderá receber alta - madame Pomfrey disse.

- Hospitais podem não ser os lugares mais animados, mas assim que ficam doentes, eles vêm imediatamente para o St. Mungus - a enfermeira de Hogwarts disse com uma expressão de desagrado.

- Acho que hoje esse lugar está sendo animado até demais... - ela disse quando viu Severo Snape sair do quarto.

Remo se afastou, mas ao invés de ir conversar com Severo, Dumbledore se aproximou de Julie e de madame Pomfrey.

- Posso conversar com Julie por alguns instantes, Papoula?

A mulher olhou para madame Pomfrey, que com um aceno de cabeça, respondeu.

- Claro, Dumbledore. Nós já havíamos terminado de qualquer modo.

A enfermeira de Hogwarts se afastou, e então Dumbledore falou.

- Julie, infelizmente você não poderá voltar para Hogwarts quando as aulas recomeçarem.

Por um instante, os olhos da mulher brilharam, mas em seguida, ela concordou com a cabeça e respondeu.

- Sim, eu já imaginava isso. Agora que Anne melhorou, madame Pomfrey não precisa mais cuidar dela.

- Não, não é por isso. - Dumbledore apressou-se a negar - Vou precisar de você em uma missão para a Ordem.

- Que missão? - ela perguntou, cruzando os braços, e Dumbledore respondeu.

- Preciso que você e Remo encontrem Jack Hardwyn.