Reencontro


Europa, época da Segunda Guerra Mundial

A Alemanha se encontrava em completo desastre devido ao conflito entre os muitos países que deflagraram guerra entre si pelos mais diversos motivos, como a Alemanha que sob o domínio de um ditador louco e odioso, enfatizou a ideia de 'pureza racial', ordenando a prisão e eliminação de todos que considerava 'indignos de viver', conduzindo-os aos campos de concentração de onde nunca iriam sair. Ao menos, não vivos.

O ambiente dos campos era de completa amargura e desesperança, juntando ciganos, judeus, grupos religiosos que protestaram contra a guerra, prisioneiros capturados em combate, homossexuais e diversas etnias não-brancas para não se misturarem aos alemães puros. Os prisioneiros viviam o inferno por cada dia, afastados de suas vidas, famílias e amigos por ação dos nazistas, não contentes pelo poder que tinham de ter a posse do país, também se sentiam satisfeitos em separar pais dos filhos, irmãos dos irmãos e por aí vai. Todos eram obrigados a trabalhar sem descanso ou direito a boas refeições e recursos decentes, seja cavando, construindo, carregando pesos e ferros e até enterrando os corpos de parentes e muita gente que conheceram antes e após a prisão. Às vezes, tinham também os enterrados vivos somente por estarem doentes ou incapazes de trabalhar.

Havia aqueles levados para fora do campo, pensando que seriam soltos, porém eram usados em experimentos nazistas em busca da 'perfeição racial' como modificação de cor de olhos, cabelos e gêmeos estavam entre os mais utilizados, buscando a resposta para replicar pessoas iguais.

A morte era o que mais podia se esperar dos cativos, seja pelas câmaras de gás ou execuções sumárias. Pros nazistas, qualquer motivo servia para matar prisioneiros, de tentativas de fugas à desobediência de ordens ou simplesmente por entretenimento e pelo gosto de eliminar quem considerava 'inferior', como definia seu grande líder.

Muitos dos que estavam presos não tinham esperança de saírem vivos de lá ou de reverem seus familiares e amigos; outros buscavam algum jeito de escaparem daquele lugar horrível, o que resultou em diversas execuções e castigos dos mais variados tipos, desejando às vezes uma morte rápida do que enfrentar a punição; tinham também os que aceitavam colaborar com seus carcereiros no intuito de serem poupados ou conseguirem algum alívio durante a prisão, infelizmente pagos em geral com traição e morte; e não-raros eram as pessoas que não perdiam a esperança de dias melhores e da liberdade.

Dentre estes últimos, uma jovem de belos cabelos louros, pele morena e olhos azuis chamada Mihoshi mantinha seu otimismo contínuo, mesmo com as terríveis provações sofridas a cada dia. Embora presa e separada de seu pai, irmão e de sua melhor amiga, vivia intensamente e sem reclamar, apesar de um tanto desajeitada e causar bastante desastre e estragos. As crianças do lugar sentiam-se contentes por brincarem com ela e assim, manterem a esperança e sua inocência ativas e brilhando. Tal otimismo irritava os soldados e por mais que se sentissem desejosos de tirá-la de suas vistas e eliminá-la, não conseguiam ir contra aquela carinha simpática e cativante que desarmava o mais bruto dos homens, escolhendo deixá-la em paz por hora, mas os demais, mesmo crianças não dispunham de tal sorte. Apenas isso lhe feria o coração, uma vez que não tinha como salvar os presos, mas não desistia de ter esperança e fé.

Um dia, quando carregava lixo para ser jogado nas valas, Mihoshi foi chamada por um oficial de alta patente. "Ei, 777174." Era seu número de identificação. "Venha. Tem alguém querendo te ver."

"Quem? Minha família? Me acharam?" Ela perguntou bem otimista.

"Não espere por milagre, pois aqui ninguém revê famílias. Agora, não enrole e venha agora."

Indo com o oficial e alguns soldados, Mihoshi não tinha ideia do que iria lhe acontecer, mas não perdia seu senso de esperança, convicta que algo de bom entraria em sua vida. O passeio foi curto, pois o oficial de cabeleira verde parou perante uma mulher em uniforme oficial, esta mostrando ter mais patente que ele. Não se notava os olhos cobertos pelo quepe, mas exercia uma firme pose de liderança, trazendo respeito aos soldados nazistas.

"Comandante Munnhainer. Como solicitado, trouxe a mulher que me descreveu. Pode examinar."

"Certo, tenente. Deixe eu verificar." A majestosa figura militar se achegou perto da moça bronzeada e segurou seu rosto, dando-lhe um leve aperto. Mihoshi mal podia ver seus olhos, porém percebia algo familiar. "Então, você é uma fonte de completa esperança, não? Acredita que poderá sair daqui viva?" Silêncio. "Não fique quieta. Fale algo."

"S-sim, eu confio. Não quero perder a fé. Sem fé, nada somos." Ela respondeu, ainda sem poder levantar a cabeça.

"Um animal acuado sempre luta por sua vida, e estou vendo que faz o mesmo. Veremos quanto tempo se segura sob minhas ordens. Anda, você vai ser minha criada particular e lhe garanto: sua vida vai mudar e muito. Oficial, soldados, estão dispensados. Deixe esta estirpe de gente comigo."

Obedecendo a ordem de sua líder, os nazistas dissiparam-se, a deixando sozinha com Mihoshi. Indo até a área reservada as figuras de maior autoridade, onde por motivos óbvios os cativos não podiam ir, a comandante puxou sua cativa pelo braço com força para evitar que escapasse, conduzindo-a pra uma construção luxuosa designada aos oficiais. Uma vez dentro do local com o aspecto de uma pequena mas glamorosa mansão, Mihoshi foi solta e de frente com a mulher, teve algo que não tinha ideia que receberia dela: um forte e aconchegante abraço. Em lugar de pavor, sentiu uma alegria como não tinha sentido nesses tempos presa naquele campo infernal. Vendo o rosto até agora oculto pelo chapéu, seu coração tremeu como nunca quando reconheceu a mulher que a abraçava com lágrimas,

"Kiyone? Esta é você?"

"Sim, minha querida. Sou eu em carne e osso. Como estou aliviada em te reencontrar. Peço que me perdoe como te tratei, mas se não mantivesse as aparências..."

"Eu entendo, Kiyone, e estou feliz de ver você mais uma vez...mas, Kiyone, essa roupa..." Mihoshi mostrou-se intrigada. "Você, por acaso, se virou...pro lado deles?"

"NÃOOOO." Ela gritou com toda a força. "Nunca que me venderia pra essa escória do diabo. É só um disfarce que peguei pra poder passar despercebida. Se te contasse o que precisei passar para chagar aqui..."

"Então me conta. Sabe que pensei que tinha morrido? Foi porque o caminhão onde fui jogada após ser presa passou pela sua rua e vi sua casa queimada e sua mãe caída na rua, parecendo..."

"Morta? Sim, ela morreu." A jovem de longo cabelo verde escuro falou com pesar, quase ao ponto de chorar. A loira lhe deu um amparo ao ver sua tristeza. "Obrigada, amiga. Como dizia, tudo foi tão rápido que, peço perdão pelo que direi, pareceu um milagre eu ter escapado."


Flashback

Tinha voltado das compras na padaria e pronta para fazer um bolo e levar pra dividir com você, mas aí a desgraça se deu: quase deixando o beco que usava de atalho, vi minha casa ser queimada de cima à abaixo e os malditos nazistas levando nossos bens com eles. Mamãe saiu da casa e tentou pegá-los com uma vassoura. Ela tava bem brava e os xingando. Os monstros não tiveram pena: fuzilaram-na a sangue-frio e riram pelo que tinha feito. Quando se mandaram, corri até a mamãe e a puxei pra longe da casa em chamas. Ela ainda respirava e pôde me ver uma última vez antes de morrer.

Chorei como nunca em cima do corpo dela. Ao ver nossa casa queimada, concluí que o papai, minha irmã e o vovô tinham morrido também. Lembrando da direção para onde o caminhão seguiu, era onde ficava sua casa, Mihoshi, e corri como louca pra tentar lhe avisar, mas era tarde demais. Ao chegar, os soldados levavam vários cativos pra dentro do veículo e entre eles, vi você, seu pai e irmão. Não pude fazer nada pra detê-los, embora quisesse, mas escutei o nome de um lugar: campo Dachau.

Eu sabia que existia um campo de concentração com esse nome e tinha que achar esse lugar. Mal disse isso quando uma patrulha nazista veio na minha direção. Tratei de correr e só escapei graças a um homem que me puxou pra dentro de uma casa. Ao me dar conta, vi ser o senhor Hans, amigo do meu pai e dono de um bar na cidade. Fiquei feliz de estar a salvo e sabia que podia confiar, já que ele e o papai eram amigos de longa data.

Contei para ele tudo que se deu e lamentou por minha família. O senhor Hans me ofereceu sua casa pra eu morar até algo ser feito. Disse também o que aconteceu com você, mas ele falou pra eu não ter muitas esperanças de te achar, pois o campo Dachau era um dos mais pavorosos e horríveis já construídos. Quem entra lá, só sai como cadáver, mas me recusei a acreditar nisso.

Trabalhando como garçonete no bar do senhor Hans, o lugar ficava lotado daqueles trastes que envergonhavam a Alemanha por esse intuito de 'raça pura', como definia o maldito fuhrer. Os ouvia rir e se vangloriar das atrocidades cometidas como se pra eles fosse um passatempo comum.

Uma noite, ao servir bebidas pra esses lixos da humanidade e com toda vontade de pôr veneno na bebida, uns soldados estavam juntos de um novo comandante designado para um campo de concentração e este era, por coincidência, chamado de Dachau. Soube que ninguém no campo o conhecia ainda por ser um oficial recém-promovido ao cargo e parecendo um toque do destino, as iniciais dele eram iguais ao do meu nome. Neste instante, me bateu uma ideia.

Com o que aprendei de fazer bebidas com o senhor Hans, pude criar minhas próprias receitas de drinques e uma delas era algo que cairia bem naquela hora. Chegando perto do comandante, servi minha 'bebida especial'. Ele apreciou tanto que quis mais. Claro, satisfiz sua vontade. Horas se passaram e os soldados iam se retirando, mas o comandante fez questão de ficar e tão logo o bar se esvaziou, me certificando que ele ficara bem bêbado, me ofereci pra dar-lhe uma noite...bem agradável. Me senti enjoada de estar com aquele homem, mas não havia outro jeito.

O levei até meu quarto e o deixei bem confortável em cima da cama. Ele ficou tão mole de tanto que bebeu que não ofereceu resistência alguma a minha investida. Tirei seu uniforme, o deixando só de camiseta e cueca e logo na primeira chance, puxei uma faca e o matei, desferindo bem no coração. Nem se deu conta do que o acertou. Pegando suas roupas e documentos, descobri a localização do campo de Dachau e o nome completo do oficial: Karl Munnhainer. De posse de tudo isso e com a sorte de que ninguém lá o conhecia, mais o fato de que o fuhrer costuma nomear mulheres pra altos cargos, bastou eu me livrar do corpo daquele lixo nazista, o jogando numa lixeira abaixo de minha janela, por fim me veio a chance de te encontrar, estivesse viva ou não.

Fim do flashback


"Ao chegar à Dachau, pude me identificar como enviada do próprio líder e sendo que não questionariam uma ordem dele sob pena de desagradá-lo, acreditaram em mim e assim, saudaram a nova comandante, Karla Munnhainer. Como primeira ordem, mandei que vasculhassem o campo atrás de você e a trouxesse à minha presença. O resto você sabe."

"Kiyone. Saiba que estava esperançosa de nos vermos novamente. Como uma semente bem plantada e cuidada, a esperança só tende a crescer se não a abandonarmos."

"E eu tinha uma razão bem mais apontada em crer em sua sobrevivência. E sabe qual foi?" A jovem de olhos azuis nem teve tempo de dizer nada e sem aviso, Kiyone lhe beijou na boca, desferindo um beijo caloroso e gostoso, estimulando cada centímetro de seus corpos com torpor e uma calor intenso. Ao se separarem, ambas se olharam com bastante afeto. Mihoshi mal acreditava naquele ato, mas não achou desagradável, pois no fundo, era o que queria.

"Kiyone. Isso significa que...você me ama?"

"Sim, minha bela. Eu estou apaixonada por você e a amo mais do que tudo. Queria ficar com você, mas sei que aqui e neste período, nosso amor nunca iria ser permitido. Ia te pedir pra deixarmos a Alemanha e irmos pra América pois lá, poderíamos ser felizes juntas, mas essas escória se intrometeu no caminho e terminamos como estamos."

"Kiyone. Saiba que também te amo e ficarei encantada em ir com você. Não sei onde minha família está, mas seja lá onde estiver, estou certa de que estão bem e se virando. Contudo, como vamos sair daqui?"

"Por hora, não vai dar. Como 'comandante', devo liderar este campo segundo as ordens do...fuhrer e agir como ele quer. Caso desconfiem de minha conduta, algo poderá sair errado e nossos sonhos desabarão. Você terá de ficar aqui e diante dos outros oficiais nazistas, fingir ser minha criada. Tentarei comandar tudo isto, porém de maneira a aliviar o sofrimento dos presos, mas sem que notem algo anormal. Entende, meu amor?"

Mihoshi compreendia bem os argumentos de sua amada amiga e novamente a beijou, feliz em revê-la e cheia na esperança de que daquela loucura de guerra terminará um dia para assim, as duas viverem suas vidas em amor e paz.

Continua...