Uma Nova Terra Para Chamar De Lar
A medida em que o sol se erguia na nova manhã, Sasha cantarolava quando colhia as primeiras flores a nascerem depois de um rigoroso inverno. A pouca paisagem branca restante do frio ia se derretendo pelo luz do sol, trocando de lugar com paragens verdes e floridas, indicando o começo da primavera naquele país assolado pela guerra.
Voltando para casa, a pequena ruiva notou como as mulheres que nesses últimos meses, via e amava como sendo suas mães adotivas estavam progressivas naquele dia. Já tinham preparado o café da manhã e nem necessitaram por chamar a filha para comer, sendo que a viram na porta da cozinha.
"Bom dia, Sasha. Vejo que levantou cedo." Observou Kiyone, expressando um leve sorriso.
"Pois é. Quis ter certeza de que era o primeiro dia de primavera. Tem que ver como está verde lá fora, e quente também. As flores e plantas já madrugaram rapidamente e eis uma amostra. São para as melhores mães que uma criança poderia desejar e amar." Ela exibiu o buquê, exaltando um leve perfume.
"Puxa vida. São lindas. Obrigada, anjinho." Mihoshi pegou as flores e colocou num vaso no meio da mesa, pronta para o desjejum. "Pode sentar e comer. Está no capricho."
Sem cerimônia, a menina se sentou com sua família e tratou de apreciar a pequena refeição. Não era muito variado, mas estava gostoso ao ponto de não restar nada. Tendo terminado de comer, Kiyone solicitou uma reunião no quarto, querendo discutir algo.
"Estamos aqui, mãe. Sobre o que quer falar?" Ela olhou pra mulher de cabelo verde.
"Olha, Sasha. Vou ao ponto. Temos de ir embora daqui ainda hoje."
"Embora? Por que se fizemos daqui um lar? Fiz algo de errado?" Mihoshi viu como a notícia pareceu chatear sua filha e resolver contar.
"Oh, não, preciosinha. Nada a ver com você. Jamais íamos dizer algo que lhe deixasse triste, mas infelizmente temos de ir. Por causa do inverno, tivemos sorte dos soldados maus não terem vindo para cá, mas agora que o frio se foi, não vai demorar para virem para estas bandas e se nos acharem..."
"Não. Não quero que nos separem. Eu amo vocês duas. São minhas mães, minha família e não quero perder outra. Não quero." Sasha não se conteve e caiu no choro, confortada depois pelas duas moças. A presença amiga delas abafou sua tristeza com rapidez.
"Querida. Nunca vamos te deixar. Ninguém irá fazer isso de jeito nenhum. Mas compreende o por quê de sairmos daqui? Escuta só." Kiyone reparou no som de um avião cortando o ar e pelo que ouviu, era bem perto por onde voava.
"Pode ser um avião de guerra ou somente de carga, mas não convêm arriscar. Sasha, Mihoshi. Se tiverem tudo no jeito, proponho sairmos depressa. Se irmos para oeste, acho que alcançamos o porto e se dermos sorte, poderá haver lá algum navio indo para a América. Lá, poderemos viver em paz."
"Tem razão, meu bem. Quero logo ir pra lá com você e nossa garotinha e uma vez na América, poderemos nos casar e seremos felizes. Sasha, está nos entendendo?"
"Sim, mãe. Compreendo, sim. Quero também ir para lá e virarmos uma família de verdade. Me ajuda com as malas?"
Puxando a filha até o quarto, Mihoshi sorria com intenção de animá-la. Sua companheira se sentia feliz pelas duas estarem se entendendo tão bem. Apesar da expressão satisfatória, Kiyone tinha uma certa angústia pelo tempo estar passando e desejando sair logo da Alemanha, pois a cada minuto perdido, era somente uma oportunidade dos nazistas poderem surgir sem aviso e tentar separa sua família, algo que nunca ia permitir, renovando sua promessa de cuidar e amar sua família, seja lá como ia fazer.
Abandonando a cabana que consideraram como seu lar durante o rigoroso inverno, Kiyone, Mihoshi e Sasha tomaram o caminho em meio às árvores que iam dando novas folhagens e flores, como era normal se dar a cada primavera. Sem olharem pra trás, a família de duas mulheres e uma criança apertou o passo ao notarem que suas suspeitas iniciais se mostravam corretas: o som era de aviões, e pelo formato, de guerra alemães. Motivo esse de sobra pra fugirem antes que fosse tarde demais.
Evitavam ao máximo andarem em campos abertos, usando as árvores como cobertura, evitando serem vistas tanto em chão quanto no ar. Sasha ia bem depressa e por melhor que pudessem estar, suas mães adotivas mal conseguiam acompanhar seu ritmo.
"Preciso contar: ela tem um bocado de energia para alguém tão pequena."
"Olha que eu juraria que ela poderia ser da sua família, Mihoshi, pois você também é bastante ativa. Lembra de quando a gente brincava nas ruas de esconder, corre-corre e tantas outras e você era tão elétrica? Ninguém conseguia seguir seu ritmo e acabávamos sem fôlego."
"Se me recordo. Tão bons aqueles tempos e é uma pena que tenham acabado. Todavia, assim que chegarmos até a nossa nova casa, vamos nos assegurar que Sasha tenha muitas horas para brincar e muitos amigos."
"É essa sua atitude que me faz te amar todos os dias que vivemos, meu anjo." Kiyone abraçou sua companheira em meio a suspiros amorosos. Mihoshi sentia-se reconfortada por aquele forte sentimento. Sasha parou para vê-las em tão linda união que foi abraçá-las também.
Todavia, tal momento foi quebrado pelo barulho de um galho quebrado e pelo som, foi pisoteado.
As três se ajuntaram, temendo o pior. Kiyone ainda teve chance de pegar um revólver do cinto e apontar. De repente, um grupo de soldados emergiu da mata e apesar o susto inicial, o sentimento de pavor se afastou ao repararem que eram americanos.
"Ei, vocês. Baixem a arma. Não queremos atirar desnecessariamente." Ordenou o que ostentava uma insígnia de sargento e liderava o pelotão.
"Por favor, não nos machuquem. Só desejamos encontrar um lugar para ser nossa nova casa, já que perdemos as nossas." Mihoshi pedia quase em súplica.
"Sim, por favor. Não quero perder minhas mães." Sasha falou chorando ainda abraçada na moça de cabelo verde escuro.
"Não precisam se alarmar." Respondeu o sargento em sinal de paz. "Vejo que são somente civis inocentes. Somos americanos. Fiquem conosco e ficarão seguras. Só peço que me deem essa arma, pode ser?" Vendo que não pareciam ruins e mostrando-se amigáveis, Kiyone entregou o revólver ao sargento. Retomando a caminhada, os soldados e suas acompanhantes regressaram até um grupo maior, reunido próximo de uma estrada de terra. Recebendo comida e água, Mihoshi, Kiyone e Sasha sentiam-se mais seguras e acomodadas. Depois do descanso, embarcaram em um caminhão ao lado de mais civis recolhidos. Um comboio partiu na direção sul do país, passando por campos arruinados e cidades em ruínas.
A criança ruiva dormia tranquila no colo de sua mãe loira, a qual lhe afagava o belo cabelo vermelho com carinho. Kiyone olhava distraída para a estrada deixada para trás. Um dos soldados que viajava na traseira para proteger as pessoas a via bem curioso.
"Ei, moça. Desculpe me meter, mas eu escutei certo quando a menina aí lhes chamou de...mães? Bem, não precisa dizer nada."
"Claro, eu falo. Sim, é verdade. Mihoshi e eu meio que...nos juntamos antes de fugirmos de um campo de concentração e após nossa fuga, encontramos Sasha perdida na floresta. Ela se separou do pai e a achamos e uma vez que não tínhamos mais parentes que pudessem estar vivos, formamos nossa própria família e daí, ela nos vês como mães e para nós, ela é nossa filha"
"Admito que estou comovido. Essa guerra causou dor e sofrimento para muitos e tudo por causa de um déspota fanático por 'pureza racial'. Eu espero que possam viver bem. Aliás, falou que queriam ir para a América, correto?" Kiyone confirmou. "Estão com sorte. Vamos passar por um porto e lá, está repleto de navios para refugiados. Talvez achem um para a América. Tomara que sejam felizes por lá."
"Se estiver ao lado de minha família, não haverá motivo pra não sermos." Kiyone respondeu com um leve sorriso, imaginando a vida que teria com sua noiva e filha em um lugar mais pacífico e próspero.
Após quase duas horas de viagem, os caminhões de refugiados frearam na área portuária, descarregando seus passageiros. Mihsohi e Kiyone, segurando as mãos de sua filha, observavam a multidão de gente buscando embarcar nos navios que saíam do país, como se a Alemanha agora não passasse de um pesadelo horrível a qual queriam distância, nutrindo a esperança de vidas mais produtivas e seguras em outros países livres do horror da guerra. Era com essa sensação de segurança que as duas moças e sua criança almejavam partirem de uma vez.
Foi uma longa espera na fila de embarque, mas enfim chegou a vez delas subirem no navio. Cumprindo cada requisição pedida e comprovando não terem mais parentes pelo quais pudessem esperar, mais o comprometimento de cuidarem de Sasha afirmando que ela era órfã, por fim subiram a bordo do navio em direção à América.
De tanta gente, parecia que não ia sobrar espaço nem para se levantar os braços sem acertar alguém. Contudo, nada impediu Mihosh, Kiyone e sua filha de respirarem com alívio ao deixarem a costa do país. Mesmo lamentando a perda de suas famílias, agora era o momento de se concentrarem num novo futuro.
"Bem, agora não tem volta. Deveremos estar nos Estados Unidos em poucas semanas."
"Sim, Kiyone. E uma vez lá, vamos nos esforçar em começar por uma nova vida, para nós e para Sasha." Mihoshi afirmou, segurando com delicadeza a mão de sua noiva. Sem hesitar, se achegaram e trocaram um longo beijo, sem ligar para as pessoas que viam a cena. Sasha ao olhava sem preocupação, tendo seu coração cheio de alegria e esperança.
"Eu te amo, Mihoshi."
"E eu também te amo, minha linda."
"E eu amo minhas duas mamães." A pequena ruiva se juntou à elas num abraço, ciente do bom futuro que as aguardava em sua nova casa.
Continua...
